Sandri fala sobre a oposição da Cúria a Francisco

Imagino que, no Brasil, — mas também em qualquer outro país da América Latina ou da Ásia ou da África e do Norte do mundo! — as pessoas nada saibam das brigas curiais e tenham outros problemas para se preocuparem. Todavia, um discurso como aquele do dia 22 de dezembro, retomado por muitos meios de comunicação, sugere também aos mais distraídos e às pessoas mais distantes de Roma que na Cúria — isto é, no órgão que auxilia o Papa no governo da Igreja Católica — está crescendo uma dura oposição a Bergoglio. Em suma, terminou, na Cúria e no establishment católico, a lua de mel  – se é que tenha existido – com Jorge Mario Bergoglio (Luigi Sandri).

Como a cúpula da Igreja obstrui a mensagem do Papa de dentro do Vaticano – Marcela Belchior: Adital – 13/02/2015

Em uma atitude que nenhum pontífice jamais havia ousado ter na história recente da Igreja Católica, o Papa Francisco pegou a Cúria Romana despreparada e falou claramente da necessidade de mudança na cúpula do Vaticano. Em discurso proferido no último dia 22 de dezembro, o primeiro papa latino-americano tornou público que não sente na equipe da Santa Sé fidelidade às suas diretivas e solidariedade às perspectivas de seu pontificado [cf. o discurso de Francisco aqui].

Os 2.300 curiais se dividem em três grupos: os que estão do lado de Francisco, se empenhando por atender às suas indicações; os que não se opõem, mas se limitam a um trabalho burocrático, deixando a máquina lenta; e, finalmente, aqueles profundamente contrários à forma de agir de Jorge Mario Bergoglio, sua teologia, seu estilo de vida e seu próprio magistério.

São esses dois últimos grupos que formam a grande maioria da Cúria e atuam, deliberadamente, obstruindo a mensagem libertadora do Papa. Operando em torno da manutenção do establishment católico, complicando o caminho das reformas imaginadas pelo Papa, essa oposição também tem motivações políticas e financeiras, associada a interesses dos que defendem os privilégios dos ricos pelo sistema neoliberal em detrimento das causas estruturais que geram a pobreza, denunciadas por Francisco.

“Pode haver um órgão como a Cúria Romana que não seja dominado pelas tentações do poder?”. Com essa pergunta, o jornalista, vaticanista e escritor italiano Luigi Sandri nos ajuda a compreender o que se passa no Vaticano e como isso reflete em toda a comunidade católica do mundo. Autor dos livros Cronache dal futuro (em português, “Crônicas do futuro”) e Dal Gerusalemme I al Vaticano III. I Concili nella storia tra Vangelo e potere (em português, “De Jerusalém I ao Vaticano III. Os Concílios na história entre o Evangelho e o poder”), Sandri, em entrevista exclusiva para a Adital, defende que é preciso, sim, uma reforma dentro cúpula da Igreja Católica.

Para o escritor, essa reforma é o passo decisivo para uma reformulação subsequente da Igreja Católica Apostólica Romana. “Mas o caminho não será fácil, e serão inevitáveis as tensões, sofrimentos e contradições”, adverte. Atualmente, a estrutura da Santa Sé remonta (acredite) à reforma lançada pelo Papa Sisto V, ainda de 1588, época em que toda a América Latina, principal reduto católico no mundo, mal brotava nos mapas do globo. Somente com uma equipe que reflita sua mentalidade, o Papa pode tornar real uma mudança nos rumos da Igreja Católica. Caso contrário, Francisco corre o risco de continuar sozinho na luta pela libertação dos povos.

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