Um Paulo judeu

THIESSEN, M. A Jewish Paul: The Messiah’s Herald to the Gentiles. Grand Rapids: Baker Academic, 2023, 208 p. – ISBN 9781540965714.

Qual era a relação do apóstolo Paulo com o judaísmo? Como ele via a lei judaica? Como ele entendia o evangelho da messianidade de Jesus em relação aos judeus étnicos e gentios? Essas continuam sendo questões perenes tanto para os estudiosos do Novo Testamento quanto para todos os leitores sérios da Bíblia.THIESSEN, M. A Jewish Paul: The Messiah's Herald to the Gentiles. Grand Rapids: Baker Academic, 2023, 208 p.

O respeitado estudioso do Novo Testamento Matthew Thiessen oferece uma contribuição importante para esta discussão. Um Paulo judeu: o arauto do Messias para os gentios é uma introdução acessível que situa Paulo claramente dentro do judaísmo do primeiro século, não se opondo a ele. Thiessen defende uma leitura historicamente mais plausível de Paulo. Paulo não rejeitou o judaísmo ou a lei judaica, mas acreditava que estava vivendo nos últimos dias, quando o Messias de Israel libertaria as nações do pecado e da morte. Paulo se via como um enviado às nações, desejando apresentá-las ao Messias e seu Espírito vivificante e transformador.

 

Leio na Introdução do livro:

A maioria das pessoas, talvez até mesmo uma boa porcentagem do clero cristão, provavelmente continua inconsciente do fato de que as pessoas que passam suas carreiras estudando e escrevendo sobre Paulo discordam fortemente umas das outras sobre o que ele diz. Mesmo aqueles de nós que dedicaram partes ou todas as nossas carreiras a pensar e escrever sobre Paulo lutam para dar sentido às diferentes cartas de Paulo, para pegar escritos ocasionais e fornecer um relato coerente, embora inevitavelmente incompleto, do que ele pensava. Nas últimas décadas, temos visto livros cada vez mais longos delineando o pensamento de Paulo. Para se ter uma noção dessa corrida armamentista exegética (e teológica), onde mais longo parece ser equiparado a melhor, veja estes três exemplos: em 1997, James Dunn publicou The Theology of Paul the Apostle (844 páginas), em 2009, Douglas Campbell publicou The Deliverance of God (1.248 páginas) e em 2013, N. T. Wright publicou Paul and the Faithfulness of God (1.700 páginas). Não acredito que exista um tratamento mais longo da teologia de Paulo, mas, dada essa tendência, o próximo grande livro sobre Paulo deve ter pelo menos 2.100 páginas.

Este pequeno livro não busca ser exaustivo. Não discutirei todos os versículos ou mesmo todos os temas nas cartas de Paulo. Em vez disso, procuro apresentar aos leitores uma questão particularmente espinhosa: como Paulo se relaciona com o judaísmo (ou, talvez melhor, os judaísmos) de sua época? Esta é uma questão histórica, mas para os cristãos modernos (e quaisquer judeus interessados) é uma questão histórica que tem relevância teológica e ecumênica. Paulo condena e abandona o judaísmo? Ele o vê como algo inferior ou pelo menos ultrapassado na esteira de Jesus? Se sim, como os cristãos de hoje devem pensar sobre o judaísmo e se relacionar com os judeus? Olhando para os últimos dois mil anos, sabemos que a maioria dos cristãos viu o judaísmo como inferior ou mesmo pernicioso, algo deixado para trás ou algo que morreu. Consequentemente, muitos cristãos trataram judeus individuais e comunidades judaicas com desprezo, repulsa, ódio e violência. As cartas de Paulo frequentemente serviram como suporte bíblico para o antijudaísmo cristão.

É possível que haja uma maneira diferente de ler as cartas de Paulo, uma que não denigra o judaísmo? A questão da relação de Paulo com o judaísmo dominou os estudos paulinos nas últimas décadas, resultando em (pelo menos) quatro maneiras pelas quais os acadêmicos tentaram dar sentido aos escritos de Paulo em relação ao judaísmo; essas quatro maneiras são comumente chamadas de leituras “luterana”, “nova perspectiva”, “apocalíptica” e “nova perspectiva radical” (ou “Paulo dentro do judaísmo”). Algumas dessas “escolas” podem ser mais familiares aos leitores do que outras. Mas lembre-se, familiaridade não significa necessariamente que tal leitura esteja correta.

(…)

Nas páginas seguintes, esboçarei um breve relato do pensamento de Paulo de uma forma que busca situá-lo dentro e não contra o mundo judaico que fazia parte do mais amplo mundo antigo do Mediterrâneo. Embora eu apresente meu próprio relato, ele compartilha muitas (mas não todas) coisas em comum com uma quarta corrente dos estudos paulinos que recebeu alguns nomes diferentes: a leitura Sonderweg de Paulo associada a Lloyd Gaston e John Gager, a nova perspectiva radical associada a Stanley Stowers e Pamela Eisenbaum, e a leitura Paulo dentro do judaísmo associada a William Campbell, Kathy Ehrensperger, Paula Fredriksen, Mark Nanos e Magnus Zetterholm*.

* Gaston, Paul and the Torah; Gager, Reinventing Paul; Stowers, Rereading of Romans; Eisenbaum, Paul Was Not a Christian; W. Campbell, Unity and Diversity in Christ; Ehrensperger, Searching Paul; Fredriksen, Paul; Nanos, Reading Paul within Judaism; and Zetterholm, Approaches to Paul.

Matthew Thiessen é professor de estudos religiosos na McMaster University em Hamilton, Ontário, Canadá. Veja algumas de suas publicações.

 

What was the apostle Paul’s relationship to Judaism? How did he view the Jewish law? How did he understand the gospel of Jesus’s messiahship relative to both ethnic Jews and gentiles? These remain perennial questions both to New Testament scholars and to all serious Bible readers.

Respected New Testament scholar Matthew Thiessen offers an important contribution to this discussion. A Jewish Paul is an accessible introduction that situates Paul clearly within first-century Judaism, not opposed to it. Thiessen argues for a more historically plausible reading of Paul. Paul did not reject Judaism or the Jewish law but believed he was living in the last days, when Israel’s Messiah would deliver the nations from sin and death. Paul saw himself as an envoy to the nations, desiring to introduce them to the Messiah and his life-giving, life-transforming Spirit.

 

Most people, perhaps even a good percentage of Christian clergy, likely remain unaware of the fact that people who spend their careers studying and writing on Paul disagree quite strongly with each other about what he says.5 Even those of us who have dedicated parts or all of our careers to thinking and writing about Paul struggle to make sense of Paul’s different letters, to take occasional writings and provide a coherent, if inevitably incomplete, account of what he thought. In recent decades we have seen longer and longer books outlining Paul’s thinking. To get a sense of this exegetical (and theological) arms race, where longer seems to be equated with better, take these three examples: in 1997 James Dunn published The Theology of Paul the Apostle (844 pages), in 2009 Douglas Campbell published The Deliverance of God (1,248 pages), and in 2013 N. T. Wright published Paul and the Faithfulness of God (1,700 pages). I don’t believe there exists a longer treatment of Paul’s theology, but given this trend, the next big book on Paul should be at least 2,100 pages in length.

This little book does not seek to be exhaustive. I won’t discuss every verse or even every theme in Paul’s letters. Instead, I seek to introduce readers to one particularly thorny question: How does Paul relate to the Judaism (or, perhaps better, Judaisms) of his day? This is a historical question, but for modern Christians (and any interested Jews) it is a historical question that has theological and ecumenical relevance. Does Paul condemn and abandon Judaism? Does he view it as something inferior or at least outdated in the wake of Jesus? If so, how should Christians today think about Judaism and relate to Jews? Looking back over the last two thousand years, we know that most Christians have viewed Judaism as inferior or even pernicious, something left behind or something that has died.6 Consequently, many Christians have treated individual Jews and Jewish communities with contempt, revulsion, hatred, and violence. Paul’s letters have frequently served as scriptural support for Christian anti-Judaism.

Matthew ThiessenIs it possible that there is a different way to read Paul’s letters, one that does not denigrate Judaism? The question of Paul’s relationship to Judaism has dominated Pauline scholarship over the last several decades, resulting in (at least) four ways that academics have tried to make sense of Paul’s writings as they relate to Judaism; these four ways are commonly called the “Lutheran,” “new perspective,” “apocalyptic,” and “radical new perspective” (or “Paul within Judaism”) readings. Some of these “schools” may be more familiar to readers than others. But remember, familiarity doesn’t necessarily mean that such a reading is correct.

(…)

In the following pages, I will sketch a brief account of Paul’s thinking in a way that seeks to situate him within and not against the Jewish world that was part of the larger ancient Mediterranean world. While I present my own account, it is one that shares many (but not all) things in common with a fourth stream of Pauline scholarship that has gone by a few different names: the Sonderweg reading of Paul associated with Lloyd Gaston and John Gager, the radical new perspective associated with Stanley Stowers and Pamela Eisenbaum, and the Paul within Judaism reading associated with William Campbell, Kathy Ehrensperger, Paula Fredriksen, Mark Nanos, and Magnus Zetterholm* (From Introduction).

* Gaston, Paul and the Torah; Gager, Reinventing Paul; Stowers, Rereading of Romans; Eisenbaum, Paul Was Not a Christian; W. Campbell, Unity and Diversity in Christ; Ehrensperger, Searching Paul; Fredriksen, Paul; Nanos, Reading Paul within Judaism; and Zetterholm, Approaches to Paul.

Matthew Thiessen (PhD, Duke University) is associate professor of religious studies at McMaster University in Hamilton, Ontario. He is the author of numerous books, including Paul and the Gentile Problem, Jesus and the Forces of Death, and Contesting Conversion: Genealogy, Circumcision, and Identity in Ancient Judaism and Christianity.

Paulo dentro do judaísmo

BIRD, M. et alii (eds.) Paul Within Judaism: Perspectives on Paul and Jewish Identity. Tübingen: Mohr Siebeck, 2023, 371 p. – ISBN ‎ 9783161623257. Disponível online.

O volume Paul Within Judaism [Paulo dentro do judaísmo] é baseado em um simpósio acadêmico online organizado pelo Ridley College em Melbourne, Austrália,
graciosamente patrocinado pelo Australian College of Theology, realizado de 21 a 24 de setembro de 2021.BIRD, M. et alii (eds.) Paul Within Judaism: Perspectives on Paul and Jewish Identity. Tübingen: Mohr Siebeck, 2023, 371 p.

O tema foi escolhido por causa do fascínio ocidental pelo apóstolo Paulo e por causa do persistente desafio que é explorar Paulo em relação à sua herança judaica e sua crença no Messias. Em certo sentido, a tensão a ser explorada ou explicada é como Paulo é tanto “Paulo, o judeu/judeu seguidor de Jesus” quanto, simultaneamente, o “São Paulo” da fé e do testemunho da Igreja. Este é o assunto que continua a mover os acadêmicos em sua articulação tanto da história antiga quanto dos compromissos teológicos contemporâneos e que também pesa nos relacionamentos inter-religiosos.

Os colaboradores deste volume não são monolíticos e representam uma pluralidade de perspectivas e diversidade de abordagens sobre Paulo e sua relação com o judaísmo antigo. A esperança dos editores é de que este volume dê continuidade à conversa sobre Paulo e sua condição de judeu.

 

Our volume Paul within Judaism is based on an on-line scholarly symposium organized by Ridley College in Melbourne, Australia, graciously sponsored by the Australian College of Theology, held during 21–24 September 2021. The topic of exploration was chosen because of the western fascination with the apostle Paul and the persistent challenge of exploring Paul in relation to both his Jewish heritage and his Messiah-believing commitments. In a sense, the tension to be explored or explained is how is Paul both “Paul the Jewish/Judean follower of Jesus” and simultaneously “St. Paul” of the church’s faith and witness. This is the subject which continues to excite and energize scholars in their articulation of both ancient history as well as contemporary theological commitments and informing inter-faith relationships. The contributors to this volume are not monolithic and they represent a plurality of perspectives and diversity of approaches to Paul vis-à-vis ancient Judaism. It is the hope of the editors that this volume will continue the conversation about Paul and his Jewishness, not despite his being a Messiah-believer, but precisely as part of it.

Michael Bird, born 1974; 2005 PhD; Academic Dean and Lecturer in New Testament at Ridley College, Melbourne, Australia (Australian College of Theology).

Ruben Bühner, born 1990; 2020 Dr. theol.; PostDoc and Lecturer at the Department of New Testament Studies at the University of Zurich, Switzerland.

Jörg Frey, born 1962; 1996 Dr. theol.; 1998 Habilitation; Professor of New Testament Studies at the University of Zurich, Switzerland.

Brian Rosner, born 1959; 1991 PhD; Principal and Lecturer in New Testament at Ridley College, Melbourne, Australia (Australian College of Theology).

 

O que significa Paulo dentro do judaísmo?

O seguinte texto explica:

Já se passaram quase quarenta anos [Nota: este texto é de 2016; em 2024 já são quase cinquenta anos] desde que a publicação de Paul and Palestinian Judaism (1977) de E.P. Sanders iniciou uma revolução nos estudos paulinos.

Até aquele ponto, os intérpretes protestantes liam Paulo como uma crítica ao judaísmo por sua justificação pelas obras da Lei, denunciando seu legalismo inerente, em Romanos e Gálatas, e defendendo a justificação somente pela fé. Nessa visão, as pessoas desfrutam da salvação apenas como um presente que podem receber e que não pode ser conquistado. O evangelho paulino brilhou intensamente em contraste com o pano de fundo sombrio do judaísmo com sua obrigação assumida de ganhar a salvação pelo acúmulo de mérito por meio de boas obras.

Argumentando contra isso, Sanders alegou que o judaísmo do primeiro século não era uma religião de justificação pelas obras, mas de graça. Os judeus desfrutavam da salvação em virtude da eleição e sua observância da Lei simplesmente mantinha seu relacionamento de aliança com Deus.

Embora a discussão subsequente de Sanders sobre Paulo tenha deixado muito a desejar, outros intérpretes, principalmente James Dunn e N. T. Wright, basearam-se em sua compreensão revisada do judaísmo para liderar uma reconsideração de Paulo que durou mais de três décadas.

De acordo com sua “Nova Perspectiva“, Paulo não rejeitou o judaísmo por causa de sua justificação pelas obras, mas sim por seu etnocentrismo. Os judeus limitaram o escopo da salvação aos judeus étnicos e Paulo se opõe a isso com o evangelho da salvação pela graça por meio de fé independente das “obras da Lei”. Eles observam que em Romanos e Gálatas “obras da Lei” indicam atos em observância aos mandamentos da Lei mosaica que apontam para a sua identidade como judeu. Quando Paulo afirma que uma pessoa não é justificada por “obras da Lei” (Rm 3,28; Gl 2,16), portanto, ele está argumentando que a identidade étnica de alguém não é relevante no que diz respeito à justificação diante de Deus.

O presente volume (NANOS, M. D.; ZETTERHOLM, M. (eds.), Paul Within Judaism: Restoring the First-Century Context to the Apostle. Minneapolis: Fortress Press, 2015) representa uma perspectiva ainda mais nova, que sustenta que a “nova perspectiva” não vai longe o suficiente, uma vez que tanto a perspectiva “nova” quanto a “tradicional” erroneamente imaginam que Paulo, de alguma forma, se opõe, dispensa ou abandona o judaísmo.

O que une os autores do livro é a convicção de que “Paulo deve ser interpretado dentro do judaísmo” (p. 1). O que as perspectivas “nova” e “tradicional” erram é que ambas consideram Paulo como o fundador de um novo movimento chamado “cristianismo”. Mesmo que esse termo não seja usado, os intérpretes frequentemente falam de Paulo fundando um “novo movimento religioso” que é “construído sobre a convicção de que há algo fundamentalmente, essencialmente ‘errado’ com, e dentro, do judaísmo” (p. 5).

NANOS, M. D.; ZETTERHOLM, M. (eds.), Paul Within Judaism: Restoring the First-Century Context to the Apostle. Minneapolis: Fortress Press, 2015De acordo com essa perspectiva “radical” ou “Paulo dentro do judaísmo” (…), “a escrita e a construção da comunidade do apóstolo Paulo ocorreram dentro do judaísmo tardio do Segundo Templo, dentro do qual ele permaneceu um representante após sua mudança de convicção sobre Jesus ser o Messias (Cristo).” Portanto, “as ‘assembleias’ que ele fundou, e para as quais ele escreveu” suas cartas, “também estavam desenvolvendo sua (sub)cultura com base em suas convicções sobre o significado de Jesus para os não judeus, bem como para os judeus dentro do judaísmo” (p. 9). Imaginar que Paulo deixou o judaísmo para fundar um novo movimento religioso – o cristianismo – é fazer história ruim. Nossos colaboradores “estão comprometidos em propor e buscar responder a perguntas pré-cristãs e certamente pré-agostinianas / protestantes sobre as preocupações de Paulo e aquelas de seu público e contemporâneos, sejam amigos ou inimigos” (p. 9). O resultado é um Paulo que não se afasta nem rejeita o judaísmo, mas cria um movimento de reforma dentro dele.

Aqueles que subscrevem esse ângulo de abordagem sustentam que a erudição do Novo Testamento é amplamente dominada por preocupações dogmáticas cristãs e é insuficientemente histórica ao realizar suas atividades, moldada como é pela divisão entre judaísmo e cristianismo. “As ideias binárias de que o cristianismo substituiu o judaísmo e que a graça cristã substituiu o legalismo judaico, por exemplo, parecem ser aspectos essenciais da maioria das teologias cristãs” (p. 34).

A tentativa aqui é retornar a uma concepção de Paulo antes do desenvolvimento do “cristianismo”. Durante a primeira geração cristã, antes da missão de Paulo, a “identidade religiosa normal dentro desse movimento era uma identidade judaica” (p. 50). Embora houvesse a expectativa de que os gentios fossem incluídos no movimento, havia desacordo sobre como isso ocorreria. “Como todos os judeus dentro do movimento continuavam a viver como judeus, enquanto reconhecia Jesus como o Messias, os conflitos refletidos nas cartas de Paulo não eram sobre a observância da Torá judaica para os judeus” (p. 50). Eles eram sobre como incluir as nações na fé de Israel.

Essencial para essa perspectiva é a noção de que as cartas de Paulo são direcionadas a seguidores não judeus de Jesus, incluindo — e especialmente — suas cartas aos crentes romanos e gálatas. Suas declarações proibindo a circuncisão e a vida sob a Lei mosaica, portanto, são mal compreendidas quando são “universalizadas” para se referir também aos judeus que vieram (ou que virão) a crer em Jesus. Paulo diz pouco ou nada sobre os crentes judeus relacionados à Lei mosaica, pois era sua suposição que eles continuariam em fiel observância da Lei como seguidores de Jesus. Já que o próprio Paulo permaneceu um judeu observante — e até mesmo essa noção deve ser esclarecida, como Karin Hedner Zetterholm busca fazer — não devemos pensar nele como um defensor de algo chamado “cristianismo”. Podemos falar mais fielmente de “judaísmo apostólico” (p. 67), já que Paulo pensou sobre “o significado de Jesus para os não judeus, bem como para os judeus dentro do judaísmo” (p. 9).

Vários dos colaboradores defendem que o apostolado de Paulo aos gentios deve ser entendido em continuidade com as concepções proféticas da restauração das nações. No último dia, Israel seria restaurado por Deus e seria novamente uma luz para as nações, adorando o Deus de Israel junto com os gentios. Embora os autores reconheçam a diversidade de visões no judaísmo do Segundo Templo sobre como isso funcionaria, eles afirmam que o relacionamento de Paulo com os seguidores judeus de Jesus teria sido entendido dentro dessa visão mais ampla.

As implicações disso são que os seguidores não judeus de Jesus adorariam o Deus de Israel em Cristo e permaneceriam não israelitas, enquanto os seguidores judeus deMichael Bird, nascido em 1974 Jesus, como Paulo, teriam permanecido observantes da lei. E alguns dos autores concordariam com a afirmação adicional de que, em vez de serem chamados de “cristãos”, o público de Paulo “pertence a um grupo especial dentro do judaísmo, composto por judeus e não judeus, em vez de constituir um povo inteiramente novo, o que veio a ser chamado pelos Padres da Igreja de ‘terceira raça'” (p. 148).

Este novo ângulo de abordagem de Paulo pode ser visto em continuidade com abordagens da Nova Perspectiva, na medida em que insiste em uma análise verdadeiramente histórica e objetiva da situação do primeiro século (continua).

Fonte: Paul Within Judaism. By Timothy Gombis, Reformation21 – February 23, 2016.

 

Claro que isto gera controvérsias. Em outra página leio:

O movimento “Paulo dentro do Judaísmo”, também conhecido como a Nova Perspectiva Radical sobre Paulo (não confundir com a Nova Perspectiva mais moderada), é uma visão do apóstolo Paulo que ganhou alguma proeminência através dos escritos de estudiosos judeus do Novo Testamento como Mark Nanos e Paula Fredricksen, bem como de estudiosos protestantes mais liberais como Matthew Theissen e Candida Moss. Algumas ideias unificadoras que emergem são as seguintes:

1. Não devemos chamar Paulo de cristão, pois ele não se chamava assim e permaneceu um judeu leal
2. Paulo teria esperado que os judeus mantivessem a Torá
3. Paulo, pelo que podemos saber, escreveu exclusivamente para gentios. Portanto, é um erro pensar que suas exortações se aplicam aos judeus.

Mais aqui.

Outras leituras possíveis:

Apóstolo judeu, não apóstata judeu: (mal) lendo o apóstolo Paulo – IHU 30 Junho 2023

Paulo: três vias de salvação. Artigo de Roberto Mela – IHU 19 Fevereiro 2022

Para Paulo há três caminhos para a salvação – Observatório Bíblico – 22.09.2020

O Prólogo de João e suas ressonâncias

PORTER, S. E.; YOON, D. I. (eds.) The Johannine Prologue and Its Resonances. Leiden: Brill, 2024, 320 p. – ISBN 9789004698932.

Este é o quarto volume da série Johannine Studies, que está sendo publicada pela Brill de Leiden. Este volume é sobre o prólogo do Evangelho de João ePORTER, S. E.; YOON, D. I. (eds.) The Johannine Prologue and Its Resonances. Leiden: Brill, 2024, 320 p. suas muitas ressonâncias dentro de todo o Evangelho. Parâmetros rígidos não foram definidos sobre este tópico, e isto se reflete na natureza variada das contribuições individuais. Não achamos necessário dividir as contribuições em várias partes devido ao escopo mais restrito deste volume do que outros na série.

O primeiro volume da série foi Stanley E. Porter e Andrew K. Gabriel, Johannine Writings and Apocalyptic: An Annotated Bibliography (Leiden: Brill, 2013), o segundo foi Stanley E. Porter e Hughson T. Ong (eds.) The Origins of John’s Gospel (Leiden: Brill, 2016), e o terceiro foi Stanley E. Porter e Andrew W. Pitts (eds.) Johannine Christology (Leiden: Brill, 2020). É encorajador ver a resposta forte e positiva a esses volumes à medida que continuamos a série até a conclusão dos cinco primeiros volumes. O volume final deste primeiro conjunto é: John’s Gospel and Its Sources.

Tenho o prazer de dizer que continuaremos a série com mais cinco volumes projetados, com mais por vir se esses cinco continuarem a ser de interesse acadêmico. Os próximos cinco volumes programados são:

Volume 6: João e o judaísmo (2026)
Volume 7: João e os Evangelhos Sinóticos (2027)
Volume 8: João e a “Quarta Busca” (2028)
Volume 9: Linguagem joanina (incluindo gênero e estilo) (2029)
Volume 10: Comunidade e audiência joanina (2030)

Os estudos joaninos têm visto um ressurgimento nos últimos anos, com muitos dos resultados da pesquisa joanina anterior sendo reexaminados. Isso inclui teorias sobre as origens do Evangelho de João, sua relação com os Evangelhos Sinóticos, sua teologia, sua historiografia e muitos outros tópicos. Este volume é parte de um esforço concentrado para preencher a lacuna de publicações dedicadas aos estudos joaninos. O estudo dos escritos joaninos, incluindo o Evangelho, as cartas joaninas e o Apocalipse, tem sido dificultado pela falta de tais publicações (Trecho do Prefácio).

 

Stanley E. Porter (1956-)This is the fourth of a series of volumes in the Johannine Studies series being published by Brill Publishers of Leiden. This volume is on the topic of the prologue to John’s Gospel and its many resonances within the entire Gospel. Narrow parameters have not been set on this topic, as is reflected in the varied nature of the individual contributions. We have not found it necessary to divide the contributions into various parts due to the narrower scope of this volume than others in the series.

The first volume in the series was Stanley E. Porter and Andrew K. Gabriel, Johannine Writings and Apocalyptic: An Annotated Bibliography, jost 1 (Leiden: Brill, 2013), the second was Stanley E. Porter and Hughson T. Ong, eds., The Origins of John’s Gospel, jost 2 (Leiden: Brill, 2016), and the third was Stanley E. Porter and Andrew W. Pitts, eds., Johannine Christology, jost 3 (Leiden: Brill, 2020). It is encouraging to see the strong and positive response to these volumes as we continue the series through the completion of the first five volumes. The final volume of this first set is: John’s Gospel and Its Sources.

I am pleased to say that we will be continuing the series with five more projected volumes, with more to come if these five continue to be of scholarly interest. The next five scheduled volumes are:

Volume 6: John and Judaism (2026)
Volume 7: John and the Synoptic Gospels (2027)
Volume 8: John and the “Fourth Quest” (2028)
Volume 9: Johannine Language (including Genre and Style) (2029)
Volume 10: Johannine Community and Audience (2030)

Johannine studies has seen a resurgence of interest in the last several years, with many of the assured results of previous Johannine scholarship being re-examined. These include theories regarding the origins of John’s Gospel, its relationship to the Synoptic Gospels, its theology, its historiography, and many other topics. This volume is part of a concerted effort to address the need for avenues of dedicated publication of Johannine studies. Study of the Johannine writings, including the Gospel, three Johannine letters, and Revelation, has been hampered by a lack of such dedicated publications. There are many such opportunities, including specific series and journals, for study of the Synoptic Gospels, and an equivalent number for the Pauline writings. Therefore, it is appropriate and necessary to publish a series devoted to the Johannine writings and their many attendant research questions.

This Johannine Studies series concentrates upon topics of special relevance for Johannine research, especially where recent work is re-conceptualizing old topics orDavid I. Yoon introducing new ones. The number of scholars devoting their efforts to such areas continues to grow, as is evidenced by the numbers of sessions dedicated to Johannine studies at recent major conferences, as well as the variety of Johannine publications finding their ways into various journals and other works.

Stanley E. Porter is President, Dean, and Professor of New Testament at McMaster Divinity College, Hamilton, Ontario, Canada.

David I. Yoon is Associate to the Academic Dean and Instructor of Biblical Studies at Emmanuel Bible College, and Research Fellow at McMaster Divinity College.

Os escritores-fantasmas de Deus

MOSS, C. God’s Ghostwriters: Enslaved Christians and the Making of the Bible. New York: Little Brown and Company, 2024, 336 p. – ISBN 9780316564670.

Nos últimos dois mil anos, a tradição cristã, os estudos e a cultura pop atribuíram a autoria do Novo Testamento a um seleto grupo de homens: Mateus, Marcos,MOSS, C. God's Ghostwriters: Enslaved Christians and the Making of the Bible. New York: Little Brown and Company, 2024 Lucas, João e Paulo. Mas escondido por trás desses indivíduos nomeados e santificados está um grupo de coautores e colaboradores escravizados e anônimos. Esses trabalhadores essenciais foram responsáveis pela produção dos primeiros manuscritos do Novo Testamento: fazer o pergaminho em que os textos foram escritos, tomar ditados e refinar as palavras dos apóstolos. E à medida que a mensagem cristã crescia em influência, foram os missionários escravizados que empreenderam a árdua viagem através do Mediterrâneo e ao longo de estradas poeirentas para levar o cristianismo a Roma, Espanha e Norte de África – e para as páginas da história. O impacto destes colaboradores escravizados na difusão do Cristianismo, no desenvolvimento de conceitos cristãos fundamentais e na elaboração da Bíblia foi enorme, mas o seu papel tem sido quase totalmente ignorado até agora.

Repleto de revelações profundas sobre o que significa ser cristão e sobre como lemos os próprios textos individuais, Os escritores-fantasmas de Deus é um livro inovador e rigorosamente pesquisado sobre como as pessoas escravizadas moldaram a Bíblia e, com ela, todo o cristianismo.

Leia uma resenha do livro, escrita por Brent Nongbri e publicada em 28 de abril de 2024.

Ele diz, por exemplo:

“Nos últimos anos, Candida Moss publicou vários artigos muito interessantes sobre diferentes aspectos da escravidão e do cristianismo primitivo (…) Agora Moss sintetizou suas descobertas e produziu o que é provavelmente o livro mais importante nos estudos do Novo Testamento escrito no último meio século. God’s Ghostwriters: Enslaved Christians and the Making of the Bible consegue abordar e reformular quase todas as questões “clássicas” dos estudos críticos do Novo Testamento – questões de autoria e pseudepigrafia, fontes e edição, transmissão e variação textual, leitura e recepção, e até mesmo teologia”.

Candida Moss é professora de História dos Evangelhos e Cristianismo Primitivo na Universidade de Birmingham, no Reino Unido. Possui graduação pela Universidade de Oxford e mestrado e doutorado pela Universidade de Yale. A maior parte de seu trabalho nas áreas de Cristianismo Primitivo e Novo Testamento trata de martírio, perseguição, deficiência, escravização e outras questões relacionadas com grupos marginalizados.

Candida Moss (1978-)

For the past two thousand years, Christian tradition, scholarship, and pop culture have credited the authorship of the New Testament to a select group of men: Matthew, Mark, Luke, John, and Paul. But hidden behind these named and sainted individuals are a cluster of unnamed, enslaved coauthors and collaborators. These essential workers were responsible for producing the earliest manuscripts of the New Testament: making the parchment on which the texts were written, taking dictation, and refining the words of the apostles. And as the Christian message grew in influence, it was enslaved missionaries who undertook the arduous journey across the Mediterranean and along dusty roads to move Christianity to Rome, Spain, and North Africa–and into the pages of history. The impact of these enslaved contributors on the spread of Christianity, the development of foundational Christian concepts, and the making of the Bible was enormous, yet their role has been almost entirely overlooked until now.

Filled with profound revelations both for what it means to be a Christian and for how we read individual texts themselves, God’s Ghostwriters is a groundbreaking and rigorously researched book about how enslaved people shaped the Bible, and with it all of Christianity.

Candida Moss is Edward Cadbury Chair of Theology at the University of Birmingham, prior to which she taught for almost a decade at the University of Notre Dame. She holds an undergraduate degree from the University of Oxford and an MA and PhD from Yale University. The award-winning author or co-author of seven books, she has also served as Papal News Commentator for CBS News and writes a column for The Daily Beast.

Hesedh e o Novo Testamento

NELSON, K. Ḥesed and the New Testament: An Intertextual Categorization Study. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2023, 298 p. – ISBN 9781646022410.

Ḥesed (solidariedade, amor, fidelidade) denota um conceito importante na Bíblia Hebraica que é relevante para os relacionamentos interpessoais em todas as gerações.NELSON, K. Ḥesed and the New Testament: An Intertextual Categorization Study. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2023 Neste livro, Karen Nelson investiga as abordagens do Novo Testamento a esse conceito e o valor exegético de reconhecer tal envolvimento.

Esta investigação usa duas abordagens metodológicas: a intertextualidade, usada para considerar se e como o conceito correspondente ao termo hebraico ḥesed é apropriado no Novo Testamento, e a categorização, usada para analisar e comparar instâncias das categorias ḥsd e ḥsyd nesses corpora.

A obra de Karen Nelson desafia as afirmações de que o conceito correspondente a ḥesed no Novo Testamento é agapē (amor) ou charis (graça). Em vez disso, ela afirma que o significado paralelo é mais provável de ser evocado por eleos (a tradução usual de ḥesed na LXX) ou hosios (a tradução usual de ḥasid na LXX).

Karen Nelson relê perícopes selecionadas do Novo Testamento à luz de ḥesed, concluindo que a presença das categorias ḥsd e ḥsyd destaca o cumprimento e o desenvolvimento da tradição bíblica, a lealdade duradoura de Deus e o ministério exemplar de Jesus. Nesta tradução, ḥsd e ḥsyd criticam a situação sociorreligiosa contemporânea e incentivam a crença, o compromisso duradouro e a mudança adequada de estilos de vida.

Abordando um tópico que abrange a Bíblia Hebraica e o Novo Testamento, este estudo será de interesse para os estudiosos do Novo Testamento e para os estudiosos da Bíblia de forma mais ampla, especialmente aqueles que estão interessados em semântica.

Karen Nelson é ministra ordenada na Igreja Presbiteriana de Aotearoa, Nova Zelândia.

 

Hesedh - solidariedadeḤesed (steadfast love, loyalty, devotion) denotes an important concept in the Hebrew Bible that is relevant to interpersonal relationships in every generation. In this book, Karen Nelson investigates New Testament approaches to that concept and the exegetical value of recognizing such engagement.

This investigation employs an original hybrid of two methodological approaches: intertextuality, used to consider whether and how the concept corresponding to the Hebrew term ḥesed is appropriated in the New Testament, and categorization, used to analyze and compare instances of the categories ḥsd and ḥsyd within those corpora.

Nelson’s work challenges assertions that the concept corresponding to ḥesed in the New Testament is agapē (love) or charis (grace). Rather, she contends that the parallel meaning is more likely to be evoked by eleos (the usual LXX rendering of ḥesed) or hosios (the usual LXX rendering of ḥasid).

Nelson rereads selected New Testament pericopes in light of ḥesed, concluding that the presence of the categories ḥsd and ḥsyd highlights the fulfillment andMisericórdia development of scriptural tradition, the enduring devotion of God, and the exemplary ministry of Jesus. In this rendering, ḥsd and ḥsyd critique the contemporary socioreligious situation and encourage belief, enduring commitment, and appropriately changed lifestyles.

Addressing a topic that spans the Hebrew Bible and the New Testament, this study will be of interest to New Testament scholars and to biblical scholars more widely, especially those who are interested in semantics.

Karen Nelson is an ordained minister in the Presbyterian Church of Aotearoa New Zealand.

Mês da Bíblia 2023: sobre a Carta aos Efésios

SEGANFREDO, A. C.; BAQUER, V. P.; SILVANO, Z. A. Carta aos Efésios: “É pela graça que fostes salvos!” (Ef 2,5). São Paulo: Paulinas, 2023, 160 p. – ISBN 9786558082217.

A Carta aos Efésios destaca-se pela sua densidade teológica, cristológica e pneumatológica, e de forma especial pela concepção de Igreja (eclesiologia).

A parteSEGANFREDO, A. C.; BAQUER, V. P.; SILVANO, Z. A. Carta aos Efésios: “É pela graça que fostes salvos!” (Ef 2,5). São Paulo: Paulinas, 2023, 160 p. parenética exorta a comunidade, formada pelos(as) batizados(as), tanto oriundos da cultura judaica como da gentílica, a manterem a unidade na diversidade; a agirem eticamente, tendo Cristo como o princípio normativo; a comportarem-se como filhos da luz; a revestirem-se da “nova humanidade” em Cristo, a mudarem as relações familiares e sociais, deixando-se guiar pelo Espírito, a fim de poder vencer tudo o que é o antirreino.

Antônio César Seganfredo é missionário scalabriniano, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino (Roma), com especialização pela École Biblique et Archéologique de Jerusalém. É professor de Novo Testamento e diretor administrativo do Instituto Teológico São Paulo (ITESP), bem como secretário da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB 2023-2024).

Vinicius Pimentel Baquer é presbítero do clero da Diocese de Diamantino (MT); bacharel em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Teologia (FAJE) (Belo Horizonte/MG) e mestre em Teologia pela PUCRS (Porto Alegre/RS).

Zuleica Aparecida Silvano é irmã paulina, mestra em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Teologia (FAJE) (Belo Horizonte/MG). É assessora no Serviço de Animação Bíblia/Paulinas (SAB), responsável pelo subsídio do Mês da Bíblia, por Paulinas; professora no Departamento de Teologia da FAJE; membra da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB); da Comissão Bíblica do CEBITEPAL (CELAM) e da equipe interdisciplinar da CRB.

Mês da Bíblia 2023 na Vida Pastoral

Vida Pastoral n. 353, setembro-outubro de 2023

Diz o Editorial:

No tempo em que a carta aos Efésios foi escrita, o Império Romano impunha a mão pesada sobre as populações dominadas, sem nenhuma compaixão. Os efésios viviamVida Pastoral n. 353, setembro-outubro de 2023 sob aquele regime desumano. Por isso, a expressão “vestir-se da nova humanidade” (Ef 4,24) é apelo a um estilo de vida contrário ao imposto pela tirania do imperador. “Não vos comporteis como os pagãos: com suas ideias vãs, com razão obscurecida, afastados da vida de Deus, por sua ignorância e dureza de coração” (Ef 4,17-18).

Vestir-se da nova humanidade é se contrapor às durezas de coração do império e cultivar os afetos. São os afetos que humanizam e edificam a vida. “Sede amáveis e compassivos uns com os outros” (Ef 4,32). Enquanto o palácio se pautava na violência, na força das armas e na ostentação do poder, os efésios deveriam insistir na humanização, na solidariedade e no respeito mútuo. “Quem roubava não roube mais; ao contrário, trabalhe e se afadigue com as próprias mãos para ganhar alguma coisa e estar em condição de socorrer a quem tem necessidade” (Ef 4,28).

Vestir-se da nova humanidade é opor-se à violência do império. Os efésios, “enraizados e alicerçados no amor” (Ef 3,17), são vocacionados à construção de um mundo novo: “com toda a humildade e modéstia, com paciência, suportando-vos mutuamente com amor, esforçando-vos por manter a unidade do espírito com o vínculo da paz” (Ef 4,2-3). Não a pax romana, mas a paz que é dom do Ressuscitado (Lc 24,36). Paz que supera o medo, a indiferença e toda espécie de injustiça.

Vestir-se da nova humanidade é não compactuar com os sistemas que disseminam o ódio, a mentira e o preconceito. De acordo com a carta aos Efésios, a comunidade deve ser sinal de lucidez em uma sociedade marcada pelas “obras estéreis das trevas” (Ef 5,11). Cabe aos discípulos e discípulas terem os olhos fixos em Jesus, a fim de não se deixarem enganar “com discursos vazios” (Ef 5,6). Uma comunidade verdadeiramente comprometida com o Evangelho não se deixa corromper com o fermento da hipocrisia. Conhecendo a verdade, a mente e o coração do discípulo evitam todo e qualquer fanatismo. “Comportai-vos como filhos da luz. Fruto da luz é toda bondade, justiça e verdade” (Ef 5,8-9).

Vestir-se da nova humanidade é comunicar a Boa Notícia, respeitando a diversidade e construindo pontes ao invés de muros. Como ensina o autor da carta aos Efésios, a vocação da comunidade consiste em incluir, agregar ao corpo de Cristo, todos os afastados: “por meio da Boa Notícia, os pagãos compartilham a herança e as promessas de Jesus Cristo e são membros do mesmo corpo. A mim, o último dos consagrados, foi concedida esta graça: anunciar aos pagãos a Boa Notícia, a riqueza insondável do Messias, e iluminar o segredo que Deus, criador do universo, guardava havia séculos” (Ef 3,6.8-9).

Vestir-se da nova humanidade é ter um olhar de esperança para o mundo, ainda que este mundo pareça não ter saída. Esta edição de Vida Pastoral é um convite ao leitor para a contemplação e o aprofundamento da cristologia e eclesiologia presentes em Efésios: “Um é o corpo, um o Espírito, assim como uma é a esperança a que fostes chamados” (Ef 4,4).

Nossa missão tem seu fundamento no Evangelho. Para nos contrapormos aos impérios de hoje, nossos rins estejam cingidos com a verdade, estejamos revestidos com a couraça da justiça e calçados com as sandálias da prontidão para o Evangelho da paz (Ef 6,14-15). O Espírito Santo nos guie na missão.

O uso do Antigo Testamento no Novo Testamento

HENZE, M.; LINCICUM, D. (eds.) Israel’s Scriptures in Early Christian Writings: The Use of the Old Testament in the New. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2023, 1166 p. – ISBN 9780802874443.

Como os autores do Novo Testamento usaram as Escrituras de Israel?HENZE, M.; LINCICUM, D. (eds.) Israel's Scriptures in Early Christian Writings: The Use of the Old Testament in the New. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2023, 1166 p.

Uso, mau uso, apropriação, citação, alusão, inspiração — como caracterizamos as múltiplas imagens, paráfrases e citações das Escrituras judaicas que permeiam o Novo Testamento?

Nas últimas décadas, os estudiosos abordaram a questão com uma variedade de metodologias. Os autores do Novo Testamento faziam parte de um cenário mais amplo de leitores judeus interpretando as Escrituras. Estudos recentes têm procurado entender as várias técnicas de composição dos primeiros cristãos que compuseram o Novo Testamento nesse contexto e nos próprios termos dos autores.

Nesta coleção de ensaios, Matthias Henze e David Lincicum coordenam um grupo internacional de renomados estudiosos para analisar o Novo Testamento, texto por texto, com o objetivo de entender melhor quais papéis as Escrituras de Israel desempenham nele. Além de explicar cada livro, os ensaístas também percorrem os textos para mapear os conceitos centrais mais importantes, como o messianismo, as alianças e o fim dos tempos.

Uma história de recepção cuidadosamente construída de ambos os testamentos completa o volume.

Matthias Henze é Professor de Religião na Universidade Rice, Houston, Texas, USA.

David Lincicum é Professor de Novo Testamento e Estudos Cristãos Primitivos na Universidade de Notre Dame, Indiana, USA.

 

How did New Testament authors use Israel’s Scriptures?

Use, misuse, appropriation, citation, allusion, inspiration—how do we characterize the manifold images, paraphrases, and quotations of the Jewish Scriptures that pervade the New Testament? Over the past few decades, scholars have tackled the question with a variety of methodologies. New Testament authors were part of a broader landscape of Jewish readers interpreting Scripture. Recent studies have sought to understand the various compositional techniques of the early Christians who composed the New Testament in this context and on the authors’ own terms.

In this landmark collection of essays, Matthias Henze and David Lincicum marshal an international group of renowned scholars to analyze the New Testament, text-by-text, aiming to better understand what roles Israel’s Scriptures play therein. In addition to explicating each book, the essayists also cut across texts to chart the most important central concepts, such as the messiah, covenants, and the end times. Carefully constructed reception history of both testaments rounds out the volume.

Comprehensive and foundational, Israel’s Scriptures in Early Christian Writings will serve as an essential resource for biblical scholars for years to come.

Contributors: Garrick V. Allen, Michael Avioz, Martin Bauspiess, Richard J. Bautch, Ian K. Boxall, Marc Zvi Brettler, Jaime Clark-Soles, Michael B. Cover, A. Andrew Das, Susan Docherty, Paul Foster, Jörg Frey, Alexandria Frisch, Edmon L. Gallagher, Gabriella Gelardini, Jennie Grillo, Gerd Häfner, Matthias Henze, J. Thomas Hewitt, Robin M. Jensen, Martin Karrer, Matthias Konradt, Katja Kujanpää, John R. Levison, David Lincicum, Grant Macaskill, Tobias Nicklas, Valérie Nicolet, Karl-Wilhelm Niebuhr, George Parsenios, Benjamin E. Reynolds, Dieter T. Roth, Dietrich Rusam, Jens Schröter, Claudia Setzer, Elizabeth Evans Shively, Michael Karl-Heinz Sommer, Angela Standhartinger, Gert J. Steyn, Todd D. Still, Rodney A. Werline, Benjamin Wold, Archie T. Wright

Table of Contents

Acknowledgments
List of Abbreviations
Introduction, by Matthias Henze and David Lincicum

Part I: Contexts
1. What Were the “Scriptures” in the Time of Jesus?, by Edmon L. Gallagher
2. Israel’s Scriptures in the Hebrew Bible, by Marc Zvi Brettler
3. Israel’s Greek Scriptures and Their Collection in the Septuagint, by Martin Karrer
4. Israel’s Scriptures in Early Jewish Literature, by Grant Macaskill
5. Israel’s Scriptures in the Dead Sea Scrolls, by Susan Docherty
6. Israel’s Scriptures in Philo and the Alexandrian Jewish Tradition, by Michael B. Cover
7. Israel’s Scriptures in Josephus, by Michael Avioz

Part II: Israel’s Scriptures in the New Testament
A. The Gospels and Acts
8. Israel’s Scriptures in Matthew, by Matthias Konradt
9. Israel’s Scriptures in Mark, by Elizabeth Evans Shively
10. Israel’s Scriptures in Luke, by Martin Bauspiess
11. Israel’s Scriptures in John, by Jaime Clark-Soles
12. Israel’s Scriptures in Acts, by Dietrich Rusam
B. The Apostle Paul
13. Israel’s Scriptures in Romans, by Jens Schröter
14. Israel’s Scriptures in 1 and 2 Corinthians, by Katja Kujanpää
15. Israel’s Scriptures in Galatians, by A. Andrew Das
16. Israel’s Scriptures in Ephesians and Colossians, by Paul Foster
17. Israel’s Scriptures in Philippians and Philemon, by Angela Standhartinger
18. Israel’s Scriptures in 1 and 2 Thessalonians, by Todd D. Still
19. Israel’s Scriptures in the Pastoral Epistles, by Gerd Häfner
C. Hebrews and the Catholic Letters
20. Israel’s Scriptures in Hebrews, by Gabriella Gelardini
21. Israel’s Scriptures in James, by Karl-Wilhelm Niebuhr
22. Israel’s Scriptures in 1 Peter, Jude, and 2 Peter, by Jörg Frey
23. Israel’s Scriptures in the Johannine Letters, by George Parsenios
D. The Book of Revelation
24. Israel’s Scriptures in the Revelation of John, by Ian K. Boxall

Part III: Themes and Topics from Israel’s Scriptures in the New Testament
25. God, by Archie T. Wright
26. Messiah, by J. Thomas Hewitt
27. Holy Spirit, by John R. Levison
28. Covenant, by Richard J. Bautch
29. Law, by Claudia Setzer
30. Wisdom, by Benjamin Wold
31. Liturgy and Prayer, by Rodney A. Werline
32. Eschatology, by Garrick V. Allen

Part IV: Tracing Israel’s Scriptures
33. Deuteronomy in the New Testament, by Gert J. Steyn
34. Isaiah in the New Testament, by Benjamin E. Reynolds
35. The Psalms in the New Testament, by Matthias Henze
36. Daniel in the New Testament, by Alexandria Frisch and Jennie Grillo
37. Figures of Ancient Israel in the New Testament, by Valérie Nicolet

Part V: Israel’s Scriptures in Early Christianity Outside the New Testament
38. Israel’s Scriptures in the Apocryphal Gospels, by Tobias Nicklas
39. Israel’s Scriptures in the Apocryphal Apocalypses, by Michael Karl-Heinz Sommer
40. Israel’s Scriptures in the Adversus Judaeos Literature, by David Lincicum
41. Israel’s Scriptures in Marcion and the Critical Tradition, by Dieter T. Roth
42. Israel’s Scriptures in Early Christian Pictorial Art, by Robin M. Jensen

List of Contributors
Indexes

Paulo: o homem e o mito

ROETZEL, C. J.; FERGUSON C. E. Paul: The Man and the Myth, Revised and Expanded Edition. Minneapolis: Fortress Press, 2023, 394 p. – ISBN 9781506486383.

Paul: The Man and the Myth abre uma janela para a humanidade do apóstolo mais influente da igreja cristã primitiva e, ao fazê-lo, oferece uma nova visão dessaROETZEL, C. J.; FERGUSON C. E. Paul: The Man and the Myth, Revised and Expanded Edition. Minneapolis: Fortress Press, 2023. importante figura histórica.

Ao examinar o apóstolo e sua teologia, Calvin J. Roetzel retrata vividamente o mundo de Paulo – a terra onde ele cresceu, a língua que ele falava, as Escrituras que ele estudou e as lições que aprendeu na escrita de cartas e na retórica.

Roetzel apresenta um evangelista preocupado com o bem-estar de suas igrejas, um teólogo enfrentando forte oposição, um missionário à mercê dos elementos e um homem sofrendo agressão física, calúnia e prisão.

Em contraste com o poderoso herói descrito em Atos e nos Atos Apócrifos, o retrato de Roetzel apresenta um teólogo fisicamente fraco, até mesmo doente, um escritor de cartas e um pregador inábil na fala.

Questionando a historicidade das crenças amplamente difundidas sobre o apóstolo – incluindo sua cidadania romana – Roetzel sugere que Paulo nunca abandonou os laços com seu judaísmo nativo ou com a cultura helenística de sua infância.

Roetzel ressalta que não importa como a imagem de Paulo mudou ao longo da história, ele permanece para sempre ligado ao apoio aos fracos e vulneráveis, à fé em um Deus e à transgressão dos limites sociais.

A primeira edição deste livro é de 1998. Veja aqui outras obras de Calvin J. Roetzel.

Calvin J. Roetzel é professor emérito de Estudos do Novo Testamento na Universidade de Minnesota em Minneapolis. Ele é uma conhecida autoridade em Paulo.

 

Paul: The Man and the Myth opens a window into the humanity of the most influential apostle of the early Christian church and, in doing so, offers a fresh view of this important historical figure. In examining the apostle and his theology, Calvin J. Roetzel vividly depicts Paul’s world–the land where he grew up, the language he spoke, the Scriptures he studied, and the lessons he learned in letter-writing and rhetoric. Roetzel presents an evangelist anxious about the welfare of his churches, a theologian facing fierce opposition, a missionary at the mercy of the elements, and a man suffering physical assault, slander, and imprisonment. In contrast to the powerful hero described in Acts and the Apocryphal Acts, Roetzel’s portrayal presents a physically weak, even sickly theologian, a letter-writer, and a preacher unskilled in speech. Questioning the historicity of widely held beliefs about the apostle–including his Roman citizenship–Roetzel suggests that Paul never abandoned ties to his native Judaism or to the Hellenistic culture of his childhood. Roetzel underscores that no matter how Paul’s image has changed through history, he remains forever tied to support for the weak and vulnerable, faith in one God, and the transgressing of social boundaries.

Calvin J. Roetzel is Sundet Professor Emeritus of New Testament Studies at the University of Minnesota in Minneapolis. He is a noted authority on Paul.