A dor daqueles que doem toda a vida

O senhor sabe: tanta pobreza geral, gente no duro ou no desânimo. Pobre tem de ter um triste amor à honestidade. São árvores que pegam poeira – Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.

O teatro do horror

Se você tivesse um ente querido entre os mortos do avião da TAM, mediria consequências na hora de soltar os gritos de desespero? Se chegasse a câmera para registrar o seu choro convulsivo, e mostrasse a toda a nação o momento de maior fraqueza e desolação da sua vida…

O show da Grande Mídia alcançou números estratosféricos nos últimos dias, turbinado pelas lágrimas dos parentes dos mortos. A agonia em carne viva foi mostrada por ser um apelo necessário, ou tão somente porque esse tipo de imagem prende a atenção do espectador e rende uma fortuna no mercado midiático?!

Bonner nunca esteve tão bem vestido, nunca tão poderoso como durante o furo de reportagem Global apresentado por ele sobre as trapalhadas dos técnicos da TAM. Foi um momento de glória para a emissora. Apesar da evidente falha técnica, os informativos seguintes não se cansaram de mostrar as manifestações que associam o desastre às questões crônicas do transporte aéreo e, por conseguinte, ao governo Lula. Instigados pelos meios de comunicação, aqueles acostumados a perder horas nos aeroportos aproveitaram para juntar tudo num mesmo pacote de protesto.

QUESTÃO DE JUSTIÇA
A aviação comercial brasileira ganhará investimentos vultosos nos próximos anos. Não por ser esta uma questão de justiça, mas porque os reclamantes são poderosos. Se fosse pela justiça, o governo deixaria de se preocupar com aqueles que dormem nos corredores dos aeroportos por algumas noites, aquele povo bem servido que tem sofrido nas filas de chek-in, e trataria de multiplicar seus programas aos famintos da nação. Procuraria diminuir a dor daqueles que doem toda vida. Buscaria aquecer o frio daqueles que tremem em todo inverno. Daria abrigo àqueles que dormem mal toda noite.

É provável que muitos discordem, ou que me odeiem por dizer isso. Provavelmente já passaram horas no saguão de Congonhas, tendo somente as mochilas como travesseiros. Mas será que já experimentaram as carências extremas?

Tenho muitos amigos, companheiros de velhas batalhas que, depois de alcançarem uma certa posição econômica e social, botaram um tapume entre si e a favela. Viajam todas as férias para as praias do Nordeste, adquiriram dois ou três carros novos nos últimos cinco anos, construíram mais alguns quartos no velho sobrado e passam a vida malhando o nosso “iletrado” presidente, que estaria governando para os miseráveis e os banqueiros.

Milhares de calhambeques e carroças trafegam em estradas brasileiras que nunca foram asfaltadas e ninguém parece preocupado com isso. Caminhoneiros atravessam o país em viagens que duram dias, tocados à base de café e rebite, morrendo em desastres horríveis, e disso pouco se fala. A TV prefere mostrar aquelas justas manifestações nos aeroportos pedindo providências urgentes. Uma ou duas horas de atraso nos vôos e as senhoras de casaco de pele ficam histéricas. Os filhinhos de papai que nunca ergueram uma palha do chão querem bater nos aeroviários. A dentista que nunca lavou as próprias meias está possessa porque perdeu a abertura do congresso em Salvador. O estudante de medicina que comprou vaga no vestibular está catatônico porque não poderá chegar à tempo à festa de aniversário do namorado.

Perdoe-me, leitor, o povo merece, sim, voar com dignidade para visitar os parentes na Europa e fazer compras em Miami. Sim, ninguém deveria enfrentar aquelas filas horríveis. Mas, por favor, não me diga que essa é uma questão de justiça. O que temos aqui é uma questão de poder. O apagão aéreo, como repetem diuturnamente os papagaios tucanos, tornou-se notícia permanente porque mexeu com gente graúda. Por esse motivo, e só por isso, em breve o problema será resolvido.

(Obviamente, nem todos os que voam são graúdos, mas parece que todos os graúdos voam. Inclusive eu, que sonho ser graúdo para nunca mais olhar a miséria que ronda minha casa. Não quero nunca mais ver essas mães tentando cobrir os filhos com trapos, nem quero ver seus filhos juntando comida no latão de lixo. Que gente desclassificada! Ui! Parecem animais!).

Temos um ano de conflito aeroviário, e temos quinhentos anos de exploração escrava, mas qual é o assunto em pauta? Quando a grande mídia publicará em seus editoriais o fato de que a remuneração pelo trabalho do carregador portuário que anda de bicicleta deve ser, por justiça, igual ao do empreiteiro que anda de avião? Quando faremos as contas para constatar que a empregada doméstica realiza um trabalho mil vezes mais difícil que a senhora dona da loja de bijuterias do shopping e que, por isso, deve receber, quando menos, o mesmo salário?

Não se fala mais nisso, pois o capitalismo venceu, e quem tem coragem de defender Marx ou o socialismo? Talvez Oscar Niemeyer!? A revista Veja não se cansa de dizer que os marxistas não conseguiram provar as teorias do mestre, o que comprova que o ser humano é mesmo uma besta, um capitalista nato. Quem pode mais chora menos, é essa a humanidade que estamos construindo, é com essa coisa horrível que temos de nos conformar!

Fonte: Chico Guil – Carta Maior: 30/07/2007

> Este é o post de número 1000 do Observatório Bíblico.

Resenhas na RBL – 30.07.2007

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

Octavian D. Baban
On the Road Encounters in Luke-Acts: Hellenistic Mimesis and Luke’s Theology of the Way
Reviewed by Thomas L. Brodie

Stephen Barton, ed.
The Cambridge Companion to the Gospels
Reviewed by Paul Foster

Dianne Bergant
Israel’s Story: Part One
Reviewed by Sven Petry

John A. Bertone
The Law of the Spirit: Experience of the Spirit and Displacement of the Law in Romans 8:1-16
Reviewed by Volker Rabens

Thomas L. Brodie, Dennis MacDonald, and Stanley E. Porter, eds.
The Intertextuality of the Epistles: Explorations of Theory and Practice
Reviewed by Korinna Zamfir

Trevor J. Burke and J. Keith Elliott, eds.
Paul and the Corinthians: Studies on a Community in Conflict. Essays in Honour of Margaret Thrall
Reviewed by Joubert Stephan

Jacques Cazeaux
Le partage de minuit: Essai sur la Genèse
Reviewed by Hugh S. Pyper

Dorothea Erbele-Küster and Detlef Dieckmann, eds.
“Du hast mich aus meiner Mutter Leib gezogen”: Beiträge zur Geburt im Alten Testament
Reviewed by Silvia Schroer

Dennis Hamm
The Acts of the Apostles
Reviewed by Steve Walton

James L. Kugel, ed.
Prayers That Cite Scripture
Reviewed by Marvin A. Sweeney

James Limburg
Encountering Ecclesiastes: A Book for Our Time
Reviewed by David Brian Warner

Mark Munn
The Mother of the Gods, Athens, and the Tyranny of Asia: A Study of Sovereignty in Ancient Religion
Reviewed by Gerhard van den Heever

Mikeal Parsons
Luke: Storyteller, Interpreter, Evangelist
Reviewed by Robert C. Tannehill

Susanne Rudnig-Zelt
Hoseastudien: Redaktionskritische Untersuchungen zur Genese des Hoseabuches
Reviewed by Eberhard Bons

Wolfgang Schrage
Vorsehung Gottes? Zur Rede von der providentia Dei in der Antike und im Neuen Testament
Reviewed by Michael Labahn

Mikael Sjöberg
Wrestling with Textual Violence: The Jephthah Narrative in Antiquity and Modernity
Reviewed by Rüdiger Bartelmus

Simpósio da ABIB sobre Bíblia e Ciências Humanas

ABIB: Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica – Regional São Paulo

I Simpósio Regional Bíblia e Ciências Humanas

Data: 25 de agosto de 2007
Local: Seminário Teológico da Igreja Presbiteriana Independente
Rua Genebra, 180 – Bela Vista – São Paulo
(próximo à Câmara Municipal e às estações Anhangabaú e Sé do Metrô)

:: Apresentação
A Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica – ABIB, recentemente instituída, tem o objetivo de congregar pesquisadores e pesquisadoras em Bíblia nos mais diversos campos e ambientes, com vistas a favorecer a identidade acadêmica. Para tanto, vem realizando congressos em âmbito nacional – o próximo deverá ocorrer em 2008 – e também eventos de alcance regional.

:: Simpósio Regional São Paulo
Em 25 de agosto de 2007, será realizado o I Simpósio Regional São Paulo, com o tema Bíblia e Ciências Humanas, que espera reunir biblistas do Estado, seja para acompanhar a programação e interferir no debate, seja para contribuir com a apresentação de uma comunicação acadêmica.

:: Programação
8h Abertura
8h30 Mesa-redonda: Bíblia e Ciências Humanas
Conferencistas:
. Prof. Dr. Archibald Mulford Woodruff (UMESP, Seminário da IPI)
. Prof. Dr. André Chevitarese (UFRJ)
11h Intervalo
11h30 ABIB: apresentação e notícias
12h30 Almoço
14h Comunicações acadêmicas
16h Intervalo
16h30 Conferência: Bíblia e Ciências Humanas – Perspectivas
Conferencista:
. Prof. Dr. Milton Schwantes (UMESP, EDT)
18h Encerramento

:: Inscrições
Para efetuar a inscrição no I Simpósio Regional Bíblia e Ciências Humanas, favor preencher os dados abaixo e enviar para o endereço eletrônico abib.sp@bol.com.br. Caso haja interesse em apresentar uma comunicação, pedimos que os dados sejam enviados até dia 10/08.
A taxa de inscrição, a ser paga no momento da abertura dos trabalhos, é de:
R$ 20,00 (sócios da ABIB)
R$ 30,00 (não-sócios)

:: Ficha de Inscrição:
Nome:
Endereço:
Telefone:
E-mail:
Instituição e atividade que exerce em ligação com a Bíblia:
Título da comunicação (caso queira fazê-la):
Resumo da comunicação (10 a 15 linhas):

> No dia do evento será possível afiliar-se à ABIB, caso haja interesse.

Congresso Internacional da CBA 2007

Será realizado nos dias 4 a 7 de agosto de 2007 o Septuagésimo Encontro Internacional da Associação Bíblica Católica da América, a CBA: The Catholic Biblical Association of America.

O local é a Universidade Santa Clara, Santa Clara, Califórnia, USA.

The Seventieth International Meeting of The Catholic Biblical Association of America will be held August 4-7, 2007 at Santa Clara University, Santa Clara, CA.

Religião e formação de classes na antiga Judeia – Bibliografia

A bibliografia, quando possível, foi atualizada e traduções para o português, quando encontradas, foram preferidas nas citações.

Nesta bibliografia, com duas exceções, são citados apenas autores mencionados no resumo. No livro a bibliografia ocupa as páginas 167-173.

 

BACHOFEN, J. J. Der Mythus von Orient und Occident: eine Metaphysik der alten Welt. München: Beck, 1956.

CAUSSE, A. Du groupe ethnique à la communauté religieuse: le problème sociologique de la religion d’Israël. Paris: Librairie Félix Alcan, 1937.

DROYSEN, J. G. Geschichte des Hellenismus. München: Deutscher Taschenbuch Verlag, 1986. ISBN 9783423059763

DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. ISBN 853361022X

EDDY, S. K. The King is Dead: Studies in the Near Eastern Resistance to Hellenism 334-31 B.C. Lincoln: University of Nebraska Press, 1961.

FORTES, M. Kinship and the Social Order: The Legacy of Lewis Henry Morgan. London : Routledge, 2004. ISBN 9780415330091.

FRIED, M. The Evolution of Political Society: An Essay In Political Anthropology. New York: McGraw-Hill, 1967. ISBN 9780075535799.

GARCÍA MARTÍNEZ, F. Textos de Qumran: edição fiel e completa dos Documentos do Mar Morto. Petrópolis: Vozes, 1995.

GODELIER, M. Ökonomische Anthropologie: Untersuchungen z. Begriff d. sozialen Struktur primitiver Gesellschaften. Reinbek (bei Hamburg): Rowohlt, 1982. ISBN 9783499250439.

HENGEL, M. The Zealots: Investigations into the Jewish Freedom Movement in the Period from Herod I Until 70 A.D. London: T & T Clark, 2000. ISBN 9780567293725.

KREISSIG, H. Die sozialen Zusammenhänge des judäischen Krieges: Klassen und Klassenkampf im Palästina des 1. Jahrhunderts v.u. Z. Berlin: Akademie-Verlag, 1970.

LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. ISBN 8532628583.

MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70, 1989. ISBN 9789724402260.

MEYER, E. Die Entstehung des Judentums: eine historische Untersuchung. Hildesheim: G. Olms, 1987. ISBN 3487009951.

MORGAN, L. H. Ancient Society for Researches in the Lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to Civilization. New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, 2000. ISBN 9780765806918.

PATAI, R. Sitte und Sippe in Bibel und Orient. Frankfurt am Main: Ner-Tamid-Verlag, 1962.

PEREIRA DE QUEIROZ, M. I. Réforme et révolution dans les sociétés traditionnelles: histoire et ethnologie des mouvements messianiques. Paris : Éditions Anthropos, 1968.

POLANYI, K. Trade and Market in the Early Empires: Economies in History and Theory. New York: The Free Press, 1957.

SAHLINS, M. D. Sociedades tribais. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

SCHOLEM, G. Über einige Grundbegriffe des Judentums. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996. ISBN 3518133179

THACKERAY, H. St. J./MARCUS, R./WIKGREN, A./FELDMAN, L. H. Josephus I-X, Cambridge: Harvard University Press, 1926-1965.

TOV, E. (ed.) The Dead Sea Scrolls Electronic Library, a CD-Rom edition. Leiden: Brill, 2006. ISBN 9789004150621.

WEBER, M. Ancient Judaism. New York: The Free Press, 1967. ISBN 9780029341308. Original: Das antike Judentum. Max Weber, Gesammelte Politische Schriften. Potsdamer Internet-Ausgabe (texto online).

________ Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva, Vols. 1 e 2. Brasília: Editora da UnB, 2004. ISBN 852303142X e 8523003908.

 

Leia em seguida:

Introdução

Capítulo 1: Solidariedade e formação de classes à luz da etnologia – Solidarität und Klassenbildung aus ethnologischer Sicht

Capítulo 2: O sistema judaico de parentesco – Das judäische Verwandtschaftssystem

Capítulo 3: Condições da economia na região montanhosa da Judeia no tempo do domínio persa – Bedingungen des Wirtschaftens im judäischen Bergland in persische Zeit

Capítulo 4: Crise agrária, revolta dos camponeses e reforma de Neemias – Agrarkrise, bäuerlicher Widerstand und die Reform Nehemias

Capítulo 5: Arrendamento estatal grego e luta dos Macabeus pela liberdade – Griechische Staatspacht und makkabäischer Freiheitskampf

Capítulo 6: Apresentação de sociedades asiáticas em etnografia helenística – Zur Interpretation asiatischer Gesellschaften in hellenistischer Ethnographie

Capítulo 7: A evolução de um domínio sem tradições na Judeia e a revolta crescente contra ele – Die Progression einer traditionsfreien Herrschaft in Judäa und des Widerstandes gegen sie

Capítulo 8: Estabelecimento da antiga relação de classes na Judeia – Die Etablierung der antiken Klassenverhältnisse in Judäa

Capítulo 9: Oposição da religião à política – Opposition der Religion gegen die Politik

Esquizofrenia informativa da mídia de oposição

A mal tiempo, peor cara de Lula –  Página/12 – 24/07/2007

El clima no le da tregua a la crisis aérea brasileña. A una semana del accidente que dejó cerca de 200 muertos y de un fin de semana con vuelos atrasados y cancelados, la intensa lluvia volvió caótico el aeropuerto de Congonhas, en el centro de San Pablo. En medio de esta tensión, el presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dirigió a los familiares de las víctimas y les pidió fuerza para superar ese momento. El gobierno brasileño quiere esperar a que la investigación avance antes de tomar alguna decisión. Mientras las informaciones sobre el accidente del avión de TAM siguen siendo confusas, la Aeronáutica sostuvo ayer que el apagón energético que causó los retrasos el sábado pasado fue causado por una falla humana. Con esto descartarían la versión del lunes, que hablaba de un boicot de los controladores aéreos.

Presionado por los medios y por la oposición, Lula salió a enfrentar las cámaras. “Les pido a las familias fuerza y mucha fe en Dios, porque yo sé por lo que están pasando y sé de su sufrimiento”, aseguró el presidente, intentado acercarse a los familiares de las víctimas, que el domingo protestaron para pedir una investigación y una sanción a los responsables. “No existe ninguna hipótesis de que la verdad no venga a luz”, agregó. La de ayer fue la segunda aparición pública de Lula desde el accidente del martes pasado.

Aunque el presidente siempre se dirigió a los familiares de las víctimas, también aprovechó para criticar solapadamente a la oposición. “Es necesario que tengamos la prudencia de investigar correctamente con la seriedad que una investigación de esta magnitud merece”, sostuvo. En los últimos días, los medios opositores han difundido infinitas versiones sobre la causa por la cual el avión de TAM siguió de largo por la pista central de Congonhas, atravesó una avenida y se estrelló contra un depósito.

El diputado del derechista Partido Demócrata Efraim Filho, que viajó a Washington para seguir las pericias a la caja negra, confirmó que el piloto tuvo problemas para frenar el avión. Para el legislador opositor eso descartaría la hipótesis de que el piloto intentó “arremeter”, es decir, que aterrizó, recorrió una porción de la pista y luego intentó volver a levantar vuelo. En cambio, ganaría fuerza la versión que responsabiliza al estado de la pista por las complicaciones.

En el Palacio del Planalto tomaron esta información como todas las que estuvieron surgiendo durante los últimos días: con pinzas. No sólo porque provino de un diputado de la derecha, sino también porque existen otros indicios que ponen en duda esta versión. La empresa TAM reconoció la semana pasada que el avión tenía un desperfecto en una de las turbinas.

Esa misma esquizofrenia informativa se vive con respecto a los cada vez más habituales apagones aéreos. El domingo los principales medios brasileños sostenían que los retrasos y las complicaciones que paralizaron durante horas los aeropuertos brasileños el sábado habían sido provocados por un boicot de los controladores aéreos, grupo que desde hace meses demanda que el sector pase a manos civiles. Según la cúpula militar, los controladores habrían trabajando a reglamento, causando importantes retrasos y hasta algunas suspensiones.

Los controladores inmediatamente rechazaron la acusación. “No somos terroristas”, aseguraron, acompañando el tono dramático que rodea a toda la crisis aérea desde el accidente. Ayer, la Aeronáutica salió a rectificarse con tanta sutileza que no llegó a aceptar su error. “Fue provocado por una falla humana”, le comunicó el comandante de la fuerza, Juniti Saito, a la presidencia. De todas maneras, en estos días nada se descarta ni se comprueba en Brasil. Lo único que hay son especulaciones.

 

E a imprensa arremeteu – Gilson Caroni Filho – Observatório da Imprensa: 24/07/2007

O que estava em causa na cobertura da mídia após o acidente da TAM era a construção da “crônica da tragédia anunciada”. Ao incluir as vítimas fatais no seu cálculo político, mais uma vez a mídia folhetinizou um drama real, banalizando a vida.

 

A fumaça ainda escapava dos escombros do prédio onde funcionava o terminal de cargas da TAM. Os bombeiros tentavam conter as chamas e ainda não haviam conseguido chegar ao avião. Era impossível determinar o número de pessoas mortas. Ainda assim, sem qualquer possibilidade de precisar os fatos, o jornal da família Marinho, com edição fechada poucas horas depois da tragédia, chegava às bancas na quarta-feira (18/7) com as causas do desastre elucidadas.

‘Dez meses depois do que tinha sido o maior acidente da aviação brasileira, um Airbus A-320 da TAM, com 176 pessoas a bordo – 170 passageiros e seis tripulantes – explodiu por volta das 18h50m de ontem, após derrapar na pista principal do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, tentar arremeter, atravessar a movimentada Avenida Washington Luís e se chocar, do outro lado da pista, contra um prédio onde há um depósito de combustível da própria TAM.’ (O Globo, 18/7/2007)

O texto não deixava qualquer margem para dúvidas.

Sem dispor de qualquer informação confiável, a matéria, intitulada ‘Tragédia anunciada’, é uma demonstração cabal de como se faz jornalismo quando a pauta sobredetermina a apuração e a edição. Mesmo não dispondo das imagens da torre de controle e de dados retirados da caixa-preta devidamente periciados, a imprensa não hesitou em inserir o acidente numa suposta crise gerencial do setor aéreo.

Tratava-se de encontrar a ranhura que atingisse o governo. O que estava em causa era a construção da ‘crônica da tragédia anunciada’. Ao incluir as vítimas fatais no seu cálculo político, mais uma vez a mídia folhetinizou a tragédia, banalizando a vida. O desrespeito aos mortos e a falta de solidariedade às famílias estiveram presentes em quase tudo que se leu, falou ou ouviu na imprensa nativa, horas depois do acidente.

Falha mecânica

O bordão ‘quase 350 mortes em dez meses’, repetido à exaustão por quase todos os veículos, busca dar por comprovada uma grave crise na aviação comercial brasileira sem, no entanto, estabelecer os nexos causais que o demonstrem. Se em 2006, a direita golpista e sua mídia não consumaram a tentativa de golpe institucional, as tentativas não cessarão na guerra declarada no segundo mandato.

Passados três dias, as imagens mostraram que o Airbus da TAM pousou no ponto ideal, porém, em vez de perder velocidade, acelerou de tal forma que atravessou em três segundos determinado trecho da pista. Onde está a derrapagem do parágrafo transcrito acima?

É bem verdade que a TV Globo deu a informação sobre a falha no reversor da turbina direita do avião. Cumprindo a liturgia do Jornal Nacional, programa de maior intensidade dramatúrgica da emissora, William Bonner anunciou, na edição de quinta-feira (19/7), com a habitual locução dramática:

‘O avião da TAM que se chocou contra o prédio da empresa, em Congonhas, tinha um defeito no reversor da turbina direita desde o dia 13, sexta-feira passada. O problema tinha sido detectado pelo sistema eletrônico de checagem do próprio avião, mas o avião da TAM continuou a voar, nos dias seguintes, com o reversor direito desligado.’ (…) ‘A confirmação de que o avião prefixo MBK, destruído na tragédia de terça-feira, foi o mesmo que quase se acidentou na véspera, reforça a hipótese de que o acidente tenha sido consequência de falha mecânica.’

‘…e não se sabe o que houve’

Respondendo ao repórter César Tralli sobre a contribuição da pista molhada para o acidente,o brigadeiro Jorge Kersul Filho, chefe da comissão que investiga o acidente, afirmou tratar-se de ‘chuva leve, que daria uma camada de 0,6mm na pista. Então a probabilidade de que água na pista tenha influenciado nesse acidente é pouco provável, mas ainda assim é uma hipótese a ser considerada’.

O que temos, então? A primeira notícia do Globo, dada como fato irrefutável, é uma hipótese pouco provável. Como explicar a grave derrapagem da imprensa brasileira? Falta de grooving na apuração e edição? Desligamento do transponder ético? Ou problema no reversor da turbina que instrumentaliza politicamente a dor de mais de 200 famílias que choram seus mortos?

Qual será o foco agora? O gesto feito por Marco Aurélio Garcia, assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, e rapidamente interpretado como sendo de comemoração? Com seu campo de ação no episódio ficando menor que a pista de Congonhas, para onde nossa imprensa vai arremeter? Qual o próximo choque com a verdade?

O momento pede consternação e não gestos rápidos. A manchete de quinta-feira (19/7) do Globo foi emblemática: ‘Infraero, Anac, Decea, Cindacta, FAB… e não se sabe o que houve’. Como não se sabe? Os editoriais estão carregados de certezas.

***

PS: Este artigo foi concluído na sexta-feira (20/07), às 19h. É provável que até sua publicação neste Observatório novas informações tenham surgido. Nada que altere as ideias centrais nele contidas.

 

Mídia eleva tom contra Lula. Ministro do STM sugere golpe – Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior: 24/07/2007

Editoriais e colunistas falam em “colapso do lulismo”, “corriola governamental” e incapacidade de governar o país. Ministro do Superior Tribunal Militar diz que “pessoas de bem vão se pronunciar como já fizeram em um passado não muito distante”.

 

O tom das críticas ao governo Lula, em função da crise no setor aéreo, vem subindo crescentemente na mídia. O editorial do jornal O Estado de S. Paulo, nesta terça-feira (24), fala em “governo desacreditado” e “colapso do lulismo em matéria de permitir, em última análise, que o país funcione”. O Estadão refere-se ao Presidente da República como “o inexperiente Lula, o qual na irrefutável constatação de Orestes Quércia, em 1994, nunca dirigiu nem um carrinho de pipoca, antes de ambicionar o Planalto”. Na mesma direção, o colunista Clóvis Rossi, pergunta hoje, na Folha de S. Paulo: “se o país é incapaz de segurar um avião na pista, vai segurar o quê?”.

O jornal O Globo, também em editorial, diz que “a crise é mais profunda do que se quer fazer crer”. Também no Globo, Dora Kramer diz que “à corriola governamental tudo é permitido: agredir o público com grosseria, com leviandade, com futilidades, com fugas patéticas ao cumprimento dos deveres, com indiferença, vale qualquer coisa se a anarquia tem origem nas hostes governistas”. “Corriola”, em seu uso informal, significa “grupo de pessoas que agem desonestamente ou de forma inescrupulosa; quadrilha”.

Ministro do STM sugere golpe
O tom das palavras sobe também em alguns setores da sociedade. Além da desqualificação do governo federal, com o uso de adjetivos cada vez mais pesados, começam a aparecer também discursos de caráter golpista. Um exemplo:

“O que podemos dizer a esses ilustres jovens militares. Não desistam. Os certos não devem mudar e sim os errados. Podem ter certeza de que milhares de pessoas estão do lado de vocês. Um dia, não se sabe quando, mas com certeza esse dia já esteve mais longe, as pessoas de bem desse País vão se pronunciar, vão se apresentar, como já fizeram em um passado não muito longe, e aí sim, as coisas vão mudar, o sol da democracia e da Justiça brasileira vai voltar a brilhar”.

A declaração foi feita pelo ministro do Superior Tribunal Militar, Olympio Pereira da Silva Junior, durante a entrega de espadins a alunos que ingressaram nas academias militares do Exercito, Marinha e Aeronáutica, em julho deste ano. Ao saudar os novos alunos, Olympio Junior critica a situação política do país, faz uma apologia da honra, da moral e do patriotismo, lamentando que os jovens cadetes não poderão manusear os instrumentos militar que conhecerão no treinamento. Ele diz:

“Aqueles jovens, ainda puros, não sabem que vão estudar (e como vão estudar, durante toda a carreira) tudo sobre a arte da guerra e do combate e vão conhecer e aprender tudo sobre equipamentos e instrumentos militares, os mais modernos do mundo, mas que na realidade nunca irão manusear porque, no nosso País, não se acredita ser necessário a compra de armamento/equipamento militar para ficarmos em igualdade bélica a outras nações”. E critica a condição dos militares em relação aos demais funcionários públicos:

“Preparam-se, por toda a carreira, para dedicarem-se e ser fiel à Pátria, cuja honra, integridade e instituições deverão ser defendidas mesmo com o sacrifício da própria vida e têm, mesmo assim, seus vencimentos tão diferenciados de outros funcionários públicos que nunca deram nem vão dar nada ao País, pois dele só querem benesses, vantagens e lucros e o que é pior, porque ninguém faz nada a respeito e calam-se diante dessa imoralidade”.

O texto do ministro foi publicado em sites nacionalistas de direita como “A verdade sufocada” e “Terrorismo nunca mais”. Bacharel em Direito, Olympio Junior ingressou na carreira do Ministério Público Militar em 1976, tendo sido designado pelo então presidente, general Ernesto Geisel, para assumir a Procuradoria junto à Auditoria da Justiça Militar, em Juiz de Fora (MG). Desde 18 de novembro de 1994, é ministro do STM.

O ministro do STM, que já presidiu o órgão, é um velho conhecido do presidente da República. Há 23 anos, Olympio Junior, então na condição de promotor militar, pediu a prisão preventiva de Lula, então líder metalúrgico, por crime contra a segurança nacional em razão de um discurso feito no Acre em companhia de Chico Mendes.

Qual é mesmo o papel da Justiça Militar no Brasil? Segundo o site do STM, é julgar “apenas e tão somente os crimes militares definidos em lei”. O texto de apresentação do órgão faz um elogio da “independência, altivez e serenidade do órgão”: “no período de regime militar de 1964 a 1984, levou juristas famosos na luta em defesa dos direitos humanos, como Heleno Fragoso, Sobral Pinto e Evaristo de Morais, a tecerem candentes elogios à independência, altivez e serenidade com que atuou o Superior Tribunal Militar na interpretação da Lei de Segurança Nacional e na aplicação dos vários Atos Institucionais”.

Há um caldo de cultura perigoso formando-se no ambiente político brasileiro.

 

Novas reflexões sobre a tragédia do Airbus – Bernardo Kucinski – Carta Maior: 24/07/2007

Primeira nova reflexão
Confirmou-se por completo e ganhou musculatura a tese central do meu primeiro comentário, então apenas intuída, de que o desastre da TAM deu-se num contexto de maximização de lucros. A estratégia das companhias, que fez de Congonhas um centro nacional de redistribuição de passageiros (hub), foi explicada por Daniel Ritter no jornal Valor da sexta (20) e confirmada elo executivo da TAM José Hélcias, no Estadão desta terça (24):

O modelo de negócios em vigor aproveitamento de até 14 horas por dia das aeronaves para oferecer tarifas que nos últimos anos ficaram congeladas e até caíram – só se sustenta com o uso de hubs, escreveu Daniel Ritter. A centralização em Congonhas, com conexões para todo o país, permitia um maior aproveitamento das aeronaves, estávamos voando 14 horas por dia, contra 7 horas na década passada, disse José Hélcias.

Nosso leitor Valdisnei diz que as companhias reduziram drasticamente o número de mecânicos de manutenção por aeronave. O Airbus da TAM voava há uma semana sem consertar o reverso, apesar do manual da empresa e normas da Anac obrigarem seu uso em pistas molhadas. Nem dava tempo de consertar. Só naquele dia, o avião já havia feito seis vôos, dois deles pousando em Congonhas. Em uma única semana, o Airbus A320 prefixo MBK fez nada menos que 43 vôos.

Nosso leitor Marco Nabuco lembra o cartaz exibido orgulhosamente pela TAM anos atrás, com os sete mandamentos do Comandante Rolim, fundador da empresa: Nada substitui o lucro, dizia o primeiro mandamento. Nessa lista, a segurança vinha em terceiro lugar. E o quarto mandamento falava de novo em lucro: a maneia mais fácil de ganhar dinheiro é não perder.

Esses mandamentos expressam o que os executivos modernos denominam missão da empresa. Eles mostram que a TAM foi instrumental na introdução da filosofia que transformou as concessões de serviços púbicos de transporte, na era neoliberal, em máquinas de fazer dinheiro.

Segunda nova reflexão
Ao anunciar a desativação de Congonhas como hub, o governo admite que, mesmo depois de instalado o caos na malha aérea, continuava aceitando criticamente o sistema deixado pelo governo anterior no qual as companhias definiam a política pública para o setor. Essa passividade estava implícita no meu primeiro comentário, mas não suficientemente enfatizada.

É o papel de um governo democrático impor limites ao mercado. Essa guinada de 180 graus, junto com outras recentes, entre as quais a valorização da caderneta de poupança (contra vontade dos bancos) e a proibição ao plantio de cana no Pantanal, pode sinalizar um novo modo de governar, liberto da ideologia neoliberal.

A tragédia trouxe assim o governo Lula à sua encruzilhada maior: ou parte para uma política verdadeiramente desenvolvimentista, que atropele a burocracia, ou será por ela atropelado de morte. Esse tipo de administração está obsoleto. Bastam os números do tráfego aéreo, que cresce a taxas de 20% ao ano.

Os mesmos jornais que apóiam os cortes no orçamento em nome do superávit primário trazem números constrangedores de como o contingenciamento instrumento principal dessa política neoliberal trava o PAC e impediu até mesmo a aplicação dos dois fundos aeronáuticos, com mais de R$ 2 bilhões em caixa oriundos de taxas já recolhidas para melhoria do setor.

Exacerba-se a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e uma administração burocrática amarrada por leis e regulamentos concebidos duas décadas atrás para administrar a estagnação e não o crescimento. Na crise aérea, o governo Lula já é tratado como um estorvo.

Terceira reflexão
Desde o primeiro momento, deu-se a exploração político-partidária da tragédia, pela mídia e pelos principais líderes tucanos, José Serra e Tasso Jereissati. Assim como desastre se dá no contexto de uma crise generalizada do tráfego aéreo, sua politização também é uma extensão natural do processo de linchamento do governo Lula que vem desde o mensalão.

O ataque começou no momento mesmo da tragédia, quando os âncoras, sem informação suficiente para comentar as cenas espetaculares do incêndio, fixaram-se obsessivamente no problema da pista. Mesmo porque a pista foi liberada ainda sem as ranhuras previstas no projeto e o caos aéreo já durava dez meses.

Mas já naquela noite, os repórteres do Estadão ficaram sabendo que o avião voava há uma semana com o reverso travado: Na noite do acidente , quatro comandantes confidenciaram à reportagem do Estado que o Airbus 320, destacado para o Vôo JJ3054, de Porto Alegre par São Paulo, voava com um dos reversos travado ou ´pinado´, no jargão dos pilotos.

Só que o Estadão preferiu desprezar esse verdadeiro furo de reportagem que poderia mudar o rumo do noticiário. A Folha nem sabia do defeito no reverso. No dia seguinte, quarta-feira, Eliane Cantanhêde mandou à redação um primeiro diagnóstico que sensatamente apontava para: falhas humanas e de equipamentos como causas prováveis do desastre, num contexto de falta de ranhuras na pista, caos no transporte aéreo, stress dos pilotos e ganância das companhias. Mas os editores preferiam acusar Lula diretamente pelas mortes em chamada de primeira página da edição da quinta.

Nessa quinta à noite, o Jornal Nacional decide dar o destaque merecido à informação de que o avião voava com defeito no reverso. É como se tivesse havido um racha na frente midiática que protegia a imagem da empresa. Mais do que isso: reafirma-se o caráter do Jornal Nacional como instituinte da agenda nacional de debates. O deu no Jornal Nacional obrigou os dois jornais paulistas a darem manchete na sexta ao defeito do avião.

Mas a frente anti-Lula se recompõe parcialmente no sábado. William Bonner só faltou pedir desculpas pelo furo do dia anterior. E os dois jornais desprezaram o laudo do IPT divulgado na tarde do dia anterior, atestando que a pista nova estava em condições perfeitas de funcionamento, com índices de aderência e compactação muito acima dos limites mínimos exigidos pelas normas. A Folha deu num canto de página interna. O Estadão nem deu.

Felizmente, não é da natureza do jornalismo numa democracia omitir informações relevantes, menos ainda numa tragédia que matou mais de 200 pessoas. Aos poucos, a narrativa única e deliberadamente imprecisa que culpa a pista e poupa a TAM vai fissurando. A própria Folha traz mais e mais informações, numa narrativa paralela, de que avião voava com defeito e que esse defeito era relevante. A última é de um especialista em Airbus criticando a pouca importância dada a defeitos no reverso pelos manuais do fabricante do avião. Só que, nesse ínterim, o sensacionalismo do noticiário sobre as condições da pista levou ao boicote total das duas pistas em dia de chuva, pelos pilotos, ampliando ainda mais a crise.

 

Vôo TAM 3054 – Especial da Folha Online

Religião e formação de classes na antiga Judeia 9

9. Oposição da religião à política

9.1. J. J. BACHOFEN louva a vitória do Ocidente sobre o Oriente nas derrotas de Cartago e Jerusalém.

Obs.: este capítulo vai analisar três metas dos judeus nas suas revoltas contra o domínio helenístico-romano:
. a dos essênios
. a da revolução de Bar Kosiba
. a da libertação dos escravos por dívida

:: Renovação da aliança com Deus
9.2. Segundo o Documento de Damasco, a comunidade essênia rompeu com a ordem social dominante nos séculos II a.C./I d.C. e se organizou internamente segundo princípios alternativos. O princípio constitutivo do grupo de Damasco não era o parentesco, mas a livre união. Importante é que o conteúdo de solidariedade do grupo de parentesco agnático se tornou independente e foi racionalizado em normas éticas, cuja validade fica assegurada através de um pacto.

9.3. A relação com os estrangeiros implica em não fazer nenhum negócio com eles: nada lhes deve ser vendido ou deles comprado. As relações comerciais se limitam à troca.

9.4. O conteúdo das relações sociais com os outros judeus, os de fora do grupo, aparece no Documento como expressão de um mundo que vive de acordo com outra lei. Sua separação dos outros e a sua condenação deles é justificada com o conceito de aliança Iahweh-Israel.

9.5. “Os conceitos religiosos do Manuscrito de Damasco têm pois seu fundamento não numa orientação para aquilo que vem, mas supõem a condição social de uma sociedade de classes e, contrastando com suas instituições impessoais e assimétricas, insistem nas relações pessoais e recíprocas” (p. 147) [Die religiösen Konzepte der Damaskusschrift beruhen daher nicht auf einer Orientierung am Überkommenen, sondern haben die gesellschaftliche Bedingung einer Klassengesellschaft zur Voraussetzung und insistieren kontrafaktisch zu deren unpersönlichen und reziproken Beziehungen].

9.6. Comparando o Documento de Damasco e Qumran (Regra da Comunidade):
. Damasco: pressupõe a propriedade privada e subordina a determinadas regras a circulação e consumo dos produtos; provavelmente se espelha nas regras de distribuição da hierocracia; é uma união de chefes de família
. Qumran: subordina não só a circulação e o consumo, mas também a produção (no campo e na oficina) às regras da comunidade; segue o modelo corporativo do clã (mishpâhâ); é uma comunidade (yhd) muito complexa na sua organização (há uma hierarquia comandada pelos sacerdotes aaronitas)
. Em Qumran as relações internas seguem o princípio do dom e da retribuição, o princípio da reciprocidade, enquanto as relações para fora se reduzem à compra e venda

9.7. O autor conclui:
. o tradicionalismo dos essênios reconstruiu as tradições
. não como leis (nómoi) político-utópicas
. mas com ênfase nos aspectos coletivos da tradição que legitimavam a formação de grupo religioso de concepção corporativa
. e motivaram a resistência à mudança social

> “O interesse dos essênios nas tradições foi determinado tendo como pano e fundo a emancipação da sociedade helenística das tradições coletivistas, e tinha como meta a conservação destas tradições como normas das relações sociais” (p. 150).

:: Restauração de Israel
9.8. G. SCHOLEM (1970) acredita que as ideias apocalípticas dos judeus são em sua essência e origem uma teoria da catástrofe. Eles querem a destruição e a superação da História. O Messias transcende assim as relações sociais e a História.

9.9. M. I. PEREIRA QUEIROZ (1968) diz que todo movimento messiânico tem três elementos:
. coletividade oprimida e descontente
. a esperança na chegada de um enviado de Deus que colocará fim ao tempo de sofrimento
. crença em paraíso que é ao mesmo tempo santo e profano

> Por que surgem estes elementos?
Quando há reciprocidade de condições socioeconômicas e de sistemas simbólicos político-culturais, nos quais as figuras religiosas tradicionais tomam intensidade messiânica e se tornam motivação de revolta contra o regime dominante

> Por que símbolos tradicionais passam a ser revolucionários?
O exame será baseado na revolta de Bar Kosiba

9.10. O conceito de liberdade era a meta dos três grandes levantes judaicos (Macabeus em 167-142 a.C.; guerra de 66-73 d.C.; revolta de Bar Kosiba em 132-135 d.C.). Os documentos comprovam o que se entendia por liberdade: autonomia política, exercício da justiça, suspensão dos tributos, cobrança dos impostos pelos próprios judeus e cunhagem de moeda própria.

> Mas existe um conceito sicário-zelota de liberdade que é diferente deste: é também religioso: “Israel não pode reconhecer o domínio romano, pois Deus é o seu Senhor” (p. 153). Esta seria uma oposição ao culto aos césares.

9.11. Ao lado do conceito de liberdade existe o de ge’ulla (= resgate da terra) que deve ser traduzido por “reconstrução” ou “restauração”. Mas quem a realiza? Iahweh é o goel na literatura bíblica… mas agora Bar Kosiba é o restaurador, segundo os documentos da revolta. “Nos documentos de Bar Kosiba, o símbolo religioso foi adaptado ao político e significa libertação do domínio estrangeiro através de revolta organizada” (p. 155).

9.12. O título de nâsî (= príncipe), aplicado a Bar Kosiba: o senhorio do nâsî se legitima pela obediência às tradições. “O senhor não está acima da lei, e nem como pessoa inteligente é fonte de justiça, mas ele se legitima justamente pela harmonia de suas ordens com as tradições” (p. 156).

> “Também a aceitação do título de nâsî deve-se à dialética das condições político-sociais e aos modelos explicativos da tradição, em cujos processos o título de senhor transmitido tornou-se símbolo do senhorio orientado pela tradição, e expressava a consciência da contradição existente com a estrutura de poder do helenismo” (p. 157).

:: Grito de libertação
9.13. Outro importante conceito é o da proclamação do ano de libertação (Dt 15,2 etc.). O Código de Hammurabi: relação entre anduraru e derôr (= libertação)…

> “A importância de derôr não pode, através de construções literárias artificiais, ser desviada do seu sentido coletivo social. Do mesmo modo como observamos no conceito de ge’ulla, também este conceito serviu para criar regras de solidariedade segmentária e exigências normativas, e com isso dar definição prática ao acontecimento do tempo de salvação. Norma segmentária, e não consolo de culto, torna-se paradigma do tempo de salvação” (p. 163).

:: Resumo
9.14. “O problema principal da história da religião é a relação entre a ideia religiosa e a ação social” (p. 165).

. Os três elementos discutidos se devem à resistência contra relações sociais:
> os essênios: têm “como meta realizar relações de fraternidade, reciprocidade e solidariedade. Assim, a nova sociedade nasce contra a sociedade de classes helenístico-romana (…) Os essênios retomam como motivação desta sociedade a idéia de aliança divina com o grupo de parentesco israelita” (p. 165).

> a revolução de Bar Kosiba: usa a geu’lla como conceito de mudança revolucionária. “A reconstrução de Israel tem em mira uma reviravolta que renova a união pessoal, assegura a solidariedade dos irmãos e realiza uma ordem econômica coletiva” (p. 166).

> a instituição da libertação dos escravos por dívida: “Tornou-se paradigma do tempo de salvação, no qual as relações atuais são medidas e julgadas” (p. 166).

9.15. A observação de M. WEBER (1920) sobre o judaísmo antigo: o sofrimento de um povo e não de indivíduos tornou-se o objeto de esperanças de salvação religiosa. Foi a tradição religiosa que serviu como elemento crítico face às situações novas criadas pela helenização, fazendo da salvação o direito dos oprimidos.

9.16. O cristianismo primitivo:
. supõe, como Qumran, a crise da organização israelita tradicional da solidariedade, abalada pela entrada da propriedade privada e pela apropriação do excedente
. mas, diferente de Qumran, o cristianismo primitivo não se segregou num resto fiel e nem partiu para uma revolução política
. o cristianismo “transferiu para mais tarde a crise da lealdade ao parentesco” (p. 166), diz o autor citando Mt 19,29. “O cristianismo primitivo contradisse ao mesmo tempo conteúdos essenciais da tradição judaica e fez da decisão subjetiva a base da ação” (p. 166).

 

Leia em seguida:

Bibliografia – Literatur