O que aconteceu com a cruz em que Jesus morreu?

O que aconteceu com a cruz em que Jesus morreu? – Alejandro Millán Valencia: BBC News Mundo

Segundo a história em que os cristãos se baseiam, Jesus de Nazaré morreu crucificado por ordem do então prefeito romano da Judeia, Pôncio Pilatos.

A jornada dele até aquela morte — uma série de episódios conhecida como Paixão de Cristo — é um dos elementos centrais das comemorações da Semana Santa.

A crucificação é tão simbólica para o Cristianismo que a cruz acabou se tornando o símbolo das religiões que professam devoção à figura de Jesus Cristo.

Mas o que aconteceu com a cruz original?

Dezenas de mosteiros e igrejas em todo o mundo afirmam ter pelo menos um pedaço da chamada “verdadeira cruz” nos altares, para louvor dos seus fiéis.

E muitos deles baseiam a veracidade da origem dessas relíquias em textos dos séculos 3 e 4, que narram a descoberta em Jerusalém do pedaço de madeira onde Jesus Cristo foi executado pelos romanos.

“Essa história, que inclui o imperador romano Constantino e a mãe dele, Helena, foi o ponto inicial dessa trajetória da cruz de Cristo, que sobrevive até hoje”, explica Candida Moss, professora de História dos Evangelhos e Cristianismo Primitivo da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

Ela baseia-se nos escritos de historiadores antigos como Gelásio de Cesareia e Tiago de Vorágine. Mas, para muitos historiadores de hoje, eles não determinam a autenticidade dos pedaços de madeira que vemos em vários templos ao redor do mundo — nem podem servir como confirmação da origem dessas relíquias.

“É muito provável que aquele pedaço de madeira não seja a cruz onde Jesus foi crucificado, porque muitas coisas poderiam ter acontecido com esse objeto. Por exemplo, os romanos podem tê-lo reutilizado para outra crucificação, em outro lugar e com outras pessoas”, raciocina Moss.

Mas, então, como surgiu a história da “verdadeira cruz” e por que existem tantas peças que supostamente fazem parte da madeira “original”?

“(Isso se deve ao) desejo de ter uma proximidade física com algo que acreditamos”, responde o historiador Mark Goodacre, especialista em Novo Testamento da Universidade Duke, nos Estados Unidos.

“As relíquias cristãs são mais um desejo do que algo verdadeiro”, diz ele.

Mas, então, como surgiu a história da “verdadeira cruz” e por que existem tantas peças que supostamente fazem parte da madeira “original”?

“(Isso se deve ao) desejo de ter uma proximidade física com algo que acreditamos”, responde o historiador Mark Goodacre, especialista em Novo Testamento da Universidade Duke, nos Estados Unidos.

“As relíquias cristãs são mais um desejo do que algo verdadeiro”, diz ele.

 

A lenda dourada

Na narrativa do Evangelho, após a morte de Jesus na cruz, o corpo dele foi levado para um túmulo onde hoje é a Cidade Velha de Jerusalém.

E, durante quase 300 anos, não houve menção alguma ao pedaço de madeira usado na crucificação.

Foi por volta do século 4 que o bispo e historiador Gelásio de Cesareia publicou um relato em seu livro A História da Igreja sobre a descoberta em Jerusalém da “verdadeira cruz” por Helena, uma santa da Igreja Católica.

Helena também era mãe do imperador romano Constantino, que impôs o Cristianismo como religião oficial do império.

A história, referenciada por outros historiadores e por escritores como Tiago de Voragine no livro Lenda Dourada, do século 13, indica que Helena, enviada pelo filho para encontrar a cruz de Cristo, foi levada para um local próximo do Monte Gólgota, onde Jesus foi supostamente crucificado. Havia ali três cruzes.

Algumas versões indicam que Helena, ao duvidar de qual seria a cruz verdadeira, colocou uma mulher doente próxima de cada uma das cruzes — e aquela que curou a mulher foi considerada a autêntica.

Outros historiadores afirmam que a “cruz verdadeira” foi reconhecida porque era a única das três que apresentava sinais de ter sido usado para uma crucificação com pregos — segundo o Evangelho de João, Jesus foi o único que foi crucificado com esse método naquele dia.

“Toda essa história faz parte do desejo por relíquias que começou a ocorrer no cristianismo durante os séculos 3 e 4”, contextualiza Goodacre.

O acadêmico destaca que os primeiros cristãos não tinham como foco a busca ou a preservação desse tipo de objeto como fonte de devoção.

“Nenhum cristão durante o primeiro século colecionava relíquias de Jesus”, destaca ele.

“À medida que o tempo passou e o cristianismo se expandiu pelo mundo naquela época, os seguidores da religião começaram a criar formas de ter alguma conexão física com a pessoa que consideram o salvador”, acrescenta o acadêmico.

A origem da busca por essas relíquias tem muito a ver com os mártires.

Segundo historiadores, o culto aos santos começou a ser uma tendência dentro da Igreja Católica. Desde cedo, por exemplo, se estabeleceu que os ossos dos mártires eram evidências do “poder de Deus operando no mundo”, pois eles supostamente produziam milagres que “provavam” a eficácia da fé.

E, como Jesus ressuscitou, não foi possível procurar os ossos dele: segundo a Bíblia, depois de três dias no túmulo, o regresso de Cristo à vida e a posterior “ascensão ao céu” foram corporais.

Com isso, só restaram os objetos, como a cruz e a coroa de espinhos, entre outros.

“Esse período de tempo, quase três séculos após a morte de Jesus, é o que torna improvável que os objetos encontrados em Jerusalém, como a cruz onde ele morreu ou a coroa de espinhos, sejam autênticos”, observa Goodacre. .

“Se isso tivesse sido feito pelos primeiros cristãos, que tiveram um contato mais próximo com os acontecimentos, poderíamos falar na possibilidade de que fossem reais, mas não foi assim que aconteceu.”

 

Relíquias para encher um navio

Parte da cruz entregue à missão capitaneada por Helena foi levada para Roma (o outro pedaço permaneceu em Jerusalém). Segundo a tradição, grande parte dos restos de madeira está preservada na Basílica de Santa Cruz, na capital italiana.

Com o “descobrimento” e a expansão do cristianismo pela Europa durante a Idade Média, a cruz se tornou o símbolo universal da religião. Nesse período, iniciou-se também a multiplicação de fragmentos da cruz, que foram parar em outros templos.

Esses pedaços são conhecidos como lignum crucis (“madeira da cruz”, em latim).

Além da Basílica da Santa Cruz, as catedrais de Cosenza, Nápoles e Gênova, na Itália, o mosteiro de Santo Turíbio de Liébana (que tem a peça maior), Santa Maria dels Turers e a Basílica de Vera Cruz, na Espanha, afirmam ter um fragmento do tronco onde Jesus Cristo foi executado.

A Abadia de Heiligenkreuz, na Áustria, também guarda uma peça. Outro segmento muito importante está na Igreja da Santa Cruz, em Jerusalém.

Junto com as evidências físicas, os concílios de Niceia, no século 4, e de Trento, no século 16, deram validade espiritual à devoção destas relíquias.

Um tratado católico de 1674 afirma: “O sentido religioso do povo cristão encontrou, em todos os tempos, uma expressão em formas variadas de piedade em torno da vida sacramental da Igreja com a veneração das relíquias.”

Esses registros também indicam que as próprias relíquias não são “objetos de salvação”, mas meios para alcançar intercessão e “benefícios por meio de Jesus Cristo, seu Filho, nosso Senhor, que é nosso redentor e salvador”.

Da mesma forma, a multiplicidade de fragmentos foi questionada na época por diversos pensadores.

O teólogo francês João Calvino destacou no século 16, em meio a um boom no tráfico de relíquias onde pedaços da chamada “verdadeira cruz” foram espalhados por igrejas e mosteiros, que, “se quiséssemos recolher tudo o que foi encontrado (da cruz), haveria o suficiente para encher um grande navio”.

No entanto, esta afirmação foi posteriormente refutada por vários teólogos e cientistas ao longo da História.

Recentemente, Baima Bollone, professor da Universidade de Turim, na Itália, destacou num estudo que, se todos os fragmentos que afirmam fazer parte da cruz de Cristo fossem reunidos, “só conseguiríamos restaurar 50% do tronco principal”.

 

Veracidade

“É muito provável que Helena tenha encontrado um pedaço de madeira, mas o que também é muito provável é que alguém o tenha colocado naquele local para dar ideia de que aquela era a cruz onde Jesus morreu”, pondera Moss.

O acadêmico indica que há outra dificuldade em comprovar se estas peças realmente pertenceram, pelo menos, a uma crucificação ocorrida no tempo de Cristo.

“Por exemplo, a datação por carbono, que seria uma das primeiras coisas a se fazer num caso desses, é cara. Uma igreja de porte médio não tem fundos para realizar este tipo de trabalho”, diz ele.

Mesmo que fosse possível financiar tal estudo, a investigação pode afetar a integridade da relíquia.

“A datação por carbono é considerada intrusiva e um tanto destrutiva. Mesmo que seja necessária apenas cerca de 10 miligramas de madeira, esse processo ainda envolve o corte de um objeto sagrado”, observa Moss.

Em 2010, o pesquisador americano Joe Kickell, membro do Comitê de Investigação Cética, conduziu um estudo para determinar a origem das lascas que eram consideradas parte da “verdadeira cruz”.

“Não há uma única evidência que apoie que a cruz encontrada por Helena em Jerusalém, ou por qualquer outra pessoa, venha da verdadeira cruz onde Jesus morreu”, escreveu Kickell num artigo.

Tanto para Moss quanto para Goodacre, a possibilidade de encontrar a verdadeira cruz de Cristo é muito remota.

“Teríamos que fazer um trabalho arqueológico, não teológico. E, mesmo assim, seria muito improvável encontrar uma madeira de mais de dois milênios atrás”, especula Goodacre.

Nesse sentido, para Moss as dificuldades vêm até do objeto a ser procurado.

“Tanto em grego como em latim, a palavra cruz se refere a uma árvore ou a uma vara vertical onde se praticava tortura”, explica o historiador.

“Ou seja, possivelmente estamos falando de um único pedaço de madeira ou estaca, — e não do símbolo que conhecemos atualmente”, conclui ele.

Fonte: BBC News Brasil – 30.03.2024

Introdução aos livros históricos

ABADIE, P. Os livros históricos. São Paulo: Loyola, 2024, 150 p. – ISBN 9786555042931.

Sobre a coleção ABC da Bíblia:ABADIE, P. Os livros históricos. São Paulo: Loyola, 2024, 150 p.

Trata-se de uma verdadeira “caixa de ferramentas” que ajudará o leitor a fazer uma leitura sistemática e esclarecida dos livros da Bíblia. Cada volume desta coleção identifica o autor, ou autores, de determinado livro bíblico ou de um conjunto de escritos, apresenta seu contexto histórico, cultural e redacional, analisa-o literariamente, mostra sua estrutura, resume-o, aborda seus grandes temas, estuda sua recepção, influência e atualidade, e fornece um léxico de lugares e pessoas, tabelas cronológicas, mapas e bibliografia.

O original foi publicado em francês em 2020.

Philippe Abadie é doutor em Teologia e em História das Religiões, professor de exegese bíblica na Universidade Católica de Lyon, França.

Notas sobre o começo da arqueologia na Mesopotâmia

Esta é uma tradução do capítulo 4 de CLINE, E. H. Archaeology: An Introduction to the World’s Greatest Sites. Chantilly, Virginia: The Great Courses, 2016. O título do capítulo é Early Archaeology in Mesopotamia. O texto original em inglês é transcrito, no final, na íntegra.

O local da antiga cidade de Ur está situado às margens do rio Eufrates, no atual Iraque, ao norte de onde o rio deságua no Golfo Pérsico. Esta é a região conhecida comoCLINE, E. H. Archaeology: An Introduction to the World’s Greatest Sites. Chantilly, Virginia: The Great Courses, 2016 antiga Mesopotâmia, nome que significa “entre os rios” – isto é, o Tigre e o Eufrates. Ur era um local famoso na antiguidade, com todas as características típicas de uma cidade mesopotâmica da Idade do Bronze, incluindo estruturas religiosas conhecidas como zigurates. A partir de 1922, o local foi escavado por Sir Leonard Woolley e seu braço direito, Max Mallowan. Mas foi só na quinta temporada de campo, em 1926-1927, que começaram a escavar o cemitério no local – os famosos Poços da Morte de Ur, que chamaram a atenção da Europa.

Cemitério real de Ur

:. Entre 1927 e 1929, Sir Leonard Woolley e Max Mallowan descobriram 16 sepulturas reais em Ur. Os enterros reais datam de cerca de 2500 a.C. e eram bastante impressionantes em comparação com muitos outros túmulos encontrados no cemitério de Ur. Cada tumba geralmente tinha uma câmara de pedra, abobadada ou em forma de cúpula, onde o corpo real era colocado. A câmara ficava no fundo de um poço profundo, cujo acesso só era possível através de uma rampa íngreme vinda da superfície. Bens preciosos foram encontrados principalmente na câmara mortuária com o corpo, enquanto veículos com rodas, bois e servidores foram encontrados tanto na câmara quanto na cova externa.

:. Numerosos servidores foram encontrados nos Poços da Morte: uma tumba tinha mais de 70 corpos que foram com seu senhor ou senhora para a vida após a morte. A maioria eram mulheres, mas os homens também estavam presentes. Woolley presumiu que eles haviam bebido veneno depois de descerem a rampa até o poço, mas tomografias computadorizadas de alguns dos crânios feitas em 2009 indicam que pelo menos algumas dessas pessoas foram mortas por terem um instrumento afiado enfiado em suas cabeças logo abaixo e atrás da orelha. A morte teria sido instantânea.

:. Os bens funerários que Woolley e Mallowan encontraram com os corpos reais eram surpreendentes, apesar do fato de muitos túmulos terem sido saqueados naJogo Real de Ur - The Royal Game of Ur (The British Museum) antiguidade. Entre os achados estavam tiaras de ouro, joias de ouro e lápis-lazúli, adagas de ouro e eletro e um capacete de ouro. Havia também esculturas delicadas, os restos de uma harpa de madeira com incrustações de marfim e lápis-lazúli e uma caixa de madeira com incrustações que Woolley chamou de Estandarte de Ur.

Henry Rawlinson e Paul-Émile Botta

:. Entre os primeiros estudiosos e arqueólogos modernos que trabalharam na Mesopotâmia estava Sir Henry Rawlinson, que ajudou a decifrar e traduzir a escrita cuneiforme na década de 1830. Cuneiforme é um sistema de escrita em forma de cunha usado para escrever acádico, babilônico, hitita, persa antigo e outras línguas no Estandarte de Ur, criado em 2600 a.C. e descoberto em 1927-28 - British Museumantigo Oriente Médio.

. Rawlinson, que era um oficial do exército britânico destacado no que hoje é o Irã, desvendou o segredo do cuneiforme traduzindo uma inscrição trilíngue escrita em persa antigo, elamita e babilônico. Dario, o Grande, da Pérsia, havia esculpido a inscrição 120 metros acima do solo do deserto, na face de um penhasco no local de Behistun, por volta de 519 a.C.

. Em 1837, cerca de 10 anos antes de a cópia de toda a inscrição ser concluída, Rawlinson descobriu como ler os dois primeiros parágrafos da parte escrita em persa antigo. Segundo consta, ele levou mais 20 anos para decifrar as partes babilônicas e elamitas da inscrição e ler tudo com sucesso.

. Ao longo do caminho, porém, Rawlinson conseguiu usar seu conhecimento de cuneiforme para começar a traduzir algumas das inscrições que o arqueólogo britânico Sir Austen Henry Layard estava encontrando em suas escavações no que hoje é o Iraque. Na verdade, Rawlinson conseguiu confirmar que Layard havia encontrado dois locais antigos que, até então, eram conhecidos apenas pela Bíblia.

A Inscrição de Behistun, Irã - Do reinado de Dario I, rei da Pérsia de 522 a 486 a.C.

 

:. Paul-Émile Botta foi um arqueólogo nascido na Itália que trabalhou para os franceses. Em dezembro de 1842, ele iniciou as primeiras escavações arqueológicas já realizadas no que hoje é o Iraque. Os primeiros esforços de Botta concentraram-se nos montes conhecidos como Kuyunjik, que ficam do outro lado do rio da cidade de Mossul. No entanto, ele não encontrou muita coisa lá e rapidamente abandonou seus esforços.

. Por meio de um de seus trabalhadores, Botta soube que algumas esculturas foram encontradas em um local chamado Khorsabad, localizado a cerca de 22 quilômetros ao norte. Em março de 1843, ele começou a escavar ali e, em uma semana, começou a desenterrar um grande palácio assírio.

. A princípio, Botta pensou ter encontrado os restos da antiga Nínive, mas agora sabemos que Khorsabad é o antigo local de Dur Sharrukin, a capital do rei neoassírio Sargão II (721–705 a.C.) .

Austen Henry Layard

:. A partir de 1845, Sir Austen Henry Layard empreendeu seus esforços arqueológicos iniciais em Nimrud, que ele inicialmente pensou ser a antiga Nínive. Surpreendentemente, no primeiro dia de escavação, a sua equipe de seis homens locais encontrou não um, mas dois palácios assírios! Hoje, eles são geralmenteEric H. Cline (1960-) chamados de Palácios do Noroeste e do Sudoeste.

. A partir das inscrições encontradas por Layard, eventualmente ficou claro que o Palácio Noroeste foi construído por Assurnasirpal II (884–859 a.C.), e o Palácio Sudoeste foi construído por Esarhaddon (680–669 a.C.). Mais tarde, um Palácio Central foi descoberto no local, construído por Tiglat-Pileser III (745–727 a.C.). Salmanasar III (858–824 a.C.) também mandou construir edifícios e monumentos no local.

. Layard publicou um livro sobre suas incríveis descobertas em Nimrud. O livro se chamava Nineveh and Its Remains, mas quando as inscrições do local foram finalmente decifradas, eles confirmaram que na verdade era a antiga Kalhu (Calá bíblica), em vez de Nínive.

Escrita cuneiforme. Acontece que Kalhu foi a segunda capital construída pelos assírios, sendo a primeira a própria Assur. Serviu como capital por quase 175 anos, de 879 a 706 a.C. Depois disso, Sargão II mudou a capital para Dur Sharrukin por um breve período, e então Senaquerib mudou-a para Nínive.

:. Em 1849, Layard retornou a Mossul para outra rodada de escavações, mas desta vez, seu foco principal foi Kuyunjik, o monte que Botta havia abandonado sete anos antes. Os homens de Layard começaram imediatamente a desenterrar paredes com relevos e imagens, e a tradução das tabuinhas ali encontradas confirmou que este era o verdadeiro local da antiga Nínive. Quando Layard e várias outras escavadores terminaram, um palácio de Senaquerib (705–681 a.C.) havia sido descoberto, bem como um palácio de Assurbanípal, neto de Senaquerib (668–627 a.C.).

Palácio de Senaquerib em Nínive. Senaquerib, que transferiu a capital assíria de Dur Sharrukin depois de subir ao trono, construiu o que chamou de Palácio sem Rival, em Nínive. Hoje, o palácio é provavelmente mais famoso pela Sala de Laquis. Aqui, Layard encontrou relevos de parede mostrando a captura da cidade de Laquis por Senaquerib em 701 a.C. Naquela época, Laquis era a segunda cidade mais poderosa de Judá. Senaquerib atacou-a antes de sitiar Jerusalém.

. A captura de Laquis é descrita na Bíblia Hebraica, assim como o cerco de Jerusalém. A descoberta de Layard foi uma das primeiras vezes em que um evento da Bíblia pôde ser confirmado por fontes extrabíblicas.

. Escavações do século XX no local de Laquis, onde hoje é Israel, não apenas confirmaram a destruição da cidade por volta de 701 a.C. mas também revelaram uma rampa de cerco assíria, construída com toneladas de terra e rochas e semelhante às rampas retratadas nos relevos de Senaquerib.

. Os relevos de Nínive estão cheios de cenas horríveis, incluindo prisioneiros tendo suas línguas arrancadas e sendo esfolados vivos, junto com cabeças decapitadas exibidas em um poste. É universalmente aceite que os assírios realmente cometeram tais atrocidades, mas a representação deles no palácio de Senaquerib é provavelmente entendida como propaganda – um meio de dissuadir outros reinos de se rebelarem.

:. É importante notar que Layard não era um arqueólogo treinado. Ele frequentemente deixava o meio das salas sem escavar e não estava particularmente interessado em nenhuma cerâmica que seus homens descobriam. Ele estava, no entanto, interessado nos painéis inscritos que compunham as paredes das salas, bem como nas estátuas colossais. Muitos deles foram enviados para o Museu Britânico, onde podem ser vistos hoje.

Escavações continuadas

:. Em 1853, Hormuzd Rassam, protegido e sucessor de Layard em Nínive, descobriu o palácio de Assurbanípal, literalmente debaixo do nariz do sucessor de Botta, Victor Place, que estava cavando no mesmo local.

. Rassam e seus homens cavaram secretamente por três noites seguidas no território disputado no monte. Quando suas trincheiras revelaram pela primeira vez asTabuinhas da Biblioteca de Assurbanípal em exposição no Museu Britânico em 2018/19 paredes e esculturas do palácio, Place não pôde fazer nada além de parabenizá-los por suas descobertas.

. Dentro do palácio, Rassam encontrou uma enorme biblioteca de textos cuneiformes, assim como Layard havia feito anteriormente no palácio de Senaquerib. Na verdade, é geralmente considerado que os arquivos do Estado estavam divididos entre os dois palácios, apesar de estarem separados por duas gerações. Além de documentos estatais, Rassam encontrou textos religiosos, científicos e literários, incluindo cópias da Epopeia de Gilgámesh e da história do dilúvio na Babilônia.

:. Em 1872, quase 20 anos depois de Rassam ter encontrado as tabuinhas pela primeira vez, um homem chamado George Smith trabalhava no Museu Britânico, separando as tabuinhas que Rassam havia enviado de Nínive.

. A certa altura, Smith descobriu um grande fragmento que relatava um grande dilúvio, semelhante ao relato do dilúvio encontrado na Bíblia Hebraica. Quando Smith anunciou sua descoberta em uma reunião da Sociedade de Arqueologia Bíblica em dezembro de 1872, Londres inteira ficou alvoroçada.

. O problema, porém, era que faltava um pedaço grande no meio da tabuinha. Foi prometida uma recompensa a quem procurasse o fragmento desaparecido, e o próprio Smith decidiu aceitar o desafio, embora nunca tivesse estado na Mesopotâmia e não tivesse formação como arqueólogo.

Os relevos de Laquis no British Museum, Londres. Surpreendentemente, apenas cinco dias depois de chegar a Nínive, Smith encontrou a peça que faltava pesquisando na pilha de terra das escavações anteriores. Ele também encontrou cerca de 300 outras peças de tabuinhas de argila que os trabalhadores haviam descartado.

:. As escavações do século XIX em Nimrud, Nínive, Khorsabad, Ur, Babilônia e outros locais deram início a uma era de escavações na região que continua até hoje. Ainda em 1988, descobertas espetaculares foram feitas em Nimrud por arqueólogos iraquianos locais. Eles descobriram os túmulos de várias princesas assírias da época de Assurnasirpal II, do século IX a.C. As escavações estrangeiras foram suspensas no Iraque por volta de 1990, mas estão agora a ser retomadas e poderão levar a descobertas ainda mais emocionantes.

Sobre o autor: Eric H. Cline is professor of classics and anthropology and director of the Capitol Archaeological Institute at George Washington University, Washington, D. C. An active archaeologist, he has excavated and surveyed in Greece, Crete, Cyprus, Egypt, Israel, Jordan, and the United States.

Fonte: CLINE, E. H. Archaeology: An Introduction to the World’s Greatest Sites. Chantilly, Virginia: The Great Courses, 2016. Capítulo 4: Early Archaeology in Mesopotamia.

 

Early Archaeology in Mesopotamia

The site of ancient Ur is situated on the Euphrates River in modern Iraq, north of where the river empties into the Persian Gulf. This is the region known as ancient Mesopotamia, a name that means “between the rivers”—that is, the Tigris and Euphrates. Ur was a site famous in antiquity, with all the typical features of a Bronze Age Mesopotamian city, including religious structures known as ziggurats. Beginning in 1922, the site was excavated by Sir Leonard Woolley and his right-hand man, Max Mallowan. But it wasn’t until the fifth field season, in 1926–1927, that they began digging the cemetery at the site—the famous Death Pits of Ur that had captured the attention of Europe.

Royal Burials at Ur

Prisioneiros judaítas sendo esfolados pelos assírios em Laquis em 701 a. C.:. Between 1927 and 1929, Sir Leonard Woolley and Max Mallowan uncovered 16 royal burials at Ur. The royal burials date to about 2500 B.C. and were quite impressive compared to the many other burials found in the cemetery at Ur. Each tomb usually had a stone chamber, either vaulted or domed, into which the royal body was placed. The chamber was at the bottom of a deep pit, with access possible only via a steep ramp from the surface. Precious grave goods were mostly found in the burial chamber with the body, while wheeled vehicles, oxen, and attendants were found in both the chamber and in the pit outside.

:. Numerous attendants were found in the Death Pits: One tomb had more than 70 bodies that went with their master or mistress into the afterlife. Most of these were women, but men were present, as well. Woolley assumed that they had drunk poison after climbing down the ramp into the pit, but CT scans of some of the skulls done in 2009 indicate that at least some of these people had been killed by having a sharp instrument driven into their heads just below and behind the ear while they were still alive. Death would have been instantaneous.

:. The grave goods that Woolley and Mallowan found with the royal bodies were amazing, despite the fact that many of the graves had been looted in antiquity. Among the finds were gold tiaras, gold and lapis jewelry, gold and electrum daggers, and a gold helmet. There were also delicate sculptures, the remains of a wooden harp with ivory and lapis inlays, and a wooden box with inlays that Woolley dubbed the Standard of Ur.

Henry Rawlinson and Paul-Émile Botta

:. Among the first modern scholars and archaeologists who worked in Mesopotamia was Sir Henry Rawlinson, who helped to decipher and translate cuneiform script in theAusten Henry Layard: 1817-1894 1830s. Cuneiform is a wedge-shaped writing system that was used to write Akkadian, Babylonian, Hittite, Old Persian, and other languages in the ancient Near East.

. Rawlinson, who was a British army officer posted to what is now Iran, cracked the secret of cuneiform by translating a trilingual inscription that was written in Old Persian, Elamite, and Babylonian. Darius the Great of Persia had carved the inscription 400 feet above the desert floor into a cliff face at the site of Behistun in about 519 B.C.

. By 1837, about 10 years before the copying of the entire inscription was completed, Rawlinson had figured out how to read the first two paragraphs of the part that was written in Old Persian. It reportedly took him another 20 years to decipher the Babylonian and Elamite parts of the inscription and successfully read the whole thing.

. Along the way, however, Rawlinson was able to use his knowledge of cuneiform to begin translating some of the inscriptions that British archaeologist Sir Austen Henry Layard was finding at his excavations in what is now Iraq. In fact, Rawlinson was able to confirm that Layard had found two ancient sites that, up until that point, had been known only from the Bible.

:. Paul-Émile Botta was an Italian-born archaeologist who worked for the French. In December 1842, he began the first archaeological excavations ever conducted in what is now Iraq. Botta’s first efforts were concentrated on the mounds known as Kuyunjik, which are across the river from the city of Mosul. However, he didn’t find much there and quickly abandoned his efforts.

Tabuinha com escrita protocuneiforme de Uruk IV, ca. 3200 a.C.. From one of his workmen, Botta learned that some sculptures had been found at a site called Khorsabad, which was located about 14 miles to the north. In March 1843, he began excavating there and, within a week, began to unearth a great Assyrian palace.

. At first, Botta thought that he had found the remains of ancient Nineveh, but now we know that Khorsabad is the ancient site of Dur Sharrukin, the capital city of the Neo-Assyrian king Sargon II (r. 721–705 B.C.).

Austen Henry Layard

:. Beginning in 1845, Sir Austen Henry Layard undertook his initial archaeological efforts at Nimrud, which he first thought was ancient Nineveh. Amazingly, on the first day of digging, his team of six local men found not one but two Assyrian palaces! Today, they are usually called the Northwest and Southwest Palaces.

. From the inscriptionsTiglat-Pileser III, rei da Assíria (745-727 a.C.) Layard found, it eventually became clear that the Northwest Palace was built by Assurnasirpal II (r. 884–859 B.C.), and the Southwest Palace was built by Esarhaddon (r. 680–669 B.C.). Later, a Central Palace was discovered at the
site, built by Tiglath-Pileser III (r. 745–727 B.C.). Shalmaneser III (r. 858–824 B.C.) also had buildings and monuments constructed at the site.

. Layard published a book about his amazing discoveries at Nimrud. The book was called Nineveh and Its Remains, but when the inscriptions from the site were finally deciphered, they confirmed that it was actually ancient Kalhu (biblical Calah), rather than Nineveh.

. As it turns out, Kalhu was the second capital city established by the Assyrians, the first being Assur itself. It served as their capital for almost 175 years, from 879 to 706 B.C. After that, Sargon II moved the capital to Dur Sharrukin for a brief period, and then Sennacherib moved it to Nineveh.

Senaquerib, rei da Assíria de 705 a 681 a.C.

:. In 1849, Layard returned to Mosul for another round of excavations, but this time, his primary focus was Kuyunjik, the mound that Botta had abandoned seven years earlier. Layard’s men immediately began unearthing walls with reliefs and images, and translation of the tablets found there confirmed that this was the actual site of ancient Nineveh. By the time Layard and several other excavators were done, a palace of Sennacherib (r. 704–681 B.C.) had been uncovered, as well as a palace of Assurbanipal, Sennacherib’s grandson (r. 668–627 B.C.).

 

. Sennacherib, who had moved the Assyrian capital from Dur Sharrukin after he came to the throne, built what he called the Palace without Rival at Nineveh. Today, the palace is probably most famous for the Lachish Room. Here, Layard found wall reliefs showing Sennacherib’s capture of the city of Lachish in 701 B.C. At that time, Lachish was the second most powerful city in Judah; Sennacherib attacked it before proceeding on to besiege Jerusalem.

. The capture of Lachish is described in the Hebrew Bible, as is the siege of Jerusalem. Layard’s discovery was one of the first times that an event from the Bible could be confirmed by extrabiblical sources.

. Twentieth-century excavations at the site of Lachish, in what is now Israel, not only confirmed the destruction of the city in about 701 B.C. but also revealed an AssyrianAssurbanípal, rei da Assíria (668-627 a.C.) siege ramp, built of tons of earth and rocks and looking similar to ramps depicted in Sennacherib’s reliefs.

. The Nineveh reliefs are full of gruesome scenes, including captives having their tongues pulled out and being flayed alive, along with decapitated heads displayed on a pole. It is universally accepted that the Assyrians actually committed such atrocities, but the depiction of them in Sennacherib’s palace is most likely meant as propaganda—a means to deter other kingdoms from rebellion.

:. It’s important to note that Layard was not a trained archaeologist. He frequently left the middle of rooms unexcavated and wasn’t particularly interested in any of the pottery his men uncovered. He was, however, interested in the inscribed slabs that made up the walls of rooms, as well as the colossal statues. Many of these were shipped back to the British Museum, where they can be seen today.

Continuing Excavations

:. In 1853, Hormuzd Rassam, Layard’s protégé and successor at Nineveh, discovered Assurbanipal’s palace, literally under the nose of Botta’s successor, Victor Place, who was digging in the same spot. ○○ Rassam and his men dug secretly for three straight nights in disputed territory on the mound; when their trenches first revealed the walls and sculptures of the palace, Place could do nothing but congratulate them on their finds.

Porta de Ishtar da cidade de Babilônia - Pergamonmuseum, Berlin. Within the palace, Rassam found a tremendous library of cuneiform texts, just as Layard had done previously in Sennacherib’s palace. In fact, it is generally considered that the state archives were split between the two palaces, even though they were two generations apart. Apart from state documents, Rassam found religious, scientific, and literary texts, including copies of the Epic of Gilgamesh and the Babylonian flood story.

:. In 1872, nearly 20 years after Rassam first found the tablets, a man named George Smith was employed at the British Museum, sorting out the tablets that Rassam had sent back from Nineveh.

. At one point, Smith discovered a large fragment that gave an account of a great flood, similar to the deluge account found in the Hebrew Bible. When Smith announced his discovery at a meeting of the Society of Biblical Archaeology in December 1872, all of London was abuzz with excitement.

O Crescente Fértil. The problem, though, was that a large piece was missing from the middle of the tablet. A reward was promised to anyone who would go look for the missing fragment, and Smith himself decided to take on the challenge, even though he had never been to Mesopotamia and had no training as an archaeologist.

. Amazingly, just five days after he arrived at Nineveh, Smith found the missing piece by searching through the back-dirt pile of previous excavators. He also found about 300 other pieces from clay tablets that the workers had discarded.

:. The 19th-century excavations at Nimrud, Nineveh, Khorsabad, Ur, Babylon, and other sites began an era of excavation in the region that continues to this day. As recently as 1988, spectacular discoveries were made at Nimrud by local Iraqi archaeologists. They uncovered the graves of several Assyrian princesses from the time of Assurnasirpal II in the 9th century B.C. Foreign excavations were suspended in Iraq around 1990 but are now being resumed and may lead to yet more exciting discoveries.

A leitura massorética tiberiana da Bíblia Hebraica

Esta é uma tradução do capítulo I, The Tiberian Masoretic Tradition, do livro de KHAN, G. A Short Introduction to the Tiberian Masoretic Bible and its Reading Tradition. 2. ed. Piscataway, NJ: Gorgias Press, 2013, 156 p. – ISBN 9781463202460.

O capítulo I ocupa as páginas 1-11. As 8 notas de rodapé foram omitidas aqui, o mesmo ocorrendo com alguns elementos do texto. Os subtítulos foram acrescentadosKHAN, G. A Short Introduction to the Tiberian Masoretic Bible and its Reading Tradition. 2. ed. Piscataway, NJ: Gorgias Press, 2013, 156 p. por mim.

A intenção é oferecer aos meus alunos, e a outros potenciais leitores, uma ideia de como chegou até nós o texto da Bíblia Hebraica / Antigo Testamento mais utilizado hoje.

O livro é de uma clareza impressionante e recomendo a sua leitura completa para quem quiser ter um primeiro contato com o tema. Está disponível para download gratuito na página do autor em Academia.edu

O autor, o britânico Geoffrey Khan, é um conhecido especialista em línguas semíticas da Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Diz o autor no prefácio:

Este livro pretende fornecer uma breve visão introdutória da tradição massorética tiberiana da Bíblia Hebraica e seus antecedentes. Foi esta tradição que produziu os grandes códices massoréticos da Idade Média, que constituem a base das modernas edições impressas da Bíblia Hebraica. A apresentação dá especial destaque à natureza multifacetada da tradição massorética. Essas camadas incluem os vários componentes do texto escrito que sobreviveu nos manuscritos massoréticos medievais, bem como a tradição de leitura que foi transmitida oralmente na Idade Média. É dada especial atenção à tradição de leitura tiberiana.

This small book is intended to provide a short introductory overview of the Tiberian Masoretic tradition of the Hebrew Bible and its background. It was this tradition that produced the great Masoretic codices of the Middle Ages, which form the basis of modern printed editions of the Hebrew Bible. The presentation gives particular prominence to the multi-layered nature of the Masoretic tradition. These layers include the various components of the written text surviving in the medieval Masoretic manuscripts as well as the reading tradition that was transmitted orally in the Middle Ages. Particular attention is given to the Tiberian reading tradition.

Diz o capítulo I:

A tradição massorética tiberiana

As edições impressas da Bíblia Hebraica atualmente em uso baseiam-se em manuscritos medievais provenientes da escola dos massoretas de Tiberíades. Os massoretas eram estudiosos que se dedicavam a preservar as tradições de escrita e leitura da Bíblia. O seu nome deriva do termo hebraico masorah ou masoret, cujo significado é “transmissão de tradições”. Os massoretas tiberianos atuaram durante vários séculos na segunda metade do primeiro milênio d.C.

As fontes medievais referem-se a diversas gerações de massoretas, alguns deles pertencentes à mesma família. A mais famosa destas famílias é a de Aharon ben Asher (século X), cujos antepassados estiveram envolvidos em atividades massoréticas durante cinco gerações. Os massoretas continuaram o trabalho dos soferim (“escribas”) dos períodos talmúdico e do Segundo Templo, que também estavam ocupados com a transmissão correta do texto bíblico.

Os massoretas tiberianos desenvolveram o que pode ser chamado de tradição massorética tiberiana. Este foi um corpo de tradição que gradualmente tomou forma ao longo de dois ou três séculos e continuou a crescer até ser finalmente consolidado e as atividades dos massoretas cessarem no início do segundo milênio.

Durante o mesmo período existiam círculos de massoretas também na região da antiga Babilônia, atual Iraque. Entretanto, foi a tradição dos massoretas tiberianos que se tornou virtualmente a tradição massorética exclusiva no judaísmo no final da Idade Média e tem sido seguida por todas as edições impressas da Bíblia Hebraica.

A tradição massorética tiberiana está registrada em vários manuscritos medievais. A maioria deles foi escrita depois de 1100 d.C. e são cópias de manuscritos mais antigos feitos em várias comunidades judaicas.

As primeiras edições impressas são baseadas nesses manuscritos medievais tardios. A mais confiável dessas primeiras edições foi a chamada segunda Bíblia Rabínica (ou seja, o texto bíblico combinado com comentários e traduções, conhecido como Miqraʾot Gedolot) editada por Jacob ben Ḥayyim ben Adoniyahu e impressa na gráfica de Daniel Bomberg em Veneza entre 1524 e 1525. Essas primeiras Bíblias Rabínicas parecem ter sido baseadas em mais de um manuscrito. Este passou a ser considerado um textus receptus e foi usado como base para muitas edições subsequentes da Bíblia Hebraica.

Um pequeno número de manuscritos sobreviventes são registros de primeira mão da tradição massorética tiberiana. Foram escritos no Oriente Médio antes de 1100 d.C., quando os massoretas ainda estavam ativos. São, portanto, as testemunhas mais confiáveis da tradição massorética tiberiana. Todos eles vêm do fim, ou perto do fim, do período massorético, quando a tradição massorética se tornou fixa na maioria dos seus detalhes. O manuscrito datado mais antigo neste corpus foi escrito no século IX. Depois de 1100 d.C., a tradição fixa foi transmitida por gerações de escribas.

Algumas das edições modernas da Bíblia são baseadas nesses manuscritos antigos, por ex. a Biblia Hebraica a partir da terceira edição (1929–1937) em diante (cuja última edição é a Biblia Hebraica Quinta, 2004–), The Hebrew University Bible (1975–), as edições de A. Dotan (1973, revisada em 2001) e M. Breuer (1977–1982) e a edição moderna da Bíblia Rabínica de M. Cohen (conhecida como Ha-Keter, Ramat-Gan, 1992—).

 

Os oito componentes da tradição massorética tiberiana

A tradição massorética tiberiana pode ser dividida nos seguintes componentes:
1. O texto consonantal da Bíblia Hebraica
2. A diagramação do texto e a forma codicológica dos manuscritos
3. As indicações de divisões de parágrafos (conhecidas em hebraico como pisqaʾot ou parashiyyot)
4. Os sinais de acento, que indicavam a cantilena musical do texto e também a posição do acento principal de uma palavra
5. A vocalização, que indicava a pronúncia das vogais e alguns detalhes da pronúncia das consoantes na leitura do texto
6. Notas sobre o texto, escritas nas margens do manuscrito
7. Tratados massoréticos: alguns manuscritos possuem apêndices no final do texto bíblico contendo vários tratados sobre aspectos dos ensinamentos dos massoretas
8. Tradição de leitura transmitida oralmente.

Os primeiros sete desses componentes são escritos, enquanto o oitavo existia apenas oralmente.

Geoffrey Khan (1958-)A tradição de leitura transmitida oralmente foi transmitida de geração em geração durante o período massorético. Esta tradição de leitura é parcialmente representada em forma gráfica pelos sinais de acento e pelos sinais de vocalização e é descrita até certo ponto nos tratados massoréticos. Esses componentes escritos da tradição massorética, porém, não registram todos os detalhes da tradição de leitura, especialmente no que diz respeito à pronúncia das consoantes. A tradição de leitura tiberiana transmitida oralmente, portanto, deve ser tratada como um componente adicional da tradição massorética tiberiana. Esta tradição de leitura complementava o texto consonantal, mas era independente dele até certo ponto, como mostra o fato de que os sinais de vocalização às vezes refletem uma leitura diferente daquela representada pelo texto consonantal. Nesses casos, a terminologia massorética tradicional distingue entre qere (“o que é lido”) e ketiv (“o que está escrito”).

 

Componentes herdados e componentes criado pelos massoretas

É este complexo de componentes, escritos e orais, que formou a tradição massorética tiberiana. Uma distinção cuidadosa deve ser feita entre os componentes desta tradição: em alguns casos os massoretas tiveram um papel direto na sua criação, e em outros casos os componentes foram herdados de um período anterior.

Os componentes principais que foram herdados da tradição anterior incluem o texto consonantal, as divisões de parágrafos, a tradição de leitura oral e alguns dos conteúdos das notas textuais.

Os outros componentes, ou seja, os sinais de pronúncia e vocalização e a maioria das notas textuais e tratados, foram desenvolvidos pelos massoretas no período massorético.

No final do período massorético os componentes escritos da tradição massorética tiberiana tornaram-se fixos e foram transmitidos nesta forma fixa por escribas posteriores. Em contraste, o componente oral, ou seja, a tradição de leitura tiberiana, foi rapidamente esquecida e parece não ter sido transmitida muito depois do século XII.

 

As várias correntes de tradição da escola tiberiana

Os massoretas tiberianos não desenvolveram uma tradição completamente uniforme. Dentro da escola tiberiana havia várias correntes de tradição que diferiam umas das outras em pequenos detalhes. Essas diferentes correntes foram associadas aos nomes de massoretas individuais.

As diferenças que mais conhecemos foram entre Aharon ben Asher e Moshe ben Naftali, que pertencia à última geração de massoretas no século X.

Os pontos de desacordo entre estes dois massoretas estão registrados em listas no final de muitos dos primeiros manuscritos da Bíblia tiberiana. Eles foram coletados por Mishaʾel ben ʿUzziʾel em um tratado árabe conhecido como Kitāb al-Khilaf “O livro das diferenças”.

Essas diferenças são apenas em detalhes muito pequenos. Aproximadamente três quartos dizem respeito à colocação do chamado sinal gaʿya (mais tarde conhecido como meteg), que complementa os sinais de acento principalmente com o propósito de marcar o acento secundário nas palavras.

Há concordância no texto consonantal e também, em praticamente todos os casos, na vocalização e nos sinais de acento. A existência destas listas de diferenças reflete o processo de fixação e padronização da tradição massorética.

Sabemos de outras fontes sobre uma série de diferenças entre os massoretas das gerações anteriores ao século IX. Novamente, estes dizem respeito apenas a pequenos detalhes.

No encerramento do período massorético, após a geração de Aharon ben Asher, a tradição massorética tiberiana não havia se fixado na escola de um massoreta específico. Uma fonte do século XI refere-se à possibilidade de seguir a escola de Ben Asher ou a de Ben Naphtali, sem qualquer avaliação.

A escola Ben Asher finalmente tornou-se dominante somente quando foi adotada pelo influente estudioso judeu Moses Maimonides (1135-1204). Quando residia no Egito, Maimônides examinou um manuscrito com vocalização e acentos escrito pela mão de Aharon ben Asher e declarou que era o modelo que deveria ser seguido.

É provável que “O livro das diferenças” entre Ben Asher e Ben Naphtali (Kitāb al-Khilaf) tenha sido composto por Mishaʾel ben ʿUzziʾel logo após este pronunciamento de Maimônides.

 

A adoção do codex

Os manuscritos massoréticos tiberianos são códices, ou seja, livros que consistem em coleções de folhas duplas costuradas (conhecidas em fontes hebraicas como miṣḥaph <árabe muṣḥaf).

A Bíblia Hebraica começou a ser produzida em forma de codex durante o período islâmico. Os primeiros códices sobreviventes com colofões explicitamente datados foramInício do livro do Gênesis no Codex de Leningrado escritos no século X d.C. Todos eles se originam das comunidades judaicas no Oriente Médio.

Há evidências indiretas de algumas fontes rabínicas de que o codex já havia sido adotado para Bíblias hebraicas no século VIII d.C.

Antes disso a Bíblia Hebraica era sempre escrita em rolos (de pergaminho). Após a introdução do codex, os rolos continuaram a ser usados para escrever a Bíblia Hebraica. Cada tipo de manuscrito, porém, tinha uma função diferente.

Os rolos eram usados para leitura litúrgica pública nas sinagogas, enquanto os códices eram usados para fins de estudo e leitura não litúrgica.

O rolo era a antiga forma de manuscrito consagrada pela tradição litúrgica e era considerado inaceitável pelos massoretas mudar o costume de escrever o rolo, adicionando os vários componentes escritos da tradição massorética que eles desenvolveram, como vocalização, acentos e notas marginais. O codex não tinha tal tradição no Judaísmo e, portanto, os massoretas sentiram-se livres para introduzir nesses tipos de manuscrito os componentes massoréticos escritos recentemente desenvolvidos.

O desejo de colocar por escrito, na Idade Média, os muitos componentes da tradição massorética que haviam sido anteriormente transmitido oralmente foi sem dúvida uma das principais motivações para a adoção do codex neste período.

O codex estava disponível como formato de produção de livros desde o período romano. Começou a ser usado para a escrita de bíblias cristãs já no século II. Os primeiros códices datáveis do Alcorão existentes são anteriores aos códices datados da Bíblia Hebraica em cerca de dois séculos. O fato de o termo hebraico medieval para Bíblia, miṣḥaph, ser um empréstimo do árabe musṣḥaf sugere, de fato, que os judeus tomaram emprestado o formato dos muçulmanos.

Podemos dizer que o rolo litúrgico permaneceu o núcleo da tradição bíblica, enquanto o codex massorético foi concebido como auxiliar desta. Esta distinção de função entre rolos litúrgicos sem vocalização, acentos ou notas massoréticas, por um lado, e códices massoréticos, por outro, continuou nas comunidades judaicas até os dias atuais.

Ocasionalmente, na Idade Média, eram feitos acréscimos massoréticos aos rolos de pergaminho se eles, por algum motivo, se tornassem impróprios para uso litúrgico. O fato de as folhas de um codex terem sido escritas em ambos os lados, ao contrário dos pergaminhos bíblicos, e o seu formato prático geral significava que todos os 24 livros da Bíblia podiam ser encadernados num único volume, como é o caso do Codex de Aleppo e do Codex de Leningrado.

O formato de rolo, menos prático, significava que os livros da Bíblia tinham de ser divididos em uma série de rolos separados. Em muitos casos, porém, os códices consistiam apenas em seções da Bíblia, seguindo as três divisões principais do Pentateuco (Torá), Profetas (Neviʾim) e Escritos (Ketuvim), ou até unidades menores.

Muitos deles estão entre aqueles que deveriam ser classificados como “manuscritos populares”.

Os rolos geralmente diferiam dos códices massoréticos não apenas na falta de vocalização, acentos e notas massoréticas, mas também na adição de traços ornamentais chamados taggin (‘coroas’) às letras hebraicas shin, ʿayin, ṭet, nun, zayin, gimel e ṣade.

A tarefa de escrever códices era geralmente dividida entre dois escribas especializados. A cópia do texto consonantal era confiada a um escriba conhecido como sopher, que também escrevia rolos. A vocalização, os acentos e as notas massoréticas, por outro lado, eram geralmente acrescentados por um escriba conhecido como naqdan (vocalizador) ou por um massoreta. Isto reflete o fato de que a tradição de transmissão do texto consonantal e a tradição de transmissão dos componentes massoréticos não estavam completamente integradas.

Até agora fizemos uma distinção entre os manuscritos da Bíblia Hebraica escritos em rolos e os escritos em códices massoréticos, e também entre os primeiros códices tiberianos datáveis de antes de 1100 e códices posteriores.

 

Os vários tipos de códices

No período inicial, coincidindo ou próximo à época em que os massoretas estavam ativos, podemos distinguir entre vários tipos de códices da Bíblia Hebraica.

O tipo de codex mencionado na discussão anterior é o que pode ser chamado de codex “modelo”, que foi cuidadosamente escrito e preservou com precisão os componentes escritos da tradição massorética tiberiana. Tais manuscritos geralmente estavam em posse de uma comunidade, como mostram seus colofões, e eram mantidos em local público de estudo e culto para consulta e cópia (para produzir tanto códices quanto rolos). Referências a vários códices modelo e suas leituras são encontradas nas notas massoréticas, por exemplo, Codex Muggah, Codex Hilleli, Codex Zambuqi e Codex Yerushalmi. Às vezes, manuscritos escritos com precisão também contêm o texto de um targum aramaico.

Além destes modelos de códices massoréticos, existiam numerosos códices bíblicos chamados “populares”, que geralmente estavam na posse de particulares. Estes não foram escritos com tanta precisão como os códices modelo e geralmente não incluíam todos os componentes escritos da tradição massorética tiberiana. Freqüentemente, eles não contêm acentos ou notas massoréticas, mas apenas vocalização, e isso pode divergir do sistema tiberiano padrão de vocalização em vários detalhes.

Uma característica notável de alguns códices populares é que eles adaptam o texto consonantal escrito para fazê-lo corresponder mais de perto à tradição de leitura. Um caso extremo disso é representado por um corpus de manuscritos da Bíblia Hebraica que contém uma transcrição árabe da tradição de leitura. Estes foram usados por alguns judeus caraítas.

Alguns manuscritos bíblicos populares não passam de memorandos da tradição de leitura, na medida em que são escritos em uma forma taquigráfica conhecida como serugin. Nestes textos, a primeira palavra de um versículo é escrita por extenso, seguida por uma única letra de cada uma das outras palavras importantes do versículo.

Alguns manuscritos bíblicos populares eram acompanhados de um targum aramaico ou de uma tradução e comentário em árabe.

Mas nem todos os manuscritos populares foram necessariamente escritos de forma descuidada. A característica crucial de sua produção era que os escribas se sentiam menos limitados pela tradição do que pela cópia dos manuscritos modelo. Muitos deles se distinguem dos manuscritos modelo também por suas dimensões menores.

Havia, portanto, três classes de manuscritos da Bíblia Hebraica no início da Idade Média: (1) rolos de pergaminhos usados para leitura pública na liturgia; (2) modelos de códices massoréticos, cujo objetivo era preservar toda a tradição bíblica, tanto a tradição escrita como a tradição de leitura; (3) manuscritos populares que auxiliavam as pessoas na leitura do texto.

Vamos descrever aqui brevemente dois dos modelos de códices massoréticos tiberianos sobreviventes que passaram a ser considerados entre os mais importantes e foram usados ​​em edições críticas modernas, ou seja. o Codex de Aleppo (século X d.C.) e o Codex de Leningrado (datado de 1009 d.C.).

Ambos os manuscritos são originários do Oriente Médio, assim como a grande maioria dos primeiros códices. Os primeiros manuscritos orientais começaram a chamar a atenção dos estudiosos no século XIX, principalmente devido à coleção de manuscritos orientais reunida por Abraham Firkovitch (1787-1874), a maioria dos quais foram vendidos para o que hoje é a Biblioteca Nacional da Rússia em São Petersburgo.

Um avanço importante foi também a descoberta da Genizah do Cairo no final do século XIX, que continha muitos fragmentos dos primeiros manuscritos bíblicos orientais, a maioria dos quais estão agora na posse da Biblioteca da Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Os primeiros códices sobreviventes escritos na Europa datam do século XII. Todos os códices medievais refletem uma tradição massorética basicamente uniforme, embora não haja dois manuscritos completamente idênticos. As diferenças às vezes são resultado de erros dos escribas e outras vezes devido a um sistema ligeiramente diferente de marcação de vocalização ou acentos.

 

O Codex de Aleppo

No cólofon deste manuscrito afirma-se que o massoreta Aharon ben Asher (século X d.C.) acrescentou a vocalização, os acentos e as notas massoréticas. Isto é confirmado pela comparação com as declarações relativas à tradição de Ben Asher no ‘Livro das diferenças’ (Kitāb al-Khilaf) de Mishaʾel ben ʿUzziʾel.Js 1,1 no Codex de Aleppo

Na verdade, acredita-se que seja o manuscrito que Maimônides examinou quando declarou que a tradição de Ben Asher era superior à de outros massoretas. Deveria ser considerada, portanto, como a edição autorizada na tradição judaica. Quando Maimônides viu o manuscrito, ele estava guardado no Egito, possivelmente na sinagoga Ben-Ezra em Fusṭāṭ, que mais tarde se tornou famosa por sua genizah [a Genizah do Cairo]. A partir do final da Idade Média, porém, foi mantido em Aleppo.

Em 1948 a sinagoga onde estava guardado em Aleppo foi incendiada e apenas cerca de três quartos do manuscrito original foram preservados. As porções sobreviventes são agora mantidas em Jerusalém, na biblioteca do Instituto Ben-Zvi.

Foi publicado em uma edição fac-símile por Goshen-Gottstein (1976). Este manuscrito forma a base de uma série de edições israelenses da Bíblia Hebraica, incluindo a Bíblia da Universidade Hebraica (Goshen-Gottstein 1975), a edição de M. Breuer (Jerusalém 1977-1982, reeditada em 1996-1998 com inclusão de novas informações sobre as divisões da parashah) e a moderna Bíblia Rabínica (Ha-Keter) editada por M. Cohen (1992–).

 

O Codex de Leningrado

O cólofon do manuscrito afirma que foi escrito em 1009 e posteriormente corrigido “de acordo com os textos mais exatos de Ben Asher”. Não foi, portanto, o trabalho original de uma autoridade massorética, ao contrário do Codex de Aleppo, que foi produzido diretamente pelo massoreta Aharon ben Asher.

O Codex de Leningrado difere ligeiramente do Codex de Aleppo em alguns pequenos detalhes. O manuscrito foi preservado em sua totalidade e contém o texto completo da Bíblia. Paul Kahle fez disso a base da terceira edição da Bíblia Hebraica (Stuttgart 1929-1937) e tem sido usado em todas as edições subsequentes. É também a base da edição da Bíblia Hebraica de A. Dotan (Tel-Aviv 1976)

 

Os sistemas babilônico, palestino e tiberiano-palestino

Na Idade Média, os manuscritos da Bíblia Hebraica também foram escritos com sistemas de vocalização e acentuação que diferiam daqueles da tradição massorética tiberiana.

Alguns desses sistemas são adaptações do sistema tiberiano, como o sistema tiberiano-palestino. Outros sistemas usam diferentes conjuntos de sinais. Estes incluem os sistemas de vocalização palestinos e babilônicos, encontrados em numerosos manuscritos da Idade Média. Não há uniformidade entre os sistemas palestino e o babilônico e é possível identificar uma série de subsistemas.

No final da Idade Média esses sistemas foram quase completamente suplantados nos manuscritos pela tradição massorética tiberiana padrão. Uma questão importante é: qual era o seu estatuto em relação à tradição tiberiana na Idade Média?

Tanto quanto pode ser estabelecido, eles exibem uma convergência com o sistema tiberiano no decurso do seu desenvolvimento. As primeiras formas dos sistemas de vocalização palestino e babilônico têm muitas características que são independentes do sistema tiberiano, mas gradualmente a tradição tiberiana exerceu sua influência e, de fato, alguns manuscritos são pouco mais do que transcrições da tradição tiberiana em sinais vocálicos babilônicos ou palestinos.

ReBiblica: A Interpretação da Bíblia na Igreja

A Interpretação da Bíblia na Igreja (PCB): 30 anos depois – ReBiblica – v. 4 n. 8 (2023)

Tema do fascículo

O segundo volume de ReBiblica do ano de 2023 tem como tema o documento da Pontifícia Comissão Bíblica “A interpretação da Bíblia na Igreja” (18/11/1993). TrintaRevista Brasileira de Interpretação Bíblica - ReBiblica anos após a promulgação do texto, diversos estudiosos aceitaram o desafio de refletir sobre seus pontos positivos, avanços e limitações. Historicamente, o documento celebra o centenário da Providentissimus Deus, de Leão XIII, e o quinquagésimo aniversário da Divino afflante Spiritu, de Pio XII, documentos que muito contribuíram para o incentivo da pesquisa bíblica em âmbito católico.

Artigos de Dossiê

. Assim sendo, a primeira colaboração é oferecida pelo Prof. Cássio Murilo Dias da Silva com seu artigo “Quem tem medo do método histórico-critico?”.

. A seguir, o prof. Cláudio Buss reflete sobre “A Pragmalinguística: uma abordagem a serviço da exegese bíblica”.

. A Profa. Solange Maria Carmo assina o artigo “Da sacristia e da secretaria à Academia”, sobre a leitura feminista da bíblia.

. Prof. Carlos André Leandro reflete sobre “A persistente leitura fundamentalista da Bíblia”.

. Sobre as questões de hermenêutica, os Prof. Carlos Frederico Silveira e Thiago Cabreiro escrevem sobre “O sentido literal na interpretação das Escrituras segundo Santo Tomás de Aquino”.

. Por fim, dentro das dimensões características da interpretação católica, o Prof. Wagner Moraes dos Santos propõe o texto intitulado “Exegese e teologia moral: o problema dos três preceitos”.

Artigos em temas diversos

. Na seção de artigos diversos, contamos ainda com a contribuição do Prof. Leonardo Agostini Fernandes e Marcela Machado Vianna Torres com o artigo “A lei sobre a franja e a sua função em Nm 15,37-41”.

. O Prof. Matthias Grenzer escreve sobre “Ázimos como ecoteologia exodal”.

. O Prof. Armando Rafael Acquarolli escreve sobre “O rosto de Deus na Epístola de Jeremias: ensaio de uma teologia negativa em Bar 6”.

. Por fim, os prof. Fabrizio Catenassi e Vicente Artuso refletem acerca dos “Aportes de crítica textual em Nm 13–14 e Nm 16”.

Resenha

. Contamos ainda com uma resenha do livro de RAMÓN RUIZ, Eleuterio. El libro del Eclesiastés: Comentario y propuestas de lectura, feita pelo Prof. Cássio Murilo Dias da Silva.

Congresso da ABIB em 2024: Apócrifos e Extracanônicos

Apócrifos e Extracanônicos é o tema do X Congresso da ABIB, que terá lugar na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), em Belo Horizonte, de 20 a 23 de agosto de 2024.

Com destaque para a participação de Magdalena Díaz Araújo, Professora na Universidad Nacional de Cuyo, em Mendoza, e na Universidad Nacional de La Rioja, em LaX Congresso da ABIB em 2024: Apócrifos e Extracanônicos Rioja, Argentina, e de Matthias Henze, Professor na Rice University, em Houston, Texas, EUA.

O tema

O processo de definição do cânon bíblico foi lento e, sob alguns aspectos, conflituoso. Para o Antigo/Primeiro Testamento, há ao menos dois cânones oficiais: o da Bíblia Hebraica e o da Bíblia Grega (Septuaginta). Enquanto o judaísmo pós-queda de Jerusalém em 70 e.c. optou unicamente pelo cânon hebraico, as Igrejas cristãs optaram por adotar também alguns livros do cânon grego, sem, contudo, que houvesse um consenso. Por esta razão, há diferentes cânones do Antigo/Primeiro Testamento: católico, protestante e ortodoxos (no plural, porque também há falta de consenso interno).

Para o Novo/Segundo Testamento, o processo de aceitação foi ainda mais difícil e somente no IV século e.c., após o período das perseguições, as comunidades cristãs chegaram a uma unificação do cânon neotestamentário.

Esta divergência de cânones gerou também uma divergência quanto à nomenclatura para os livros não aceitos nos cânones oficiais: apócrifos, pseudoepigráficos, deuterocanônicos, extracanônicos, parabíblicos, anagignoskómena. Com a nomenclatura, vai também a opção ideológica e, por conseguinte, o preconceito em relação aos livros não considerados “canônicos”. Não obstante, estes mesmos livros refletem diferentes momentos da caminhada de fé do judaísmo e do cristianismo e, portanto, em algum momento, por alguma(s) comunidade(s), foram considerados inspirados e canônicos.

Este congresso da Abib pretende apresentar e discutir a importância deste corpo literário que, não obstante proscrito dos cânones oficiais, exerceu e ainda exerce grande influência, tanto no judaísmo, no cristianismo e em doutrinas exotéricas.

Leia mais sobre o Congresso na página da ABIB

Morreu o biblista José Luiz do Prado (1935-2024)

Morreu na madrugada deste 5 de março de 2024, aos 89 anos de idade, o biblista José Luiz Gonzaga do Prado.

José Luiz Gonzaga do Prado era Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, Roma, Itália. Autor de vários livros e artigos, José Luiz era, também, um exímio tradutor da Bíblia. José Luiz Gonzaga do Prado (1935-2024)

Foi professor de Línguas Bíblicas e Novo Testamento no CEARP por 24 anos. A partir de 2013 passou a integrar o corpo docente da Faculdade Católica de Pouso Alegre, MG, onde lecionou por 8 anos.

José Luiz fazia parte do grupo dos “Biblistas Mineiros”, que se reunia em Belo Horizonte e escrevia regularmente para a revista Estudos Bíblicos.

 

NOTA DE PESAR do CEARP:

Toda a Comunidade Acadêmica do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (CEARP) manifesta seus mais profundos pesares pelo passamento do Pe. José Luiz Gonzaga do Prado, ocorrido na madrugada de hoje.

Nossa gratidão pelos tantos anos de serviço dedicados à nossa Instituição, lecionando a Sagrada Escritura e as línguas bíblicas no CEARP. A simplicidade e a humildade, bem como a profundidade da abordagem dos temas bíblicos ficarão sempre marcadas na memória de todos os seus ex-alunos.

À Diocese de Guaxupé, aos familiares e amigos, nossos mais sinceros sentimentos e a manifestação de nossa fé na Ressurreição: “Fiel é esta palavra: se com Ele morremos, com Ele viveremos” (2Tm 2,11)

Brodowski, 05 de março de 2024.

Pe. Círio Alessandro Jacinto – Diretor Geral

 

Breve biografia na página da Diocese de Guaxupé:

. Nasceu em Paraguaçu, MG, em 11 de janeiro de 1935

. Iniciou seus estudos de Humanística no Seminário Menor em Guaxupé e fez os estudos de Filosofia no Seminário Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte

. Estudou teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, onde foi ordenado sacerdote em 25 de outubro de 1959. Cursou, em seguida, o Mestrado em Ciências Bíblicas no Pontifício Instituto Bíblico, Roma, concluído em 1962

. Foi pároco da Paróquia de Santa Rita de Nova Rezende e de São Benedito de Petúnia (Distrito de Nova Rezende) por quase 40 anos

. Contribuiu para a implantação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) na diocese e foi professor de Sagrada Escritura por décadas

. Pe. José Luiz Gonzaga do Prado era um incansável estudioso da Sagrada Escritura e seu testemunho de vida inspirou muitos

. Seu legado permanecerá vivo na memória daqueles que tiveram a honra de conhecê-lo.

Quatro sistemas de vocalização do hebraico bíblico

Os sistemas babilônico, palestino, tiberiano-palestino e tiberiano de vocalização do hebraico bíblico

O hebraico bíblico é estudado em todo o mundo por estudantes universitários, seminaristas e pelo público instruído. Também é estudado, quase universalmente, através de um único prisma – o da tradição massorética tiberiana, que é a tradição do hebraico bíblico mais bem atestada e mais amplamente disponível. Graças em grande parte ao seu endosso por Maimônides, tornou-se também a tradição de vocalização de maior prestígio na Idade Média. Para a maioria, o hebraico bíblico é sinônimo do hebraico bíblico tiberiano.

Existem, no entanto, outras tradições de vocalização. A tradição babilônica foi difundida entre os judeus por volta do final do primeiro milênio d.C. O estudioso caraíta do século X, al-Qirqisani, relata que a pronúncia babilônica estava em uso na Babilônia, no Irã, na península arábica e no Iêmen. E apesar do fato de os judeus iemenitas terem continuado a usar manuscritos babilônicos sem interrupção, de geração em geração, os estudiosos europeus só tomaram conhecimento deles em meados do século XIX.

Décadas depois, manuscritos vocalizados com o sistema palestino foram redescobertos na Genizah do Cairo.

Depois disso veio a descoberta de manuscritos escritos de acordo com o sistema tiberiano-palestino e, talvez o mais importante, os textos encontrados em grutas nasGARR, W. R. ; FASSBERG, S. E. (eds.) A Handbook of Biblical Hebrew. Volume 1: Periods, Corpora, and Reading Traditions; Volume II: Selected Texts. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2016 proximidades do Mar Morto.

Estas são notas de leitura de capítulos da terceira e quarta partes do volume 1 de GARR, W. R. ; FASSBERG, S. E. (eds.) A Handbook of Biblical Hebrew. Volume 1: Periods, Corpora, and Reading Traditions; Volume II: Selected Texts. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2016, 370 p. – ISBN 978-1575063713.

A terceira parte está nas páginas 99-185 do primeiro volume e tem os seguintes títulos e autores:

Part III – Ancient and Medieval Reading Traditions

8. Hebrew in Greek and Latin Transcriptions – Alexey Eliyahu Yuditsky
9. Samaritan Tradition – Moshe Florentin
10. Babylonian Tradition – Shai Heijmans
11. Karaite Transcriptions of Biblical Hebrew – Geoffrey Khan
12. Palestinian Tradition – Joseph Yahalom
13. Tiberian-Palestinian Tradition – Holger Gzella

A quarta parte está nas páginas 186-227 do primeiro volume e tem os seguintes títulos e autores:

Part IV – Essays
14. The Tiberian Tradition of Reading the Bible and the Masoretic System – Yosef Ofer
15. The Contribution of Tannaitic Hebrew to Understanding Biblical Hebrew – Moshe Bar-Asher
16. Modern Reading Traditions of Biblical Hebrew – Aharon Maman

 

A tradição babilônica

É amplamente aceito que a vocalização discutida neste capítulo foi inventada pelos judeus babilônicos durante o período geônico (final do século VI até o século XI d.C.). Não há nenhuma evidência direta, entretanto, de que a vocalização seja de fato babilônica; é uma suposição baseada principalmente em declarações em fontes medievaisDt 9,15-21 - Vocalização babilônica - Do vol. 2 de GARR, W. R. ; FASSBERG, S. E. (eds.) A Handbook of Biblical Hebrew, 2016 de que os judeus babilônicos e palestinos tinham diferentes tradições de pronúncia do texto bíblico. O fato de algumas notas massoréticas atribuírem aos “orientais” uma pronúncia conforme à vocalização aqui discutida fortalece esta suposição.

A comunidade judaica na Babilônia tem uma longa história. Os judeus chegaram pela primeira vez à região alguns anos antes da destruição do Templo em 586 a.C. A evidência sugere que estavam bem integrados na vida cultural e econômica que os rodeava. Durante os períodos parta e sassânida, a comunidade estabeleceu-se como a mais influente entre as comunidades judaicas da diáspora. Seus membros se viam como verdadeiros guardiões da tradição judaica.

A colonização judaica na Babilônia talmúdica concentrou-se entre o Tigre e o Eufrates, na região onde os principais canais ligavam os dois rios. No Talmud Babilônico encontramos uma declaração sobre a área de “linhagem judaica pura” (Qidd. 71b): no Tigre, esta área alcançava Moshkani no norte e Apameia no sul (aproximadamente 60 km ao norte de Bagdá e 160 km a seu sudeste, respectivamente).

Durante a antiguidade tardia, os judeus babilônicos gozavam, em geral, de uma autonomia considerável em assuntos internos. À sua frente estava o Exilarca, o Rosh ha-Golah, que derivava sua autoridade tanto de sua linhagem como descendente da casa de Davi quanto do status que lhe foi concedido pelo governo. A vida espiritual e cultural foi dominada pelas academias judaicas, as yeshivot, que funcionaram apenas com pequenas interrupções a partir do século III d.C. Existiam duas academias importantes: uma em Nehardeʿa, que após a destruição da cidade em 259 d.C. mudou-se para Pumbedita; e a outra na Sura. Os ensinamentos dessas academias foram compilados e editados por gerações de estudiosos (Amoraʾim) para formar o corpus literário chamado Talmud Babilônico.

O início do período geônico, assim designado pelo título do chefe da academia, o Gaon, corresponde aproximadamente à conquista da Babilônia pelos árabes.

Sob a lei islâmica, os judeus tinham o direito de culto e de administrar a sua própria lei religiosa. As academias, portanto, continuaram sob o domínio islâmico e alcançaram reconhecimento internacional e autoridade moral na maior parte do mundo judaico. Durante o período geônico, os geonim babilônicos estabeleceram-se como líderes intelectuais de toda a diáspora, alcançando preeminência sobre o centro concorrente na Palestina. Além dos estudos jurídicos, eles também se dedicaram às áreas de exegese bíblica, linguística e poesia.

O fim da era geônica é geralmente associado à morte do rabino Hayya Gaon em 1038. Na realidade, porém, a transição do período geônico para o período rishonim, que se seguiu, foi um processo contínuo de descentralização, à medida que novos centros judaicos no norte da África e Europa substituíram o centro babilônico durante os séculos X e XI.

A tradição de pronúncia babilônica e sua vocalização aparentemente tiveram seu apogeu durante os séculos VIII e IX e se espalharam pelas comunidades judaicas vizinhas na Pérsia e no Iêmen. No final do período geônico, entretanto, a tradição tiberiana substituiu a babilônica, e esta última continuou a ser empregada apenas em alguns lugares, principalmente no Iêmen, onde sobreviveu até o século XV, e, com forte influência tiberiana, continua a ser empregada entre os judeus iemenitas até hoje.

Nosso conhecimento da vocalização babilônica e da tradição de pronúncia que ela representa baseia-se inteiramente em manuscritos medievais. Quase todos os manuscritos são fragmentos de genizah, espalhados em bibliotecas de todo o mundo. Eles representam aproximadamente 500 códices originais, mas muitas vezes não mais do que uma dúzia de páginas sobrevivem de um único codex.

O corpus pode ser dividido em três grupos principais: textos bíblicos, textos rabínicos e piyyuṭim (poemas litúrgicos). Destes, os textos bíblicos formam o maior grupo, com aproximadamente 350 manuscritos. Infelizmente, a maioria dos manuscritos não contém colofões, portanto sua data e procedência só podem ser conjecturadas.

A tradição de pronúncia babilônica representada pela vocalização no corpus de manuscritos não é uniforme, uma vez que a influência tiberiana penetrou na pronúncia babilônica em vários graus.

Israel Yeivin (1985) dividiu os manuscritos em três grupos principais de acordo com a pronúncia que representam: Babilônico Antigo, Babilônico Médio e Babilônico Tardio. O primeiro representa a tradição babilônica sem (quase) nenhuma influência tiberiana. O último representa uma tradição babilônica fortemente tiberianizada.

O sistema de vocalização babilônico, diferentemente do tiberiano, nunca alcançou uniformidade. Praticamente todos os manuscritos importantes são vocalizados de acordo com princípios ligeiramente diferentes. No entanto, podem distinguir-se três subsistemas principais da vocalização babilônica: (1) o sistema “simples”, (2) o sistema “complexo”, (3) e o sistema de pontos.

Os manuscritos raramente são totalmente vocalizados no sistema simples. Os sinais vocálicos são geralmente escritos entre consoantes. Quando, no entanto, as vogais acompanham yod ou vav como matres lectionis, elas geralmente vêm diretamente acima dessas letras.

 

A tradição palestina

Supõe-se que o sistema de vocalização “palestino” foi usado por judeus em algum lugar da Palestina medieval, exceto Tiberíades.

Sl 55,1-12 - Vocalização palestina - Do vol. 2 de GARR, W. R. ; FASSBERG, S. E. (eds.) A Handbook of Biblical Hebrew, 2016A evidência baseia-se apenas no relato mais antigo existente sobre uma “vocalização palestina”, que está contido num comentário sobre o tratado ʾAbot da Mishná no Vitry Mahzor, uma coleção medieval da lei judaica. Em seu comentário, o estudioso do século XII, Jacob ben Samson, discute a afirmação “Moisés recebeu a Torá do Sinai” (m. ʾAbot 1,1). Como parte desta discussão, ele cita a opinião de que a cantilena do texto (taʿame ha-miqra) também foi recebida por Moisés no Sinai, “mas os sinais do canto foram estabelecidos pelos escribas. Portanto, a vocalização tiberiana (niqqud) é diferente da nossa vocalização; nem é como a vocalização palestina. Eles os estabeleceram porque acentos e cantos tendem a ser esquecidos”. O exegeta refere-se claramente aqui ao sistema de acentos de cantilena, do qual existem de fato três versões conhecidas: o sistema tiberiano, o sistema palestino e o sistema babilônico. Conclui-se que Moisés não poderia ter recebido os acentos do Sinai, embora tenha recebido a detalhada divisão sintática do texto da Torá, que seria posteriormente marcada por meio de acentos criados expressamente para esse fim.

É um tanto surpreendente que Jacob ben Samson chame um dos sistemas de “tiberiano” e outro de “palestino”, uma vez que Tiberíades fica na Palestina. Evidência indireta adicional da origem palestina desse sistema de vocalização é fornecida pela poesia litúrgica palestina antiga (piyyûṭîm), bem como por um pergaminho vocalizado do targum palestino. Alguns palimpsestos rabínicos revelam um texto original em siríaco ou grego palestino, sobre o qual foi escrito um texto hebraico rabínico com vocalização palestina supralinear. Estes palimpsestos também constituem provas indiretas de uma origem palestina.

Manuscritos palestinos vocalizados são conhecidos apenas no material recuperado na Genizah do Cairo. A maioria dos manuscritos contém piyyûṭîm palestino, mas também são encontrados manuscritos bíblicos e um pergaminho do targum palestino. Existem algumas vocalizações palestinas isoladas em fragmentos da Mishná, do Talmud e dos midrashim, dos quais mais de metade são palimpsestos. Os sinais de vocalização são usados ​​com moderação nesses fragmentos para evitar erros de leitura, principalmente em locais propensos a erros.

Os mais antigos fragmentos dos manuscritos bíblicos com a vocalização palestina foram escritos como pergaminhos. As primeiras cópias mais bem preservadas são de Ezequiel e Salmos. Cópias posteriores dos Salmos foram preservadas em fragmentos de códices e fragmentos de códices semelhantes também existem principalmente para Jeremias e Daniel. Sinais de vocalização isolados podem ser encontrados em um fragmento da Massorá aos Reis, bem como em um manuscrito de Josué no qual os sinais palestinos foram adicionados por duas mãos diferentes.

Todos os manuscritos vocalizados com o sistema palestino utilizam sinais supralineares – isto é, a vogal é colocada acima da letra (como no sistema de vocalização babilônico). Os textos bíblicos vocalizados palestinos seguem a ortografia consonantal do sistema tiberiano. Os textos não-bíblicos tendem a uma grafia mais completa, como é habitual nos Manuscritos do Mar Morto e nos textos pós-bíblicos.

 

A tradição tiberiano-palestina

A vocalização tiberiano-palestina é um sistema tiberiano de vocalização não padronizado atestado em alguns manuscritos, dos quais o Codex Reuchlin do século XII ocupa o lugar mais proeminente. Como o nome sugere, este sistema combina sete sinais vocálicos da tradição tiberiana com cinco qualidadesIs 50,1-5 - Vocalização tiberiano-palestina - Do vol. 2 de GARR, W. R. ; FASSBERG, S. E. (eds.) A Handbook of Biblical Hebrew, 2016 vocálicas subjacentes aos manuscritos palestinos. Um segundo traço característico apresenta um uso mais extenso de dâghēsh e rafe, especialmente para distinguir os valores consonantais de certos grafemas de sua função como letras vocálicas e para destacar os limites das sílabas. Ambos geralmente refletem práticas ortográficas divergentes das convenções tiberianas, em vez de uma tradição de pronúncia diferente.

Pode-se, portanto, considerar a vocalização tiberiano-palestina uma variante graficamente diferente e não totalmente padronizada da tradição de leitura tiberiana, com tendência à desambiguação. Não está claro por que este sistema surge particularmente em vários manuscritos da Europa Ocidental, incluindo vários manuscritos importantes da Itália, entre os séculos XI e XIV d.C. Da mesma forma, as origens históricas precisas e a extensão da sua combinação de práticas palestinas e tiberianas, juntamente com a presença de alguns representantes de escolas palestinas entre os judeus italianos durante este período e a origem palestina das tradições de pronúncia hebraica na Itália permanecem obscuras.

O sistema tiberiano-palestino ocorre em vários manuscritos bíblicos, mishnaicos e litúrgicos; como mencionado, vários deles vêm claramente da Europa Ocidental, e uma proveniência europeia é pelo menos provável para outros. No entanto, eles apresentam certas diferenças no uso de sinais vocálicos e outros sinais diacríticos que apontam para uma falta geral de padronização.

O Codex Reuchlin, em homenagem ao seu proprietário mais famoso, Johannes Reuchlin (1455-1522, um dos fundadores do hebraísmo cristão), e agora na Badische Landesbibliothek em Karlsruhe, Alemanha, atua como a principal testemunha na discussão. Lindamente escrito em 382 folhas em colunas duplas com 30 a 32 linhas cada, contém o texto dos “Oito Profetas” (Josué, Juízes, 1–2 Samuel, 1–2 Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Profetas Menores ) junto com o targum aramaico após cada versículo. Este último foi publicado separadamente, embora vocalização. De acordo com o cólofon, o Codex pode ser datado de 1105–1106 d.C.

A vocalização tiberiano-palestina emprega os mesmos sinais vocálicos e sinais diacríticos que o hebraico tiberiano, mas sua função e, em casos específicos, sua posição em relação à letra a que um sinal se refere, diferem.

 

A tradição tiberiana

Várias tradições de leitura da Bíblia evoluíram ao longo do tempo, correspondendo a diferentes dialetos do hebraico. Essas tradições são refletidas em manuscritos e Início do livro do Gênesis no Codex de Leningrado - Vocalização tiberianafragmentos de genizah dos séculos IX e X d.C., cujos textos são vocalizados de acordo com diferentes sistemas: babilônico, palestino, tiberiano-palestino e tiberiano. Com o tempo a tradição linguística tiberiana tornou-se o mais prestigiado dos sistemas, deslocou todos os outros, e a sua vocalização passou a ser aceita por todas as comunidades judaicas.

Já no século X há evidências de que o sistema tiberiano foi reconhecido como superior. O sábio caraíta Abū Yūsuf Yaʿqūb al Qirqisāni escreveu em seu Kitāb al-Anwār (937 d.C.): “Nesta geração não há mais ninguém entre aqueles que se ocupam com a ciência da linguagem e da gramática, entre o povo de Isfahan (Pérsia) , Basra (Iraque), Tastur (Tunísia) e outros lugares, que não admitem a superioridade da leitura da terra de Israel, que não a reconhecem como a verdadeira, e que não veem que a verdade da gramática só é explicada por ela”.

Quando Qirqisāni escreveu esta passagem, a vocalização babilônica da Bíblia era de uso comum em toda a Ásia Ocidental, Iraque, Irã, Afeganistão, Arábia e Iêmen. Na época, era provavelmente o mais utilizado, geográfica e quantitativamente, de todos os sistemas de vocalização hebraica. No entanto, Qirqisāni sustentou que os gramáticos reconheciam a superioridade da leitura palestina (ou seja, a tiberiana), na qual baseavam a gramática hebraica.

Saadia Gaon (882–942), um pioneiro da gramática hebraica, é um exemplo disso. Ele nasceu no Egito, viveu algum tempo em Tiberíades e depois se estabeleceu na Babilônia. Embora estivesse familiarizado com a vocalização babilônica e com a tradição de leitura babilônica, ele baseou sua gramática na vocalização tiberiana.

Um exame dos manuscritos com vocalização babilônica revela um claro processo evolutivo: os manuscritos mais antigos preservam uma tradição única do hebraico que difere em muitos detalhes daquela do tiberiano. Com o passar do tempo, porém, as diferenças tenderam a desaparecer: os manuscritos babilônicos ainda usavam os sinais de vocalização supralinear do sistema babilônico, mas a tradição linguística que neles se refletia foi perdendo gradualmente as características que a distinguiam da tradição tiberiana.

Como observado acima a tradição de vocalização tiberiana acabou por triunfar sobre todas as outras e todas as comunidades judaicas adotaram o uso dos sinais tiberianos.

O sistema não permaneceu limitado à Bíblia, mas foi estendido também à Mishná, à poesia litúrgica e outras poesias e, ocasionalmente, também aos escritos em prosa. As tradições de leitura, por outro lado, não se fundiram, e até hoje a Bíblia é lida de forma diferente entre os judeus iemenitas, asquenazes e sefarditas, bem como em algumas outras comunidades judaicas. As tradições destes vários grupos preservaram traços linguísticos antigos.

Os massoretas estavam determinados a produzir um texto bíblico que fosse unificado e uniforme em todos os detalhes: as letras, os sinais vocálicos e os sinais de cantilena. Embora existissem desacordos e diferenças em todos os três domínios – devido à influência de tradições antigas distintas e por causa de erros introduzidos no decurso da cópia e transmissão – onde tais desacordos surgiram, os massoretas tiveram o cuidado de chegar a um acordo sobre uma solução única, que foi então fixada e preservada por meio de um comentário massorético.

Deve-se enfatizar que por uniformidade entendemos a maneira pela qual se deve ler e escrever uma determinada palavra em um determinado versículo. Não queremosJs 1,1 no Codex de Aleppo - Vocalização tiberiana dizer uma uniformidade geral na ortografia ou na vocalização entre diferentes ocorrências em um texto. Nem nos referimos à padronização de textos paralelos que aparecem em vários lugares da Bíblia. Pelo contrário, os massoretas esforçaram-se por preservar as diferenças internas no texto. Transmitiam, por exemplo, quantas vezes uma determinada palavra aparecia plena e quantas vezes defectiva, e preparavam listas de diferenças entre textos paralelos da Bíblia [Obs.: a grafia plena usa consoantes vocálicas, ou matres lectionis, e a grafia defectiva usa sinais vocálicos].

Uma comparação dos melhores manuscritos da Bíblia mostra uma notável uniformidade, que também é mantida nas edições impressas atualmente disponíveis. Porém, esta uniformidade não é absoluta, uma vez que existem algumas diferenças entre os vários manuscritos, bem como entre os manuscritos e as edições impressas mais comuns. Quase todas as diferenças são pequenas e não afetam a interpretação do texto.

Isso pode ser demonstrado através de uma comparação de dois códices, o Codex de Aleppo (A) e o Codex de Leningrado (L), os dois manuscritos mais conhecidos da Bíblia.

O texto do Codex de Aleppo foi escrito em Tiberíades no início do século X por Shlomo ben Boyaʿa, e a vocalização e os comentários massoréticos foram acrescentados pelo famoso massoreta Aharon ben Moshe da família Ben Asher. Hoje o manuscrito não está mais completo depois que cerca de um terço de suas páginas foram perdidas durante os conflitos de Damasco em 1947.

O Codex de Leningrado foi escrito no Egito no ano de 1009 por Shmuel ben Yaʿaqov que escreveu o texto e também adicionou as vogais e os comentários massoréticos. O copista observou que baseou seu trabalho “nos livros editados e iluminados feitos pelo sábio Aharon ben Moshe ben Asher”. Muitas edições modernas da Bíblia baseiam sua versão do texto em um ou em ambos desses códices.