1. Solidariedade e formação de classes à luz da etnologia
1.1. Duas precisões:
a) O parentesco, etnologicamente, não é um conceito que diz respeito à descendência natural: é uma classificação de ordem social, baseada nas relações de descendência. Logo, as instituições do sistema de parentesco são um produto histórico, criado por interesses sociais
b) O Estado não é a forma primária da comunidade humana: há sociedades sem Estado, conforme se verificou na África.
:: Etnologia de parentesco
1.2. L. H. MORGAN (Ancient Society, 1877) diz que há duas formas fundamentais de sociedade primitivas:
. a “societas”, baseada nas relações pessoais
. a “civitas”, baseada no território e na propriedade privada.
> Por detrás desta classificação há o seguinte: a descoberta de que nem todos os sistemas de parentesco eram naturais. Há sistemas onde não são as relações de consangüinidade que mais contam, mas a de parentes mais afastados, por exemplo.
> Daí MORGAN trabalhar o conceito de gens (hoje prefere-se linhagem) como instituição que organiza socialmente os indivíduos numa sociedade tradicional.
1.3. Avançando mais, M. FORTES (Kinship and the Social Order, 1969) chama a atenção para:
. a interação, que regula as relações entre as pessoas
. os títulos legais, atribuídos a grupos e através deles aos indivíduos
> São dois aspectos complementares do sistema de parentesco.
1.4. C. LÉVI-STRAUSS (The Elementary Structures of Kinship, 1969) partiu da exogamia e concluiu que os grupos se relacionam socialmente através da troca de mulheres… E. LEACH (1971) refutou a tese de Lévi-Strauss.
:: Antropologia econômica
1.5. M. MAUSS (Die Gabe, 1924) afirma que a dádiva, uma forma de trocas livres, realizadas pelos grupos, numa sociedade arcaica é o fato social (“fait social”) completo, é o mais significativo.
1.6. K. POLANYI (Trade and Market in the Early Empires, 1957) designa, como formas de integração, a reciprocidade, a distribuição e a troca.
1.7. M. D. SAHLINS (Tribesmen, 1968), explicando a reciprocidade, diz que ela é posta em prática gradualmente e que é a forma de circulação das sociedades tribais.
1.8. M. GODELIER (Ökonomische Anthropologie, 1973) afirma, por sua vez, que a determinação da função social das diversas formas de circulação tem por base a diferença de valor atribuída aos bens em cada sociedade. Os bens estão ordenados hierarquicamente, em classes diferentes, e somente nelas podem ser trocados.
:: Antropologia política
1.9. O conceito de segmentário foi usado por E. DURKHEIM (The Division of Labor in Society, 1893) para a sua análise da divisão do trabalho. A sociedade segmentária é a sociedade baseada nas relações de parentesco. “Falamos de ‘sistema segmentado’ não apenas porque é composto de segmentos combinados, mas também porque é constituído apenas disso: sua coerência não é mantida de cima através de instituições políticas públicas (como por uma autoridade soberana)”, diz M. D. SAHLINS, Sociedades tribais. 2. ed. Zahar, Rio de Janeiro 1974, p. 29.
1.10. M. FRIED (The Evolution of Political Society, 1967) chama as sociedades segmentárias de sociedades niveladoras.
1.11. Como interpretar a passagem da sociedade segmentária para a sociedade de classes?
. A primeira solução vê a passagem como problema (sociedade segmentária) e solução (sociedade de classes)
. A segunda solução vê a passagem como mudança e domínio em estrutura complexa.
1.12. A colaboração entre etnologia e história é fundamental. Especialmente na área do Mediterrâneo, onde o relacionamento de apadrinhamento foi central.
Leia em seguida:
Capítulo 2: O sistema judaico de parentesco – Das judäische Verwandtschaftssystem
Capítulo 9: Oposição da religião à política – Opposition der Religion gegen die Politik