Bons reis e maus reis: Judá no século sétimo

Publiquei no post anterior um capítulo de GRABBE, L. L. (ed.) Good Kings and Bad Kings: The Kingdom of Judah in the Seventh Century BCE. London: T&T Clark, 2005, 384 p. – ISBN 9780567082725.

Este livro é resultado do sétimo encontro do Seminário Europeu de Metodologia Histórica, ocorrido em 2002. Este encontro tratou do reino de Judá do século VII a.C., e, em especial, do reinado de Josias. Coloco aqui o sumário do volume e uma lista dos colaboradores.GRABBE, L. L. (ed.) Good Kings and Bad Kings: The Kingdom of Judah in the Seventh Century BCE. London: T&T Clark, 2005, 384 p.

Parte I: Introdução

Lester L. Grabbe – Introdução

 

Parte II: Artigos

Rainer Albertz – Por que uma reforma como a de Josias deve ter acontecido

Ehud Ben Zvi – Josias e os livros proféticos: algumas observações

Philip R. Davies – Josias e o livro da lei

Lester L. Grabbe – O reino de Judá da invasão de Senaquerib à queda de Jerusalém: se nós tivéssemos apenas a Bíblia…

Christof Hardmeier – O rei Josias no clímax da história deuteronômica (2 Rs 22-23) e o documento pré-deuteronômico de uma reforma de culto no local de residência (23,4-15): crítica de fontes, reconstrução de pré-estágios literários e a teologia da história em 2 Reis 22-23

Ernst Axel Knauf – Os gloriosos dias de Manassés

Nadav Na’aman – Josias e o reino de Judá

Francesca Stavrakopoulou – Manassés na lista negra

Marvin A. Sweeney – O rei Manassés de Judá e o problema da teodiceia na História Deuteronomista

Christoph Uehlinger – Houve uma reforma do culto sob o rei Josias? O caso de um mínimo bem fundado

David A. Warburton – A importância da arqueologia do século sétimo

 

Part III: Conclusões

Lester L. Grabbe – Reflexões sobre a discussão

 

Onde estavam os colaboradores em 2005? Nos links há informações atualizadas sobre eles.

Rainer Albertz, Professor de Antigo Testamento na Westfilische Wilhelms-Universitat in Miinster, Alemanha.

Ehud Ben Zvi, Professor de História e Estudos Religiosos na Universidade de Alberta, Canadá.

Philip R. Davies, Professor de Estudos Bíblicos na Universidade de Sheffield, Reino Unido.

Lester L. Grabbe, Professor de Bíblia Hebraica e Judaísmo Primitivo na Universidade de Hull, Reino Unido.

Christof Hardmeier, Professor de Antigo Testamento na Universidade de Greifswald, Alemanha.

Ernst Axel Knauf, Professor de Bíblia Hebraica e Arqueologia Bíblica na Universidade de Berna, Suíça.

Nadav Na’aman, Professor de História Bíblica no Departamento de História Judaica na Universidade de Tel Aviv, Israel.

Francesca Stavrakopoulou, Bolsista de Teologia na Universidade de Oxford, Reino Unido.

Marvin A. Sweeney, Professor de Bíblia Hebraica na Escola Claremont de Teologia e Professor de Religião na Claremont Graduate University, Estados Unidos.

Christoph Uehlinger, Professor de História das Religiões na Universidade de Zurique, Suíça.

David A. Warburton, Pesquisador Bolsista na Universidade de Aarhus, Dinamarca.

Reforma atribuída a Josias teria sido proposta só no pós-exílio

A verdadeira reforma, de fato, ocorreu quase dois séculos depois de Josias. Mas, como frequentemente acontece, a história foi reescrita para dar a essa reforma a autenticação necessária. O século V a.C. fornece um contexto plausível tanto para a “descoberta” do livro do Deuteronômio quanto para a história da reforma de Josias. 

Esta é a proposta de Philip R. Davies, da Universidade de Sheffield, Reino Unido, no texto “Josias e o Livro da Lei” que pode ser lido a seguir.

O texto é: DAVIES, P. R. Josiah and the Law Book. In: GRABBE, L. L. (ed.) Good Kings and Bad Kings: The Kingdom of Judah in the Seventh Century BCE. London: T&T Clark, 2005, p. 65-77. Este livro é resultado do sétimo encontro, ocorrido em 2002, do Seminário Europeu de Metodologia Histórica.

Observo que neste mesmo volume, nas páginas 27-46, Rainer Albertz, da Westfälische Wilhelms-Universität de Münster, Alemanha, se contrapõe a Philip R. Davies com o texto “Why a Reform Like Josiah’s Must Have Happened” [Por que uma reforma como a de Josias deve ter acontecido].

Ele diz, no final de seu texto: “Philip Davies deve ser elogiado por não apenas negar a reforma josiânica e deslocar o livro de Deuteronômio para um período posterior, mas também por tentar dar razões para uma datação no século V a.C. Mas, na minha opinião, a evidência dada por ele é bem menos convincente do que a da hipótese tradicional” [da existência de uma reforma de Josias no século VII a.C.].

As ambições de Josias

As várias questões históricas em torno de Josias foram muito bem abordadas em outras partes deste volume, e minha própria contribuição é concebida amplamente como metodológica, na qual me envolverei com dois dos meus colegas no Seminário [Nadav Na’aman e Rainer Albertz].

Meu ponto de partida é o estudo de Nadav Na’aman sobre a política do reino de Judá sob Josias (Na’aman 1992), que oferece uma crítica muito boa da pesquisa sobre o reinado de Josias, resumida como segue.Philip R. Davies (1945-2018)

A primeira parte do estudo de Na’aman argumenta que as listas de cidades de Judá e Benjamim em Josué 15 e 18 refletem, apesar de algum aprimoramento editorial, a situação em Judá no século VII a.C.

A segunda parte lida com a cronologia do declínio do poder assírio, muitas vezes pensado como tendo ocorrido repentinamente na parte inicial do reinado de Josias, levando a uma política de expansão judaica sobre o território adjacente. Na’aman mostra que esse cenário proposto é improvável. Pelo contrário, os assírios parecem ter cedido o controle sobre a Palestina de uma forma mais ou menos ordenada ao Egito, de modo que o rei judaíta teve pouca ou nenhuma oportunidade para o exercício da independência política. Em suma, não havia vácuo de poder.

Em conexão com a morte de Josias, Na’aman argumenta que Necao II marchou pela Palestina (em vez de levar seu exército para um porto fenício, o procedimento mais usual) não para lutar contra a Babilônia, mas para receber o juramento de lealdade dos reis locais que precisava ser renovado na ascensão de um novo faraó soberano. Observando que nada é dito em 2 Reis sobre uma batalha do faraó contra Josias, Na’aman deduz que Josias não morreu em batalha, mas por assassinato ou execução por algum motivo, possivelmente uma suspeita de deslealdade por parte de Necao II. Assim, a visita de Josias a Meguido pode ter sido em resposta a uma convocação para jurar lealdade pessoalmente diante do novo faraó.

O que pode ter provocado a execução de Josias? Embora Na’aman admita que o controle efetivo da Palestina passou para o Egito à medida que o poder assírio declinava, Josias pode, no entanto, ter desfrutado (ou sentido que tinha) alguma liberdade para unificar e cristalizar (1992: 41) seu reino, enquanto os esforços dos egípcios estavam, como de costume, concentrados nos distritos costeiros e nos vales. Apenas uma expansão limitada de fronteiras, no entanto, poderia ter sido sequer contemplada, muito menos alcançada; nenhum grande projeto para ganhos territoriais extensos.

Esta reconstrução dá sentido a uma morte que, de outra forma, como Miller e Hayes (1986: 402) observam, permanece um mistério. Enquanto 2 Reis 23,29 possivelmente sugere confronto militar, o confronto militar não é explicitamente mencionado. O relato da morte de Josias é vago, até mesmo misterioso e talvez isto seja deliberado. De qualquer forma, a sugestão de uma derrota militar permite que 2 Crônicas 35,20-24 mostre o rei piedoso morrendo de ferimentos de batalha em Jerusalém, por sua vez encorajando a maioria dos estudiosos modernos a concluir que Josias foi para a batalha, embora os deixe confusos sobre os motivos de tal empreendimento suicida.

Mesmo que Na’aman não esteja correto sobre a maneira como Josias morreu, sua análise da situação política é bem fundamentada nas evidências. A expansão frequentemente afirmada de Judá sob Josias não ocorreu, e não poderia ocorrer. Declarações tais como “Ele [Josias] tentou restaurar o reino ou império de Davi em todos os detalhes” (Cross 1973: 283 ) Na’aman descarta como construídas sobre falsos fundamentos: não há, ele diz (1992: 44), fundamentos para a suposição de que Josias tentou conquistar todo o norte e impor suas reformas em todo o território da Palestina, uma conclusão já antecipada por alguns historiadores anteriores.

Permanece, no entanto, alguma evidência epigráfica aparente em contrário nas cartas de Arad e Mesad Hashavyahu. Os óstraca de Arad 1-18, datados do reinado de Josias ou seu sucessor, pertencem a uma coleção enviada a Eliashib, um comandante militar, e a maioria dá instruções para o fornecimento de tropas. No entanto, essas instruções não são necessariamente evidências do ressurgimento militar judaíta ou da refortificação judaíta de Arad. Sob a jurisdição egípcia, Josias teria tido permissão, ou foi obrigado, a assumir a responsabilidade de fornecer guarnições e trabalhadores agrícolas em áreas adjacentes, seguindo a prática refletida muito antes na correspondência de Tel el-Amarna. A evidência desses óstraca é inteiramente consistente com a prática egípcia conhecida durante seus períodos de governo sobre a Palestina e não contradiz a reconstrução de Na’aman.

A conclusão dos argumentos de Na’aman é que “a imagem do reinado de Josias, como refletida nesta discussão, está muito distante da descrição daqueles anos como refletida no livro dos Reis, e não menos distante do esboço de seu período apresentado na historiografia moderna”( Na’aman 1992: 55 ).

Isso aponta para um estado de coisas não desconhecido. Um retrato bíblico enganoso ainda mais distorcido pelas especulações da pesquisa bíblica, neste caso, a tese de um período áureo de reconstrução josiânica. Esse retrato tem que ser redesenhado — mas não apenas em relação à ambição ou realização territorial, mas também para outros aspectos de seu reinado. A apresentação de Josias em 2 Reis é, então, enganosa, e estudiosos modernos frequentemente têm ampliado a distorção (…)

A reforma de Josias

Agora, desejo pegar o bastão de Na’aman e correr um pouco mais com ele. O relato da reforma de Josias também pertence à idealização evidente em relação à sua ambição territorial? Na pesquisa moderna, a política assumida por Josias de expandir um Judá recém independente para um território anteriormente do reino de Israel é fundada, afinal, no relato de sua reforma religiosa. Ou, ao contrário, a reforma é comumente explicada como parte de suas medidas para sinalizar ou consolidar sua independência política.

Mas se essa independência nunca poderia ter sido alcançada, admitindo apenas, na melhor das hipóteses, uma modesta aquisição de território além da fronteira judaíta, então a explicação moderna dada para a reforma de Josias não se sustenta. De fato, ficamos confusos quanto ao que se pretendia alcançar. Reformas religiosas no início do reinado de um rei não são incomuns: elas servem para recomendar o novo monarca a seus súditos e à divindade. Mas essa reforma só foi empreendida quando seu reinado já estava bem adiantado.

O relato em 2 Reis não retrata de fato Josias como expandindo seu território. O relato toma o controle sobre o antigo reino de Israel como garantido, convenientemente apagando (do tempo de Ezequias em diante) qualquer indício de dominação assíria.

Na’aman sugeriu que Josias não poderia ter sido retratado como subserviente à Assíria porque ele era um rei justo, como Ezequias antes dele. Isso é plausível, e tanto Ezequias (2 Reis 18) quanto Josias são creditados com uma reforma religiosa. Mas, de acordo com o esquema de 2 Reis, qualquer bom rei seguindo um rei mau teria que empreender uma reforma religiosa e a liberdade da influência assíria é necessária para tornar isso plausível. Dada essa premissa teológica, não é realmente fácil de afirmar que algum rei realmente tenha cumprido o requisito deuteronomista.

A realidade histórica da resistência de Ezequias, como debatido em um seminário anterior (Grabbe [ed.] 2003), é que ele perdeu a maior parte de seu território e pagou Senaquerib com uma grande fortuna. O simples fato de Jerusalém não ter sido tomada e de o rei assírio ter partido permitiu que Ezequias recebesse o posto de rei justo.

O caso de Josias é mais interessante. O que o qualificou para o mesmo status? Foi sua morte heroica? Ou foi, de fato, algum ato aparentemente piedoso? Josias foi creditado com uma reforma porque seu status a exigia, ou seu status foi motivado por algum ato deuteronomisticamente aprovado que ele realizou? Tentarei chegar a uma resposta, mesmo que provisória.

A história da reforma se divide em três episódios: a descoberta e verificação do livro da lei, seguida pela aliança (2 Rs 22,3-23,3); a destruição de objetos e lugares de culto (2 Rs 23,4-20); e um terceiro episódio (2 Rs 23,21-24), compreendendo a celebração da Páscoa e a remoção de certas práticas religiosas, com referência, mais uma vez, ao livro da lei.

Não está claro se o segundo episódio está intrinsecamente conectado ao primeiro. A estrutura literária de 2 Reis 22-23 permanece em disputa e há uma possibilidade de que o tema do livro da lei tenha sido inserido em uma narrativa de reforma ou uma narrativa de reforma tenha sido desenvolvida após uma história da descoberta de um livro da lei (ver Lohfink 1985).

Também deve ser notado que as atividades de reforma de Josias são confinadas a Judá e seus arredores, especialmente Betel, com exceção de um único breve aviso sobre o território de Samaria (2 Reis 23,19).

Que outras evidências temos para ambos? Deveríamos começar (como muitos estudiosos anteriores) buscando alusões a uma reforma ou ecos dela (ou ausência de ambos), em outros textos bíblicos. Portanto, a natureza do próprio livro de leis requer análise.

O impacto da reforma de Josias

Parece haver pouca ou nenhuma sugestão de qualquer reforma em outra literatura bíblica que possa ser atribuída ao período, por exemplo, os livros de Jeremias ou Sofonias. Albertz (1994: 200) aponta para Jr 8,7-8, sugerindo uma lei escrita nas mãos dos sacerdotes. Mas este texto não menciona nenhuma reforma. Ele também menciona Jr 22,15; 31,2-6 e 44,18 como oferecendo algum suporte para a ideia de um clima de reforma. Mas não há nenhuma indicação clara ou direta no livro do profeta Jeremias, que estava em Jerusalém naquela época, de que uma grande reforma religiosa tenha ocorrido.

Sweeney (2001: 129-313) analisou mais recentemente uma gama mais ampla de textos proféticos (Sofonias, Naum, Jeremias, Isaías, Oseias, Amós, Miqueias e Habacuque), concluindo que os profetas que eram contemporâneos de Josias abordaram ativamente aspectos de seu programa de reforma e frequentemente apontam para aspectos que não são evidentes no relato deuteronomista de seu reinado (p. 310).

O espaço não permite, infelizmente, uma avaliação detalhada da longa discussão de Sweeney. Mas aqueles textos que ele cita em apoio à centralidade de Jerusalém dificilmente indicam inequivocamente o tempo de Josias em vez de um período posterior. Vários textos parecem se referir a aspectos da reforma não mencionados em 2 Reis, enquanto outros textos parecem fornecer legitimação para a reforma, incluindo a reunificação dos reinos divididos, mas não necessariamente pressupõem isso.

Tendo avaliado as evidências e argumentos de Sweeney, não encontrei nenhuma referência convincente a uma reforma como descrita em 2 Reis 22-23, e muito pouco que sugira qualquer reforma religiosa neste momento, com uma exceção importante, à qual retornarei em breve e que não envolve um livro de leis.

Eu sustento, então, que não temos nenhum texto que, na ausência de 2 Reis 22-23, nos levaria a sugerir uma reforma religiosa. Isso deve ser exigido de qualquer corroboração independente. Alguns textos poderiam se referir a tal coisa, se tivesse acontecido, mas não implicam que tenha acontecido. Em suma, os argumentos de Sweeney dependem da suposição de que houve uma reforma, e não fornecem evidências adequadas de que houve uma. Tal ausência é significativa, se não conclusiva.

Esta conclusão nos leva, então, à questão do livro da lei. Como é bem sabido, De Wette pode ser creditado por ter nos legado a percepção de que o livro da lei de Josias era o livro do Deuteronômio, ou alguma forma dele. Esta identificação, feita em 1805, forneceu a ele uma chave importante para separar a lei das origens mosaicas do judaísmo e, assim, desenvolver uma reconstrução crítica da história da religião de Israel e Judá. Vale, no entanto, lembrar que De Wette considerava D como a última das fontes do Pentateuco, e que sua identificação do livro da lei com o Deuteronômio não foi universalmente aceita até hoje.

No entanto, não é preciso ser um gênio para ver que a identificação do Deuteronômio com o livro da lei josiânica é precisamente o que o autor de 2 Reis 22 pretende. A linguagem e a ideologia de 2 Reis são deuteronomistas, e mesmo antes da teoria de Martin Noth sobre a História Deuteronomista, em 1943, poder-se-ia perceber que qualquer relato deuteronomista da descoberta de um livro de leis apresentaria esse livro de leis como o Deuteronômio, em vez de, digamos, o Levítico ou o Código da Aliança do Êxodo.

O escritor da história do livro de leis deseja deixar claro que nos dias dos reis de Judá, o rolo do Deuteronômio, que havia sido perdido temporariamente, foi recuperado e usado como base para uma reforma religiosa, e com a autoridade total de um rei davídico, nada menos.

O comentário de Albertz de que só foi possível avaliar a reforma cultual de Josias com mais precisão quando a identidade do livro de leis que forneceu sua base foi estabelecida (1994: 198-99) erra o ponto. Sabemos qual era o livro de leis da história: mas não sabemos se a história de sua descoberta (ou alguma racionalização moderna, como uma apresentação deliberada do manuscrito logo após a composição) é verdadeira.

Nossa pergunta agora é: É provável uma origem do século VII a.C., ou talvez anterior, para Deuteronômio? É plausível um livro de leis da época josiânica?

Datando o livro da lei

O método de datação do Deuteronômio tem que prosseguir inteiramente com base em evidências internas, interpretadas à luz do pouco que sabemos da história de Judá, sua sociedade e sua religião, durante todo o período em que o Deuteronômio pode ter sido escrito, o que inclui o período monárquico, o período exílico e o período pós-exílico. Ao perguntar sobre a data do Deuteronômio, não estou tentando reabrir um debate: esse debate nunca parou. Obviamente, um breve artigo de discussão não pode cobrir a gama de temas e tópicos do Deuteronômio que precisariam ser abordados para chegar a uma teoria sólida. O seguinte representa uma pequena seleção dos tópicos mais significativos.

Antes de começar, é importante aceitar que muitas partes do livro podem ter se originado em um momento diferente da coleção de leis em si. A primeira introdução (1,1- 4,40 ) e os capítulos finais (27-34) são geralmente vistos como decorrentes de um processo de edição subsequente. Portanto, não devemos procurar datar o presumido livro de leis com base em qualquer material nesses capítulos. Também excluirei a segunda introdução em 4,44-11,32 e me concentrarei apenas no material legal, Dt 12-26.

Neste material jurídico essencial (por conveniência, o tratarei como um documento), encontramos um esboço de uma sociedade que reflete algumas circunstâncias históricas, mas que é essencialmente utópica e, em algumas partes, impraticável. Seu caráter utópico é expresso por meio de um cenário fictício do passado, no qual a utopia continua sendo uma possibilidade futura: quando Israel entrar na terra que Iahweh, seu Deus, está lhe dando como posse (Dt 12,1.9.10.20.29;13,13 etc.) .

A questão-chave para sua datação é: Qual é o propósito desse documento e em que tipo de contexto histórico e social sua definição de Israel teria algum significado ou impacto? Essas questões serão consideradas (muito brevemente) com relação à definição de Israel, as nações, a aliança, o papel e a função do rei e a centralização do culto.

A definição de “Israel”

No núcleo legal do Deuteronômio, Israel designa uma sociedade, e seus membros são chamados de “filhos de Israel” (benē yisrā’ēl). Em que consiste esse Israel não é especificado em muitos detalhes. A dupla menção da tribo de Levi pode indicar uma estrutura tribal para o todo, mas nenhuma outra tribo, ou conjunto de tribos, é mencionada, nem uma estrutura tribal tem qualquer papel organizacional. A menção repetida da terra implica uma dimensão territorial para Israel, e a aquisição desta terra é por conquista militar (Dt 19,1; 20,16). As leis relativas ao rei (Dt 17) também implicam um estado territorial. No entanto, o papel do monarca é de fato virtualmente cerimonial.

O Israel do Deuteronômio dificilmente é histórico. No período monárquico, existiam dois reinos, um chamado Judá e o outro às vezes conhecido como Israel. Os resultados da arqueologia recente da Idade do Ferro na Palestina central sugerem fortemente que as áreas mais tarde representadas pelos dois reinos passaram por assentamentos separados. A alegação bíblica de que eles foram unidos sob Davi e Salomão (e alguns anos sob Roboão) é igualmente sem qualquer suporte arqueológico e, de fato, há fortes indicações do contrário (veja Finkelstein e Silberman 2001 para uma visão geral e reconstrução arqueológica).

A noção de que Israel adquiriu a terra por meio da conquista e aniquilação dos ocupantes anteriores também é utópica. De fato, a apresentação de Israel como vindo de fora da terra contradiz as evidências arqueológicas, que não podem revelar nenhum elemento populacional não indígena na Palestina central nos séculos anteriores ao estabelecimento dos dois reinos (os filisteus não se estabeleceram nas terras altas).

Mas as utopias têm uma função. Não adianta descartá-las como ficção, como se isso resolvesse a questão mais importante. Em que contexto histórico um Israel tão utópico (algo maior que Judá) tem um papel? A noção de que Josias desejava reunir Judá e o antigo reino de Israel já foi discutida. É altamente improvável, mas um Israel previamente unido também é improvável. No próprio reino de Israel, antes de 722 a.C., tal ambição poderia ser alimentada e, de fato, muitos estudiosos consideraram o Deuteronômio um documento originalmente israelita, talvez trazido para o sul após a destruição de Samaria. Mas, além de outras considerações que excluem isso, tal teoria não explica a descoberta e adoção deste documento em Judá no final do século VII a.C. Como e com que efeito o Judá de Josias poderia ser representado neste Israel? De fato, mesmo que a origem do Deuteronômio estivesse no reino de Israel, com base em que Judá se chamaria a si mesmo com este nome?

As “nações”

A seção legal do Deuteronômio se refere aos cananeus uma vez, em Dt 20, 17 (Canaã ocorre apenas uma vez em todo o livro, em Dt 32,49). Mas há muitas referências às “nações”, que se enquadram em duas categorias. Em Dt 14,2;15,6;17,4;18,9.14;26,19 a frase se refere a todas as outras nações, indiferenciadas. Israel deve ser bem distinto destas, criando a dicotomia Israel/nações que ainda persiste em nosso uso moderno do termo gentios. A segunda categoria são “as nações que você expulsará”: estas são caracterizadas como (a) ocupando a terra que foi prometida a Israel e da qual ele tomará posse, e (b) praticando costumes religiosos que são abomináveis a Iahweh e que Israel não deve imitar.

Vamos nos concentrar nas nações despossuídas. Elas são especificadas como sete em Dt 7,1 e 20,17 (gergeseus está faltando, talvez acidentalmente, em 20,17) e devem ser destruídas, junto com sua cultura. Que tipo de contexto social e político dá origem a essa noção de duas nações de culturas completamente diferentes no mesmo espaço, uma indígena, a outra imigrante? Essa é uma realidade histórica ou, novamente, utópica?

Que nação e cultura são sinônimos é um princípio importante em Deuteronômio, pois o próprio Israel é definido por sua cultura, especificamente sua religião determinada pela aliança. Cananeu é cananeu, poderíamos dizer. E o mesmo podemos dizer de Israel.

Embora se possa argumentar que existia alguma diferença cultural entre elementos populacionais na Palestina da Idade do Ferro — por exemplo, entre fazendeiros das terras altas e aqueles que viviam sob um regime de cidade-estado — a animosidade gritante em relação às nações cananeias que o Deuteronômio revela provavelmente não pertence à história da Idade do Ferro, porque o reino de Israel (se não Judá) era evidentemente composto de vários elementos populacionais, entre os quais havia um conjunto amplamente compartilhado de práticas religiosas.

A perseguição religiosa, e mais ainda o genocídio, conforme ordenado por Deuteronômio, se traduz em guerra civil, que os monarcas e as elites governantes em geral não buscam provocar. Certamente, a religião pode ser usada para promover sentimentos e práticas chauvinistas, que podem ajudar um monarca, mas o remédio do Deuteronômio seria desastroso para um estado monárquico. Mesmo se traduzirmos as nações de Canaã em inimigas do culto real, a ideologia do Deuteronômio parece excessivamente entusiasmada. O que, precisamente, um chamado para declarar guerra aos cananeus alcançaria, mesmo supondo que alguém pudesse identificar de maneira inequívoca um cananeu?

A guerra do Deuteronômio não é, está claro, física ou mesmo militar, mas ideológica: os autores do documento não pretendem que os cananeus sejam exterminados. Mas a questão pode muito bem ser a propriedade legítima da terra, a filiação a Israel, a adoração adequada da divindade. E pode envolver conflito entre populações indígenas e imigrantes. Tal contexto pode ser postulado na história de Judá. Mas não para o século VII a.C.

A “aliança”

Garbini (2003: 65) afirma que a noção de uma aliança entre a divindade e o povo é bastante surpreendente. Ele afirma que: “Para todos os povos do Oriente Próximo, uma aliança entre um deus e seu povo simplesmente não fazia sentido: a aliança dizia respeito apenas ao rei e seu deus dinástico e o rei era legítimo apenas por causa desse relacionamento direto com o deus. Era por meio dela que o rei podia garantir a prosperidade de seu povo e legitimar sua própria função. Isso fica claro até mesmo no texto bíblico, onde está escrito, exatamente sobre Josias: E o rei ficou em pé junto a uma coluna e fez uma aliança (wayyikrot ‘et ha-b‘rit) diante de Iahweh (2 Rs 23,3). A questão nunca foi colocada, por que este livro, que supostamente guiou os passos do piedoso Josias, não contém nenhuma menção a ritos de aliança ou pilares desse tipo. Diz-se, além disso, que a mesma cerimônia foi celebrada na época de Salomão, como fica claro na narrativa de 1 Reis 8, apesar de todas as ampliações deuteronomistas. Ao consagrar o templo, Salomão fez uma aliança (8,23) com Iahweh, deus da dinastia (8,25), invocando sua proteção sobre o povo, especialmente nos momentos difíceis da guerra e da fome”.

Este ponto pode, no entanto, ser colocado de forma mais positiva, como foi feito por Geller em um ensaio sobre o papel do Deuteronômio na história do monoteísmo (Geller 2000: 300). Ele descreve o Deuteronômio como “um tipo radicalmente novo de associação de indivíduos … Israel é, na formulação deuteronômica da aliança, em última análise, cada israelita”. (Este fenômeno, do vínculo direto entre o deus e cada indivíduo, é, naturalmente, fortalecido retoricamente pelo uso do singular “tu” em grandes seções do livro). Geller observa ainda a negação da responsabilidade coletiva pelos pecados em Deuteronômio 34. Deuteronômio marca o início de uma definição pessoal da religião israelita — pode-se até dizer a fonte do judaísmo. Em suma, temos aqui, como Geller sugere, um estágio no desenvolvimento da Torá em um órgão de religiosidade pessoal e não um corpo de ensinamentos sociais sustentado por uma instituição estatal (seja a monarquia ou o sacerdócio).

Como tal noção surgiu aqui pela primeira vez é uma questão intrigante. Que tipo de condições levaram ao surgimento de uma religião que era tanto social quanto individual? Mas, novamente, a questão-chave é: Como esse caráter pessoal da aliança do Deuteronômio faz sentido em um pequeno estado monárquico? Qual é o objetivo e o efeito de tal redefinição da religião? E, novamente, digo que não é suficiente simplesmente responder que Deuteronômio é utópico. É necessário sugerir um contexto no qual essa visão faça sentido, em uma comunidade que se formou, ou desejou, uma comunidade na qual a filiação implicava responsabilidades individuais, especialmente religiosas.

Weinfeld (1972: 59-157), entre outros, argumentou, em defesa de uma data josiânica para o Deuteronômio, que a forma de tratado de vassalagem assírio (exemplificada por aqueles de Esarhaddon) fornece um modelo para o Deuteronômio. Mas para ser válido, esse argumento tem que mostrar que o conhecimento de tais formas literárias desapareceu em determinado momento. Entretanto, a influência da Assíria na retórica diplomática e na literatura (assim como na imaginação) do Antigo Oriente Médio persistiu por vários séculos. Um terminus a quo no século VII a.C. para Deuteronômio não é particularmente conclusivo.

Mais pertinente, novamente, é a questão: sob quais circunstâncias um tratado de suserania inspiraria uma nova teoria da religião como um pacto entre uma divindade e uma nação, concebida tanto corporativa quanto individualmente? E sob quais circunstâncias tal conceito adquiriria valor?

O papel e a função do rei

O rei de Israel aparece em apenas dois textos no material legal do Deuteronômio. O primeiro está em Dt 17,14-20. É improvável que a ameaça de um rei estrangeiro, como alerta o texto, fosse substancial no período monárquico (os textos canonizados não relatam que isso tenha acontecido ou mesmo sido ameaçado). Mesmo sob os assírios e babilônios, havia um rei nativo no trono, mas esta é uma questão trivial.

GRABBE, L. L. (ed.) Good Kings and Bad Kings: The Kingdom of Judah in the Seventh Century BCE. London: T&T Clark, 2005A questão principal é esta: duas das principais funções de um rei (de acordo com a sociologia moderna e também com os próprios monarcas antigos) são segurança e justiça. A primeira protege o povo de ameaças externas e a última da exploração interna. Ambas contribuem para a ordem social. Sem essas funções, o papel de um rei é redundante.

A passagem citada propõe limitar seu direito de ser a fonte da justiça e de ter uma força significativa de cavalaria. Em outro lugar, o Deuteronômio prescreve as regras para a guerra (Dt 20) das quais o rei está totalmente ausente. Lá, como aqui, a autoridade é conferida exclusivamente aos sacerdotes. O rei está sujeito à lei que eles mantêm e eles, não ele, ditam seu conteúdo. O rei se torna um monarca constitucional.

A mesma questão retorna, mas com mais força: em que ponto da história de Judá tal revolução política faz sentido, mesmo como um ideal utópico? Quando o governo de um monarca judaíta pode ser substituído por um livro de leis? Não há paralelo algum no período monárquico para qualquer noção desse tipo, e de fato é uma ideia absurda para aquela época. Os antigos códigos de leis da Mesopotâmia, como o tratado de suserania assírio, sem dúvida serviram como um modelo para o livro do Deuteronômio, mas em uma reversão completa da antiga tradição pela qual o rei emite seu código de leis, como representante do deus.

Não há explicações plausíveis para que um rei aceite uma reforma que o priva dos poderes essenciais da monarquia, justiça e guerra. Sugerir que Josias era muito jovem na época e que o documento é uma tentativa dos sacerdotes de controlar o poder real é ingênuo. Os sacerdotes teriam o poder de fazer isso, contra a oposição de todos aqueles seguidores cujo privilégio dependia precisamente da preservação do poder da monarquia? A noção de que tal reforma foi instigada pelo ‘am ha-’aretz, como Albertz também sugere (Albertz 1994: 201), é contrariada pelo fato de que essas pessoas dificilmente teriam transferido autoridade sobre a guerra ou a justiça para o sacerdócio.

Em suma, a crença da maioria dos estudiosos bíblicos de que um manuscrito que priva o monarca de todos os poderes reais (e, na verdade, inviabiliza a instituição da monarquia) é um produto plausível do Judá do século VII a.C. é surpreendente e só pode ser explicada assumindo que tal estudo está tomando o fato como certo e, portanto, ignorando o absurdo ou fabricando uma racionalização implausível para ele.

Centralização do culto

Albertz corretamente descarta a ideia de Wiirthwein (1976) de que a centralização do culto em Deuteronômio indica o período exílico, afirmando que “não havia mais nenhum conflito sobre a centralização do culto no início do período pós-exílico” (1994: 199-200), com base no fato de que isto é pressuposto pelo Dêutero-Isaías e por Ezequiel. Mas ele pode não ter pensado nas situações da vida em Judá durante o período neobabilônico, quando a capital estava em Mispá. Não sabemos se Jerusalém tinha algum tipo de santuário nessa época, mas as evidências sugerem que vários santuários nas proximidades de Mispá funcionavam: Gibeon, a própria Mispá e especialmente Betel. Como e quando Jerusalém foi restabelecida como capital não está claro. O processo de construção do templo do período persa é em si obscuro, e é impensável que a mudança de capital de Mispá para Jerusalém tenha sido alcançada sem algum ressentimento, podendo se dizer o mesmo da reintegração de Jerusalém como o santuário central. De fato, a substituição de Betel por Jerusalém como o principal santuário de Judá em meados do século V a.C. explica muito sobre a tradição de Josias, como agora sugerirei.

O que Josias fez?

Quando o relato de 2 Reis sobre uma reforma josiânica é questionado em vez de assumido, parece não haver razões convincentes para pensar que um texto como o Deuteronômio (especificamente o material legal) vem dessa época. Pelo contrário, para cada tópico discutido há contextos mais plausíveis.

Não me propus aqui argumentar em detalhes para uma data do século V a.C., mas notei que todas as características discutidas se encaixam bem com tal período. O  Deuteronômio se enquadra no contexto de uma população imigrante, baseada em torno de um templo, em conflito com parte da população indígena, bem como com Samaria, e encorajada a viver e exercer seu controle por meio de uma lei escrita, interpretada pelos sacerdotes.

Mas se tal data fornece um contexto melhor para o cerne do Deuteronômio, ainda precisamos explicar a história da reforma de Josias como uma lenda posterior. Mas isso não é difícil. Aqueles elementos populacionais que alegam ser o verdadeiro Israel (contra as nações indígenas desalojadas) exigiriam necessariamente que o documento do qual sua posição dependia replicasse a situação atual: “Israel” se vendo ameaçado pelos “povos que ocupavam a terra”. Mas o documento requer uma autenticação adicional: ele precisaria ser antigo e ter sido autorizado, como fonte escrita, por um rei judaíta legítimo.

Por que Josias? Isso nos traz de volta a outra questão já levantada: Josias foi enaltecido por ter feito algo para ganhar reputação?

O elemento central da história da reforma de Josias (2 Rs 23) diz respeito à sua destruição de Betel, e este ato é ecoado em 1 Rs 12,25-13,34 (cf. 2 Rs 10,29), bem como em Êxodo 32 (ver Blenkinsopp 1998, 2003). Se Josias tivesse sido executado por alguma ofensa contra o faraó, a destruição de Betel, sinalizando o controle judaíta sobre uma área adjacente à própria Jerusalém, poderia ter constituído tal ato. Mais de um século depois, quando Jerusalém estava sendo restabelecida como o principal santuário da província persa de Judá, talvez às custas de Betel (ver Blenkinsopp 2003), tal ato facilmente teria identificado Josias como uma figura justa e fornecido o contexto para a introdução retrospectiva do Deuteronômio na história anterior de Judá.

De fato, a reforma deuteronômica de 2 Reis 22-23 deveria então ser vista, não como um evento histórico, mas como um disfarce para uma nova comunidade centrada em Jerusalém tentando impor sua definição de Israel, seu deus e sua religião, e especificamente sua lei escrita, em meio a uma população indígena idólatra.

Em suma, o século V a.C. fornece um contexto plausível tanto para a “descoberta” do livro do Deuteronômio quanto para a história da reforma de Josias. Esse caso, é claro, terá que ser discutido em mais detalhes, mas sugiro que mesmo no breve esboço dado aqui, ele oferece um relato melhor das coisas do que a ideia de uma reforma deuteronômica sob Josias.

O ataque do rei a Betel lhe rendeu uma reputação como um campeão deuteronômico, mas a verdadeira reforma ocorreu quase dois séculos depois e, como frequentemente acontece, a história foi reescrita para dar a essa reforma a autenticação necessária.

Bibliografia

Ahlström, G. 1993 The History of Ancient Palestine from the Palaeolithic Period to Alexander’s Conquest (JSOTSup, 146; Sheffield: Sheffield Academic Press).

Albertz, R. 1994 A History of Israelite Religion in the Old Testament Period (trans. John Bowden; OTL; Louisville, KY: Westminster/John Knox Press; London: SCM Press [German edn Gottingen, 1992]).

Blenkinsopp, J. 1998 “The Judean Priesthood during the Neo-Babylonian and Achaemenid Periods: A Hypothetical Reconstruction’, CBO 60: 25-43.

Blenkinsopp, J. 2003 ‘Bethel in the Neo-Babylonian Period’, in O. Lipschits and J. Blenkinsopp (eds.), Judah and the Judean in the Neo-Babylonian Period (Winona Lake, IN: Eisenbrauns): 93-107.

Cross, F.M. 1973 Canaanite Myth and Hebrew Epic: Essays in the History of the Religion of Israel (Cambridge, MA: Harvard University Press).

Davies, G. 1991 Ancient Hebrew Inscriptions (Cambridge: Cambridge University Press).

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Grabbe, L.L. (ed.) 2003 ‘Like a Bird in a Cage’: The Invasion ofSennacherib in 701 BCE (JSOTSup, 363; ESHM, 4; London and New York: Sheffield Academic Press).

Holscher, G. 1922 ‘Komposition und Ursprung des Deuteronomiums’, ZAW 40: 161-255.

Kaiser, O. 1978 Einleitung in das Alte Testament (Giitersloh: Gerd Mohn, 4th edn).

Lohfink, N. (ed.) 1985 “Zur neueren Diskussion über 2 Kön 22-23’, in idem (ed.), Das Deuteronomium. Entstehung, Gestalt und Botschaft (BETL, 68; Leuven: Peeters): 24-48.

Miller, J.M., and J.H. Hayes 1986 A History and Ancient Israel and Judah (Philadelphia: Westminster Press).

Na’aman, N. 1992 The Kingdom of Judah Under Josiah (Tel Aviv Reprint Series, 9: Tel Aviv: Institute of Archaeology).

Smelik, K.A.D. 1991 Writings from Ancient Israel: A Handbook of Historical and Religious Documents (Edinburgh: T. & T. Clark).

Sweeney, M. 2001 King Josiah of Judah: The Lost Messiah of Israel (Oxford: Oxford University Press).

Weinfeld, M. 1972 Deuteronomy and the Deuteronomic School (Oxford: Clarendon Press).

Wiirthwein, E. 1976 ‘Die Josianische Reform und das Deuteronomium’, Z7TK 73: 365-423.

As reformas de Ezequias e Josias podem não ter acontecido

Na semana passada li um texto de Juha Pakkala, biblista finlandês, professor de Bíblia Hebraica na Universidade de Helsinque, sobre a possibilidade das reformas de Ezequias e de Josias, reis de Judá em 716/15-699/8 e 640-609 a.C., respectivamente, não terem acontecido. Segundo o autor, é mais provável que os textos de 2 Reis 18 e 22-23 sejam invenções literárias e projeções de ideais pós-exílicos no período monárquico.KRATZ, R. G.; SPIECKERMANN, H. (eds.) One God, One Cult, One Nation: Archaeological and Biblical Perspectives. Berlin: De Gruyter, 2010

O texto pode ser acessado em Academia.edu: Why the Cult Reforms In Judah Probably Did Not Happen. Pode ser acessado, gratuitamente, também aqui.

Foi publicado em KRATZ, R. G.; SPIECKERMANN, H. (eds.) One God, One Cult, One Nation: Archaeological and Biblical Perspectives. Berlin: De Gruyter, 2010, p. 201-235.

Apresento aqui apenas a introdução e recomendo a leitura do texto completo. Especialmente para quem estuda História de Israel e Literatura Deuteronomista.

Os autores citados nas notas podem ser conferidos na bibliografia no final do texto.

As reformas de Ezequias (2 Reis 18,4) e Josias (2 Reis 22–23) tiveram impacto considerável nos estudos bíblicos. Especialmente a reforma de Josias foi amplamente entendida como um momento crucial e um ponto de virada no desenvolvimento da religião[1] de Israel[2]. Consequentemente, os relatos bíblicos foram assumidos como preservando informações históricas importantes da época de Ezequias e Josias.

Por exemplo, no século passado, Hölscher argumentou que 2 Reis 22–23 é um excelente exemplo de escrita histórica autêntica[3]. Noth assumiu que 2 Reis 23,4–20 foi retirado dos anais reais[4]. Embora a maioria dos estudiosos hoje em dia reconheça que os relatos bíblicos não são fontes históricas imparciais, geralmente se presume que os reis tomaram pelo menos algumas medidas para renovar o culto[5]. Alguns estudiosos presumem que eles purificaram o culto de elementos estrangeiros, enquanto outros argumentam que apenas a localização do culto estava em questão[6]. Há também algumas vozes críticas que questionaram totalmente a historicidade das reformas, mas elas ainda representam a minoria[7]. No entanto, é evidente que o ceticismo sobre a historicidade das reformas cresceu nas últimas décadas[8]. Deve-se acrescentar também que a historicidade da reforma de Ezequias foi desafiada com mais frequência do que a de Josias[9].

Os relatos da reforma tiveram impacto considerável nos estudos bíblicos e no estudo do antigo Israel, sua história e religião. Muitas histórias de Israel e introduções à Bíblia hebraica se referem às reformas como eventos importantes que ocorreram no final do século VIII e no final do século VII a.C.[10]. Muitos conceitos centrais ou mesmo definidores do judaísmo posterior, como centralização do culto, adoração exclusiva a Iahweh, crítica de ídolos e religião baseada na Lei, teriam sido introduzidos por um dos reis reformadores. As reformas também tiveram impacto considerável no estudo dos livros bíblicos. Por exemplo, devido às semelhanças evidentes entre o Deuteronômio e 2 Reis 22–23, a datação do Deuteronômio é frequentemente conectada com a reforma de Josias[11]. Alguns estudiosos que questionaram a historicidade da maioria dos eventos em 2 Reis 22–23 ainda conectaram o Deuteronômio com o rei Josias ou com o final do século VII a.C.[12]. O Deuteronômio seria então uma testemunha das mudanças religiosas que ocorreram durante esse período.

As reformas também influenciaram a datação da Obra Histórica Deuteronomista. Muitos estudiosos, especialmente no mundo anglo-saxônico, vincularam o desenvolvimento editorial de sua composição com as reformas. De acordo com o ‘Modelo de Dupla Redação’, uma das principais fases editoriais da composição foi escrita durante o tempo de Josias[13]. Também se tentou correlacionar dados arqueológicos com as reformas do culto. Especialmente em pesquisas anteriores, a destruição dos locais de culto em Arad Tel Berseba foi vista como um resultado ou prova das reformas do culto bíblico[14]. Também foi discutido se as estatuetas [de divindades] da Idade do Ferro de Judá mostram quaisquer sinais de destruição intencional, o que poderia então ser usado como evidência para a reforma de Josias[15]. Em discussões acadêmicas mais recentes, a diminuição dos motivos iconográficos do século VIII a.C. em diante tem sido conectada com as reformas[16].

A confiança nos textos bíblicos em questão como fontes históricas confiáveis é problemática, porque é evidente que 2 Reis 18 e 2 Reis 22–23 foram extensivamente editados. 2 Reis 23, onde toda a discussão sobre as reformas culmina, pode ser o capítulo mais editado de 1–2 Reis, se não de toda a Bíblia Hebraica, e sua complicada história editorial também é geralmente reconhecida. Um indicativo dos problemas é o fato de que as visões acadêmicas sobre seu desenvolvimento diferem em grande medida, com muito pouco consenso à vista[17]. Quase todas e quaisquer partes do capítulo foram atribuídas de forma variável ao texto básico e a vários editores posteriores ou aos anais reais. Consequentemente, o texto é, na melhor das hipóteses, uma fonte histórica problemática e, portanto, uma base pobre para reconstruções da história de Israel e teorias sobre o desenvolvimento de livros bíblicos.

Juha Pakkala (1968-)Mesmo sem os problemas causados pela edição, os textos em questão foram evidentemente escritos de uma perspectiva fortemente teológica, o que significa que sua confiabilidade histórica como fonte deve ser cuidadosamente examinada. É quase impossível usá-los como tal para qualquer reconstrução histórica do período monárquico. O perfil teológico dos diferentes autores tem que ser compreendido antes mesmo de começarmos a ver por trás da teologia e possivelmente obter informações sobre eventos históricos. Seria arriscado negligenciar a análise meticulosa dos textos-fonte e assumir que, apesar dos problemas evidentes, eles de alguma forma refletem realidades históricas durante a monarquia. Tal abordagem dos textos não é incomum, mas dificilmente pode fornecer uma base histórica sólida.

Neste artigo, tentarei mostrar que os textos disponíveis não são fontes históricas tão sólidas que deveríamos usá-los como pedras angulares de teorias sobre a religião de Israel e o nascimento dos livros bíblicos. A possibilidade de que as reformas sejam projeções de ideais posteriores ao período monárquico e, portanto, não tenham qualquer base histórica também tem que ser levada em consideração ou pelo menos discutida. Algumas características podem até indicar que nunca aconteceram.

 

Notas
1. Neste artigo, a religião de Israel indica a religião de Judá e Israel, praticada durante a monarquia.
2. De acordo com Albertz (1994) “[a] decisão mais importante na história da religião israelita é tomada com a datação de uma parte essencial do Deuteronômio no tempo de Josias.” (199). Cf. a discussão posterior sobre esta declaração por Albertz em Davies (2007), 65–77, e Albertz (2007), 27–36.
3. Hölscher (1923), 208.
4. Noth (1967), 86. Assim também Gray (1963), 663.
5. Por exemplo, Lohfink (1987), 459–475; Collins (2007), 86, 150–151; Sweeney (2007), 402–403, 446–449, e Petry (2008), 395 n. 19. Römer (2005), 55, escreve: “A apresentação bíblica de Josias e seu reinado não pode ser tomada como um documento de evidência primária. Por outro lado, alguns indicadores sugerem, no entanto, que algumas tentativas de introduzir mudanças políticas e de culto ocorreram sob Josias.”
6. Hoffmann (1980), 269, concluiu que em quase todos os detalhes o autor de 2 Reis 22–23 apresenta uma imagem idealista da reforma, mas que os eventos têm uma base histórica na época de Josias.
7. Por exemplo, Levin (1984), 351–371; Davies (2007), 65–77.
8. Este desenvolvimento pode ser observado, por exemplo, em comentários e histórias recentes de Israel; por exemplo, Werlitz (2002), 305–311; Grabbe (2007), 204–207.
9. Para uma revisão, veja Hoffmann (1980), 151–154, onde ele mesmo assume que 2 Reis 18,4 contém uma memória de um evento histórico. Similarmente também Collins (2007), 148. Estudos anteriores assumiram que 2 Reis 18,4 contém um trecho dos anais reais, por exemplo, Benzinger (1899), 177.
10. Ver, por exemplo, Liverani (2005), 175–182; Miller/Hayes (2006), 413–414 (a historicidade da reforma de Ezequias é deixada em aberto; ver n. 28), 457–460.
11. Assim, muitos estudiosos, por exemplo, Driver (1902), xliii–lxvi; Veijola (2004), 2–3; Römer (2005), 55. Em pesquisas anteriores e já desde De Wette (1805), Dissertatio critico-exegetica, o livro encontrado no Templo (2 Reis 22,8) foi assumido como tendo sido o Deuteronômio ou sua edição inicial.
12. Assim, por exemplo, Levin (2005), 91. De acordo com Schmid (2008), 106, a argumentação sobre a relação entre 2 Reis 22–23 e o Deuteronômio corre o risco de raciocínio circular, mas ele data a versão mais antiga do Deuteronômio no século VII a.C.
13. Cf. Cross (1973), 274–289, e muitos que o seguiram. Similarmente também Lohfink (1987), 459–475. Provan (1988), 172–173, conectou a primeira edição da composição com o reinado de Ezequias.
14. Ver Aharoni (1968), 233–234; Mazar (1992), 495–498.
15.Kletter (1993), 54–56, demonstrou que não há evidências de uma destruição intencional de estatuetas [de divindades] na Judeia.
16. Ver Uehlinger (2007), 292–295.
17. Ver, por exemplo, Benzinger (1899), 189–196; Hoffmann (1980), 169–270; Würthwein (1984), 452–466; Levin (1984), 351–371; Kratz (2000), 173, 193; Hardmeier (2007), 123–163.

Mês da Bíblia 2024 na Vida Pastoral

Vida Pastoral n. 359, setembro-outubro de 2024

Mês da Bíblia 2024: Livro de Ezequiel – “Colocarei em vocês o meu Espírito e vocês reviverão” (Ez 37,14)Vida Pastoral n. 359, setembro-outubro de 2024

Diz o Editorial:

Como toda literatura, a Bíblia é, antes de tudo, um acontecimento oral, resultante de narrativas diversas, contadas e recontadas. Ao longo de muito tempo, essas narrativas foram tornadas letras e, posteriormente, textos canônicos.

A cultura bíblica é essencialmente oral. Sabe-se que os poetas e os profetas tinham muito em comum. Ambos eram inspirados por uma força sobrenatural, divina. Se o poeta era possuído pela musa, o profeta o era pelo deus. Para os gregos, o profeta era um porta-voz, alguém inspirado por um deus e que falava em nome desse deus. No mundo bíblico, o sentido é semelhante, o profeta é porta-voz de Deus. Ele comunica o que Deus ordena.

A palavra “profeta” significa aquele que anuncia ou proclama a mensagem de outrem. No entanto, os profetas bíblicos não eram apenas veículos de transmissão da palavra divina. Estavam, sim, a serviço dessa palavra, mas não passivamente, como meros repetidores.

De acordo com Schökel, “o profeta precisa elaborar os oráculos com o suor da sua fronte, como consciencioso artesão da palavra profética” (SCHÖKEL, L. A.; SICRE DIAS, J. L. Profetas I: Isaías, Jeremias. Paulus, p. 16). De modo que, se nas confrarias de aedos e cantores gregos havia o treinamento para o domínio da língua poética, no mundo bíblico também há o esforço de aprimoramento do discurso. Como ministro da palavra e artista da linguagem, o profeta utiliza linguagem já elaborada, a qual ele continua enriquecendo. Sabe-se, pelos livros proféticos, quanto é fecunda a linguagem dos profetas bíblicos.

No caso do profeta Ezequiel, cujo nome significa “Deus fortalece”, ele se insere nessa mesma linhagem. Toda a sua profecia está carregada de metáforas poderosas. O contexto de seu ministério é o exílio na Babilônia (597 a.C.), quando foram levados para lá os primeiros exilados de Israel (família real, altos oficiais, anciões). De todo repertório que se pode conferir no livro de Ezequiel, destacam-se duas metáforas marcantes: ossos secos e novo coração.

Ezequiel tem a visão de um vale repleto de ossos totalmente secos, sem nenhuma possibilidade de vida. O profeta passeia por entre os ossos e não poupa detalhes, descrevendo o cenário carregado pela atmosfera da morte. Os ossos secos são o retrato do povo exilado, destituído de qualquer sinal de superação da crise em que vive, e no horizonte parece não haver esperança. O profeta faz ver que a esperança está em Deus: “Assim diz o Senhor Javé a esses ossos: Vou infundir um espírito, e vocês reviverão. Vou cobrir vocês de nervos, vou fazer com que vocês criem carne e se revistam de pele. Em seguida, infundirei o meu espírito, e vocês reviverão” (Ez 37,5-6).

A expressão coração novo, por sua vez, chama a atenção para a tomada de consciência sobre o porquê de Israel ter chegado àquela situação de tanto sofrimento. O motivo seria a infidelidade da “casa de Israel”, isto é, das autoridades e de todo o povo, que, ao invés de seguirem os preceitos de Deus, caíram na idolatria e em outros pecados. A saída do estado decadente e desolador dar-se-á mediante o poder e a bondade divina: “Darei a vocês um coração novo e colocarei um espírito novo dentro de vocês. Tirarei de vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne” (Ez 36,26-27).

Assim como no vale de ossos secos e nos corações petrificados no livro de Ezequiel, nossa realidade atual está marcada por sinais de morte, guerras, crises climáticas e humanitárias. Que o Espírito sopre nos “cadáveres” gerados pela indiferença e por decisões frias, tomadas por corações petrificados em seus escritórios gelados. Que não nos faltem profetas “artesãos da linguagem”, cheios do Espírito, corajosos e capazes de dizer palavras de esperança e transformação.

Sumário

Restauração da monarquia davídica e da terra de Israel: Entendendo o livro de Ezequiel – Prof. Shigeyuki Nakanose

Quem é o verdadeiro pastor?: Uma leitura de Ezequiel 34,1-16 – Profa. Maria Antônia Marques

Entre a dor que dilacera e a vontade de viver: a memória de Ezequiel no pós-guerra – “Abre a boca e come o que te entrego” (Ez 2,8) – Profa. Cecilia Toseli

A esperança que nasce num vale de ossos secos: Ezequiel 37 – Prof. Luiz Alexandre Solano Rossi e Profa. Érica Daiane Mauri

O livro de Oseias na pesquisa atual

KELLE, B. E. (ed.) The Oxford Handbook of Hosea. New York: Oxford University Press, 2024, 520 p. – ISBN 9780197639597.

Esta é uma coleção de ensaios com múltiplos recursos para a interpretação do livro de Oseias. O volume examina abordagens que são consideradas essenciais para aKELLE, B. E. (ed.) The Oxford Handbook of Hosea. New York: Oxford University Press, 2024, 520 p. interpretação ou que são representativas das tendências atuais na pesquisa do livro de Oseias.

Cada ensaio aborda um elemento em particular e faz um levantamento crítico de estudos anteriores antes de apresentar abordagens atuais e prospectivas.

De muitas maneiras a pesquisa sobre o livro de Oseias é representativa dos desenvolvimentos e tendências atuais no estudo do profetismo como um todo. Portanto, embora dedicada ao livro de Oseias, a coleção de ensaios neste volume fornece um instantâneo de como deve ser a pesquisa atual sobre um livro profético.

A coleção começa com ensaios orientados para o contexto discutindo a história, o texto e o crescimento composicional de Oseias.

O volume inclui uma seção de ensaios sobre perspectivas estabelecidas e emergentes sobre os principais textos representativos do livro.

Em seguida os ensaios tratam dos principais elementos teológicos e literários, temas e motivos do livro de Oseias, antes de prosseguir para examinar diversas teorias interpretativas, contextos e abordagens.

O último grupo de ensaios no volume investiga as principais tendências na história da recepção de Oseias, incluindo o uso do livro em filmes e romances populares, bem como a interpretação asiática e afro-americana.

Brad E. Kelle é Professor de Antigo Testamento e Hebraico Bíblico na Point Loma Nazarene University, San Diego, California.

 

The Oxford Handbook of Hosea is a collection of essays that provide resources for the interpretation of the book of Hosea. The volume examines interpretive elements and approaches that are deemed essential for interpretation or that are representative of significant trends in present and future study. Each essay addresses one particular element or approach and will critically survey prior scholarship before presenting current and prospective approaches.

In many ways, research on the book of Hosea is representative of the developments and current trends in prophetic study as a whole. Hence, while dedicated to the book of Hosea, the collection of essays in this volume provides a snapshot of what today’s fully orbed scholarship on a prophetic book should look like. The collection begins with background-oriented essays that discuss the history, text, and compositional growth of Hosea. The volume includes a section of essays that survey established and emerging perspectives on key representative texts from the book. The essays then treat the book of Hosea’s major theological and literary elements, themes, and motifs before moving on to examine diverse interpretive theories, contexts, and approaches. The final group of essays in the volume investigates major trends in the reception history of Hosea, including the book’s use in popular movies and novels, as well as Asian and African American interpretation.

Table of Contents

List of Abbreviations
About the Contributors
Acknowledgments
Introduction, Brad E. Kelle
1. Does (and Should) Hosea Matter Still?, Carol J. Dempsey, OP
Part I: History, Text, and Composition
2. The Book of Hosea and the History of Eighth-Century BCE Israel, Shuichi Hasegawa
3. Assyria and Its Image in Hosea, Shawn Zelig Aster
4. Hosea the “Historical Prophet” of the Eighth Century BCE, Hosea the Remembered Prophet of Yehudite Literati, and the Book of Hosea, Ehud Ben Zvi and Ian D. Wilson
5. The Book of Hosea and Israelite Religion in the Eighth Century BCE, Lena-Sofia Tiemeyer
6. The Book of Hosea and the Socioeconomic Conditions of Eighth-Century BCE Israel, Davis Hankins
7. Transformation and Reinterpretation in the Composition and Redaction of Hosea, Susanne Rudnig-Zelt
8. The Book of Hosea and Northern/Israelian Hebrew, Na’ama Pat-El
9. Texts and Versions of the Book of Hosea, Eric J. Tully
10. Hosea in the Book of the Twelve, Mark Leuchter
Part II: Key Texts: Established and Emerging Perspectives
11. Hosea 1-3, the Marriage Metaphor, and the Ties that Bind, Amy Kalmanofsky
12. Hosea 5:8-6:6, Alt’s Hypothesis, and New Possibilities, Marvin A. Sweeney
13. Hosea 7-8 and the Critique of Kings, Politics, and Power, Jerry Hwang
14. Hosea 11 and Metaphors of Identity, Relationship, and Core Values in Contexts of Trauma, Jennifer M. Matheny
15. Hosea 12-13 and Prophetic Composition, Rhetoric, and Recollection, John Goldingay
Part III: Theological and Literary Elements, Themes, and Motifs
16. Metaphors in the Book of Hosea, Mason D. Lancaster
17. Intertextuality and Traditions in the Book of Hosea, Göran Eidevall
18. God’s Character in the Book of Hosea, Bo H. Lim
19. Kingship and Political Power in the Book of Hosea, Heath D. Dewrell Brad E. Kelle
20. Sin and Punishment in the Book of Hosea, Joshua N. Moon
21. Repentance in the Book of Hosea, Mark J. Boda
22. Gender and Sexual Violence in Hosea, Kirsi Cobb
Part IV: Interpretive Theories and Approaches
23. Hosea in Feminist and Womanist Interpretation, Vanessa Lovelace
24. Masculinity Studies and Hosea, Susan E. Haddox
25. Queer Theory and Hosea, Jennifer J. Williams
26. Postcolonialism as a Methodological Approach to Hosea, Jeremiah W. Cataldo
27. Prolegomena to the Ecological Interpretation of Hosea, Peter Trudinger
Part V: Reception
28. Hosea in Rabbinic Literature, Devorah Schoenfeld
29. Hosea in the New Testament, Steve Moyise
30. Hosea in Popular Culture, Emily O. Gravett
31. The Ghost of Hosea in African American Interpretation, Aaron Dorsey
32. Hosea in Asia-centric Interpretation, Barbara M. Leung Lai
Index

Brad E. Kelle is Professor of Old Testament and Hebrew at Point Loma Nazarene University in San Diego, CA.

Os três revisionistas do Pentateuco

John Van Seters, Hans Heinrich Schmid e Rolf Rendtorff são os três “revisionistas” da crítica do Pentateuco.

Preste atenção nestas datas: 1878 > 1883 > 1974 > 1975 > 1976 > 1977.

A teoria clássica das fontes JEDP do Pentateuco, elaborada no século XIX por Hermann Hupfeld (1796-1866), Abraham Kuenen (1828-1891), Édouard Guillaume Eugène Reuss (1804-1891), Karl Heinrich Graf (1815-1869) e, especialmente, Julius Wellhausen (1844-1918), vem sofrendo sérios abalos, de forma que hoje os pesquisadores consideram impossível assumir, sem mais, este modelo como ponto de partida. O consenso wellhauseniano sobre o Pentateuco foi rompido. Lembro que o primeiro livro de Julius Wellhausen sobre o tema foi publicado em 1878 (Geschichte Israels) e o mais importante em 1883 (Prolegomena zur Geschichte Israels).

Thomas L. Thompson (1939) chegou à conclusão de que as narrativas patriarcais estavam refletindo muito mais o primeiro do que o segundo milênio, e a datação tradicional dos patriarcas e sua historicidade caíram por terra. Seu livro foi publicado em 1974.

John Van Seters (1935) concluiu que o J deveria ser visto como um autor pós-D, e que a ‘Hipótese Documentária’ deveria ser totalmente revista. Van Seters publicou sua pesquisa em 1975.

Em 1976 e em 1977 apareceram os livros de Hans Heinrich Schmid (1937-2014) e de Rolf Rendtorff (1925-2014) sobre o mesmo assunto. H. H. Schmid chegou à conclusão de que o Pentateuco era o produto do movimento profético, assim como o era o livro do Deuteronômio, e de que o J deveria ser visto em estreita associação com a escola deuteronômica nos últimos anos da monarquia ou na época do exílio. Rolf Rendtorff não vê nenhuma conexão original entre Gênesis e Êxodo-Números, mas sim uma posterior costura deuteronomista ligando estas tradições. Donde se conclui que a ideia de fontes, tal como a J, deve ser abandonada, e que a formação do Pentateuco a partir de temas independentes é que deve ser pesquisada.

A crise do Pentateuco explodiu, então, em plena luz do dia e ninguém mais podia escapar da constatação de que a teoria clássica das fontes do Pentateuco, pelo menos em sua forma mais rígida, era insustentável.

 

Estou lendo a autobiografia de John Van Seters, um dos três “revisionistas” da teoria clássica das fontes do Pentateuco.VAN SETERS, J. My Life and Career as a Biblical Scholar. Eugene, OR: Cascade Books, 2018

VAN SETERS, J. My Life and Career as a Biblical Scholar. Eugene, OR: Cascade Books, 2018, 278 p. – ISBN 9781498299558.

No capítulo 2, Toronto Years, 1970–1977, ele diz sobre Thomas L. Thompson:

Na primavera de 1974 completei as revisões do meu manuscrito sobre Abraham in History and Tradition para a Yale University Press. Este estudo serviu de base para todos os trabalhos que vinha apresentando nesse período. Pouco depois de ter submetido o manuscrito a Yale, recebi uma carta de Piet de Boer, de Leiden [Países Baixos], informando-me que acabara de receber um livro para resenha na revista Vetus Testamentum, do qual era editor, intitulado The Historicity of the Patriarchal Narratives: The Quest for the Historical Abraham. Berlin: Walter de Gruyter, 1974, de Thomas L. Thompson.

A razão pela qual de Boer me escreveu tão rápido foi que ele havia visitado a Universidade de Toronto alguns dias antes, onde tinha vários amigos pessoais em nosso departamento, e eu tive a oportunidade de falar com ele sobre meu trabalho no qual ele tinha um grande interesse. Portanto, não é de admirar que ele me tenha escrito imediatamente ao regressar a Leiden. Também peguei o livro de Thompson assim que pude e o folheei.

Thompson claramente adotou a mesma visão cética em relação à historicidade dos patriarcas bíblicos e à “busca pelo Abraão histórico” que eu tive, e houve alguma sobreposição no material que tratei na primeira metade do meu livro. Na verdade, ele estava ciente de alguns dos meus artigos anteriores. Contudo, não havia nada comparável no livro de Thompson ao estudo literário que compôs a segunda metade do meu livro. A sua posição sobre estas questões parecia seguir mais de perto a dos seus mentores alemães de Tübingen. Então decidi, estando o livro na fase de edição, tomar algumas notas sobre seu livro, mas não retirar o manuscrito para uma revisão mais detalhada nesta fase.

(…)

“Os dois livros, o de Tom [Thomas L. Thompson] e o meu, ficaram conhecidos como o ataque de Thompson-Van Seters à história bíblica, e a Escola Albright e seus simpatizantes partiram para o contra-ataque. O livro muito popular, A História de Israel, de John Bright, aluno de Albright, teve uma nova edição após o aparecimento de nossos livros; ele os notou, mas os dispensou sem discussão e com o breve comentário de que “é duvidoso que suas posições obtenham aceitação geral ou duradoura”. Na verdade, ele estava completamente errado. Não demorou muito para que surgissem outras histórias e introduções nas quais nossa posição fosse prontamente aceita. A resistência mais duradoura veio da turma da arqueologia bíblica que vendia seus empreendimentos arqueológicos para apoiadores leigos, afirmando que eles estavam de fato descobrindo a história bíblica, e qualquer coisa que diminuísse a quantidade de conteúdo histórico da Bíblia era ruim para os negócios e para a arrecadação de fundos para suas atividades. Os cristãos e judeus conservadores, que faziam uso da arqueologia bíblica para apoiar a sua crença na historicidade da Bíblia, tendiam a difamar-me, embora soubessem pouco sobre mim ou sobre o meu passado evangélico.

Ainda no capítulo 2, ele fala de Rolf Rendtorff e de Hans Heinrich Schmid:

John Van Seters (Hamilton, Ontario, Canadá, 1935)ItNo Congresso Anual da SBL [Society of Biblical Literature], três acadêmicos da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, começaram a aparecer regularmente: David Clines, David Gunn e Philip Davies. E eu os conheci muito bem. David Gunn e eu estávamos em uma seção regular do programa sobre narrativa bíblica. Ambos estávamos interessados ​​nas histórias de Saul e Davi, embora a partir de perspectivas um pouco diferentes, por isso mantivemos um debate animado sobre estas questões, refletido em alguns dos nossos artigos publicados naquela época. Esses três estudiosos também iniciaram uma nova revista, Journal for the Study of the Old Testament, publicada pela Sheffield University Press. Pediram-me que contribuísse com um artigo para o primeiro número, o que fiz: “Problems in the Literary Analysis of the Court History of David”. Este artigo foi uma resenha dos escritos de David Gunn sobre este assunto, por isso a nossa discussão sobre a análise literária da história de Davi continuou por algum tempo.

Ao mesmo tempo em que dei à JSOT um artigo para sua primeira edição, eles me pediram para contribuir para uma discussão acadêmica, juntamente com vários outros estudiosos proeminentes do Antigo Testamento, tratando de um artigo do professor Rolf Rendtorff sobre o Pentateuco: “The ‘Yahwist’ as Theologian? The Dilemma of Pentateuchal Criticism.” Esta era uma tradução para o inglês de um artigo em alemão publicado em 1975, mais ou menos na mesma época em que apareceu meu próprio livro sobre a tradição de Abraão. A segunda metade do meu livro também tratou dos problemas da crítica do Pentateuco, embora de uma perspectiva um pouco diferente.

E em 1976 apareceu outro livro do estudioso suíço Hans Heinrich Schmid, intitulado Der sogenannte Jahwist, que também tratava de “observações e questões relativas à pesquisa do Pentateuco”. Deste modo Schmid entrou no debate. Também incluídos na lista de autores para esta edição do JSOT estavam George Coats, meu bom amigo de Yale que fez sua dissertação sobre o Pentateuco, Norm Wagner, meu ex-colega de Waterloo, e Norman Whybray de Hull, Reino Unido, um acadêmico britânico sênior. Isso resultou em uma edição memorável logo no início da vida desta revista e que foi frequentemente citada.

O que foi significativo para mim foi que este novo desenvolvimento no debate sobre o Pentateuco representou uma grande mudança da obsessão americana com as preocupações da Escola Albright sobre a historicidade para um interesse amplamente europeu e germânico na crítica literária. Wagner foi, claro, aluno de F. V. Winnett, que deu início ao processo com o seu discurso presidencial na SBL em 1964 [Re-Examining the Foundations. Journal of Biblical Literature, Vol. 84, No. 1 (Mar., 1965), p. 1-19], e a dissertação de Wagner sobre o Gênesis faria uso intenso dos estudos alemães. George Coats, enquanto estudava em Yale com Childs, na verdade escreveu sua dissertação em Göttingen com Walter Zimmerli.

Mas fomos particularmente Rendtorff, Schmid e eu que fomos cada vez mais identificados como os “revisionistas” na crítica do Pentateuco, e os norte-americanos eram os “reacionários” e defensores dos métodos mais antigos de crítica literária. Isto não quer dizer que não houvesse diferenças significativas entre os três “revisionistas”. Eu tinha algumas reservas sérias sobre a abordagem dos problemas da crítica ao Pentateuco de Rendtorff.

No capítulo 3, The Move to UNC Chapel Hill, ele comenta sobre seus primeiros contatos com Hans Heinrich Schmid e com Rolf Rendtorff:

No final de 1976, Hans Heinrich Schmid, da Universidade de Zurique, publicou um livro, Der sogennante Jahwist: Beobachtungen und Fragen zur Pentateuchforschung (O assim chamado Javista: Observações e questões relativas à pesquisa do Pentateuco) e quando tomei conhecimento disso através de uma resenha na JSOT [Journal forThomas L. Thompson (Detroit, Michigan, 1939) the Study of the Old Testament] no final de 1977, consegui uma cópia e depois de lê-la percebi que havíamos chegado às mesmas conclusões sobre o Pentateuco em geral e sobre a datação tardia do Javista em particular. Então escrevi para ele e lhe disse: “Nem sei dizer o quanto gostei [do livro] ou até que ponto estou de acordo com você. Nos detalhes é claro que existem algumas diferenças. Mas em muitas questões sobre conteúdo e método chegamos independentemente às mesmas conclusões. Minhas próprias notas de seminário sobre o êxodo [a principal área de seu foco no livro] estão repletas exatamente das observações que você fez, que agora parecem óbvias quando expostas tão claramente como você fez. No entanto, elas serão fortemente recusadas, receio”. Expressei a esperança de ter notícias dele e de que fosse estabelecido algum contato acadêmico que me envolvesse mais nos estudos continentais [europeus], porque eu tinha pouca esperança de mudança na América, com base na resposta que recebera até aquele momento.

Hans Heinrich enviou-me em resposta uma carta calorosa e amigável, que foi o prenúncio de uma amizade profunda e duradoura. Ele me agradeceu pela minha carta e disse que poderia dizer sobre meu livro sobre Abraão [VAN SETERS, J. Abraham in History and Tradition. New Haven: Yale University Press, 1975] as mesmas coisas que eu havia dito a respeito de seu livro sobre o Javista. Ele continuou dizendo que durante o verão passado leu meu livro junto com duas histórias de detetive e achou meu livro muito mais emocionante (viel spannender) do que os dois romances, o que foi realmente um grande elogio. Ele passou a discutir longamente as possibilidades de traduzi-lo para o alemão, o que exigiria algum financiamento e permissão da Yale Press, ou fazer um resumo de 80 páginas que pudesse publicar em Zurique. Ele expressou a esperança de que mantivéssemos contato e nos reuníssemos em algum momento no futuro.

Segui sua sugestão sobre uma edição alemã do meu livro com a Yale Press, e depois de alguns meses eles indicaram que não se envolveriam com as despesas de uma edição alemã. Eles não se opuseram à outra proposta de Hans Heinrich sobre uma versão resumida em alemão, mas eu estava tão envolvido com outros compromissos que não pude parar para escrever tal trabalho. No verão seguinte, eu estava comprometido com dois meses de escavação no Egito e simplesmente não consegui. Então essa chance escapou. Mesmo assim, Hans Heinrich e eu mantivemos contato próximo, o que acabaria por levar a um encontro pessoal na Suíça.

Mais ou menos na mesma época em que escrevi para Hans Heinrich Schmid, escrevi também para o professor Rolf Rendtorff, de Heidelberg. A edição do JSOT que incluía uma tradução do artigo de Rendtorff sobre o Javista e várias respostas a ele, incluindo a minha, e as respostas de Rendtorff aos seus críticos tinham acabado de aparecer [Journal for the Study of the Old Testament, Volume 1 Issue 3, October 1976]. Na sua resposta aos meus comentários, pude ver que ele me admoestou por criticá-lo por uma citação errada que ele havia feito de von Rad. Ele afirmou que a citação incorreta foi culpa do impressor e seria corrigida em seu novo livro, que expandiu bastante a tese de seu artigo. Dito isto, ele sentiu que não precisava lidar com a substância da minha crítica. Na minha carta, eu queria fazer duas coisas: a primeira era eliminar barreiras para tornar possível um diálogo com este importante professor, sucessor de Gerhard von Rad, e, em segundo lugar, esclarecer a maneira como eu sentia que ele havia deturpado o ponto de vista de von Rad sobre o Javista. Isto pode parecer uma discussão acadêmica trivial, mas a questão permaneceria durante anos nos estudos bíblicos alemães.

Comecei minha carta dizendo: “Deixe-me pedir desculpas se pareci muito polêmico em minha abordagem ou de alguma forma deturpei sua posição ou intenção. Estou mais interessado em discussões frutíferas do que em debate público”, e também terminei com a mesma nota de que esperava num futuro próximo um contato mais direto com os estudos continentais [europeus] e um diálogo contínuo, especialmente no que diz respeito a esses novos rumos nos estudos do Pentateuco, e também fiz referência ao novo trabalho de Hans Heinrich. Quanto ao segundo ponto, insisti que a citação errada não poderia ter nada a ver com um erro gráfico, porque o seu argumento dependia inteiramente da citação errada e não do texto original alemão de von Rad, que citei. A citação errada foi usada para sugerir que o grande estudioso, seu mentor, dissera que a fonte do Pentateuco chamada Javista não deveria ser entendida como um autor e isso deixava aberta a possibilidade de outros estudiosos tratá-la como uma mera coleção de tradições. No entanto, qualquer leitura sem preconceitos de von Rad não poderia razoavelmente tirar esta conclusão do seu trabalho, e certamente o livro de Hans Heinrich sobre o Javista mencionado anteriormente não seguiu esta linha.

Hans Heinrich Schmid (Winterthur, Zürich, Suíça, 1937-2014)Demorou cerca de um ano até que Rendtorff enviasse uma resposta e, por esse atraso, pediu muitas desculpas. Ele então deu uma longa resposta sobre o que só pode ser descrito como uma defesa especial sobre os pontos que levantei, e o fato de que seu argumento ainda era verdadeiro, mesmo com a citação correta de von Rad. Ele também atribuiu parte do problema à terminologia alemã, para a qual não existe um equivalente adequado em inglês, o que é verdade simplesmente porque os alemães nunca foram claros sobre o que queriam dizer com os seus termos técnicos. Ele encerrou a carta com a esperança de que mantivéssemos contato e que um dia nos encontrássemos pessoalmente, e o fizemos anos depois em Heidelberg.

Chamei a atenção para o meu contato inicial com estes dois estudiosos porque os nossos três nomes foram comumente ligados entre si nos círculos acadêmicos europeus como “os três revisionistas” nos estudos do Pentateuco, assim como na América do Norte foi a revolução Thompson-Van Seters. O que é notável é que tanto os europeus como os americanos se referiam, no meu caso, ao mesmo livro, Abraham in History and Tradition. A primeira parte, sobre a questão da historicidade, foi a principal preocupação dos estudiosos americanos; a segunda parte, sobre questões de crítica literária, foi a obsessão dos europeus. Quando recebi a carta de Rendtorff, Jack Sasson me pediu para fazer uma resenha para o Journal of the American Oriental Society sobre os livros de Hans Heinrich Schmid e Rolf Rendtorff, e isso me deu bastante espaço para expor as áreas em que estávamos de acordo e aquelas em que divergíamos. Ficou bastante claro, pelo menos para mim, que Hans Heinrich Schmid e eu éramos muito mais próximos e Rolf Rendtorff bastante diferente em algumas questões fundamentais da crítica do Pentateuco.

Depois de ter lido o livro de Hans Heinrich Schmid, Der sogenannte Jahwist, escrevi a Piet de Boer [em Leiden, Países Baixos] em dezembro de 1977 sobre o livro falando da minha forte aprovação das suas conclusões, que foram alcançadas independentemente do meu próprio livro. Afirmei: “É muito emocionante para mim e tenho certeza de que tanto você quanto Hoftijzer [um estudioso de Leiden e ex-aluno de De Boer] ficariam encantados com isso”. Também escrevi: “Estou mais ansioso do que nunca por chegar à Europa para o meu período sabático, que tive de adiar para 1979-1980.” De Boer respondeu rapidamente e concordou comigo que o livro de Hans Heinrich Schmid era uma contribuição importante, mas que “o grupo dominante de estudiosos alemães ainda é desfavorável a esta nova abordagem, mas tenho certeza de que isso irá mudar”.

 

From Chapter 2:

In the spring of 1974 I completed the revisions of my manuscript on Abraham in History and Tradition for Yale University Press. This study had served as the basis of all those papers that I had been giving during this period. Shortly after I had submitted the manuscript to Yale, I received a letter from Piet de Boer of Leiden, telling me that he had just received a book for review in Vetus Testamentum of which he was the editor, titled The Historicity of the Patriarchal Narratives: The Quest for the Historical Abraham, by Thomas L. Thompson (Berlin, 1974). It would appear that I had been “scooped.”

The reason why de Boer wrote to me so soon was that he had visited the University of Toronto a few days earlier where he had a number of personal friends in our department, and I had had a chance to speak with him about my work in which he had a strong interest. So it was little wonder that he wrote to me immediately on his return to Leiden. I also got hold of the Thompson book as soon as I could and looked through it.

Thompson clearly took the same skeptical view towards the historicity of the biblical patriarchs and the “quest for the historical Abraham” that I did, and there was someRolf Rendtorff (1925 - 2014: Alemanha) overlap in material that I dealt with in the first half of my book. Indeed, he was aware of a few of my earlier articles. However, there was nothing comparable in Thompson’s book to the literary study that made up the second half of my book. His position on these matters seemed to follow more closely those of his German mentors at Tübingen. So I decided, being at the copyediting stage of production, to take some note of his book, but not to pull the manuscript back for a more detailed revision at this stage.

(…)

At long last, in June of 1975 my book, Abraham in History and Tradition, was published by Yale Press. The two books, Tom’s and mine, became known as the Thompson-Van Seters attack on biblical history, and the Albright School and its sympathizers went on the counter attack. The very popular textbook, The History of Israel by John Bright, a student of Albright, went into a new edition after the appearance of our books; he noted them but dismissed them without discussion and with the brief comment that “it is to be doubted whether their positions will gain general or lasting acceptance.” In fact, he was quite wrong. It was not long before other histories and introductions appeared in which our position was readily accepted. The last holdouts were the biblical archaeology crowd who sold their archaeological endeavors to lay supporters largely on the grounds that they were indeed uncovering biblical history, and anything that undercut the amount of historical content in the Bible was bad for business and fund-raising for their activities. Conservative Christians and Jews, who made use of biblical archaeology in support of their belief in the historicity of the Bible, tended to vilify me, even though they knew little about me or my evangelical past.

(…)

At the annual meeting of SBL three scholars from Sheffield University in England began to show up on a regular basis, David Clines, David Gunn, and Philip Davies, and I got to know them quite well. David Gunn and I were in a regular program section on biblical narrative. Both of us were interested in the Saul and David stories, although from somewhat different perspectives, so we carried on a lively debate about these issues, reflected in some of our published papers of that time. These three scholars also started a new journal, Journal for the Study of the Old Testament, published by Sheffield University Press. They asked me to contribute an article for the first issue, which I did: “Problems in the Literary Analysis of the Court History of David.” This was a review of David Gunn’s writings on this subject, so our discussion over the literary analysis of the David story continued for some time. For JSOT this was the beginning of what proved to be a very successful publication venture.

At the same time that I gave JSOT a piece for their first issue, they asked me to contribute to a scholarly discussion, along with several other prominent Old Testament scholars, dealing with an article by Professor Rolf Rendtorff on the Pentateuch: “The ‘Yahwist’ as Theologian? The Dilemma of Pentateuchal Criticism.” This was an English translation of a German article published in 1975, at about the same time that my own book on the Abraham tradition appeared. The second half of my book also dealt with the problems of Pentateuchal criticism, although from a somewhat different perspective. Then, in 1976, another book appeared by the Swiss scholar, Hans Heinrich Schmid, titled Der sogenannte Jahwist, which also dealt with “observations and questions regarding Pentateuchal research.” So Schmid was now brought into the discussion. Likewise included in the list of contributors to this JSOT issue were George Coats, my good friend from Yale who had done his dissertation on the Pentateuch, Norm Wagner, my former colleague from Waterloo, and Norman Whybray of Hull, UK, a senior British scholar. This made for a memorable issue very early in the life of this journal and one that was frequently cited.

What was significant for me was that this new development in the discussion about the Pentateuch was a major shift away from the American obsession with the concerns of the Albright School over historicity to a largely European and Germanic interest in literary criticism. Wagner was, of course, a student of Winnett, who had started the ball rolling with his SBL presidential address of 1964 [Re-Examining the Foundations. Journal of Biblical Literature, Vol. 84, No. 1 (Mar., 1965), p. 1-19], and Wagner’s dissertation on Genesis would make heavy use of German scholarship. George Coats, while studying at Yale under Childs, actually wrote his dissertation in Göttingen under Walter Zimmerli. But it was particularly Rendtorff, Schmid, and I who were increasingly identified as the “revisionists” in Pentateuchal criticism, and the North Americans who were “reactionaries” and defenders of the older methods of literary criticism. That is not to say that there were not significant differences amongst the three “revisionists.” I did have some serious reservations about Rendtorff’s approach to the problems in Pentateuchal criticism.

From Chapter 3:
As mentioned earlier, late in 1976 Hans Heinrich Schmid of the University of Zurich publish a book, Der sogennante Jahwist: Beobachtungen und Fragen zur Pentateuchforschung (The So-called Yahwist: Observations and Questions concerning Pentateuchal Research) and when I became aware of it through a review in JSOT in late 1977, I got hold of a copy and after reading through it I realized that we had come to many of the same conclusions about the Pentateuch in general and the late dating of the Yahwist in particular. So I wrote to him and told him: “I cannot say how much I enjoyed it [the book] or how deeply I feel in fundamental agreement with you. On matters of detail there are of course some differences. But on so many issues on content and method we have come independently to the same conclusions. My own seminar notes on Exodus [the major area of his focus in the book] are filled with just such observations as you have made which now seem obvious when they are so clearly stated as you have done. Yet they will be stoutly resisted I am afraid.” I expressed the hope that I would hear from him and that some scholarly contact would be established that would involve me more in continental scholarship, because I had little hope for change in America, based on the response that I had received up to that point. With the letter I also sent him some recent offprints.

VAN SETERS, J. Abraham in History and Tradition. Brattleboro, VT: Echo Point Books & Media, 2014Hans Heinrich sent me a warm and friendly letter in return that was a harbinger of a deep and enduring friendship. He thanked me for my letter and said that he could say the same things about my book on Abraham that I had said about his book on the Yahwist. He went on to say that during the past summer he had read my book along with two detective stories and found my book much more exciting (viel spannender) than the two novels, which was high praise indeed. He went on to discuss at length the possibilities of getting it translated into German, which would require getting some funding and permission from Yale Press, or doing an 80-page summary that he could get published in Zurich. He expressed the hope that we would maintain contact and get together some time in the future. In a separate parcel post he sent me two additional books of his, which I also enjoyed.

I did follow up on his suggestion about a German edition of my book with Yale Press, and after some months they indicated that they would not get involved with the expense of a German edition. They did not object to Hans Heinrich’s other proposal about a summary version in German, but I was too involved with other commitments that I could not stop to write such a work. I was committed in the coming summer to two months digging in Egypt and just could not do it. So that chance slipped away. Nevertheless, Hans Heinrich and I stayed in close contact, which would eventually lead to personal encounter in Switzerland.

About the same time that I wrote to Hans Heinrich, I also wrote to Professor Rolf Rendtorff of Heidelberg. The issue of JSOT that included a translation of Rendtorff’s article on the Yahwist and various responses to it, including mine, and Rendtorff’s responses to his critics had just appeared. In his response to my comments, I could see that he rather scolded me for criticizing him on a misquotation that he had made of von Rad. He stated that the misquotation had been the fault of the printer and would be corrected in his new book which greatly expanded on the thesis of his article. That said, he felt that he did not need to deal with the substance of my critique. In my letter I wanted to do two things: the first was to mend fences that would make possible a dialogue with this important senior professor and successor of von Rad, and second, to set the record straight regarding the way in which I felt he had misrepresented von Rad’s viewpoint on the Yahwist. This may seem like trivial academic quibbling, but the issue would survive in German biblical scholarship for years.

I began my letter by saying: “Let me apologize to you if I seemed too polemical in my approach or in any way misrepresented your position or intention. I am more interested in fruitful discussion than in public debate,” and I also ended on the same note that I hoped in the near future for more direct contact with continental scholarship and for continued dialogue, especially concerning these new directions in Pentateuchal studies, and made reference to the new work of Hans Heinrich as well. Regarding the second point, I insisted that the misquotation could have nothing to do with a typesetting error, because his argument depended entirely on the misquotation and not on von Rad’s original German text, which I cited. The misquote was used to suggest that the great scholar and his mentor had suggested that the Pentateuchal source called the Yahwist should not be understood as an author and this left open the possibility of other scholars treating it as a mere collection of traditions. However, any unprejudiced reading of von Rad could not reasonably draw this conclusion from his work, and certainly Hans Heinrich’s book on the Yahwist mentioned earlier did not follow this line.

It took about a year before Rendtorff sent a reply, and for this delay he apologized “very much.” He then went into a long response of what can only be described as special pleading on the points I raised, and the fact that his argument still held true, even with the correct quotation of von Rad. He also blamed part of the problem on German terminology, for which there is no adequate English equivalent, which is true simply because the Germans have never been clear about what they meant by their technical terms. Rendtorff, however, was no better in this respect than the rest. He even praised the ambiguity of the language he used so he could never be pinned down. He closed the letter with the hope that we would stay in contact and that one day we would meet personally, and we did years later in Heidelberg.

I have highlighted my initial contact with these two scholars because our three names were commonly linked together in European circles as “the three revisionists” in Pentateuchal studies, just as in North America it was the Thompson–Van Seters revolution. The remarkable thing is that both Europeans and Americans were referring, in my case, to the same book, Abraham in History and Tradition. The first half, on the issue of historicity, was the major concern of American scholars, the second half on issues of literary criticism, was the obsession of the Europeans. By the time I received Rendtorff’s letter, I had been asked by Jack Sasson to do a review article for the Journal of the American Oriental Society on the books of both Hans Heinrich and Rendtorff, and this gave me lots of space to lay out the areas on which we were in agreement and those in which we differed. It was quite clear, at least to me, that Hans Heinrich and I were much closer and Rendtorff quite different on some fundamental issues of Pentateuchal criticism. Julius Wellhausen (Alemanha: 1844-1918)

After I had read Hans Heinrich’s book, Der sogenannte Jahwist, I wrote to Piet de Boer in December of 1977 about the book and my strong approval of its conclusions that were reached independent of my own book. I stated: “It is very exciting for me and I am sure both you and Hoftijzer [a Leiden scholar and former student of de Boer] would be delighted with it.” I also wrote: “I am more anxious than ever to get to Europe for my sabbatical which I have had to postpone until 1979–80. I hope that something can be worked out.” De Boer was quick to respond and agreed with me that Hans Heinrich’s book was an important contribution, but that “the leading group of German scholars is still unfavourable to this new approach but I am sure that this will change.” He also indicated that as editor of the journal, Vetus Testamentum, he had asked Dr Ernest Nicholson of Cambridge to review my book on Abraham. He further announced that he was retiring as professor at Leiden in the fall of 1978, but would continue as editor of a major international project on the publication of the Peshitta, the Syriac version of the Old Testament. He also hoped that my sabbatical plans would bring me “in personal contact, now in Europe.” As it turned out, those sabbatical wishes to go abroad in 1979–80 did not materialize and would be postponed for a few years. De Boer’s retirement at Leiden, where he had been such a dominant figure for so long, marked the end of an era for the program there, and it never quite recovered the prestige and reputation that it had as a great center in the discipline of biblical studies.

O livro dos Juízes

WÉNIN, A. O livro dos Juízes. São Paulo: Loyola, 2024, 146 p. – ISBN ‎ 9786555043532.

Sobre a coleção ABC da Bíblia:WÉNIN, A. O livro dos Juízes. São Paulo: Loyola, 2024, 146 p.

Trata-se de uma verdadeira “caixa de ferramentas” que ajudará o leitor a fazer uma leitura sistemática e esclarecida dos livros da Bíblia. Cada volume desta coleção identifica o autor, ou autores, de determinado livro bíblico ou de um conjunto de escritos, apresenta seu contexto histórico, cultural e redacional, analisa-o literariamente, mostra sua estrutura, resume-o, aborda seus grandes temas, estuda sua recepção, influência e atualidade, e fornece um léxico de lugares e pessoas, tabelas cronológicas, mapas e bibliografia.

O original foi publicado em francês em 2021.

André Wénin é doutor em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e professor emérito de Antigo Testamento na Universidade Católica de Lovaina, Bélgica.

O livro dos Números

ARTUS, O. O livro dos Números. São Paulo: Loyola, 2024, 146 p. – ISBN 9786555043662.

Sobre a coleção ABC da Bíblia:ARTUS, O. O livro dos Números. São Paulo: Loyola, 2024, 146 p.

Trata-se de uma verdadeira “caixa de ferramentas” que ajudará o leitor a fazer uma leitura sistemática e esclarecida dos livros da Bíblia. Cada volume desta coleção identifica o autor, ou autores, de determinado livro bíblico ou de um conjunto de escritos, apresenta seu contexto histórico, cultural e redacional, analisa-o literariamente, mostra sua estrutura, resume-o, aborda seus grandes temas, estuda sua recepção, influência e atualidade, e fornece um léxico de lugares e pessoas, tabelas cronológicas, mapas e bibliografia.

O original foi publicado em francês em 2021.

Olivier Artus é reitor da Universidade Católica de Lyon, ex-membro da Pontifícia Comissão Bíblica e sacerdote da diocese de Sens-Auxerre, França.

Chaves hermenêuticas para a leitura de Ezequiel

SILVANO, Z. A. (org.) Livro de Ezequiel: “Eu vos darei um coração novo” (Ez 36,26). São Paulo: Paulinas, 2024, 344 p. – ISBN 9786558082743.

Leio na Apresentação:

O livro do profeta pode ser estruturado em duas partes, conforme as etapas do ministério de Ezequiel. A primeira parte compreende os capítulos 1‒32, tambémSILVANO, Z. A. (org.) Livro de Ezequiel : “Eu vos darei um coração novo” (Ez 36,26). São Paulo: Paulinas, 2024, 344 p. subdividida em dois blocos (Ez 1‒24 e 25‒32), a qual descreve o período antes da queda de Jerusalém, e visa evitar a invasão e a queda da cidade. Essa seção contém vários oráculos com ameaças e exortações dirigidos a diferentes interlocutores: a Judá e seus dirigentes (Ez 1‒24); aos povos, às cidades e aos chefes estrangeiros (Ez 25‒32) por se aproveitarem da situação desoladora de Judá e também pelos seus pecados. A segunda parte é composta pelos capítulos 33‒48, que retratam o período após a conquista de Jerusalém, pelo império babilônico (Ez 33,21), e objetiva confirmar a fé e encorajar os sobreviventes e exilados, propondo um plano de restauração para a “casa de Israel” (Ez 40−48).

Esta obra, publicada por Paulinas Editora, tem o escopo de oferecer chaves hermenêuticas para a leitura do Livro de Ezequiel. É o resultado do trabalho conjunto de biblistas de diferentes instituições acadêmicas, sendo os nomes dos autores e autoras e suas respectivas instituições descritos no minicurrículo indicado na nota de abertura de cada capítulo. O conteúdo segue a sequência interna do livro, porém seleciona perícopes ou blocos de textos que retratam as características teológicas principais desse profeta e que são importantes para o entendimento do conjunto da profecia de Ezequiel.

Após a apresentação dos elementos introdutórios sobre o profeta e seu o livro (Capítulo 1), abordar-se-á sua vocação e missão (Capítulo 2).

Nos demais capítulos, serão propostos, como acenado, os pontos fundamentais de sua teologia, porém seguindo a subdivisão do livro em duas partes [Ez 1-32 e 33-48].

Estudar-se-á a saída da glória de YHWH do Templo de Jerusalém, retratando a destruição e ao mesmo tempo a esperança de Judá, descritas em Ez 4‒11 (Capítulo 3); a visão teológica da história e a centralidade no culto, aspectos próprios da teologia de Ezequiel, serão abordadas na acusação da infidelidade de Jerusalém e de Israel, bem como a fidelidade de Deus em Ez 16 (Capítulo 4); tratar-se-á da responsabilidade individual em Ez 18 (Capítulo 5); dos oráculos contra as nações estrangeiras (Ez 25‒32), de forma especial contra Amon (Capítulo 6); da crítica contra aqueles que deveriam apascentar o rebanho e também da visão de Deus como Pastor de Israel (Capítulo 7); da justiça e santidade de YHWH contra Edom (Ez 35) e a favor de Israel (Ez 36) (Capítulo 8); da esperança em YHWH (Ez 37), Senhor da vida, que estabelecerá um novo êxodo (Capítulo 9) e, por fim, do projeto de restauração, com a construção do novo Templo, e de redistribuição da Terra Prometida entre as tribos de Israel (Ez 40−48) (Capítulo 10).

Zuleica Aparecida Silvano é irmã paulina, mestra em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e Doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Teologia (FAJE) em Belo Horizonte-MG. É assessora no Serviço de Animação Bíblica/Paulinas (SAB), responsável pelo subsídio do Mês da Bíblia, publicado por Paulinas e docente no Departamento de Teologia da FAJE.

Mês da Bíblia 2024, segundo Mesters e Orofino

MESTERS, C.; OROFINO, F. Fogo debaixo das cinzas: Círculos Bíblicos do livro do profeta Ezequiel. São Leopoldo: CEBI, 2024.

Para o ano de 2024, a proposta de estudo e aprofundamento bíblico no Mês da Bíblia é o livro do profeta Ezequiel. O lema inspirador para este estudo é “Porei em vós oMESTERS, C.; OROFINO, F. Fogo debaixo das cinzas: Círculos Bíblicos do livro do profeta Ezequiel. São Leopoldo, CEBI, 2024. meu Espírito e vivereis” (Ez 37,14).

O livro de Ezequiel coloca-nos diante de uma das etapas mais atribuladas e trágicas da História do Povo de Deus. O reino de Judá, fraco e indefeso diante dos grandes impérios, vê-se mergulhado em uma disputa de ordem internacional, sem ter condição alguma de interferir em seu próprio destino. De um lado, o Império Babilônico; do outro, o reino do Egito. No meio, tentando equilibrar-se entre poderosos, estavam os sucessivos reis de Judá. A consequência desastrosa desse jogo de poderes internacionais foi o exílio e a destruição do país e da capital, Jerusalém. O profeta Jeremias é a grande testemunha histórica de todo esse desastre político. O livro das Lamentações é o grito doloroso do povo sofrido, vítima dos erros políticos dos governantes.

A mensagem do profeta Ezequiel veio completar esse quadro histórico de dor e de morte, mas também trouxe uma centelha de reconstrução e esperança.

A vivência de Ezequiel junto à comunidade das pessoas exiladas mergulhou-o na mesma sorte do povo de Deus naquele momento histórico. Ele também passou pela noite escura do desterro, do medo, da ausência e da saudade; mas se manteve fiel e teimou em continuar a crer na fidelidade do Deus que esteve sempre presente na vida do povo.

O pai de Ezequiel, o sacerdote chamado Buzi, foi levado logo nas primeiras levas de pessoas exiladas para o cativeiro na Babilônia (597). Seu filho Ezequiel foi junto com ele. Desta forma, toda a mensagem profética de Ezequiel foi vivida e proclamada no exílio na Babilônia.

Ezequiel tentou mostrar à comunidade exilada que, apesar de toda a destruição, da morte e do desterro, ainda havia esperança, muita esperança. Ainda ardiam as brasas da fé por baixo de todas as cinzas do sofrimento e do exílio. Por isso, o título deste nosso estudo sobre o profeta Ezequiel: “Fogo debaixo das cinzas”.