Estou lendo o livro de HOROWITZ, W. Mesopotamian Cosmic Geography. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2nd Revised ed. 2011, 418 p. – ISBN 9781575062150. A primeira edição é de 1998.
A geografia cósmica da Mesopotâmia representa a parte principal da minha primeira década de estudo como assiriologista. O livro começou sua vida como tese de doutorado sob orientação do Professor W. G. Lambert da Universidade de Birmingham, Reino Unido. Após a conclusão da tese de doutorado em 1986, continuei a coletar materiais relevantes para o estudo das visões mesopotâmicas da cosmografia com a intenção de revisar a tese para a publicação de um livro no início da década de 1990. O livro Geografia cósmica da Mesopotâmia apresenta este exame revisado e mais maduro do tema.
Este estudo coleta e apresenta as evidências disponíveis em textos sumérios e acádicos das ideias mesopotâmicas sobre a estrutura física do universo e suas partes constituintes (céu, terra, Apsu [as águas subterrâneas], submundo). Todos os textos de todos os períodos e gêneros são considerados, desde as primeiras fases da escrita cuneiforme até o período mais recente. O que emerge deste estudo é uma visão mesopotâmica do universo que é ao mesmo tempo coesa, por um lado, e discordante e deficiente, por outro.
Tive acesso apenas à edição de 1998. Quem quiser ver o que foi modificado na segunda edição, de 2011, pode clicar na “errata” da página de apresentação do livro na Eisenbrauns. É pouca coisa, pois o autor só acrescentou ou modificou o que as pesquisas mais recentes exigem.
Anoto aqui alguns elementos de minha leitura do capítulo 2, “The Babylonian Map of the World”, p. 20-42.
A tabuinha
Uma tabuinha cuneiforme, em acádico, que está no Museu Britânico, BM 92687, traz o mais antigo mapa mesopotâmico até agora encontrado. O esboço, comumente chamado de mapa babilônico do mundo ou “mapa-múndi” ocupa parte do anverso, enquanto o restante do anverso e todo o reverso preservam informações textuais relacionadas.
A tabuinha, adquirida pelo Museu Britânico em 1882, foi encontrada por Hormuzd Rassam em Sipar, que fica a cerca de 60 km ao norte da cidade de Babilônia, na margem leste do Eufrates. Acredita-se que seja originária de Borsipa e pode ser datada por volta do século VI a.C.
De qualquer maneira, o mapa foi composto na Babilônia e não na Assíria. A Babilônia é representada por um grande retângulo que abrange quase metade da largura do continente central, enquanto a Assíria é representada como uma pequena forma oval.
Não é certo que o texto no anverso e no reverso tenha sido composto junto com o mapa. O texto no verso provavelmente foi escrito para acompanhar o mapa, mas o texto no anverso provavelmente foi composto separadamente e unido ao mapa por um editor posterior. Este texto não menciona nenhum dos locais desenhados no mapa.
O texto foi publicado pela primeira vez por F. E. Peiser (1889) e depois recopiado por R. C. Thompson em 1906. Esta segunda cópia serviu de base para estudos posteriores de E. Weidner (1922) e E. Unger(1931). Em 1988, publiquei uma nova edição e cópia do BM 92687. Mais recentemente, I. Finkel identificou e juntou um fragmento minúsculo, mas importante, ao mapa no anverso.
O mapa
O mapa preservado representa a superfície da Terra como dois círculos concêntricos, com áreas triangulares irradiando do círculo externo. A área dentro do círculo interno representa a porção continental central da superfície terrestre, onde estão situados locais importantes como a Babilônia e a Assíria. A área entre os dois círculos é identificada como o ‘oceano’ marratu. No mapa, este oceano cósmico circunda o continente central. A área além do círculo externo consiste nas áreas triangulares, que são identificadas como ‘regiões’ nagû, e espaço inexplorado.
O desenho é único entre os mapas da antiga Mesopotâmia. Numerosos mapas ou planos de cidades e áreas rurais são conhecidos, mas apenas o mapa-múndi é desenhado em escala internacional.
Objetos no mapa
1. Montanha
2. Cidade
3. Urartu
4. Assíria
5. Der
6. ?
7. Pântano
8. Susa
9. Canal
10. Bit Yakin
11. Cidade
12. Haban
13. Babilônia
14 –17. Oceano
18–22. Regiões exteriores
23 –25. Não descrito
O continente
O continente no mapa-múndi contém várias formas geométricas que representam lugares e características topográficas. Os topônimos incluem os países da Assíria (nº 4) e Urartu (nº 3), as cidades de Babilônia (nº 13), Der (nº 5), Bit Yakin (nº 10) e Haban (nº 12). As características topográficas incluem sadu ‘montanha’ (nº 1), apparu ‘pântano’ (nº 7) e bitqu ‘canal’ (nº 9). O oval denominado Susa (nº 8) é colocado dentro do círculo que representa o continente, mas está localizado do outro lado do ‘pântano’ e do ‘canal’ da Babilônia.
As linhas paralelas que começam na região marcada como ‘montanha’ e terminam no retângulo marcado como ‘canal’ e ‘pântano’ fornecem os meios para a interpretação do mapa. Em mapas e planos cuneiformes, as linhas paralelas representam as margens dos rios. No mapa-múndi as linhas paralelas não são identificadas, mas o curso das linhas indica que representam as margens do Eufrates. Perto do meio do mapa, as duas linhas paralelas dividem o retângulo denominado ‘Babilônia’. No primeiro milênio o Eufrates corria pelo centro da cidade de Babilônia.
Quando as linhas paralelas são identificadas como o Eufrates, a localização de muitas das outras características no mapa torna-se clara. A ‘montanha’ na nascente do rio representa as montanhas do sul da Turquia, enquanto que o retângulo na foz do rio marcado como apparu ‘pântano’ e bitqu ‘canal’ representa os pântanos ao longo do baixo Eufrates e um curso de água que liga a foz do Eufrates com o Golfo Pérsico.
Em contraste com a descrição relativamente precisa do curso do Eufrates, o mapa omite completamente o rio Tigre. O Tigre deveria nascer no oval marcado como ‘montanha’, passar pela Assíria e à direita do retângulo denominado ‘Babilônia’, antes de desaguar no retângulo marcado como ‘canal’ e ‘pântano’. O antigo curso do Tigre passava a aproximadamente 80 km a nordeste da Babilônia no primeiro milênio. Assim, não é possível que as duas linhas paralelas representem tanto o Eufrates como o Tigre.
A identificação de algumas localidades é problemática. A Assíria e Urartu estão corretamente localizadas a leste do Eufrates, com Urartu ao norte da Assíria, mas a Assíria está localizada muito ao sul em relação à Babilônia. Bit Yakin, a entidade mais ao sul da Babilônia durante o primeiro milênio, está corretamente posicionada perto da foz do Eufrates, mas é movida do lado leste do rio para o oeste. Susa está corretamente posicionada abaixo da saída do Eufrates, mas deveria estar localizada à direita da Babilônia, e não diretamente abaixo da cidade. Haban (nº 12) está localizada a oeste do Eufrates, embora a terra e a cidade Haban da tribo cassita Bit Haban estivessem localizadas a leste do Tigre. E há outras localidades do mapa que não podem ser identificadas.
O oceano
A faixa circular que envolve o continente é identificada quatro vezes no mapa como o marratu ‘oceano’ (n. 14-17).
O nagû
As cinco áreas triangulares (n. 18-22) que irradiam do círculo externo são identificadas como nagû. Quando completo, o mapa pode ter incluído até oito desses nagû. O texto no verso descreve oito nagû, e há espaço para nagû ausentes adicionais ao longo da borda inferior quebrada do mapa. No entanto, não é possível correlacionar os nagû sobreviventes no mapa com aqueles descritos no verso, e não se pode sequer ter certeza de que os nagû descritos no verso sejam idênticos aos desenhados no mapa.
Os nagû no mapa podem ser ilhas, porque ficam do outro lado do mar do continente. No entanto, isto pode não ser correto, uma vez que dois lados dos nagû se estendem para uma área desconhecida. Este espaço inexplorado poderia representar um corpo de água, como uma porção do oceano além do marratu ou o Apsu. No entanto, também é possível que esta terra incógnita seja uma massa de terra distante, ou que os nagû se estendam ao longo dos limites da superfície da Terra. Neste último caso, um viajante que atravessasse os lados do nagû além do oceano cósmico poderia cair diretamente no Apsu ou no submundo.
O texto no anverso
O anverso preserva onze linhas de texto. Este texto é difícil de interpretar porque faltam o início e o fim de cada linha e a parte inicial do anverso está quase completamente perdida. No entanto, é perceptível uma preocupação geral com lugares distantes e tempos antigos.
As duas primeiras linhas falam de ‘cidades em ruínas’. As linhas 3-9 fornecem informações relativas aos primeiros tempos, a era da criação.
A linha 10 continua o tema de terras e tempos distantes, mas se preocupa mais com os seres humanos do que com os animais. A linha lista três figuras famosas do terceiro milênio associadas a lugares distantes: Uta-napíshti (o sobrevivente do dilúvio), Sargão de Akkad (rei de Akkad) e Nur-Dagan (rei de Burshahanda).
A linha final do anverso preserva duas frases. A primeira, ‘asas como um pássaro’, pode descrever os heróis da linha 10 ou servir a alguma outra função. Se a frase não descreve os heróis, pode referir-se a uma declaração nas linhas iniciais quebradas do anverso. Neste caso, ‘asas como um pássaro’ poderia explicar que o mapa oferece uma visão da superfície da Terra que apenas os pássaros ou passageiros nas asas dos pássaros poderiam ter visto. A possibilidade de que a linha 11 se refira à seção de abertura quebrada encontra suporte na frase de encerramento. Esta frase inclui um sufixo que não tem antecedente no texto sobrevivente. É possível que esse antecedente ausente seja kibrat erbetti, ‘quatro quadrantes da superfície da Terra’.
O texto no reverso
O reverso está dividido em nove seções compostas por 27 linhas de texto. As seções de dois a oito contêm descrições padronizadas do segundo ao oitavo nagû. Cada seção abre com uma linha introdutória que identifica o nagû por número e atribui uma distância de sete léguas ao nagû com a frase ‘onde você vai’. Segue-se uma breve passagem descrevendo o nagû. Estas descrições são limitadas a uma ou duas linhas, com exceção da descrição do quinto nagû, que ocupa oito linhas. Apenas as descrições do terceiro, quinto, sétimo e oitavo nagû são parcialmente inteligíveis, devido a quebras no texto.
A primeira e a nona seções do reverso não descrevem o nagû. A primeira seção está quase completamente perdida, mas os vestígios sobreviventes sugerem que ela introduz o reverso e explica como identificar o primeiro nagû. A nona seção (linhas 26-27) aparentemente fornece um resumo do reverso. Esta seção refere-se aos ‘quatro quadrantes’ do kibrat erbetti (da superfície da Terra).
O mapa babilônico do mundo e lugares distantes
A ênfase em lugares distantes nos textos que acompanham o mapa sugere que o objetivo da tabuinha BM 92687 era localizar e descrever regiões distantes. O mapa ilustrava a localização dessas áreas distantes em relação a locais familiares, como Babilônia, Assíria e Eufrates. O anverso relacionava esses lugares distantes com figuras literárias familiares e animais exóticos, e o reverso descrevia condições em regiões distantes. O interesse do antigo autor por lugares distantes reflete um interesse geral por áreas distantes durante a primeira metade do primeiro milênio, quando os impérios assírio e babilônico alcançaram suas maiores extensões.
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