A leitura massorética tiberiana da Bíblia Hebraica

Esta é uma tradução do capítulo I, The Tiberian Masoretic Tradition, do livro de KHAN, G. A Short Introduction to the Tiberian Masoretic Bible and its Reading Tradition. 2. ed. Piscataway, NJ: Gorgias Press, 2013, 156 p. – ISBN 9781463202460.

O capítulo I ocupa as páginas 1-11. As 8 notas de rodapé foram omitidas aqui, o mesmo ocorrendo com alguns elementos do texto. Os subtítulos foram acrescentadosKHAN, G. A Short Introduction to the Tiberian Masoretic Bible and its Reading Tradition. 2. ed. Piscataway, NJ: Gorgias Press, 2013, 156 p. por mim.

A intenção é oferecer aos meus alunos, e a outros potenciais leitores, uma ideia de como chegou até nós o texto da Bíblia Hebraica / Antigo Testamento mais utilizado hoje.

O livro é de uma clareza impressionante e recomendo a sua leitura completa para quem quiser ter um primeiro contato com o tema. Está disponível para download gratuito na página do autor em Academia.edu

O autor, o britânico Geoffrey Khan, é um conhecido especialista em línguas semíticas da Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Diz o autor no prefácio:

Este livro pretende fornecer uma breve visão introdutória da tradição massorética tiberiana da Bíblia Hebraica e seus antecedentes. Foi esta tradição que produziu os grandes códices massoréticos da Idade Média, que constituem a base das modernas edições impressas da Bíblia Hebraica. A apresentação dá especial destaque à natureza multifacetada da tradição massorética. Essas camadas incluem os vários componentes do texto escrito que sobreviveu nos manuscritos massoréticos medievais, bem como a tradição de leitura que foi transmitida oralmente na Idade Média. É dada especial atenção à tradição de leitura tiberiana.

This small book is intended to provide a short introductory overview of the Tiberian Masoretic tradition of the Hebrew Bible and its background. It was this tradition that produced the great Masoretic codices of the Middle Ages, which form the basis of modern printed editions of the Hebrew Bible. The presentation gives particular prominence to the multi-layered nature of the Masoretic tradition. These layers include the various components of the written text surviving in the medieval Masoretic manuscripts as well as the reading tradition that was transmitted orally in the Middle Ages. Particular attention is given to the Tiberian reading tradition.

Diz o capítulo I:

A tradição massorética tiberiana

As edições impressas da Bíblia Hebraica atualmente em uso baseiam-se em manuscritos medievais provenientes da escola dos massoretas de Tiberíades. Os massoretas eram estudiosos que se dedicavam a preservar as tradições de escrita e leitura da Bíblia. O seu nome deriva do termo hebraico masorah ou masoret, cujo significado é “transmissão de tradições”. Os massoretas tiberianos atuaram durante vários séculos na segunda metade do primeiro milênio d.C.

As fontes medievais referem-se a diversas gerações de massoretas, alguns deles pertencentes à mesma família. A mais famosa destas famílias é a de Aharon ben Asher (século X), cujos antepassados estiveram envolvidos em atividades massoréticas durante cinco gerações. Os massoretas continuaram o trabalho dos soferim (“escribas”) dos períodos talmúdico e do Segundo Templo, que também estavam ocupados com a transmissão correta do texto bíblico.

Os massoretas tiberianos desenvolveram o que pode ser chamado de tradição massorética tiberiana. Este foi um corpo de tradição que gradualmente tomou forma ao longo de dois ou três séculos e continuou a crescer até ser finalmente consolidado e as atividades dos massoretas cessarem no início do segundo milênio.

Durante o mesmo período existiam círculos de massoretas também na região da antiga Babilônia, atual Iraque. Entretanto, foi a tradição dos massoretas tiberianos que se tornou virtualmente a tradição massorética exclusiva no judaísmo no final da Idade Média e tem sido seguida por todas as edições impressas da Bíblia Hebraica.

A tradição massorética tiberiana está registrada em vários manuscritos medievais. A maioria deles foi escrita depois de 1100 d.C. e são cópias de manuscritos mais antigos feitos em várias comunidades judaicas.

As primeiras edições impressas são baseadas nesses manuscritos medievais tardios. A mais confiável dessas primeiras edições foi a chamada segunda Bíblia Rabínica (ou seja, o texto bíblico combinado com comentários e traduções, conhecido como Miqraʾot Gedolot) editada por Jacob ben Ḥayyim ben Adoniyahu e impressa na gráfica de Daniel Bomberg em Veneza entre 1524 e 1525. Essas primeiras Bíblias Rabínicas parecem ter sido baseadas em mais de um manuscrito. Este passou a ser considerado um textus receptus e foi usado como base para muitas edições subsequentes da Bíblia Hebraica.

Um pequeno número de manuscritos sobreviventes são registros de primeira mão da tradição massorética tiberiana. Foram escritos no Oriente Médio antes de 1100 d.C., quando os massoretas ainda estavam ativos. São, portanto, as testemunhas mais confiáveis da tradição massorética tiberiana. Todos eles vêm do fim, ou perto do fim, do período massorético, quando a tradição massorética se tornou fixa na maioria dos seus detalhes. O manuscrito datado mais antigo neste corpus foi escrito no século IX. Depois de 1100 d.C., a tradição fixa foi transmitida por gerações de escribas.

Algumas das edições modernas da Bíblia são baseadas nesses manuscritos antigos, por ex. a Biblia Hebraica a partir da terceira edição (1929–1937) em diante (cuja última edição é a Biblia Hebraica Quinta, 2004–), The Hebrew University Bible (1975–), as edições de A. Dotan (1973, revisada em 2001) e M. Breuer (1977–1982) e a edição moderna da Bíblia Rabínica de M. Cohen (conhecida como Ha-Keter, Ramat-Gan, 1992—).

 

Os oito componentes da tradição massorética tiberiana

A tradição massorética tiberiana pode ser dividida nos seguintes componentes:
1. O texto consonantal da Bíblia Hebraica
2. A diagramação do texto e a forma codicológica dos manuscritos
3. As indicações de divisões de parágrafos (conhecidas em hebraico como pisqaʾot ou parashiyyot)
4. Os sinais de acento, que indicavam a cantilena musical do texto e também a posição do acento principal de uma palavra
5. A vocalização, que indicava a pronúncia das vogais e alguns detalhes da pronúncia das consoantes na leitura do texto
6. Notas sobre o texto, escritas nas margens do manuscrito
7. Tratados massoréticos: alguns manuscritos possuem apêndices no final do texto bíblico contendo vários tratados sobre aspectos dos ensinamentos dos massoretas
8. Tradição de leitura transmitida oralmente.

Os primeiros sete desses componentes são escritos, enquanto o oitavo existia apenas oralmente.

Geoffrey Khan (1958-)A tradição de leitura transmitida oralmente foi transmitida de geração em geração durante o período massorético. Esta tradição de leitura é parcialmente representada em forma gráfica pelos sinais de acento e pelos sinais de vocalização e é descrita até certo ponto nos tratados massoréticos. Esses componentes escritos da tradição massorética, porém, não registram todos os detalhes da tradição de leitura, especialmente no que diz respeito à pronúncia das consoantes. A tradição de leitura tiberiana transmitida oralmente, portanto, deve ser tratada como um componente adicional da tradição massorética tiberiana. Esta tradição de leitura complementava o texto consonantal, mas era independente dele até certo ponto, como mostra o fato de que os sinais de vocalização às vezes refletem uma leitura diferente daquela representada pelo texto consonantal. Nesses casos, a terminologia massorética tradicional distingue entre qere (“o que é lido”) e ketiv (“o que está escrito”).

 

Componentes herdados e componentes criado pelos massoretas

É este complexo de componentes, escritos e orais, que formou a tradição massorética tiberiana. Uma distinção cuidadosa deve ser feita entre os componentes desta tradição: em alguns casos os massoretas tiveram um papel direto na sua criação, e em outros casos os componentes foram herdados de um período anterior.

Os componentes principais que foram herdados da tradição anterior incluem o texto consonantal, as divisões de parágrafos, a tradição de leitura oral e alguns dos conteúdos das notas textuais.

Os outros componentes, ou seja, os sinais de pronúncia e vocalização e a maioria das notas textuais e tratados, foram desenvolvidos pelos massoretas no período massorético.

No final do período massorético os componentes escritos da tradição massorética tiberiana tornaram-se fixos e foram transmitidos nesta forma fixa por escribas posteriores. Em contraste, o componente oral, ou seja, a tradição de leitura tiberiana, foi rapidamente esquecida e parece não ter sido transmitida muito depois do século XII.

 

As várias correntes de tradição da escola tiberiana

Os massoretas tiberianos não desenvolveram uma tradição completamente uniforme. Dentro da escola tiberiana havia várias correntes de tradição que diferiam umas das outras em pequenos detalhes. Essas diferentes correntes foram associadas aos nomes de massoretas individuais.

As diferenças que mais conhecemos foram entre Aharon ben Asher e Moshe ben Naftali, que pertencia à última geração de massoretas no século X.

Os pontos de desacordo entre estes dois massoretas estão registrados em listas no final de muitos dos primeiros manuscritos da Bíblia tiberiana. Eles foram coletados por Mishaʾel ben ʿUzziʾel em um tratado árabe conhecido como Kitāb al-Khilaf “O livro das diferenças”.

Essas diferenças são apenas em detalhes muito pequenos. Aproximadamente três quartos dizem respeito à colocação do chamado sinal gaʿya (mais tarde conhecido como meteg), que complementa os sinais de acento principalmente com o propósito de marcar o acento secundário nas palavras.

Há concordância no texto consonantal e também, em praticamente todos os casos, na vocalização e nos sinais de acento. A existência destas listas de diferenças reflete o processo de fixação e padronização da tradição massorética.

Sabemos de outras fontes sobre uma série de diferenças entre os massoretas das gerações anteriores ao século IX. Novamente, estes dizem respeito apenas a pequenos detalhes.

No encerramento do período massorético, após a geração de Aharon ben Asher, a tradição massorética tiberiana não havia se fixado na escola de um massoreta específico. Uma fonte do século XI refere-se à possibilidade de seguir a escola de Ben Asher ou a de Ben Naphtali, sem qualquer avaliação.

A escola Ben Asher finalmente tornou-se dominante somente quando foi adotada pelo influente estudioso judeu Moses Maimonides (1135-1204). Quando residia no Egito, Maimônides examinou um manuscrito com vocalização e acentos escrito pela mão de Aharon ben Asher e declarou que era o modelo que deveria ser seguido.

É provável que “O livro das diferenças” entre Ben Asher e Ben Naphtali (Kitāb al-Khilaf) tenha sido composto por Mishaʾel ben ʿUzziʾel logo após este pronunciamento de Maimônides.

 

A adoção do codex

Os manuscritos massoréticos tiberianos são códices, ou seja, livros que consistem em coleções de folhas duplas costuradas (conhecidas em fontes hebraicas como miṣḥaph <árabe muṣḥaf).

A Bíblia Hebraica começou a ser produzida em forma de codex durante o período islâmico. Os primeiros códices sobreviventes com colofões explicitamente datados foramInício do livro do Gênesis no Codex de Leningrado escritos no século X d.C. Todos eles se originam das comunidades judaicas no Oriente Médio.

Há evidências indiretas de algumas fontes rabínicas de que o codex já havia sido adotado para Bíblias hebraicas no século VIII d.C.

Antes disso a Bíblia Hebraica era sempre escrita em rolos (de pergaminho). Após a introdução do codex, os rolos continuaram a ser usados para escrever a Bíblia Hebraica. Cada tipo de manuscrito, porém, tinha uma função diferente.

Os rolos eram usados para leitura litúrgica pública nas sinagogas, enquanto os códices eram usados para fins de estudo e leitura não litúrgica.

O rolo era a antiga forma de manuscrito consagrada pela tradição litúrgica e era considerado inaceitável pelos massoretas mudar o costume de escrever o rolo, adicionando os vários componentes escritos da tradição massorética que eles desenvolveram, como vocalização, acentos e notas marginais. O codex não tinha tal tradição no Judaísmo e, portanto, os massoretas sentiram-se livres para introduzir nesses tipos de manuscrito os componentes massoréticos escritos recentemente desenvolvidos.

O desejo de colocar por escrito, na Idade Média, os muitos componentes da tradição massorética que haviam sido anteriormente transmitido oralmente foi sem dúvida uma das principais motivações para a adoção do codex neste período.

O codex estava disponível como formato de produção de livros desde o período romano. Começou a ser usado para a escrita de bíblias cristãs já no século II. Os primeiros códices datáveis do Alcorão existentes são anteriores aos códices datados da Bíblia Hebraica em cerca de dois séculos. O fato de o termo hebraico medieval para Bíblia, miṣḥaph, ser um empréstimo do árabe musṣḥaf sugere, de fato, que os judeus tomaram emprestado o formato dos muçulmanos.

Podemos dizer que o rolo litúrgico permaneceu o núcleo da tradição bíblica, enquanto o codex massorético foi concebido como auxiliar desta. Esta distinção de função entre rolos litúrgicos sem vocalização, acentos ou notas massoréticas, por um lado, e códices massoréticos, por outro, continuou nas comunidades judaicas até os dias atuais.

Ocasionalmente, na Idade Média, eram feitos acréscimos massoréticos aos rolos de pergaminho se eles, por algum motivo, se tornassem impróprios para uso litúrgico. O fato de as folhas de um codex terem sido escritas em ambos os lados, ao contrário dos pergaminhos bíblicos, e o seu formato prático geral significava que todos os 24 livros da Bíblia podiam ser encadernados num único volume, como é o caso do Codex de Aleppo e do Codex de Leningrado.

O formato de rolo, menos prático, significava que os livros da Bíblia tinham de ser divididos em uma série de rolos separados. Em muitos casos, porém, os códices consistiam apenas em seções da Bíblia, seguindo as três divisões principais do Pentateuco (Torá), Profetas (Neviʾim) e Escritos (Ketuvim), ou até unidades menores.

Muitos deles estão entre aqueles que deveriam ser classificados como “manuscritos populares”.

Os rolos geralmente diferiam dos códices massoréticos não apenas na falta de vocalização, acentos e notas massoréticas, mas também na adição de traços ornamentais chamados taggin (‘coroas’) às letras hebraicas shin, ʿayin, ṭet, nun, zayin, gimel e ṣade.

A tarefa de escrever códices era geralmente dividida entre dois escribas especializados. A cópia do texto consonantal era confiada a um escriba conhecido como sopher, que também escrevia rolos. A vocalização, os acentos e as notas massoréticas, por outro lado, eram geralmente acrescentados por um escriba conhecido como naqdan (vocalizador) ou por um massoreta. Isto reflete o fato de que a tradição de transmissão do texto consonantal e a tradição de transmissão dos componentes massoréticos não estavam completamente integradas.

Até agora fizemos uma distinção entre os manuscritos da Bíblia Hebraica escritos em rolos e os escritos em códices massoréticos, e também entre os primeiros códices tiberianos datáveis de antes de 1100 e códices posteriores.

 

Os vários tipos de códices

No período inicial, coincidindo ou próximo à época em que os massoretas estavam ativos, podemos distinguir entre vários tipos de códices da Bíblia Hebraica.

O tipo de codex mencionado na discussão anterior é o que pode ser chamado de codex “modelo”, que foi cuidadosamente escrito e preservou com precisão os componentes escritos da tradição massorética tiberiana. Tais manuscritos geralmente estavam em posse de uma comunidade, como mostram seus colofões, e eram mantidos em local público de estudo e culto para consulta e cópia (para produzir tanto códices quanto rolos). Referências a vários códices modelo e suas leituras são encontradas nas notas massoréticas, por exemplo, Codex Muggah, Codex Hilleli, Codex Zambuqi e Codex Yerushalmi. Às vezes, manuscritos escritos com precisão também contêm o texto de um targum aramaico.

Além destes modelos de códices massoréticos, existiam numerosos códices bíblicos chamados “populares”, que geralmente estavam na posse de particulares. Estes não foram escritos com tanta precisão como os códices modelo e geralmente não incluíam todos os componentes escritos da tradição massorética tiberiana. Freqüentemente, eles não contêm acentos ou notas massoréticas, mas apenas vocalização, e isso pode divergir do sistema tiberiano padrão de vocalização em vários detalhes.

Uma característica notável de alguns códices populares é que eles adaptam o texto consonantal escrito para fazê-lo corresponder mais de perto à tradição de leitura. Um caso extremo disso é representado por um corpus de manuscritos da Bíblia Hebraica que contém uma transcrição árabe da tradição de leitura. Estes foram usados por alguns judeus caraítas.

Alguns manuscritos bíblicos populares não passam de memorandos da tradição de leitura, na medida em que são escritos em uma forma taquigráfica conhecida como serugin. Nestes textos, a primeira palavra de um versículo é escrita por extenso, seguida por uma única letra de cada uma das outras palavras importantes do versículo.

Alguns manuscritos bíblicos populares eram acompanhados de um targum aramaico ou de uma tradução e comentário em árabe.

Mas nem todos os manuscritos populares foram necessariamente escritos de forma descuidada. A característica crucial de sua produção era que os escribas se sentiam menos limitados pela tradição do que pela cópia dos manuscritos modelo. Muitos deles se distinguem dos manuscritos modelo também por suas dimensões menores.

Havia, portanto, três classes de manuscritos da Bíblia Hebraica no início da Idade Média: (1) rolos de pergaminhos usados para leitura pública na liturgia; (2) modelos de códices massoréticos, cujo objetivo era preservar toda a tradição bíblica, tanto a tradição escrita como a tradição de leitura; (3) manuscritos populares que auxiliavam as pessoas na leitura do texto.

Vamos descrever aqui brevemente dois dos modelos de códices massoréticos tiberianos sobreviventes que passaram a ser considerados entre os mais importantes e foram usados ​​em edições críticas modernas, ou seja. o Codex de Aleppo (século X d.C.) e o Codex de Leningrado (datado de 1009 d.C.).

Ambos os manuscritos são originários do Oriente Médio, assim como a grande maioria dos primeiros códices. Os primeiros manuscritos orientais começaram a chamar a atenção dos estudiosos no século XIX, principalmente devido à coleção de manuscritos orientais reunida por Abraham Firkovitch (1787-1874), a maioria dos quais foram vendidos para o que hoje é a Biblioteca Nacional da Rússia em São Petersburgo.

Um avanço importante foi também a descoberta da Genizah do Cairo no final do século XIX, que continha muitos fragmentos dos primeiros manuscritos bíblicos orientais, a maioria dos quais estão agora na posse da Biblioteca da Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Os primeiros códices sobreviventes escritos na Europa datam do século XII. Todos os códices medievais refletem uma tradição massorética basicamente uniforme, embora não haja dois manuscritos completamente idênticos. As diferenças às vezes são resultado de erros dos escribas e outras vezes devido a um sistema ligeiramente diferente de marcação de vocalização ou acentos.

 

O Codex de Aleppo

No cólofon deste manuscrito afirma-se que o massoreta Aharon ben Asher (século X d.C.) acrescentou a vocalização, os acentos e as notas massoréticas. Isto é confirmado pela comparação com as declarações relativas à tradição de Ben Asher no ‘Livro das diferenças’ (Kitāb al-Khilaf) de Mishaʾel ben ʿUzziʾel.Js 1,1 no Codex de Aleppo

Na verdade, acredita-se que seja o manuscrito que Maimônides examinou quando declarou que a tradição de Ben Asher era superior à de outros massoretas. Deveria ser considerada, portanto, como a edição autorizada na tradição judaica. Quando Maimônides viu o manuscrito, ele estava guardado no Egito, possivelmente na sinagoga Ben-Ezra em Fusṭāṭ, que mais tarde se tornou famosa por sua genizah [a Genizah do Cairo]. A partir do final da Idade Média, porém, foi mantido em Aleppo.

Em 1948 a sinagoga onde estava guardado em Aleppo foi incendiada e apenas cerca de três quartos do manuscrito original foram preservados. As porções sobreviventes são agora mantidas em Jerusalém, na biblioteca do Instituto Ben-Zvi.

Foi publicado em uma edição fac-símile por Goshen-Gottstein (1976). Este manuscrito forma a base de uma série de edições israelenses da Bíblia Hebraica, incluindo a Bíblia da Universidade Hebraica (Goshen-Gottstein 1975), a edição de M. Breuer (Jerusalém 1977-1982, reeditada em 1996-1998 com inclusão de novas informações sobre as divisões da parashah) e a moderna Bíblia Rabínica (Ha-Keter) editada por M. Cohen (1992–).

 

O Codex de Leningrado

O cólofon do manuscrito afirma que foi escrito em 1009 e posteriormente corrigido “de acordo com os textos mais exatos de Ben Asher”. Não foi, portanto, o trabalho original de uma autoridade massorética, ao contrário do Codex de Aleppo, que foi produzido diretamente pelo massoreta Aharon ben Asher.

O Codex de Leningrado difere ligeiramente do Codex de Aleppo em alguns pequenos detalhes. O manuscrito foi preservado em sua totalidade e contém o texto completo da Bíblia. Paul Kahle fez disso a base da terceira edição da Bíblia Hebraica (Stuttgart 1929-1937) e tem sido usado em todas as edições subsequentes. É também a base da edição da Bíblia Hebraica de A. Dotan (Tel-Aviv 1976)

 

Os sistemas babilônico, palestino e tiberiano-palestino

Na Idade Média, os manuscritos da Bíblia Hebraica também foram escritos com sistemas de vocalização e acentuação que diferiam daqueles da tradição massorética tiberiana.

Alguns desses sistemas são adaptações do sistema tiberiano, como o sistema tiberiano-palestino. Outros sistemas usam diferentes conjuntos de sinais. Estes incluem os sistemas de vocalização palestinos e babilônicos, encontrados em numerosos manuscritos da Idade Média. Não há uniformidade entre os sistemas palestino e o babilônico e é possível identificar uma série de subsistemas.

No final da Idade Média esses sistemas foram quase completamente suplantados nos manuscritos pela tradição massorética tiberiana padrão. Uma questão importante é: qual era o seu estatuto em relação à tradição tiberiana na Idade Média?

Tanto quanto pode ser estabelecido, eles exibem uma convergência com o sistema tiberiano no decurso do seu desenvolvimento. As primeiras formas dos sistemas de vocalização palestino e babilônico têm muitas características que são independentes do sistema tiberiano, mas gradualmente a tradição tiberiana exerceu sua influência e, de fato, alguns manuscritos são pouco mais do que transcrições da tradição tiberiana em sinais vocálicos babilônicos ou palestinos.

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