Análise da narrativa do golpe

A narrativa golpista e os possíveis caminhos para vencê-la

Por Eliara Santana e Juarez Guimarães – Carta Maior: 27/12/2017

Este primeiro artigo inaugura uma série voltada para analisar o poder comunicativo que se formou em favor do golpe e de uma contrarrevolução neoliberal e buscar caminhos para derrotá-lo.

A construção vitoriosa da narrativa do golpe
Antes de tudo começar, havia a elaboração de uma narrativa. Que construiu um enredo. Que projetou para a população um cenário de caos econômico, desordem, perda de qualidade de vida, volta da inflação, turbulência política, corrupção nunca antes vista. Cenário muito bem ancorado em medos que estão sempre povoando a mente do cidadão médio brasileiro (aquele que precisa trabalhar para pagar as contas e não vive de rendas, que acredita em meritocracia e acha que não é beneficiado por políticas públicas): perda do emprego, crise econômica (porque já vivemos muitas), perda do poder aquisitivo (o terror da classe média), inflação galopante, entre outros.

Na recente história do Brasil, que mostra o afastamento de uma presidenta eleita legitimamente com 54 milhões de votos, a construção e a projeção desse cenário jamais poderiam se tornar efetivassem um instrumento vital: a grande imprensa. Não restam mais dúvidas de que o catalisador do golpe que arrancou Dilma Rousseff do poder, em 2016, foi o discurso de informação da imprensa brasileira,  capaz de construir uma narrativa competente que associou os governos petistas a uma “corrupção nunca antes vista” e projetou para a população o cenário de “uma crise econômica sem precedentes”.

Para entender o golpe, precisamos, portanto, entender a narrativa. E precisamos, sobretudo, compreender o seu poder. A narrativa que alicerçou o golpe foi projetada e disseminada pela grande imprensa brasileira, esse grupo formado por sete famílias que dominam a comunicação no país. De que se trata? Como foi construída? Que estratégias discursivas deram a ela tamanha força, capaz de projetar para um país um cenário e dar suporte à derrubada de um governo? Quais são os seus limites? E por quais caminhos é possível vencê-la?

Um processo de construção de sentidos
A narrativa é o processo de contar algo que aconteceu, e a notícia, no discurso de informação, incorpora essa narrativa ao levar as informações sobre um acontecimento a um grande número de pessoas. Portanto, entendê-la como processo, e não como ação, é essencial. A narrativa como ação implica o ato isolado de narrar. Compreendê-la como processo envolve a percepção de que há uma construção de efeitos de sentido. E é isso que se deve considerar quando nos referimos à narrativa que embasou o golpe. Considerar a narrativa como processo em que há construção de efeitos de sentidos implica também considerar que a notícia – esse suporte que conduz a narrativa e a dissemina –não é o simples reportar de fatos/acontecimentos.

Ela é um objeto discursivo engendrado pela máquina de informar que é a mídia corporativa e se reveste de elementos como representações dos atores citados, valores, encenação. A narrativa é, portanto, uma construção argumentativa, cuja função é convencer (o leitor, o espectador, o ouvinte) de algo (um ponto de vista, uma análise, um dito) a partir de um projeto de dizer de um enunciador. As narrativas nos apresentam os acontecimentos, e por meio dos acontecimentos, o mundo. Portanto, servem para organizar nossa percepção de uma realidade que não está ao nosso alcance direto, pois não somos testemunhas oculares dos fatos, nossa percepção é mediatizada, temos acesso às versões trazidas pela mídia. Elas ajudam a formar uma visão de mundo e não são relatos meramente objetivos, posto que incorporam a emoção.

Realidade mediada
As sociedades contemporâneas são sociedades mediatizadas. As notícias divulgadas pela imprensa cumprem o papel de mediar nossa relação com a realidade dada. E essa notícia, tomada como objeto do discurso, se ancora numa linguagem que não é transparente, cujo funcionamento deve ser percebido para além das regras formais de uso da língua e das regras técnicas do jornalismo.Na tessitura do discurso, o sentido se materializa nos caminhos dados pelas formas do texto, ele se constrói num processo de transformação e ressignificação dos acontecimentos, por meio de qualificações, descrições e argumentações. Portanto, a narrativa jornalística, que projeta um ethos de objetividade e pretensa neutralidade, tem viés, valores, pontos de vista, representações e dissimulações das vozes presentes que, muitas vezes, se ocultam sob estratégias discursivas bem construídas.

E assim se deu com a narrativa pró-golpe que se consolida no discurso de informação da grande imprensa brasileira a partir de 2013, com duas marcações fundamentais para a produção de efeitos de sentido: as representações e os repertórios. O  ator central, de maior poder comunicativo, foi o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, que trabalhou de modo sistemático para consolidar essa narrativa.

Representações
Personagens de que tratam as notícias são nomeados, caracterizados e recebem predicados, mesmo que não de forma explícita, mas de forma simbólica, até mesmo na hierarquia das notícias ao longo da edição. Assim, por exemplo, as entradas em relação a Dilma Rousseff, a depender do momento discursivo, sobretudo no período da eleição de 2014, eram antecedidas e quase sempre secundadas por notícias negativas de economia (com as devidas referenciações: crise, pibinho, déficit). Portanto, reforçava-se a alusão à incompetência. Em relação a Lula, a alusão prevalente era a da corrupção, com a mesma estrutura.

Os referentes utilizados na abordagem dos temas principais da  política (as alcunhas para determinados assuntos sempre remetendo à corrupção – Petrolão, Mensalão) e da  economia (Brasil em crise, Crise, Recessão) e para determinados atores (“petistas”, “corruptos”, “mensaleiros”) se repetiam como marcas que faziam referência a determinados grupos e/ou sujeitos e instauravam um lugar (da não corrupção, do cidadão de bem, do Brasil verde e amarelo) em oposição a outro (da corrupção, da sujeira na política).

Os problemas econômicos no Brasil (alta de preços, menor crescimento), circunstanciais em alguma medida, deixam de ser problemas econômicos, que agregam um conjunto de sentidos,e se convertem nos marcos “Crise sem precedentes”, “Recessão”, num outro campo de sentidos que integra um sistema de valores específico. Na narrativa jornalística, o movimento de nomear e predicar,qualificando, personagens e acontecimentos, alimenta o que Bakhtin denominou de uma “ideologia cotidiana”, aquela que parte de um sistema de referência (a mídia corporativa) e se insere nas instâncias da vida cotidiana (o bar, o salão, o supermercado, as famílias).

Repertórios centrais
Direcionar o olhar para que o receptor da notícia possa perceber as coisas do mundo é uma estratégia de que se utiliza o discurso de informação no processo de produção de sentido. O discurso utiliza estratégias que direcionam o olhar, delimitam os sentidos possíveis, conduzem a interpretações. Assim, a função primordial da mídia corporativa não é informar, mas antes transmitir sistemas de valores.

Nesse sentido, os dois grandes repertórios, ou temas, que sustentaram a narrativa pró-golpe foram:

1. Corrupção: sempre associada a determinado grupo, ligado à candidata à reeleição (a então presidente Dilma Rousseff), o que pode ser percebido pela marcação temporal – a corrupção é sempre mencionada em referência a determinado período histórico, levando a uma associação em termos de localização temporal.

2. Crise econômica: como elemento que perpassa toda a produção dos conteúdos e das informações, até mesmo em chamadas e manchetes que não se referem a esse aspecto em particular. Como a crise é marcada discursivamente? Pela menção direta a problemas econômicos, pela dimensão negativa no tratamento de certos dados econômicos, pela ressignificação de termos e referentes (“pibinho”), pela descontextualização marcada (a crise não se ligava a nenhum fator externo ou contextual – era um elemento solto e sozinho no universo da notícia global).

A dimensão desses repertórios na narrativa trazida pelo Jornal Nacional foi devastadora, pois eles consolidaram a perspectiva de que o país estava assolado por corrupção, em decorrência da ação de um determinado grupo, e por uma grave crise econômica, também em função da incompetência desse mesmo grupo. Os dois temas se comunicavam em uma mesma direção de sentido pela visão de mundo neoliberal: Estado corrupto, inchado, ineficiente e gastador.

Momentos discursivos
Perceber estratégias discursivas que compõem uma narrativa requer a observação de padrões de uso da linguagem que são recorrentes e orientam o olhar. É nesse sentido que é preciso marcar os momentos discursivos, considerados como espaços histórico-temporais em que se observam, na construção do discurso de informação, características e estratégias discursivas específicas e marcadas, que alimentam e constroem padrões discursivos, compondo a narrativa pró-golpe.

Os momentos discursivos são:

1: Jornadas de Junho 2013

2: Eleições 2014 – janeiro a outubro/Pós-eleições até votação do impeachment na Câmara (outubro/2015 a maio/2016)

3: Período de afastamento de Dilma Rousseff até votação de afastamento definitivo pelo Senado (maio a agosto/2016)

A observação das estratégias e dos padrões presentes na narrativa da mídia corporativa, considerando-se veículos representantes da grande imprensa comercial, estabeleceu a projeção de um determinado cenário econômico e político no país. Dessa forma, as construções simbólicas (presentes nas estruturas linguísticas das chamadas e reportagens econômicas), repetidas de maneira constante, consolidadas em valores simbólicos, possibilitaram a criação de identificações e a formação de um quadro negativo de percepção do real em relação a determinado contexto e a determinados atores. De um modo geral, nas notícias veiculadas pelo Jornal Nacional nesse período dividido em três momentos, percebe-se um padrão narrativo, com variações nos momentos, marcado por:

Ênfase na dimensão negativa: Observamos o uso de palavras, expressões e termos com referenciações negativas para os sujeitos, além de uma dimensão referencial negativa para determinados temas – como economia e política, prioritariamente, com associações reiteradas a crise, tendo força o uso de termos como crise, caos, recessão,

Composição de uma cena enunciativa: a emoção no discurso é muito bem trabalhada para que o leitor interaja com a narrativa. Um bom recorte é o “jogral” apresentado por William Bonner e Renata, na divulgação dos áudios vazados de uma conversa entre o ex-presidente Lula e a então presidenta Dilma. Os trechos recortados não são projetados na tela nem tampouco apenas lidos: eles são interpretados. Saem da cena os locutores e entram a representação de Lula e Dilma no diálogo, com as supostas entonações pertinentes.

A dramatização da informação enunciada: a emoção na narrativa não deixa espaço para a contextualização histórica. E rouba a cena.

O silenciamento como estratégia: há um projeto de dizer que utiliza o silenciamento como estratégia de produção de sentido. Esse projeto de dizer orienta a materialização do discurso (querer dizer), construindo uma estrutura de “dizer X” para “não dizer Y”. Assim se comporta o Jornal Nacional na edição que mostra o encerramento das Olimpíadas, sendo Michel Temer ainda interino. A sua ausência da cerimônia – por temer as vaias – foi discretamente citada, em poucos segundos, na voz de um jornal estrangeiro. Prevaleceu o espetáculo. Ao silenciar assuntos/temas/abordagens, a mídia reconfigura o espectro político e econômico, pois há sentidos no silêncio. O silenciamento, política editorial da mídia corporativa, como descreve Eni Orlandi, limita o percurso dos sentidos pelo leitor, pelo espectador.

Uma marca importante para perceber como o silenciamento se torna política editorial – e não simples lapso ou ocultação – é o tempo dedicado à notícia. Em 16 de setembro de 2014, por exemplo, a ONU divulga em seu relatório que o Brasil, pela primeira vez na história, está fora do mapa da fome. Era o governo Dilma Rousseff, já em período eleitoral. O Jornal Nacional não dá chamada de abertura e dedica 38s à notícia na edição interna, antecedida por uma notícia sobre onda de violência, que recebe 1min15s. Nessa mesma edição, a notícia sobre o tempo recebe 37s. Silenciar não é apenas ocultar, é fazer calar, retirar de um acontecimento sua dimensão. Num país desde sempre assolado pela fome, é de se espantar que essa chamada não tenha entrado na abertura do jornal.

4: Ressignificação de temas, dando origem a novos campos de sentido (petrolão – petróleo corrupção)

O discurso produz sentidos e direciona interpretações, o que se liga a um real histórico, ao contexto, às disputas de poder engendradas na sociedade. Enfim, a palavra não é neutra, e os padrões nos mostram a continuidade da narrativa, que elabora seu fio condutor para que o espectador produza sentido. Uma ideologia política, nos lembra Jean-Pierre Faye, coloca em sua origem uma narração. A marcação repetida, a ocorrência sistemática de termos e personagens, a construção cuidadosa da cena enunciativa, tudo conspira para a produção de sentidos. E tudo, na narrativa da mídia corporativa, conspirou para o sucesso do golpe.

Eliara Santana é doutoranda em análise do discurso PUC Minas/CAPES

Juarez Guimarães é professor de Ciência Política da UFMG e coordenador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras)

Por que a narrativa golpista foi vitoriosa? (II)

A narrativa golpista e os caminhos para derrotá-la (III)

Leia Mais:
Feliz Ano Novo, por Luis Nassif

Apocalypse Now? Not Yet!

Barack Obama e Marieta Severo mandaram dizer que discordam do discurso de fim de mundo.

OBAMA BATE NA GLOBO E DECEPCIONA GOLPISTAS

Página do E – 01/07/2015

Presidente dos Estados Unidos respondeu à jornalista Sandra Coutinho, da Globonews, que ao contrário do que ela constatava, o país não considera o Brasil um líder regional, mas global; depois, a uma pergunta sobre Lava Jato, disse ainda que não iria se manifestar sobre um assunto que aguarda decisão judicial; “Obama decepcionou os adversários do governo — que aguardavam um sinal de desagrado com Dilma e seu governo”, avalia Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília; ao destacar que “o sinal não veio e essa é a notícia da visita” da presidente Dilma aos EUA, PML lembra da resposta otimista da atriz Marieta Severo sobre o Brasil, no programa do Faustão, e constata: “personalidades tão diferentes e mesmo opostas pela visão de futuro, Barack Obama e Marieta Severo mandaram dizer que discordam do discurso de fim de mundo que se tornou a melodia base da Globo”

Por Paulo Moreira Leite

A cena mais importante da visita de Dilma Rousseff aos Estados Unidos ocorreu na entrevista coletiva na Casa Branca. Você sabe do que se trata. Sorteada para fazer uma pergunta, a repórter Sandra Coutinho, da Globo News, colocou uma questão que iria deixar Dilma e o governo brasileiro em posição delicada. Depois de dizer, como se fosse um fato objetivo sabido de todos, que o governo brasileiro se vê como um líder mundial, enquanto Washington encara o país de forma menor, como uma liderança regional, Sandra Coutinho perguntou: “Como conciliar essas duas visões?”

Dilma não teve tempo de responder. Melhor pessoa entre os presentes para esclarecer como Washington “encara o país”, Barack Obama saiu na frente e corrigiu a pergunta: “Nós vemos o Brasil não como uma potência regional, mas como uma potência global. Se você pensar (…) no G-20, o Brasil é uma voz importante ali. As negociações que vão acontecer em Paris, sobre as mudanças climáticas, só podem ter sucesso com o Brasil como líder-chave. Os anúncios feitos hoje sobre energia renovável são indicativos da liderança do Brasil”, disse.

Obama ainda acrescentou: “O Brasil é um grande ator global e eu disse para a presidente Dilma na noite passada que os Estados Unidos, por mais poderosos que nós sejamos, e por mais interessados que estejamos em resolver uma série de problemas internacionais, reconhecemos que não podemos fazer isso sozinhos”.

A reação de Obama tem importância pelo conteúdo e pela forma. Indo além do jornalismo, no qual todo repórter tem o direito de colocar a questão que achar pertinente para toda autoridade que lhe dá essa chance, é possível discutir ideias.

No complicado contexto atravessado pelo país, a pergunta ajudava a rebaixar o governo brasileiro aos olhos do governo norte-americano, constrangendo Dilma perante seu anfitrião e perante a audiência da emissora no Brasil.

Apresentada como um simples dado objetivo, um elemento da paisagem assim como as colunas da Casa Branca, a teoria de que o governo brasileiro tem uma visão errada sobre si mesmo — e sobre o lugar do país no mundo, portanto — embute uma crítica política conhecida à atual política externa brasileira, alimentada por analistas e formuladores ligados ao PSDB e a círculos conservadores da capital americana. Mas está longe de ser uma unanimidade em Washington, onde, ao contrário do que se pensa no Brasil, não vigora o Pensamento Único.

Ao dizer que o governo se acha mais do que realmente é na visão dos EUA, a pergunta sugere que nossa diplomacia precisa reconhecer seu lugar, vamos dizer assim. Precisa achar um caminho para “conciliar” a visão de brasileiros e norte-americanos sobre nosso papel no mundo, pois do jeito que está não pode ficar. Você entendeu o que está por trás disso, certo?

Mas não só. Quando um repórter da Folha — exercendo o sagrado direito de perguntar — colocou uma questão que remetia à Lava Jato, o que também iria atingir a presidente brasileira, Obama respondeu de forma exemplar que não iria se manifestar sobre um assunto que aguarda decisão judicial. Uma reação adequada, num país que inspirou Alexis de Tocqueville a definir a separação de poderes como a base da democracia moderna, não é mesmo?

A reação de Obama tem outro elemento importante — a luz dos antecedentes. Em 1962, quando João Goulart se recusou a participar do bloqueio a Cuba, a CIA e a Casa Branca passaram a considerar o Brasil como “o mais urgente problema da América Latina”, recorda o historiador Muniz Bandeira.

Poucas pessoas sabiam, naquela época, mas John Kennedy havia acertado, nos bastidores, apoio ao movimento militar que derrubou Goulart em março de 1964. Mesmo em publico, Kennedy não deixava de manifestar sua hostilidade em relação ao governo brasileiro, fazendo declarações que não tinham “precedente na história das relações internacionais,” como recorda Muniz Bandeira num livro indispensável, “O governo João Goulart.”

Referindo-se a um presidente em pleno exercício de um mandato legítimo, Kennedy dizia — em entrevistas — que considerava a situação do Brasil das “mais penosas” por causa da inflação de 5% ao mês, o que anulava a “ajuda americana e aumentava a instabilidade política.” Kennedy cobrava e reclamava, sem rodeios: “o Brasil deve tomar providências. Não há nada que os Estados Unidos possam fazer em benefício do povo brasileiro enquanto a situação monetária e fiscal for tão instável.”

Com sua atitude, 63 anos depois, Obama decepcionou os adversários do governo — que aguardavam um sinal, com graus possíveis de sutileza, de desagrado com Dilma e seu governo.

O sinal não veio e essa é a notícia da visita.

E é curioso notar que há algo semelhante entre a reação de Obama na coletiva da Casa Branca e a resposta firme, educada, mas muito pertinente, de Marieta Severo a um comentário de Faustão no programa de domingo.

Ouvindo uma versão tropical do discurso típico de um país “que não conhece o seu lugar”, Marieta reagiu: “Estamos numa crise mas vamos sair dela.” Sem nenhuma agressividade, mas com a firmeza de quem não tem disposição para servir de escada para discursos apocalípticos sobre o Brasil, a atriz prosseguiu: “eu sou sempre otimista”. O país caminhou muito. Pra mim, tem uma coisa muito importante: a inclusão social, a luta contra a desigualdade. A gente teve muito isso nos últimos anos.”

Pode-se dizer, assim, que nos últimos dias ocorreu uma situação fantástica e inesperada. De pontos tão distantes do planeta e do universo das ideias políticas de nosso tempo, personalidades tão diferentes e mesmo opostas pela visão de futuro, Barack Obama e Marieta Severo mandaram dizer que discordam do discurso de fim de mundo que se tornou a melodia base da Globo, alimentando tanto programas de entretenimento como o jornalismo.

Engraçado, não?

A ignorância continua atrevida e polifacética

Quem gostava de dizer que a ignorância é atrevida e polifacética era o valadarense romanizado Juarez Dutra, meu amigo, bibliotecário do Colégio Pio Brasileiro nos meus tempos de estudante em Roma. Ele dizia que a frase era de Zaratustra – aquele famoso “amigo do Nietzsche” -, quando, na verdade, era uma boa invenção dele mesmo, para ser dita diante de um absurdo desmedido. Daqueles que a gente é obrigado a ouvir com certa frequência…

Pois veja:

  • 71,30% acreditam que Fábio Luís Lula da Silva, um dos filhos do ex-presidente Lula, é sócio da gigante de alimentos Friboi
  • 64,10% acham que o Partido dos Trabalhadores pretende implantar uma ditadura comunista no Brasil
  • 70,90% entendem que a política de cotas nas universidades gera mais racismo
  • 53,20% juram que a facção criminosa PCC é um braço armado do Partido dos Trabalhadores
  • 60,40% acham que o programa bolsa-família “só financia preguiçoso”
  • 42,60% acreditam que o PT trouxe 50 mil haitianos para votar em Dilma Rousseff nas últimas eleições
  • 55,90% dizem que o Foro de São Paulo quer criar uma ditadura bolivariana no Brasil
  • 85,30% acham que os desvios da Petrobras são o maior caso de corrupção da história do Brasil

Quem e quando? Na Paulista. Em 12.04.2015. Na maioria (52,70%) homens, brancos (77,40%), com educação superior completa (68,50%), idade acima de 45 anos e classes de renda A e B.

A base que os defensores do impeachment da presidente Dilma Rousseff chamam de “apoio popular” é formada por cidadãos de perfil extremamente conservador, propensos a acreditar em mitos urbanos e com baixo grau de cultura política. Sob orientação do filósofo Pablo Ortellado, da USP, e da socióloga Esther Solano, da Unifesp, dezenas de pesquisadores organizados pelo núcleo de debates Matilha Cultural, de São Paulo, entrevistaram 571 participantes da manifestação de domingo (12/4), em toda a extensão da Avenida Paulista. O resultado é estarrecedor. E esclarecedor.

Leia: Breviário do perfeito midiota – Luciano Martins Costa: Observatório da Imprensa – 16/04/2015.

Mas nem tudo está perdido. Ainda. Para recuperar sua confiança no Homo sapiens, leia, por exemplo, os textos de Roberto Mangabeira Unger.

Leia Mais:
Protests in Brazil: Tropical tea party – The Economist: Apr 18th 2015. Também aqui.
Economist trata manifestações como Tea Party brasileiro – Brasil 24/7: 17.04.2015
Tea Party: extrema-direita furiosa

Picaretagem sobre Jesus deixa a mídia assanhada

James Crossley, da Universidade de Sheffield, diz ao jornal que a teoria de Atwill é como os livros de Dan Brown. “Esse tipo de teoria é muito comum fora do mundo acadêmico e são normalmente reservadas à literatura sensacionalista.”

Bible academic Professor James Crossley, from the University of Sheffield, compared Mr Atwill’s theory to a Dan Brown fiction book. He told Mail Online: These types of theories are very common outside the academic world and are usually reserved for sensationalist literature. They are virtually non-existent in the academic world.  He also suggested the theories are not taken seriously by experts. Mr Crossley said: People do debate about how much we can know about Jesus, but the idea that Romans invented stories about Jesus is outside of the academic world. He added that this sort of theory can be ‘irritating’ to religion academics.

Falou sobre Jesus? A turbulência é certa!

Desta vez é Joseph Atwill, norte-americano, que todo mundo está chamando, sem conferir, de teólogo, biblista ou pesquisador, mas que não é… que diz que Jesus é uma invenção das autoridades romanas para pacificar os judeus… e por aí vai…

O que, se fosse verdade, teria sido um tiro no pé…

Veja o livro dele para Kindle na Amazon.com.br.

Leia, em português, a bacafuzada:

Teólogo diz que Jesus foi uma ficção criada por aristocratas romanos – Ana Freitas: Galileu

ou

Pesquisador: história de Jesus é farsa criada por romanos – Notícias Terra: 11/10/2013

Story of Jesus Christ was ‘fabricated to pacify the poor’, claims controversial Biblical scholar – Rob Williams: The Independent: Thursday 10 October 2013

Convencido? Então, leia:

Selective Skepticism – James F. McGrath: The Bible and Interpretation – October 2013

Jacobovici ataca novamente

Quem não se lembra do polêmico Sepulcro Esquecido de Jesus ou Tumba de Talpiot? Leia aqui primeiro.

Ora, se alguém estiver interessado na recente ressurreição do assunto, deve ler as excelentes postagens, deste mês, de Mark Goodacre, em seu NT Blog:

:: Simcha Jacobovici and the Talpiot Tomb Again!

:: Émile Puech’s Statement on the Talpiot Tomb Images

:: A Tale of Two Replicas

:: Response to Simcha Jacobovici’s “Pants on Fire”

O que me parece?

Desconfio, em minhas antigas memórias mineiras, que Simcha Jacobovici retorna ao assunto de maneira polêmica só para mantê-lo – e manter-se – vivo.

Pois é preciso dar razão ao provérbio: Falem mal, mas falem de mim!

Pesquisa mostra o que os brasileiros pensam da mídia

Pesquisa aponta que 70% dos brasileiros querem regulação da mídia – Tadeu Breda, da Rede Brasil Atual. Publicado em 16/08/2013.

Levantamento da Fundação Perseu Abramo mostra que, para 35% dos entrevistados, os meios de comunicação defendem os interesses de seus donos; e apenas 8% acham que estão a serviço da população.

Sete em cada dez brasileiros querem mais regras para o conteúdo da programação veiculada na tevê, revela uma pesquisa divulgada [no dia 16/08/2013] em São Paulo pela Fundação Perseu Abramo (FPA), entidade ligada ao Partido dos Trabalhadores. E 46% da população é favorável a que essa regulamentação seja definida e fiscalizada através do chamado “controle social”, por um “órgão ou conselho que represente a sociedade”.

O estudo entrevistou 2.400 pessoas em 120 municípios do país, entre abril e maio, para mapear a percepção dos brasileiros sobre os meios de comunicação, além de formular perguntas relativas ao grau de concentração das emissoras, regime de concessões, penetração da internet, neutralidade da cobertura da imprensa e representação dos setores da sociedade na mídia. A margem de erro oscila entre 2 e 5 pontos percentuais.

A FPA detectou que a televisão continua sendo uma preferência nacional: 94% dos brasileiros cultivam o hábito de assistir tevê e 82% recorre à telinha diariamente. Mais que isso: quase 90% das pessoas usam a tevê para se informar sobre o que acontece no mundo. O rádio aparece em segundo lugar no gosto popular, atingindo 79% da população. A internet surge na terceira colocação, ao lado dos jornais impressos: 43% afirmam ter acesso à rede. Dessa parcela, 38% usam o Facebook e 25% o Google.

Quanto aos jornais, a maioria das pessoas que afirma lê-los (46%) recorre a títulos locais ou regionais. Depois deles, o periódico mais lido no país é o Extra, seguido pelo Super e pelo Diário Gaúcho. Entre as revistas, a Veja se mantém na primeira colocação, à frente de IstoÉ, Época e Caras (…)

A FPA detectou que 35% dos brasileiros entendem que os meios de comunicação defendem os interesses de seus proprietários; 32%, os interesses dos que têm mais dinheiro; e 21%, dos políticos. Apenas 8% acha que a mídia está a serviço da população.

Quanto à programação, 43% afirmam não se reconhecerem na telinha e 23% sentem que são retratados com negatividade. Mais da metade avalia que a tevê costuma tratar mulheres, negros e nordestinos com desrespeito. E 61% acredita que os empresários têm mais espaço do que os trabalhadores.

Leia o texto completo.

Velha mídia, grande mídia, mídia burguesa

O que chamamos de mídia burguesa não passa de uma organização empresarial, capitalista, que vende propaganda. Nunca notícia. Está a serviço de um tipo particular de capitalismo, que é o financeiro. É golpista de primeira hora. Jamais teve apreço por democracia alguma. Muito ao contrário. Sempre que pode, em qualquer país do mundo, apoia abertamente golpes de estado contra presidentes democraticamente eleitos. Criminaliza a política em geral. Aliena o povo. Embandeira-se falsamente com palavras de ordem “moral” e “ética”, mas seus protegidos são os maiores corruptos.

Mark Goodacre e a Tumba de Talpiot

Você tem algum interesse na Tumba B de Talpiot?

Então leia primeiro o post Mais uma Tumba de Talpiot, publicado em 28 de fevereiro de 2012.

E também o post Entrevista com Goodacre e Meyer sobre Talpiot, de 16 de abril de 2012.

Em seguida, vale a pena ler o artigo de Mark Goodacre em The Bible and Interpretation, publicado agora, em abril de 2013:

The Jesus Discovery? A Sceptic’s Perspective.

Ele explica:
This is a revised version of a paper given at SECSOR (Southeastern Commission for the Study of Religion) on 16 March 2013. I am grateful to Ralph Hawkins for the invitation to speak at this session, and to my dialogue partners, James Tabor and Christopher Rollston.

Desconfie dos “especialistas” dos telejornais

“O jornalismo econômico brasileiro, a exemplo do norte-americano, está dominado pela opinião de economistas de bancos e de grandes corporações. Eventualmente, aparece um professor ou um especialista independente para fazer algum comentário, mas em tempo ou espaço suficientemente curtos para não permitir mais do que legitimar a presença dominante dos primeiros nos noticiários de jornal e televisão. Com isso a sociedade acaba com uma visão distorcida da economia política, mascarada que fica pelo viés dos negócios de curto prazo.

Galbraith, com sua fina ironia, costumava dizer que, em matéria econômica, não se devia levar muito a sério a opinião de quem tem interesse próprio em jogo. Ainda há pouco assisti no Jornal da Globo a uma ‘especialista’ culpando o intervencionismo do Governo pela queda das ações das empresas do setor elétrico: ela estava visivelmente indignada com a decisão governamental de reduzir as tarifas elétricas, afetando a rentabilidade das empresas do setor, e não fez qualquer menção ao que isso representava de positivo para a sociedade e a economia”…

Leia o texto completo: A opinião econômica particular vendida como de interesse geral, artigo de J. Carlos de Assis em Carta Maior –  12/01/2013

Leia Mais:
Risco de racionamento de energia elétrica?

 

Entrevista com Goodacre e Meyers sobre Talpiot

Interview with Mark Goodacre and Eric Meyers about the Talpiot Tomb B

By Lauren Carroll – The Chronicle [Duke University]:  April 12, 2012

Q&A with Mark Goodacre and Eric Meyers

In the week following Easter and Passover, a new controversial book and corresponding film about religious archeology is gathering media attention. Filmmaker Simcha Jacobovici and James Tabor, chair of the religious studies department at the University of North Carolina at Charlotte, believe they have found an ossuary containing the bones of Jesus Christ and his wife and child in the East Talpiot neighborhood of Jerusalem. But, two Duke professors are calling their bluff. Mark Goodacre, associate professor in the New Testament, and Eric Meyers, Bernice and Morton Lerner professor of religion and director of the Center for Jewish Studies, have spoken out against the ossuary’s connection to Jesus through blogs, television clips and classes. With “The Resurrection Tomb Mystery” airing on the Discovery Channel Thursday, The Chronicle’s Lauren Carroll spoke with the professors about the validity of Jacobovici and Tabor’s claims.

The Chronicle: What is the Talpiot Tomb?

Mark Goodacre: It begins in 2007, when Simcha Jacobovici makes the claim that this tomb contains this cluster of names that we all know from the New Testament. Names like Jesus, Mary and Joseph. He thinks the coincidences of the names occurring there together and the New Testament are too great, and so he makes the huge logical leap that these people are actually Jesus’ family, and therefore we’ve got Jesus’ bones, and Jesus and Mary Magdalene are married, and they have a son…. When the documentary and book came out in 2007, it was almost universally condemned by the scholars….

They take a couple of the images and inscriptions that they found there and give them a kind of Christian spin to try and link them into early Christianity. On one of these ossuaries is a picture that they think is a fish spitting out a man, facing downward, who has seaweed wrapped around his head. And they say this is a picture of “Jonah and the Fish”…. Because this story is used in some early Christian texts as a way to symbolize Jesus’ resurrection, it may be on this tomb as a symbol of Jesus’ resurrection.… It’s pretty clear that it’s not a fish. It’s got handles on the left and the right. When is a fish not a fish? When it’s got handles. It’s a vase, and this is the kind of thing you get on Jewish ossuaries from this period…. There’s nothing explicit in these tombs that links them to Christianity. It’s a whole bunch of circumstantial evidence.

Eric Meyers: It’s Talpiot Tomb B. The first one is the one in which the James Ossuary was discovered. Those are approximately 100 feet apart and the story about each of them is interconnected in this way. I don’t know any serious scholars who have followed [Jacobovici and Tabor] in this, but they believe that the previous Talpiot Tomb A where the James Ossuary was found provided the earliest evidence of the family of Jesus…. Moreover, they say they have found the powders of the bones that have Jesus’ DNA…. The two tombs constitute the historic burial of Jesus—not the Church of the Holy Sepulcher, which 95 percent of all Christians and all serious architects agree is the burial place of Jesus…. It is a preposterous, unfounded view taking advantage of the gullibility of the public and its insatiable appetite for sensational stories…. It undermines the modern study of the New Testament and is an inappropriate misunderstanding of ancient Judaism as well.

TC: Why are various media outlets jumping on this story when many scholars think the claims are unfounded?

MG: They always want to run a religious-based story this time of year, preferably something about Jesus. And this year there’s fairly slim pickings, so this one got picked. And Jacobovici is a very good filmmaker…. There’s a genuine interest among the general population about religion and the origins of Christianity…. To a certain extent, they’re relevant to our current culture, so people are on the lookout for these sorts of stories.

EM: Around Easter every year, [television channels] will often do a documentary on the historical Jesus and new evidence that has embellished, enhanced and facilitated a better understanding of his ministry. I’ve been in about a dozen of them in the past few years, some of those are responsible… but somehow Jacobovici got Discovery to buy into this. National Geographic rejected the book and the film.

TC: How have you been involved in this issue?

MG: It’s usually me just sitting in front of my computer, and occasionally I can’t help myself from blogging about things that are of interest…. What we need to do as scholars is speak up, so the public knows that there are other voices…. Because other people have linked to the blog, then picked up things and discussed it, the media goes to look for people to refute these claims. They’re looking for academics who already have a public profile.

EM: I was on the advisory panel of experts assessing the integrity of the claims, the appropriateness of the report and the panel decided that National Geographic should drop it like a hot potato, and they did…. I was the one who blew the whistle on the [James ossuary]…. It was a looted artifact—we didn’t know where it came from.

TC: Hypothetically, if this really was Jesus’ tomb, what would the implications be?

MG: If we did find something from the first century with a picture of “Jonah and the Fish,” I’d say great. But I just don’t think we’ve got it. There’s always a bit of healthy skepticism you have to have when doing this kind of work.

EM: An ossuary is a bone box… This implies that Jesus’ body was buried somewhere else for about a year, and his family, just outside Jerusalem, came and picked up his bones and had a new burial [in Talpiot]. It defies or contradicts any belief in the resurrection because there are bones in these boxes. If there was a resurrection, it could only be a theological resurrection…. [Christians] will be offended, as I am offended.

TC: How do you mitigate issues such as this one that can cause people to question their faith?

MG: In this case, the filmmakers are being deliberately provocative. That’s exactly the kind of response they want. When Tabor says, “Look, we have the bones of Jesus and his wife and his son,” of course he’s being provocative…. You have to get the right balance of good, rigorous, critical study asking all the kinds of serious questions but balance that with a degree of sensitivity. Realize that when you’re talking about these issues, you’re often talking about them with people who do have faith and whose faith is in question.

EM: I’m Jewish, and I have become a defender of Christian beliefs in all of this, and I find these attacks to be inappropriate, unscientific and really off-the-wall. It defies my mind of all the hard work a lot of us do to present things in an objective way so that all people can appreciate and understand. This does not adhere to any of those standards. You do not make scientific announcements of this importance in sensational films and in a trade book that has unsubstantiated stuff in it.

TC: Tabor, one of the project’s primary researchers, is a professor at UNC-Charlotte. Do you feel any intercollegiate competition?

MG: As far as I’m concerned, the fact that he’s at UNC has nothing to do with how I view his scholarship. I entirely respect him and his scholarship—it’s just I think he’s wrong about this.

EM: I’ve known [Tabor] for years. When he heard I was not too keen on his interpretation, he drove up from Charlotte. We spent four hours together. He presented the data to me. I still rejected it, [and] I took him out to lunch. We have a cordial relationship, if you can believe it.