O proletário e os exegetas burgueses

Ora, ora, os exegetas burgueses vieram visitar o proletário.

Era assim que Frei Rosário Jofilly (1913-2000) recebia o Benjamim, o Emanuel e eu lá em sua morada na Serra da Piedade, MG, a 1746 metros de altitude. Isto acontecia uma ou duas vezes a cada janeiro e a cada julho, desde 1977. Benjamim Carreira de Oliveira e eu com Frei Rosário Joffily na Serra da Piedade, MG, em janeiro de 1982.

Pois desde 1977, Benjamim Carreira de Oliveira, de Belo Horizonte, MG, Emanuel Messias de Oliveira, de Governador Valadares, MG e eu – nós três, ex-colegas de Roma com Mestrado em Bíblia – passamos a nos encontrar no Asilo São Luiz, – apesar do nome, um orfanato – das Irmãs Auxiliares de N. S. da Piedade, pertinho de Caeté, MG, aos pés da Serra da Piedade, para estudar nas férias.

Primeiro em janeiro. Depois em janeiro e julho. Ficávamos na “Casa do Padre”, que era reservada para nós. Irmã Genoveva cuidava da gente. Estudávamos e preparávamos aulas, cada um em sua área bíblica específica, cerca de 10 horas por dia. Sem TV e sem telefone. Só levávamos livros. Trocávamos muitas ideias e fazíamos caminhadas pela fazenda. Fizemos isso, todos os anos, durante 26 anos, até 2003.

E íamos, os “exegetas burgueses” no dizer dele, visitar o Frei Rosário lá no alto da Serra, para trocar ideias e tomar um copo de vinho acompanhado pelo extraordinário queijo da Serra.

Nestes dias estou recuperando fotos antigas e colocando-as no Instagram. E cheguei, em janeiro de 1982, nas fotos que tenho com Frei Rosário.

Por causa disso, descobri também um texto muito bom que conta a história de Frei Rosário e suas atividades na Serra da Piedade. Foi publicado no jornal Opinião, de Caeté, em 14 de março de 2019. Escrito por J. C. Vargens Tambasco, engenheiro e escritor, ex-diretor Industrial da Cia. Ferro Brasileiro, que residiu em Caeté de 1977 a 1995.

Reproduzo aqui o texto do José Carlos Vargens Tambasco: 70 anos que o Frei Rosário chegou à Serra da Piedade

Sem bulhas nem matinadas, para conduzir soluções ao que vinha se arrastando desde o século XVIII, frei Rosario Jóffily chegava na Serra da Piedade

O Cardeal e a Serra

Em 1946, D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta era elevado à dignidade do Cardinalato. Em 07 de maio do mesmo ano, o Cardeal Motta visitava Caeté. Nessa oportunidade recolheu-se por várias horas ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade, em orações e meditação. Muito provavelmente meditava re refletia mais profundamente sobre o futuro daquele seu, tão caro, Santuário. Certamente, este era o objeto principal da sua visita.

Ao retornar, dirigiu-se à cidade de Caeté. Já no bairro José Brandão, foi homenageado pelo Diretor Industrial da Companhia Ferro Brasileiro, sendo recebido na Casa de Hóspedes dessa empresa, para um lanche informal. Não sabemos o que foi tratado, pelo Cardeal, nessa breve reunião. Contudo, é bastante provável que ele tenha sondado as intenções da diretoria da empresa quanto ao futuro que imprimiria às atividades de mineração da “canga”, minério de ferro muito abundante na jazida do Descoberto, cuja autorização de lavra já fora concedida, pelo Departamento Nacional da Produção Mineral, à concessionária que a representava.

Empresarialmente, tratava-se de uma situação normal de exploração industrial, para a qual a empresa se preparava desde 1938. Durante muito tempo, a Companhia Ferro Brasileiro fora abastecida em minérios de ferro pela atividade de terceiros; a partir dos anos 1940, ela passou a seguir a via da verticalização da produção e, nesse sentido, adquiriu as minas de Trindade, do Gongo Soco e da Serra da Piedade. Estudos conseqüentes foram produzidos por engenheiro de minas do grupo francês, controlador dessa sociedade, o que definiu as condições de exploração mais convenientes para a Usina Gorceix .

Contudo, a mineração que se pretendia fazer, era a do aproveitamento dos capeamentos de canga; os corpos minerais subjacentes, de hematita compacta, não seriam explorados. Era uma decisão estratégica, que não implicaria em investimentos de porte, salvo aquele investido na propriedade da terra, a qual também se tornaria em reserva florestal para a futura produção de carvão, dada a sua extensão e ao ambiente ecológico propício. Dessa forma, Trindade e Gongo Soco foram exploradas, até o esgotamento da canga, minério muito conveniente para a marcha dos pequenos altos-fornos a carvão vegetal.

Durante os anos 40, já se preparavam os estudos para a exploração do mesmo tipo de minérios, na Serra da Piedade e, nesse sentido, os estudos foram intensificados. Verificou-se que o minério mais conveniente para a exploração econômica, era o situado na parte do Descoberto, cuja área era de propriedade do Asilo São Luís.

Desde o 7 de maio de 1941, a Congregação das Irmàs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade havia firmado acordo com a Companhia Ferro Brasileiro, segundo o qual estaria garantida a participação em royalties legais, à primeira instituição, pela fruição da exploração dos minérios de ferro e de manganês, pela segunda, nas jazidas localizadas nas terras das antigas fazendas Morro Velho e Pedro Paulo, cuja propriedade mineral era, agora, do Asilo São Luís.

O Cardeal Motta constatava, assim, que desde a sua partida do Asilo São Luis – onde viveu seus primeiros momentos como padre, tendo sido o coadjutor do Monsenhor Domingos Pinheiro – a Serra da Piedade voltara a um estado de abandono, em tudo semelhante àquele que ocorrera após o afastamento do Padre Simplício, havia já 74 anos passados. Nova ameaça rondava a Serra portentosa, e o Cardeal o pressentia: a exploração mineral naquele ecossistema dotado de excepcional microclima, e conjunto paisagístico de pequena extensão, mas de elevada importância para Minas Gerais, porquanto também sede de tradições históricas, culturais e religiosas, de nenhum modo desprezáveis.

Não se esquecendo de suas origens mineiras, o Cardeal nutria particular afeição pelo Santuário de Nossa Senhora da Piedade e pelo Asilo São Luis, instituição onde viveu seus primeiros anos de sacerdócio, antes de ser convocado a novas missões, que dali o afastaram. Não obstante ser, naquele momento, Cardeal Arcebispo de São Paulo, desejava tomar à si, também, as preocupações quanto à defesa daquele Santuário. Ainda mais, sabia-o, o Arcebispado de Belo Horizonte também se encontrava de mãos atadas para o encaminhamento de uma solução mais imediata para o problema, faltante que era do elemento humano indicado para a tarefa; além disso, havia as consequências sociais que poderiam eclodir, de uma ação intempestiva, eventualmente exercida contra o prestígio de uma indústria muito bem posicionada na opinião pública de Minas Gerais. E, finalmente, haveria que considerar-se os meios financeiros que pudessem suprir os rendimentos indispensáveis à continuidade da obra social, que era o Asilo São Luis. Era imperioso que aguardassem tempos melhores para qualquer ação.

Contudo, sua visita ao Santuário, mostrava-lhe também quão insensato era, em nome de um suposto desenvolvimento industrial local, descaracterizar aquele patrimônio natural. No centro de suas reflexões não era esquecida a realidade social girando em torno da Companhia Ferro Brasileiro, em sua usina de Caeté, que na época mantinha cerca de 2500 operários na Usina Gorceix, e outros tantos nas atividades rurais e de mineração: era o expressivo total de 25.000 almas, que eram mantidas com os salários pagos pela empresa.. E não era questão prejudicar o funcionamento desse magnífico complexo industrial, através medidas violentas de enfrentamento direto. Decididamente, a Serra da Piedade precisava de um guardião que, antes de tudo, fosse dotado de sensibilidade social, além de ser homem de fé e de vontade férrea na perseguição dos seus objetivos, mesmo que estes parecessem inacessíveis, no momento.

O frade e a Serra

Atuando na cidade de São Paulo, havia um religioso com um tal perfil. Tratava-se de um frade dominicano, então com 36 anos, com doutorado em Teologia, e regendo uma cadeira de Filosofia na PUC de São Paulo. Era, entretanto, dotado de personalidade irrequieta, que ainda não discernira sua verdadeira missão, mas que julgava entrevê-la na vida contemplativa, como ermitão e restaurador de algum velho convento colonial, dos quantos ainda existiam na orla marítima do estado de São Paulo. Ou, quem sabe, naquele de São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro?

Procurando um caminho para a realização de tais projetos, frei Rosário Joffily buscou o aconselhamento do Cardeal Motta que, sem mostrar entusiasmo pelas idéias expostas, dissera-lhe considerar que “ele ia muito bem no que fazia, na Universidade”. Não obstante, prometeu-lhe pensar sobre o assunto e voltar a conversar com ele.

Dias depois, o Cardeal Motta o convocava para um encontro, à tarde; conta-lhe que, naquela manhã, recebera um presente que o agradara muito: era uma imagem de Nossa Senhora da Piedade. Considerou que, talvez, aquele fato fosse um sinal, porque o Santuário de Nossa Senhora da Piedade, de Caeté, era local tradicional em Minas Gerais, mas, estava ameaçado pela ação de uma mineradora de ferro. Quem sabe, Frei Rosário poderia ajudar, de alguma forma, na preservação desse Santuário?
Frei Rosário relatou ao autor desta “Comunicação” que, após muito pensar, sentiu que aquela era uma vontade de Deus. E aceitou o desafio.

Em 19 de março de 1949 – como ele próprio gostava de assinalar, no dia de São José – Frei Rosário Joffily se alojava no Santuário da Serra da Piedade, para ali permanecer durante os próximos 51 anos e 5 meses.

Emanuel Messias de Oliveira e eu com Frei Rosário Joffily em janeiro de 1982Permitam-me os leitores, nesse ponto, algumas lembranças sobre o final da jornada desse religioso, exemplar na sua fé e no cumprimento de sua missão apostólica:- Durante a segunda semana do mês de agosto de 2000 – provavelmente no dia 9, próximo à hora do Ângelus – dirigindo-se aos seus aposentos, ao subir os degraus externos ao mesmo, desequilibrou-se, caindo de costas. Em conseqüência, fraturou o crânio e foi socorrido pelo padre Virgílio Rezi e pelo sr. Leandro Garcia, que lá se encontravam. Transportaram- no à Santa Casa de Caeté, de onde o removeram para o Hospital Madre Teresa, em BH. Ali, frei Rosário chegou consciente, posto ter preenchido, do próprio punho, os documentos para a sua internação.

Frei Rosário foi submetido a uma cirurgia para descompressão craniana, com todo o sucesso. Com muito boas respostas neurológicas, o pós-operatório transcorreu sem novidades maiores. Subitamente, ele foi acometido por uma pneumonia dupla e, na madrugada do dia 17 foi transferido para o CTI daquele hospital. No dia 19, este Autor foi admitido ao CTI, para visitar Frei Rosário, por 5 minutos: ele recebia ventilação mecânica e dormia, sedado. Naquele momento, frei Rosário já era vítima fatal da septicemia que o acometera. Dificilmente haveria possibilidades de recuperação para ele, salvo as esperanças escatológicas dos seus irmãos na fé.

Para aqueles que tiveram longa convivência com Frei Rosário, era muito triste ver aquele homem, outrora tão resoluto e determinado, ali, exposto em uma fragilidade indizível… Naquele momento, em pensamentos, dei o meu adeus ao amigo querido de tantas jornadas. Ele faleceria no dia 25 seguinte.

A luta do frade pela consolidação do Santuário

Frei Rosário Joffily – na vida do século nomeado Jovino Joffily – era nordestino, de tradicional família do Rio Grande do Norte, da linhagem dos Albuquerque Maranhão. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, o primeiro governador do Rio Grande do Norte, eleito por aclamação popular, caso raro na História da República Velha, foi o seu avô. Frei Rosário costumava dizer que seus ancestrais, saídos do Minho, em Portugal, escolheram o Brasil e o seu Nordeste, desde 1530…

Nasceu na Cidade da Paraíba (hoje, João Pessoa), em 6 de janeiro de 1913, onde seus pais estavam residindo, transitoriamente. Foi educado com os avós maternos, em Natal, onde completou os cursos primário e secundário. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde completou o curso colegial e iniciou o superior.

Era primo de Mário Pedrosa, cuja casa frequentava, e onde fez conhecimentos com boa parte da intelectualidade daquela época, no Rio de Janeiro. Entre esses, conheceu Alceu de Amoroso Lima, de quem sempre guardou grande admiração, assim revelando a fonte de sua conversão ao cristianismo. De fato, ele revelaria, bem mais tarde, que a maioria dos seus amigos da época pertenciam ao “Partidão” (Partido Comunista Brasileiro). Dizia ele ter procurado encontrar alguma lógica no marxismo, mas jamais a encontrou; ressalvava, contudo, jamais ter sido um capitalista, sendo essencialmente um socialista.

Realmente, aos 21 anos, em 1934, iniciou o seu noviciado, tendo pertencido, antes, à JUC (Juventude Universitária Católica). Sua conversão não foi a única naquele grupo de jovens, pois se deu também com 15 outros amigos de Jovino, todos participantes da JUC, três dentre esses jovens, Jovino entre eles, tornaram-se Dominicanos; os 12 restantes, orientaram- se para a Ordem dos Beneditinos.

Os estudos religiosos superiores foram realizados na França, onde frei Rosário passou todos os anos da 2ª Guerra Mundial. Regressou ao Brasil após o término do conflito, radicando-se em São Paulo, onde se encontrava em 1948.

Voltamos a encontrar frei Rosário na Serra da Piedade, durante o segundo trimestre de 1949. Ele travou conhecimento com as pessoas que conduziam a vida econômica e social da cidade de Caeté, inclusive com os diretores, gerentes e operários da Companhia Ferro Brasileiro. Também estabeleceu os laços necessários com os administradores públicos do Município.

Na Serra, ponderava e agia com tranqüilidade, pensando em como prover as necessidades mais prementes, de forma a fazer crescer o movimento das romarias ao Santuário: água, energia elétrica e estrada de acesso.

Através dos seus contatos com os operários da CFB, soube que, outrora, havia cerca de uma dezena de anos, houvera uma usina hidro-elétrica montada no ribeirão Caeté, no local denominado Fecho do Funil, próximo à Usina Gorceix. Essa geradora fornecia energia elétrica à cidade de Caeté. Usina pequena, com capacidade limitada a 48 kW, tinha o seu gerador acionado por uma turbina Pelton, adequada às pequenas quedas de água. A usina fora desativada em 1942, após uma grande enchente que destruiu parte considerável das suas instalações.

Frei Rosário descobriu que as partes essenciais dessa usina ainda se encontravam no depósito de recuperados da Prefeitura, conseguiu que essas partes fossem doadas ao Santuário, iniciando a sua recuperação.

Com a ajuda de Antonio Januário Pinto, mestre de mecânica da CFB, além de outros operários mais, frei Rosário fez com que esse equipamento fosse reinstalado no ribeirão do Descoberto, próximo ao Asilo São Luís, com inteiro sucesso. Uma linha de transmissão com tensão de 220 V foi construída, alimentando o Asilo e o Santuário. Em 1950, pela primeira vez na sua História, o Santuário de Nossa Senhora da Piedade era iluminado com luz elétrica.

O passo seguinte seria o de dotar o Santuário com o volume de água potável exigido pelo movimento das romarias. Tendo superado a etapa do suprimento da energia elétrica com a potência possível, frei Rosário providenciou a importação de 4 bombas centrífugas, para água, capazes de bombear a água a uma altura de 150 m. Implantadas próximas ao eixo da trilha de subida da encosta, cada bomba alimentava um dos reservatórios intermediários. Do córrego Descoberto, a primeira bomba recalcava a água ao primeiro reservatório, elevado de 150 m do nível da primeira bomba; daquele, a segunda bomba aspirava a água, para então elevá-la até o próximo reservatório e, assim, sucessivamente.

A primeira bomba foi implantada junto a uma das nascentes do Descoberto, e abrigada no buracão, espécie de embocamento de mina aurífera descontinuada, até hoje existente naquele local, à margem da antiga estrada para Caeté.

Essas bombas, tendo sido recebidas em fins de 1950, em 1951 já estavam instaladas e operando normalmente. Era uma nova etapa de desenvolvimento do Santuário, que se consolidava, quase um século após os importantes trabalhos de construção de um reservatório de água, empreendidos por frei Luís de Ravena, naquele cume. Foi um evento marcante.

O sistema de bombeamento fora concebido e importado com a ajuda da própria gerência local da CFB, que colaborava com o Santuário, colocando à sua disposição as oficinas e máquinas-ferramentas; os operários e profissionais da empresa também davam a sua parcela de contribuição, trabalhando na execução das obras da Serra, após os seus horários normais de trabalho na usina. Grande foi o espírito de colaboração de todos, como podemos aduzir do testemunho de José Zanon Filho e de Jorge de Oliveira Soares:

(…) Nós éramos alunos do SENAI da CFB [Escola Profissional mantida pela CFB, em convênio com o SENAI], e fazíamos estágio nas oficinas da Usina Gorceix. Vez por outra o Januário [Antonio Januário] mandava a gente tornear uma ou outra peça para o ‘Frei”.(…) Às vezes o “Frei” vinha ao nosso torno e, ele mesmo, fazia a sua peça. Com a nossa formatura [2ª turma de profissionais formados naquela Escola], convidamos o “Frei” para celebrar a missa na Igreja de São Francisco. Ele aquiesceu com muita cordialidade. Desde então fortaleceu-se a nossa amizade.
(ENTREVISTA, 2002; 4 de fevereiro)

Frei Rosário soube conquistar aquela juventude operária da cidade de Caeté, dia após dia, como podemos ver pelo testemunho de José Muniz Macedo:

(…) Conheci Frei Rosário em 1956, por ocasião da formatura da 4ª turma de profissionais do Colégio SENAI-CFB. Resolvemos comemorar a formatura passando a noite na Serra da Piedade. Lá chegando, procuramos o “Frei” e pedimos a devida autorização. Ele não só nos acolheu, como organizou, de imediato, uma vigília à Nossa Senhora da Piedade, o que nos ocupou toda a noite. Na manhã seguinte, ele nos ofereceu um magnífico café da manhã…
(Ibidem)

A este, segue-se outro depoimento, agora de José Zanon Filho, evidenciando a capacidade e o espírito de liderança de frei Rosário:

“Logo após a nossa formatura, ele nos convidou para jantarmos na Serra. No fim do jantar, ele nos comunicou: “vocês vão conhecer o Rio de Janeiro.” Disse-nos que pagaríamos 50% do valor da passagem de avião, o que ele obteria com amigos; a permanência no Rio seria sem despesas, porque ficaríamos em casas de religiosos(…) Metade ficou no Convento dos Dominicanos e metade no Mosteiro de São Bento. Passamos 10 dias no Rio: Imagine! Nós, rapazes de Caeté, que nem Belo Horizonte conhecíamos, e fizermos um passeio destes! Um dia ele nos disse: “Agora, vocês vão visitar meus pais.” E lá fomos, para o Jardim Botânico, onde eles moravam, e fomos muito bem recebidos. O pai do Frei era um senhor baixo, portando um cavanhaque que lhe dava o ar de professor; sua mãe [de Frei Rosário] era uma senhora muito simpática. (…) Ao chegarmos ao Rio, o Irson [Irson Alcântara] teve uma crise de apêndice, tendo sido internado e operado. O Frei cuidou de tudo! (…) Ao voltarmos, ele nos disse: “Agora, vou arranjar um passeio para vocês, em São Paulo.” E, em 1954, lá fomos nós, de “Vera Cruz” [trem de luxo que fazia a linha Rio-Belo Horizonte, para São Paulo, baldeava-se em Barra do Piraí-RJ, onde se embarcava no “Santa Cruz”
(Ibidem).

Era esse o modo através do qual frei Rosário conquistava os seus colaboradores, turma após turma formada que, em última análise, não eram “seus colaboradores”, antes do Santuário. No caso em apresentação, aquele grupo permaneceu fiel ao Santuário até a data atual, garantindo a conservação dos seus diversos equipamentos eletro-mecânicos e eletrônicos.

Entre os jovens especialistas em eletro-mecânica da CFB, um se destacava pela sua habilidade em enrolar bobinas de motores: Ilton Alcântara. Frei Rosário aprendeu, com ele, a técnica de enrolar motores, inclusive a do tratamento das bobinas, por imersão nos vernizes isolantes especiais. Em breve ele se igualava a Ilton, tendo-o superado quanto à capacidade de calcular, matematicamente, os seus parâmetros elétricos. Não teve tempo de ensiná-lo ao Ilton, pois que este veio a falecer de mal súbito, muito jovem ainda.

“Para Frei Rosário, a aprendizagem da reparação dos motores era coisa essencial, porquanto, dado o nível de instabilidade de tensão de sua usina geradora, a queima de motores era frequente, e era ele quem os reparava”.(Ibidem. Fala de José Zanon Filho).

Frei Rosário se orgulhava muito dessa habilidade. Certa vez ouvimo-lo comentar que todo frade deve desenvolver uma dada habilidade manual, a qual possa garantir-lhe a manutenção com o seu próprio trabalho. Quando chegou à Serra, a habilidade que possuía era a de trabalhar o couro mas, depois de suas “aventuras tecnológicas” na Serra, adquirira uma nova habilidade, que era a de enrolar motores, e estava consciente de bem o fazer. Tal habilidade era muito conveniente nos tempos que agora corriam para o Santuário, ainda mais que, convivendo em um meio operário de alto nível de capacitação tecnológica, podia falar-lhes como um igual, até em seu “dialeto tecnológico” próprio, sem jamais ter sido um padre- operário.

O Santuário, desde o início de 1952, estava convenientemente servido de energia elétrica e de água. Podia, agora, receber os seus romeiros mais condignamente, faltando apenas a estrada de acesso que permitiria um maior e mais cômodo afluxo humano.

Portanto, também era a hora de preocupar- se com a limitação, ou preferencialmente, com a extinção da atividade mineradora na Serra, bem como da sua maior proteção ecológica.

Entre as amizades que fizera, após sua chegada à Serra da Piedade, estava aquela de Nelson de Sena, a quem Frei Rosário tinha em grande consideração. Como a vários outros mineiros ilustres, consultou-o sobre a questão que o preocupava, com relação à atividade mineradora na Serra. Político experiente, Sena fê-lo ver que não seria fácil conter a mineração, porquanto ela estava armada de todas as exigências e direitos legais para exercer sua atividade. Além disso, completou o seu conselheiro, havia uma possível questão social, caso a mineração fosse parada abruptamente. Frei Rosário considerou que, nessas condições, não valeria a pena iniciar qualquer ação, pois que seria perdê-la na certa. Outros caminhos deveriam ser encontrados.

Quando ainda morador de São Paulo, Frei Rosário conhecera Rodrigo de Mello Franco Andrade, com quem estabelecera grande amizade. Por ocasião de uma das suas viagens entre Belo Horizonte e Rio, encontrara Rodrigo no aeroporto da Pampulha. Rodrigo mostrava- se particularmente feliz, porquanto vinha de obter o tombamento de dois importantes sítios históricos, o sítio onde se travara a batalha dos Guararapes, em Pernambuco, e o de São Miguel das Missões, no Sul do Brasil, onde os Jesuítas catequizaram os Guaranis.

Frei Rosário declarou-se verdadeira e agradavelmente surpreso, porquanto julgava que o SPHAN apenas cuidasse do tombamento e preservação de obras de arte e edificações com significado histórico. Porém, quanto aos sítios históricos…

Era o que ele precisava para o encaminhamento do problema da Serra da Piedade!

De pronto, colocou o problema para Rodrigo, pedindo que o ajudasse no tombamento da Serra da Piedade. Este se mostrou interessado na questão. Lembrava-se daBenjamim Carreira de Oliveira e eu com Frei Rosário Joffily na Serra da Piedade em janeiro de 1982 Serra e do seu Santuário, que visitara quando ainda jovem, com cerca de 17 anos. Por certo, durante o resto da viagem, teriam discutido sobre os destinos desses monumentos geológicos de Minas Gerais, entre os quais o Cauê, que já estava com o seu destino traçado e em breve não seria mais que “uma fotografia pendurada na parede”, na expressão do ilustre poeta itabirano, e colaborador administrativo de Rodrigo, Carlos Drumond de Andrade. Falou-se sobre o pico do Itabira, igualmente, ameaçado; e de um forte, mas incerto, movimento para a sua preservação, que estava sendo esboçado; agora, a Serra da Piedade…Era preciso agir.

Rodrigo recomendara que fosse obedecido certo modus faciendi, de forma a consolidar de modo definitivo, sem possibilidades de reversões, qualquer tombamento executado: em primeiro lugar, que o interessado pelo tombamento fosse o proprietário do bem tombado, em sua maior parte; segundo, que os procedimentos fossem sucessivos e que as preocupações visassem, primeiramente, o essencial, pois que o acessório viria de per se.

Dessa forma agiu Frei Rosário Joffily, que passou a trabalhar no sentido de completar as propriedades do Santuário, através retificações de limites, compras de posses e faixas limítrofes, de tal sorte que, em pouco tempo, a região Sudoeste da serra, que era a mais problemática, em 1954 estava regularizada, conforme planta das propriedades do Santuário.

Entrementes, Frei Rosário procurava obter compromissos de convivência da mineradora e da própria CFB, posto que a exploração já se aproximava perigosamente do local onde estava situado o primeiro Passo de Adoração e Reflexão, no início da subida da Serra.

Porém, sua ação junto à CFB, inicialmente promissora, a partir de um certo momento parecia não mais frutificar. Carta do Bispo Coadjutor de Belo Horizonte, dirigida ao Gerente de Usina, sr. Louis Poupet, abordava amargamente a pouca atenção que vinha sendo dada aos contatos com o vigário do Santuário, bem como com aquelas cartas emanadas das autoridades religiosas, sobre o mesmo assunto.

Outra carta, do Cardeal Motta, datada de 4 de janeiro de 1955 e dirigida à alta direção da CFB, fora incisiva: Pedia a atenção daquela diretoria para a devastação que a CFB fazia na Serra, através da sua mineradora. Chamava a atenção dos diretores sobre as obrigações daquela indústria face à preservação dos sítios históricos e de tradição, diversamente do que se fazia atualmente com o Pico do Cauê. A Serra da Piedade não poderia vir a ser um novo desastre histórico-cultural em Minas Gerais, pensava a alta hierarquia eclesiástica de Minas Gerais.

Benedito Efigênio Galantini, topógrafo da CFB, prestando serviços à mineração, encontrava-se em trabalhos de levantamentos topográficos da área minerada, muito próximo ao primeiro Passo da trilha da Serra, quando viu frei Rosário pela primeira vez. Era um fim de tarde do ano de 1951, sem que ele saiba precisar em que data. Frei Rosário subia a trilha da Serra, cavalgando um burrico. Ele parou e dirigiu-se ao topógrafo, inquirindo: ” Onde estão os marcos da Companhia?” E Galantini lhe disse que estavam próximos dali, mas que dado o adiantado da hora, ele não poderia mostrá-los, ao que Frei Rosário retrucou: “Não faz mal. Veremos isso em outra ocasião.”

Quer isso dizer que Frei Rosário começava, então, sua procura para as definições dos limites das terras do Santuário. E, efetivamente – é, ainda, Benedito Galantini quem no-lo confirma: a primeira planta para Registro Torrens começou a ser elaborada em 1952, mas o primeiro registro deu-se em 1954. A primeira retificação de divisas foi realizada com a Fazenda do Ouro Fino, então de propriedade do sr. João de Resende Costa [Não confundir com o seu homônimo, o Arcebispo de Belo Horizonte.]

Logo após, houve a compra de direitos de posse, na Fazenda do Morro Velho, no lado Sudoeste. Em 1955, já havia uma planta de propriedades, que permitiria o início de um processo de tombamento. Efetivamente, em 17 de julho de 1955, o Reitor do Santuário fazia um pedido formal, ao Diretor do SPHAN, para o início do Processo para tombamento da Serra da Piedade.

O Processo caminhou célere, pois que em 22 de agosto de 1955, o chefe do SPHAN-MG, informava ao sr. Rodrigo de Mello Franco Andrade que procedera buscas sobre a historicidade da Ermida de Nossa Senhora da Piedade, encontrando-as na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol.II, p. 198 Em 6 de setembro de 1956, em ofício dirigido a Frei Rosário Joffyli, Rodrigo Andrade comunicava o deferimento, em definitivo, do pedido de tombamento do sítio e das construções existente nas propriedades do Santuário.

Morreu o teólogo Gustavo Gutiérrez

Morreu em 22.10.2024, aos 96 anos, o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, considerado o pai da Teologia da Libertação.

Veja sobre Gustavo Gutiérrez:Gustavo Gutiérrez Merino (1928-2024)

Francisco e Gustavo Gutiérrez – Observatório Bíblico: 14.09.2013

O ilustre pai da Teologia da Libertação – Observatório Bíblico: 04.04.2012

Entrevista: Gustavo Gutierrez, um dos pais da TdL – Observatório Bíblico: 21.07.2008

Conheci Gustavo Gutiérrez na década de 70, em Roma, quando fez palestra para os estudantes dos Colégios Pio Brasileiro e Latino-Americano.

Voltei a reencontrá-lo em julho de 2000, em Congresso da SOTER, em Belo Horizonte, quando o tema debatido foi Teologia na América Latina: Prospectivas. Estavam presentes 234 teólogos, teólogas e cientistas da religião, dos quais 77 vieram da Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Peru e Uruguai, além de convidados da Áustria, Canadá, Espanha, Estados Unidos e Itália. E entre eles, Gustavo Gutiérrez, do Peru.

De sua obra tomei conhecimento em 1972, quando cursava o terceiro ano de Teologia na Universidade Gregoriana e nosso extraordinário colega de Pio Brasileiro, Alphonso Garcia Rubio, doutorando em Teologia, orientou um seminário sobre Teologia da Libertação, o tema de sua tese, para brasileiros e colegas do Colégio Pio Latino-Americano, que, à época, tinha sua sede ao lado do nosso.

No dia 22 de outubro de 1972 – o ano letivo começou em 15 de outubro – comprei o livro de Gustavo Gutiérrez, Teologia della Liberazione. Prospettive. Brescia: Queriniana, 1972, 312 p., base de nosso estudo. A edição brasileira pode ser vista aqui. E outras publicações de Gustavo Gutiérrez, aqui.

Morreu o teólogo Jürgen Moltmann (1926-2024)

O teólogo protestante Jürgen Moltmann morreu em Tübingen na segunda-feira, 3 de junho de 2024, aos 98 anos. Ele é considerado um dos mais importantes teólogos protestantes do século XX. O livro Teologia da Esperança, publicado em 1964, foi traduzido para vários idiomas e influenciou teólogos de todo o mundo. Moltmann iniciouJürgen Moltmann (1926-2024) seus estudos teológicos enquanto prisioneiro de guerra na Inglaterra.

O presidente da Conferência Episcopal Alemã, Dom Georg Bätzing, homenageou Moltmann como “um dos teólogos mais influentes e incisivos do nosso tempo. Ele não apenas falou de esperança, mas foi uma esperança para a teologia que caracterizou sua vida”. O pensamento de Moltmann também inspirou a teologia católica. “Poderíamos aprender com Jürgen Moltmann o que significa uma vida inteira para o ecumenismo. Nós nos curvamos diante de alguém que deu à teologia um lugar na vida”.

Moltmann nasceu em Hamburgo em 8 de abril de 1926. De 1953 a 1957, foi pároco da pequena comunidade evangélica de Wasserhorst em Bremen e de estudantes universitários, antes de se tornar professor na Kirchliche Hochschule Wuppertal e depois na Universidade de Bonn.

De 1967 até sua aposentadoria em 1994, lecionou teologia sistemática e ética social na Faculdade Teológica Protestante da Universidade de Tübingen. Entre as obras mais conhecidas de Moltmann estão O Deus Crucificado e A Igreja no Poder do Espírito. Ele era casado com a teóloga feminista Elisabeth Moltmann-Wendel, falecida em 2016.

Fonte: Jürgen Moltmann (1926-2024). Um grande e importante teólogo – IHU On-Line: 05 Junho 2024.

Moltmann é considerado por alguns como o teólogo europeu que mais entendeu a América Latina, onde esteve pela primeira vez em 1977 visitando Argentina, Brasil, Trinidad e Tobago e México. Foi nesta viagem que teve contato direto com teólogos da libertação, o que, posteriormente, influenciaria uma aproximação de suas reflexões teológicas ao contexto latino americano. Em 2016, foi sua última visita ao Brasil, onde teve oportunidade de participar do Seminário Internacional de Teologia, promovido pela Faculdade Unida, em Vitória, no Espírito Santo (Teologia Pública, 04.06.2024).

Veja as obras de Jürgen Moltmann na Amazon.com.br

Leia Mais:
Moltmann, a teologia e a esperança. Entrevista com Fulvio Ferrario – IHU On-Line: 05 Junho 2024
A Paixão de Cristo: do abandono à existência de Deus. Entrevista especial com Jürgen Moltmann – IHU On-Line: 29 Março 2004

Teologia da esperança

MOLTMANN, J. Teologia da esperança: Estudos sobre os fundamentos e as consequências de uma escatologia cristã. São Paulo: Loyola, 2023, 368 p. – ISBN 9786555043174.

MOLTMANN, J. Teologia da esperança: Estudos sobre os fundamentos e as consequências de uma escatologia cristã. São Paulo: Loyola, 2023, 368 p. “Jürgen Moltmann talvez seja a figura mais representativa da teologia protestante contemporânea depois do desaparecimento dos grandes líderes de escolas: Barth, Cullmann, Tillich e Bonhoeffer. Seus livros são traduzidos em várias línguas, fazendo rapidamente a volta ao mundo. A Moltmann pertence a paternidade de dois movimentos teológicos que foram e continuam sendo amplamente seguidos: a Teologia da Esperança e a Teologia da Cruz.” (Battista Mondin)

“Moltmann é um dos teólogos europeus mais inovadores da atualidade. O presente livro foi sua primeira grande obra, pela qual se tornou conhecido e reconhecido internacionalmente. Ainda hoje ele nos encanta ao apresentar fantasia aliada à erudição, ousadia aliada à preocupação com a verdade cristã, amplitude do pensamento aliada à grande capacidade de focalização temática. A presente reedição revisada, feita a partir da tradução da última edição alemã de Teologia da esperança, vem dar novo impulso à teologia no Brasil. Essa teologia, ao revisitar o passado, dá mostras de sabedoria quando lida com seu presente e pensa sobre seu futuro.” (Enio Müller).

Jürgen Moltmann nasceu em 8 de abril de 1926 em Hamburgo (Alemanha). Aos dezessete anos de idade foi convocado para o exército alemão e, depois de seis meses de serviço, foi preso pelos ingleses e levado a um campo de prisioneiros, na Inglaterra. Foi ali que Moltmann iniciou seus estudos de Teologia. Em 1948, retornou à Alemanha e deu continuidade a esses estudos na Universidade de Göttingen, concluindo-os em 1952. Em 1957, habilitou-se para a docência nas áreas de História do Dogma e Teologia Sistemática, obtendo sua primeira colocação na cidade de Wuppertal, onde lecionou de 1957 a 1963. De 1963 a 1967 foi professor de Teologia Sistemática na Universidade de Bonn. Em 1967, continuou a exercer a mesma função na Universidade de Tübingen, até sua aposentadoria em 1994. É autor de muitas publicações na área da Teologia Sistemática e é considerado um dos grandes teólogos do século XX e da atualidade.

Li este livro, na versão italiana da Queriniana, de Brescia, Teologia della Speranza, 1971, no meu terceiro ano da graduação em Teologia na Gregoriana, em Roma. Era o ano letivo de 1972-1973.

Morreu o biblista José Luiz do Prado (1935-2024)

Morreu na madrugada deste 5 de março de 2024, aos 89 anos de idade, o biblista José Luiz Gonzaga do Prado.

José Luiz Gonzaga do Prado era Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, Roma, Itália. Autor de vários livros e artigos, José Luiz era, também, um exímio tradutor da Bíblia. José Luiz Gonzaga do Prado (1935-2024)

Foi professor de Línguas Bíblicas e Novo Testamento no CEARP por 24 anos. A partir de 2013 passou a integrar o corpo docente da Faculdade Católica de Pouso Alegre, MG, onde lecionou por 8 anos.

José Luiz fazia parte do grupo dos “Biblistas Mineiros”, que se reunia em Belo Horizonte e escrevia regularmente para a revista Estudos Bíblicos.

 

NOTA DE PESAR do CEARP:

Toda a Comunidade Acadêmica do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (CEARP) manifesta seus mais profundos pesares pelo passamento do Pe. José Luiz Gonzaga do Prado, ocorrido na madrugada de hoje.

Nossa gratidão pelos tantos anos de serviço dedicados à nossa Instituição, lecionando a Sagrada Escritura e as línguas bíblicas no CEARP. A simplicidade e a humildade, bem como a profundidade da abordagem dos temas bíblicos ficarão sempre marcadas na memória de todos os seus ex-alunos.

À Diocese de Guaxupé, aos familiares e amigos, nossos mais sinceros sentimentos e a manifestação de nossa fé na Ressurreição: “Fiel é esta palavra: se com Ele morremos, com Ele viveremos” (2Tm 2,11)

Brodowski, 05 de março de 2024.

Pe. Círio Alessandro Jacinto – Diretor Geral

 

Breve biografia na página da Diocese de Guaxupé:

. Nasceu em Paraguaçu, MG, em 11 de janeiro de 1935

. Iniciou seus estudos de Humanística no Seminário Menor em Guaxupé e fez os estudos de Filosofia no Seminário Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte

. Estudou teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, onde foi ordenado sacerdote em 25 de outubro de 1959. Cursou, em seguida, o Mestrado em Ciências Bíblicas no Pontifício Instituto Bíblico, Roma, concluído em 1962

. Foi pároco da Paróquia de Santa Rita de Nova Rezende e de São Benedito de Petúnia (Distrito de Nova Rezende) por quase 40 anos

. Contribuiu para a implantação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) na diocese e foi professor de Sagrada Escritura por décadas

. Pe. José Luiz Gonzaga do Prado era um incansável estudioso da Sagrada Escritura e seu testemunho de vida inspirou muitos

. Seu legado permanecerá vivo na memória daqueles que tiveram a honra de conhecê-lo.

Centenário de nascimento de José Nicolau, meu pai

Esse homem de estatura tão pequena, mas de um coração tão grande, tão maravilhoso, deve ser observado, seu exemplo deve ser seguido, porque a sua caminhada é digna, é merecedora de toda atenção e carinho (Dindinho, tio Clóvis, sobre o papai, por ocasião de seus 90 anos em 2014).

José Nicolau, meu pai, nasceu em 16 de janeiro de 1924 e faleceu em 21 de janeiro de 2020, aos 96 anos de idade.

Hoje celebramos o centenário de seu nascimento.

José Nicolau em 18 de janeiro de 2014, com irmãos e filhos - 90 anos José Nicolau em 16 de janeiro de 2016 com os filhos - 92 anosJosé Nicolau com tio Tonico, Dindinho e eu em 19 de janeiro de 2019 - 95 anos

Meus professores no Mestrado

De 1973 a 1976 cursei o Mestrado de Teologia Bíblica na Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG), em Roma.Carlo Maria Martini (1927-2012)

Porém, fiz quase todas as disciplinas no Pontifício Instituto Bíblico (PIB), em Roma, pois o PIB era mais interessante por causa dos cursos oferecidos e dos professores que ali lecionavam.

O PIB investia, com seriedade, na aprendizagem dos métodos de leitura dos textos bíblicos. E as disciplinas contextuais, como história, arqueologia e geografia da Palestina e do Antigo Oriente Médio, assim como as disciplinas instrumentais – línguas bíblicas e outras línguas semíticas – que o PIB disponibilizava, são fundamentais para o estudante de Bíblia.

As disciplinas oferecidas pelo PIB eram válidas, na sua maioria, para a Teologia Bíblica da Gregoriana.

Agora, 50 anos depois de iniciado o curso (1973-2023), recolhi todas as informações que consegui na internet sobre meus professores e aqui as disponibilizo.

É uma parte de minha história acadêmica. É também um exercício de recordação e uma homenagem aos meus mestres.

René Latourelle (1918-2017)
René Latourelle (1918-2017)

Quando perguntado, em entrevista em 2006, porque trabalho com a Bíblia Hebraica/Antigo Testamento, respondi:

“Na verdade, trabalhei um bom tempo com o Novo Testamento [na década de 80, no CEARP], estudando e lecionando especialmente o Evangelho de Marcos, as Cartas de Paulo e o Grego do NT. [No Bíblico] tive a oportunidade de estudar com Jacques Dupont, por exemplo, o que me levou às parábolas e ao tema de minha Dissertação de Mestrado sobre Mt 25,1-13, com orientação do Professor Ugo Vanni.

Por outro lado, estava começando naqueles anos o uso cada vez mais persistente dos métodos sincrônicos nos estudos bíblicos, e eu me envolvi com estudos linguísticos e literários de Saussure, Benveniste, Barthes, Greimas, Umberto Eco, Genette, Todorov e tantos outros que nem me arrisco a citar todos.

Ignace de la Potterie (1914-2003)
Ignace de la Potterie (1914-2003)

Além disso, motivado pela luta contra a ditadura militar que persistia no Brasil desde 1964, luta na qual a Igreja estava fortemente envolvida, embrenhei-me pelo marxismo e pela leitura sociológica da Bíblia. Na França saía, naquela época, a obra de Fernando Belo, na qual Marx e Marcos caminhavam lado a lado, numa mistura bastante exótica até de abordagem estruturalista de Barthes com o marxismo de Althusser e a psicanálise de Lacan. Esta obra, por exemplo, gerou grande entusiasmo entre os estudantes de Bíblia.

Apesar de tudo isso, desde a época de Roma eu era fascinado pela História do Antigo Oriente Médio e pela Literatura Profética. O já citado professor Bernini me ensinou a gostar de Jeremias, e no PIB estudei com Alonso Schökel, J. Alberto Soggin, Ernst Vogt, Robert North, Rémi Lack e outros professores de Bíblia Hebraica. Se tento avaliar hoje mais corretamente as suas posturas, não creio que fossem hipercríticos — no PIB da época sempre se caminhava com independência, mas prudência — porém, eram mestres que nos incentivavam a encontrar nossos próprios caminhos. Isto tudo teve sua participação em minhas escolhas”.

Para conhecer a história do PIB, recomendo dois textos:

A novant’anni dalla fondazione del Pontificio Istituto Biblico – Conferenza tenuta dal Prof. Giacomo Martina in occasione del 90° anniversario del Pontificio Istituto Bíblico [07.05.1999]

 Jacques Dupont (1915-1998)
Jacques Dupont (1915-1998)

Il Centenario dell’Istituto Biblico – Conferenza del Prof. Maurice Gilbert [testo italiano, inglese e francese] – Solenne atto accademico per il 100° Anniversario della fondazione dell’Istituto [07.05.2009].

 

A lista tem links para informações sobre os professores, nacionalidade, data de nascimento e morte e as disciplinas que com eles estudei. Os professores estão listados em ordem alfabética.

1. Dionisio Mínguez Fernández, espanhol: Análise estrutural dos Atos dos Apóstolos

MÍNGUEZ FERNÁNDEZ, D. Breve historia de la antigua Grecia. Madrid: Nowtilus, 2007, 302 p.

MÍNGUEZ, D. Pentecostés: ensayo de semiótica narrativa en Hch 2. Roma: Biblical Intitute Press, 1976, 217 p.

James Swetnam (1928- )
James Swetnam (1928- )

 

2. Eduardo Zurro Rodríguez, espanhol (1934-2004): Língua Hebraica

Dialnet: Eduardo Zurro Rodríguez

Necrológica: Eduardo Zurro Rodríguez

 

3. Giuseppe Bernini, italiano (1915-1991): A teologia do Antigo Testamento e seus problemas no momento atual; Jó e sua mensagem

Pontificia Università Gregoriana: Catalogo integrato della Biblioteca e dell’Archivio Storico – Fondo Giuseppe Bernini

 

Jan Alberto Soggin (1926-2010)
Jan Alberto Soggin (1926-2010)

4. Ignace de la Potterie, belga (1914-2003): O Evangelho de Lucas (cap. 3-4); João 1

Pontificio Istituto Biblico: R. I. P. Prof. R. P. Ignace de la Potterie, S. J. (1914-2003)

Wikipedia: Ignace de la Potterie

 

5. Jacques Dupont, belga (1915-1998): O discurso em parábolas (Mc 4,1-34); As parábolas da misericórdia (Lc 15)

Wikipedia: Jacques Dupont (biblista)

Camille Focant, In memoriam Jacques Dupont. Revue Théologique de Louvain, 1999, 30-1, p. 147-148

 

Juan Alfaro (1914-1993)
Juan Alfaro (1914-1993)

6. James Swetnam, norte-americano (1928- ): Grego do Novo Testamento

James Swetnam’s Thoughts on Scripture – Website

Resenha de SWETNAM, J. Gramática do grego do Novo Testamento I-II. São Paulo: Paulus, 2002, vol I: 456 p; vol. II: 336 p.

 

7. Jan Alberto Soggin, italiano (1926-2010): Observações sobre os textos do Servo de Iahweh no Dêutero Isaías; Introdução às origens de Israel

J. Alberto Soggin: 1926-2010 – Observatório Bíblico: 29.10.2010

 

8. Juan Alfaro Jiménez, espanhol (1914-1993): Curso de metodologia prática

El Pensamiento Teológico de Juan Alfaro S.J. – Carlos Ábrigo Otey: PUCV

Klemens Stock (1934- )
Klemens Stock (1934- )

Juan Alfaro – Ediciones Sígueme

Pressupostos antropológicos da Teologia de Juan Alfaro (PDF) – PUC Rio

 

9. Klemens Stock, alemão (1934- ): Evangelho de São Marcos: algumas perícopes sobre os doze; A obra inicial de Jesus: Mc 1,1-3,6

L’Aula Magna del Biblico: ricordi e attivitá – Lezione del professore Klemens Stock: 4 ottobre 2011

Wikipedia: Klemens Stock

 

 Luis Alonso Schökel (1920-1998)
Luis Alonso Schökel (1920-1998)

10. Luis Alonso Schökel, espanhol (1920-1998): A ideia de justiça no Antigo Testamento

Schökel, o biblista do amor esponsal de Deus. A Bíblia como partitura – Filippo Rizzi: IHU 17 agosto 2020

Pontificio Istituto Biblico: R. I. P. Prof. R.P. Luis Alonso Schökel, S.J. (1920-1998)

Wikipedia: Luis Alonso Schökel

Eduardo Zurro Rodríguez, In Memoriam: Luis Alonso Schökel (1920-1998) – Escritor, escriturario, espejo. Estudios Ecclesiásticos 73 (1998) 565-573

DHTE Diccionario Histórico de la Traducción en España: Alonso Schökel, Luis (Madrid, 1920–Salamanca, 1998)

 

Prosper Grech (1925-2019)
Prosper Grech (1925-2019)

11. Prosper Grech, maltês (1925-2019): Metodologia da teologia bíblica do Novo Testamento

Wikipedia: Prosper Grech

 

12. Rémi Lack, francês: Gêneros literários, formas literárias e forma estilística; O livro de Oseias: estrutura e exegese; Análise da narrativa bíblica veterotestamentária

LACK, R. La symbolique du livre d’Isaie: Essai sur l’image littéraire comme élément de structuration. Rome: Biblical Institute Press, 1973, 282 p.

LACK, R. Letture strutturaliste dell’Antico Testamento. Roma: Borla, 1978, 164 p.

 

Robert North (1916-2007)
Robert North (1916-2007)

13. Robert North, norte-americano (1916-2007): Arqueologia bíblica; Geografia bíblica

Faleceu o Professor Robert North – Observatório Bíblico: 09.06.2007

Diz a lenda sobre Robert North – Observatório Bíblico: 30.11.2007

Rev. Robert North, S.J. 1916-2007 – James Swetnam: SBL Forum Archive

 

14. Stanislas Lyonnet, francês (1902-1986): Exegese da carta aos Romanos

O jesuíta Lyonnet, caçador de talentos da Bíblia – Fillipo Rizzi: IHU 10 Junho 2016

J.-N. Aletti, Lyonett, Stanislaus – Enciclopedia.com

Stanislas Lyonnet (1902-1986)
Stanislas Lyonnet (1902-1986)

Wikipedia: Stanislas Lyonnet (jésuite)

 

15. Ugo Vanni, italiano (1929-2018): O Apocalipse: introdução e exegese; A escatologia pessoal em Paulo; Dissertação de Mestrado: A parábola das dez virgens (Mt 25,1-13)

Homenagem ao biblista Hugo Vanni – Observatório Bíblico: 24.11.2018

 

Ugo Vanni (1929-2018)
Ugo Vanni (1929-2018)

16. Viliam Pavlovsky, tcheco: História da época do Antigo Testamento: período dos reinos; História da época do Novo Testamento

PAVLOVSKY, V.; VOGT, E. Die Jahre der Könige von Juda und Israel. Biblica, Roma, n. 45, p. 321-347, 1964.

 

Por último é preciso lembrar que o Reitor do PIB era o italiano Carlo Martini (1927-2012) e o Diretor da Teologia da PUG era o canadense René Latourelle (1918-2017). Sobre Latourelle, cf. também aqui e aqui.

Morreu Franz Hinkelammert (1931-2023)

Morreu no dia 16 de julho de 2023, aos 92 anos de idade, Franz Hinkelammert, economista e teólogo alemão que vivia na América Latina.

Destarte, na ocasião de sua passagem, pretendi demonstrar brevemente a trajetória e o conteúdo da produção intelectual de Franz Hinkelammert, pouco conhecida e discutida nos círculos acadêmicos e nos espaços de debates das esquerdas brasileiras. Cabe recordar que enfrentamos hoje um fascismo intimamente ligado à perspectiva cristã da teologia da prosperidade, professada por grande parte da população e defendida institucionalmente pelas igrejas neopentecostais.

Nesse sentido, mostra-se profícuo recuperar os escritos e a história dos agentes da Teologia da Libertação, cujo conteúdo não é apenas reformista, mas revolucionário. A obra de Franz Hinkelammert é um excelente objeto para esse exercício e pode ser acessada virtualmente através da coleção criada pela Universidad Centroamericana José Simeón Cañas. Que o nosso professor possa enfim descansar e que seu legado permaneça vivo na história, escreve Adriana Carneiro Marinho, em Franz Hinkelammert (1931-2023), artigo publicado em A terra é redonda, 18.07.2023.

 

Na Colección Virtual Franz Hinkelammert leio, em espanhol:Franz Hinkelammert (1931-2023)

Franz Josef Hinkelammert nació el 12 de enero de 1931 en Emsdetten, un pueblo de Westfalia, cercano a la ciudad de Münster, en Alemania. Obtuvo su diploma en Economía en 1955 y luego ingresó al Instituto de Europa Oriental de la Universidad Libre de Berlín, donde se doctoró, en 1961, con una investigación sobre el proceso de crecimiento en la economía soviética.

Hinkelammert viajó a Chile en 1963, para dedicarse a la investigación y la docencia en la Fundación Konrad Adenauer y la Universidad Católica de Chile. También fue uno de los fundadores del Centro de Estudios de la Realidad Nacional (CEREN) y se incorporó al Instituto Latinoamericano de Doctrina y Estudios Sociales (ILADES).

El golpe de Estado que derrocó al gobierno de Allende, en 1973, lo obligó a volver a Alemania, donde se quedó hasta 1976, fecha de su regreso a América Latina. En esta ocasión, su destino sería Centroamérica, radicándose primero en Honduras y luego en Costa Rica (1980), país en el que reside hasta la fecha.

En 1976, junto a Hugo Assman, fundó el Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI), donde se dedicaría a la investigación y publicación de la mayor parte de su obra.

En 2007 salió del DEI y creó, con algunos de sus discípulos, el Grupo Pensamiento Crítico, un colectivo formado por investigadores de diversos países de América Latina, que reflexionan sobre la realidad contemporánea tomando como referente su pensamiento.

Hinkelammert ha recibido importantes reconocimientos a lo largo de su trayectoria intelectual. Diversas instituciones de prestigio le han otorgado el doctorado honoris causa, como la Universidad Nacional (Heredia, Costa Rica), la Universidad UniBrasil de Curitiba, la Universidad de La Habana y la Universidad Nacional de Cuyo (Mendoza, Argentina), entre otras. Obtuvo también el Premio Nacional “Aquileo Echeverría”, que otorga el Ministerio de ultura de Costa Rica, y el Premio Libertador al Pensamiento Crítico, que le fue entregado en Caracas por el presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Comandante Hugo Chávez Frías.

HINKELAMMERT, F. As armas ideológicas da morte. São Paulo: Paulus, 1983, 346 p. - ISBN 9788505000107.Desde la década de los sesenta, Franz Hinkelammert (nacido en 1931) ha reflexionado críticamente sobre los problemas de América Latina. En sus ideas encontramos bases importantes para un análisis de las construcciones ideológicas que usan los defensores del sistema capitalista, sobre todo en su forma extrema neoliberal.

Para este pensador, el pensamiento hegemónico no se puede comprender y criticar eficazmente si no es mediante el análisis de las relaciones entre los conceptos y creencias dominantes, y las condiciones materiales e históricas que constituyen la heterogénea realidad de América Latina, lo que viene a explicar, en parte, que su obra tenga un carácter variado y plural, combinando el análisis socioeconómico y la reflexión filosófica, así como la hermenéutica bíblica.

Para facilitar el acceso universal a la obra de Hinkelammert, la Universidad Centroamericana José Simeón Cañas, a través del Departamento de Filosofía y la Biblioteca “P. Florentino Idoate, S.J.”, pone a disposición de los interesados esta Colección Digital, que garantiza la disponibilidad del contenido de manera gratuita.

Leia também: Franz Hinkelammert (1931-2023) – IHU: 19 Julho 2023

Morreu Carlos Rodrigues Brandão (1940-2023)

O professor Carlos Rodrigues Brandão morreu no dia 11 de julho de 2023 aos 83 anos de idade.

Trabalhamos juntos na Teologia da PUC-Campinas por alguns anos na década de 80, quando ele foi, temporariamente, substituir o Luiz Roberto Benedetti.Carlos Rodrigues Brandão (1940-2023)

Já sabíamos um do outro através da Ana Lúcia da Silva, da UFG, minha amiga e companheira de trabalho no Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro a partir de 1977.

Quando o conheci, já era, portanto, seu amigo.

Ele veio a Ribeirão Preto falar sobre Folia de Reis para nossos alunos do CEARP, em um dos simpósios que eu, então, organizava.

Um intelectual extraordinário e uma pessoa extremamente humana.

Diz o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp:

Morre o professor emérito Carlos Rodrigues Brandão – 12 Julho 2023

É com imenso pesar que informamos o falecimento de nosso professor emérito Carlos Rodrigues Brandão, que deixa a toda a comunidade do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) um legado de trabalho, luta e generosidade.

Brandão, como era carinhosamente conhecido, foi professor permanente da Unicamp de 1976 até 1997, desenvolvendo pesquisas na área de cultura e educação popular, antropologia rural e questões ambientais, em diferentes regiões do país. No Departamento de Antropologia, ministrou disciplinas na graduação e na pós-graduação em áreas como religião, cultura popular e teoria antropológica. Participou da criação do Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes) na Faculdade de Educação (FE) e do Centro de Estudos Rurais (Ceres) no IFCH. Foi também vinculado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam).

Brandão formou uma legião de estudantes não somente na teoria, mas também na prática, nas inúmeras viagens de campo que organizou, especialmente no interior de São Paulo e Minas Gerais. Invariavelmente, esses estudantes se tornaram não só qualificados pesquisadores e colegas, mas, sobretudo, estimados amigos. Com eles, compartilhou o trabalho, o gosto pelo sertão, seu sítio Rosa dos Ventos, as delicadezas do cotidiano e da vida. Autor de inúmeros livros sobre comunidades tradicionais, sobre populações rurais e de literatura (contos e poesia), Brandão se definia como um “militante ativista”, para quem ensinar e aprender são ações coletivas e indissociáveis.

Depois de aposentado, continuou a atuar como professor colaborador nos Programas de Pós-Graduação em Antropologia e do Doutorado em Ciências Sociais da Unicamp. Foi ainda professor visitante de inúmeras universidades, pesquisador do Instituto Paulo Freire e recebeu vários prêmios, sempre compreendendo as homenagens como algo plural, de reconhecimento a um coletivo. Em 1998, foi contemplado com o título de Comendador do Mérito Científico pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e de Professor Benemérito do Centro de Memória da Unicamp (CMU). Em 2006, foi agraciado com a medalha Roquette Pinto da Associação Brasileira de Antropologia. Em 2008 e 2010, recebeu os títulos de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Uberlândia e pela Universidade Federal de Goiás. Em 2015, foi a vez de receber o título de Professor Emérito pela Unicamp.

Em nome da direção do IFCH, manifestamos nossa solidariedade a seus familiares e amigos/as e rendemos nossas homenagens a esse grande professor e educador popular. Brandão seguirá vivo e presente entre nós!

 

Sobre Brandão, recomendo a leitura de:

Carlos Rodrigues Brandão (1940-2023) por ele mesmo – Frei Betto: IHU – 19 Julho 2023

“Em 2011, Carlos Rodrigues Brandão me enviou originais de um novo livro. Pediu-me que opinasse sobre o conteúdo e indicasse editoras. É um texto autobiográfico, ainda inédito. Selecionei alguns textos para que todos tenham ideia de quão digno, profundo e competente foi este querido amigo e parceiro em muitas trincheiras, da pastoral à educação popular”, escreve Frei Betto, escritor e educador popular, autor, entre outros, de “Por uma educação crítica e participativa”.

Carlos Rodrigues Brandão. In Memoriam. Tuitadas – Por Rudá Ricci

Bom dia. Farei um fio em homenagem ao Carlos Rodrigues Brandão, que nos deixou ontem. Psicólogo e antropólogo, Brandão foi um dos maiores expoentes da educação popular. Farei um fio com a fala de Ciço.

Carlos Rodrigues Brandão e o sonho da educação popular – Ana Luísa D’Maschio: Porvir –  11 de julho de 2023

Autor de mais de cem livros, boa parte sobre educação popular e método Paulo Freire, Brandão deixa um legado inestimável para a construção de uma escola mais justa e igualitária.

Lula entrega prêmio Camões a Chico Buarque

Lula entrega Prêmio Camões a Chico Buarque

Com quatro anos de atraso, Chico Buarque recebe o mais importante prêmio da língua portuguesa. Bolsonaro havia se recusado a assinar a honraria. Lula diz que entrega corrige “absurdo cometido contra a cultura brasileira”

Quatro anos após ser agraciado com o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa, o cantor, compositor e escritor Chico Buarque finalmente recebeu aLula entrega prêmio Camões a Chico Buarque - Lisboa: 24.04.2023 honraria, entregue pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, em cerimônia em Lisboa nesta segunda-feira (24/04).

O prêmio para Chico foi anunciado em 2019, mas o artista não pôde recebê-lo pois o então presidente Jair Bolsonaro, que praticamente congelou as relações com Portugal durante seu mandato, se recusou a assinar a documentação necessária para a entrega da distinção, segundo afirmaram os atuais governos do Brasil e de Portugal.

“Essa entrega é simbólica porque representa a vitória da democracia. Chico Buarque é um artista de uma envergadura tremenda, pela história, por tudo que já produziu, tanto na música, quanto na literatura. Ser testemunha, participar enquanto ministra desse momento depois de sofrermos uma tentativa de golpe recente no Brasil e do desmonte da cultura nesses últimos quatro anos, é motivo de festa”, afirmou a ministra da Cultura, Margareth Menezes, às vésperas da cerimônia de premiação.

O primeiro-ministro português, António Costa, destacou a entrega do Prêmio Camões a Chico como parte da retomada de contatos entre Brasil e Portugal. “Viramos uma página e temos muita matéria para trabalhar em conjunto”, escreveu no Twitter.

O Ministério da Cultura de Portugal, por sua vez, destacou que, para o júri do Prêmio Camões, a atribuição da distinção a Chico reconheceu “o valor e o alcance de uma obra multifacetada, repartida entre poesia, drama e romance”, um trabalho que “atravessou fronteiras e se mantém como uma referência fundamental da cultura no mundo contemporâneo”.

A cerimônia de entrega da distinção, realizada no Palácio Nacional de Queluz, foi integrada à viagem oficial de Lula a Portugal. A passagem do presidente brasileiro pelo país se encerra nesta terça-feira, com uma cerimônia no Parlamento português à margem das comemorações do 49º aniversário da Revolução dos Cravos.

 

“Um dos maiores absurdos cometidos contra a cultura”

Em discurso na cerimônia realizada na cidade de Sintra, Lula disse que entrega do prêmio serviu para “corrigir um dos maiores absurdos cometidos contra a cultura brasileira nos últimos tempos”. “Digo isso porque esse prêmio deveria ter sido entregue em 2019 e não foi. Todos nós sabemos por quê”, afirmou o presidente.

Lula declarou que o ataque a cultura em todas as suas formas foi um dos objetivos que a extrema direita tentou implementar no país, mas que “finalmente, a democracia venceu no Brasil”.

“Não podemos esquecer que o obscurantismo e a negação das artes também foram uma marca do totalitarismo e das ditaduras que censuraram o próprio Chico no Brasil e em Portugal. Esse prêmio é uma resposta do talento contra o censura, do engenho contra a força bruta'” disse.

Após receber o prêmio das mãos do presidente Rebelo de Souza, Chico criticou o governo de Jair Bolsonaro e a falta de incentivo às artes durante o mandato do ex-presidente, e disse ter valido a pena esperar quatro anos para receber o prêmio.

Ele disse ter a impressão de que “um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foram um tempo em que o tempo parecia andar para trás”, disse o artista.

(…)

“Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados, ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo”, concluiu Chico.

Ele disse também ter herdado de seu pai, o escritor e historiador Sergio Buarque de Holanda, o amor pela língua portuguesa.

Além de Chico Buarque e dos presidentes do Brasil e de Portugal, estiveram presentes na cerimônia na cidade de Sintra a ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, e autoridades dos dois países.

 

“Formação cultural de diferentes gerações”

Um dos maiores nomes da MPB, Francisco Buarque de Holanda nasceu em 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro. Começou sua carreira musical na década de 1960 e se tornou um dos maiores compositores brasileiros. Entre os sucessos musicais de Chico, que tem cerca de 80 álbuns em sua discografia, estão A banda (1966), Apesar de você (1970), Cotidiano (1971), Construção (1971) e Amor barato (1981).

Em 1967, escreveu sua primeira peça de teatro, Roda Viva. No total, foram quatro incursões nesse gênero, sendo a última delas a Ópera do malandro, de 1978.

Em 1974, escreveu a novela Fazenda modelo, e em 1979, o livro infantil Chapeuzinho amarelo. Em 1991, publicou seu primeiro romance, Estorvo. O sucesso como escritor lhe rendeu três prêmios Jabuti, a premiação literária mais importante do Brasil, por Estorvo, melhor romance e livro do ano de ficção de 1992; Budapeste, livro do ano de ficção de 2004; e Leite derramado, melhor livro de ficção de 2010. Seu último livro, O irmão alemão, foi publicado em 2014.

Essa foi a primeira vez que um músico foi agraciado com o Prêmio Camões, que é um reconhecimento pela obra completa do artista. Ele foi eleito por unanimidade por um júri composto por representantes de Portugal, Brasil, Angola e Moçambique.

O júri justificou sua escolha pela “qualidade e transversalidade” da obra de Chico Buarque, “tanto através de gêneros e formas, quanto pela sua contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa”.

O peso literário das composições de Chico também foi destacado à época do anúncio do prêmio. “Evidente que esse prêmio é um reconhecimento pela poesia dele nas letras de música, que também são literárias, não só pelos livros. São poemas. Grandes poemas. A música Construção, por exemplo, é um poema até raro de se fazer”, afirmou o escritor Antonio Cícero, um dos brasileiros que compôs o júri, ao lado de Antonio Hohlfeldt, ao jornal Folha de S.Paulo.

 

Brasil e Portugal criaram “Nobel da língua portuguesa”

O Prêmio Camões foi criado em 1988 por Brasil e Portugal e contempla anualmente autores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O objetivo é distinguir “um escritor que, pela sua obra, contribua para o enriquecimento e projeção do patrimônio literário e cultural de língua portuguesa”.

O nome da premiação é uma homenagem ao poeta português Luís Vaz de Camões (1524-1580), autor da epopeia Os Lusíadas e considerado um dos maiores nomes da literatura lusófona.

Ao longo de sua história, 14 escritores brasileiros já foram agraciados com o prêmio, entre eles Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Rubem Fonseca e Lygia Fagundes Telles.

Nos termos do regulamento do Prêmio Camões, Portugal e Brasil organizam de forma alternada as reuniões e as cerimônias de entrega da distinção. O júri é composto por seis membros com mandato de dois anos. Os governos de Portugal e do Brasil designam dois membros cada, sendo os dois membros restantes designados de comum acordo de entre personalidades dos restantes países lusófonos – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Os agraciados com o prêmio recebem atualmente a quantia de 100 mil euros. Metade desse valor é subsidiado pela Fundação Biblioteca Nacional, entidade vinculada ao Ministério da Cultura do Brasil.

“O Prêmio Camões é uma das grandes conquistas do diálogo entre os países da língua portuguesa”, destacou o presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, afirmando que a distinção representa “uma espécie de Nobel” do idioma.

Fonte: Redação DW | 24 de Abril de 2023

 

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Íntegra do discurso de Chico Buarque ao receber o prêmio Camões

Boa noite excelentíssimos senhores presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa; presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; primeiro ministro de Portugal, António Costa; ministra da cultura brasileira, minha amiga, Margareth Menezes; ministro da Cultura português, Pedro Adão e Silva; querida Janja da Silva; presidente do júri, professor Frias Martins; e tantos amigos e amigas aqui presentes, Fafá de Belém, Carminho, Mia Couto, Miguel de Sousa Tavares, Pilar del Río, meu editor brasileiro Luiz Schwarz, minha editora portuguesa, Clara Capitão, e minha mulher, Carol.

Eu estou emocionado porque hoje de manhã ela saiu do hotel, atravessou a avenida e foi comprar essa gravata. Isso me emociona. [Confira o contexto da ironia].

Ao receber este prêmio penso no meu pai, o historiador e sociólogo Sergio Buarque de Holanda, de quem herdei alguns livros e o amor pela língua portuguesa. Relembro quantas vezes interrompi seus estudos para lhe submeter meus escritos juvenis, que ele julgava sem complacência nem excessiva severidade, para em seguida me indicar leituras que poderiam me valer numa eventual carreira literária.

Mais tarde, quando me bandeei para a música popular, não se aborreceu, longe disso, pois gostava de samba, tocava um pouco de piano e era amigo próximo de Vinicius de Moraes, para quem a palavra cantada talvez fosse simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua. Posso imaginar meu pai coruja ao me ver hoje aqui, se bem que, caso fosse possível nos encontrarmos neste salão, eu estaria na assistência e ele cá no meu posto, a receber o Prêmio Camões com muito mais propriedade.

Meu pai também contribuiu para a minha formação política, ele que durante a ditadura do Estado Novo militou na Esquerda Democrática, futuro Partido Socialista Brasileiro. No fim dos anos sessenta, retirou-se da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em solidariedade a colegas cassados pela ditadura militar. Mais para o fim da vida, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restauração democrática no nosso país, nem muito menos pressupor que um dia cairíamos num fosso sob muitos aspectos mais profundo

O meu pai era paulista, meu avô, pernambucano, o meu bisavô, mineiro, meu tataravô, baiano. Tenho antepassados negros e indígenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo brasileiro, trago nas veias sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a nos explicar um pouco.

Recuando no tempo em busca das minhas origens, recentemente vim a saber que tive por duodecavós paternos o casal Shemtov ben Abraham, batizado como Diogo Pires, e Orovida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de tantos cristãos-novos portugueses, sua prole exilou-se no Nordeste brasileiro do século XVI. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas perseguidos pela Inquisição, pode ser que algum dia eu também alcance o direito à cidadania portuguesa a modo de reparação histórica.

Lula entrega prêmio Camões a Chico Buarque - Lisboa: 24.04.2023Já morei fora do Brasil e não pretendo repetir a experiência, mas é sempre bom saber que tenho uma porta entreaberta em Portugal, onde mais ou menos sinto-me em casa e esmero-me nas colocações pronominais. Conheci Lisboa, Coimbra e Porto em 1966, ao lado de João Cabral de Melo Neto, quando aqui foi encenado seu poema Morte e Vida Severina com músicas minhas, ele, um poeta consagrado e eu, um atrevido estudante de arquitetura.

O grande João Cabral, primeiro brasileiro a receber o Prêmio Camões, sabidamente não gostava de música, e não sei se chegou a folhear algum livro meu.

Escrevi um primeiro romance, Estorvo, em 1990, e publicá-lo foi para mim como me arriscar novamente no escritório do meu pai em busca de sua aprovação. Contei dessa vez com padrinhos como Rubem Fonseca, Raduan Nassar e José Saramago, hoje meus colegas de Prêmio Camões. De vários autores aqui premiados fui amigo, e de outras e outros – do Brasil, de Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde — sou leitor e admirador.

Mas por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular e, em Portugal, como o gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim.

Valeu a pena esperar por esta cerimônia, marcada não por acaso para a véspera do dia em os portugueses descem a Avenida da Liberdade a festejar a Revolução dos Cravos.

Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se me haviam esquecido, ou, quem sabe, se prêmios também são perecíveis, têm prazo de validade.

Quatro anos, com uma pandemia no meio, davam às vezes a impressão de que um tempo bem mais longo havia transcorrido.

No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele Governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda parte.

Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-Presidente [Bolsonaro] teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso Presidente Lula.

Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo.

Muito obrigado.