7. A evolução de um domínio sem tradições na Judeia e a revolta crescente contra ele (142 a. C.- 135 d. C.)
:: Dominadores Asmoneus e seus adversários (142-63 a. C.)
7.1. A ordem política na Judeia após a vitória dos Macabeus nos é transmitida em 1Mc 14,27-47. As instituições que compõem a assembleia deliberativa no tempo de Simão (140 a.C.) são:
. os sacerdotes
. o povo (laós)
. os arcontes da nação (a gerousia de Jerusalém, que se distingue da aristocracia do país)
. os anciãos da terra
7.2. A junção dos poderes de sumo sacerdote, estratego (poder militar) e etnarca (poder político) em uma única pessoa fundamentou novo controle do poder e uniu a motivação religiosa à expansão político-militar.
7.3. O Estado asmoneu não durou por causa dos romanos e por causa das divisões internas. Os acordos com Roma eram feitos (com o Senado) pelo sumo sacerdote e povo judeu (demos). A transformação, por Alexandre Janeu, do sumo sacerdócio em reinado (segundo Flávio Josefo foi Aristóbulo quem introduziu o reinado em 105 a.C.) era uma violação das normas judaicas (libertando a máquina estatal dos cidadãos) e causou a oposição da velha aristocracia que exigiu o afastamento do reinado, o que, de fato, os romanos fizeram.
:: Arrendamento do Estado republicano e secularização do poder (63-43 a. C.)
7.4. Por que Pompeu interferiu no Oriente? Interesses também financeiros: houve revolta, na Ásia, contra o pagamento de impostos a Roma, recolhidos pelos publicanos (ordo publicanorum) e Pompeu veio restabelecer os interesses dos publicanos.
7.5. Submeteu Jerusalém e seu território (a Judeia) a tributo (juridicamente, stipendium): era prêmio pela vitória e castigo pela guerra. Entre os anos 63 e 44 a.C., uma sociedade de publicanos, sediada em Sídon, tinha adquirido o direito, do Estado romano, de recolher, como tributo dos produtores, uma quarto da colheita.
7.6. Os agricultores firmavam um pacto diretamente com a societas: isto excluía a intermediação da aristocracia local. Tanto a supervisão das colheitas como a troca dos produtos ficava a cargo da Sociedade dos Publicanos. O arrendamento do estipêndio valia por um turno de 5 anos, podendo ser suspenso por Roma.
7.7. Como a revolta contra Roma era intensa, especialmente no meio rural (muitos judeus apoiavam Aristóbulo), o governador Gabínio (57-55 a.C.) tomou várias medidas de amplas consequências:
. mandou reconstruir as cidades helenistas
. separou o cargo de sumo sacerdote da administração política, em Jerusalém
. separou o santuário da politéia
. regulamentou aristocraticamente a constituição
. dividiu o povo em cinco partes, ficando cada uma delas submetida a uma cidade dirigida por um sinédrio: Jerusalém, Gadara, Amato, Jericó e Séforis. Além da justiça local, estas cidades tinham função na arrecadação de impostos aduaneiros (portoria)
. protegia as cidades contra a pressão dos publicanos para atrair a aristocracia local para o seu lado
7.8. O idumeu Antípater era epimeletés, era comandante militar e não estava, de fato, submetido ao poder executivo do sumo sacerdote. No ano 47 a.C. César o nomeou epítropos (procurador) da Judeia: isto aumentou seu poder militar e seu poder de comando sobre a quota dos impostos. Quando em 44 a. C. terminou o contrato com a sociedade dos publicanos, o arrendamento dos impostos lhe foi entregue totalmente.
7.9. Já a aplicação da justiça era da competência do Sinédrio de Jerusalém.
7.10. A administração dos tributos sob Antípater: a Judeia devia pagar 700 talentos de prata (cada talento = 26 kg; 26 x 700 = 18200 kg!) a Roma. Quando as cidades de Gofna, Emaús, Lida e Tamna não puderam pagar o devido, o magistrado e toda a população foram vendidos como escravos. E suas terras e propriedades confiscadas.
> A Judeia foi dividida, sob Antípater, em onze toparquias e a aristocracia local (os dynatoí) eram quem arrendava o direito de recolher o tributo.
7.11. Uma toparquia tinha a seguinte organização:
. ela é controlada por um stratêgós
. tem um escrivão dos contratos de compra, dívida e arrendamento: o komogrammateús
. e tem o parnas, que vem do grego prónoos, chefe e administrador de escalão inferior
. os tribunais judeus (synédrion, boulê) pertenciam à organização política dos subúrbios das toparquias
:: Herodes cria um poderio livre das tradições (42-4 a. C.)
7.12. No confronto entre Herodes e Antígono podemos observar:
. os partidários de Antígono viviam especialmente na Judeia e na Galileia e são relacionados por Flávio Josefo com o “banditismo galileu” que vivia em espeluncas, estava organizado e atacava sobretudo estrangeiros. Este banditismo surgiu da impossibilidade dos camponeses pagarem tributo e queria reconstruir a antiga ordem
. os partidários de Herodes viviam na Samaria, na Idumeia e partes da Galileia e eram membros de uma aristocracia economicamente bem situada, etnicamente indiferente. Havia entre eles ricos latifundiários.
7.13. Herodes não tinha legitimidade judaica, pois descendia de idumeus e sua mãe era descendente de árabe! Foi legitimado por um essênio, como uma escolha divina. Assim, Herodes, por ser estrangeiro, não tinha para com os judeus nenhuma relação de reciprocidade e sua legitimidade se fundava na própria estrutura do poder exercido.
7.14. Quando venceu os seguidores de Antígono, Herodes construiu uma estrutura de poder independente da tradição judaica:
. nomeava o sumo sacerdote do Templo: destituiu os Asmoneus e nomeou um sacerdote da família sacerdotal babilônica e, mais tarde, da alexandrina
. exigia de seus súditos um juramento que obrigava a pessoa a obedecer às suas ordens em oposição às normas patriarcais (se uma pessoa recusasse o juramento, era perseguida, com exceção dos fariseus e dos essênios)
. interferiu na justiça do Sinédrio
. mandava vender os assaltantes (também revolucionários políticos) como escravos no exterior (e sem direito a resgate!)
. a venda à escravidão e a execução pessoal (a morte) tornaram-se normas comuns do arrendamento estatal
7.15. Mas, se ele violava assim a tradição, como conseguia legitimidade?
. A estrutura de poder do Estado sob Herodes era bem diferente da estrutura da época do Asmoneus:
– o rei era legitimado como pessoa e não por descendência
– o poderio não se orientava pela tradição, mas pela aplicação do direito pelo senhor
– o direito à terra era transmitido pela distribuição: o dominador a dava ao usuário, era a assignatio
– a base filosófica helenística é que legitima o poder do rei, quando diz que o rei é a “lei viva”(émpsychos nómos), em oposição à lei codificada, ou seja: o rei é a fonte da lei, porque ele é regido pelo nous. O rei é a imagem de Deus que ordena e conserva o cosmos pelo nous: o rei tem função salvadora e, por isso, dá aos seus súditos uma ordem racional, através das normas do Estado. O rei em pessoa é a continuação do seu reino e o salvador de seus súditos
– o poder militar de Herodes se baseava nos mercenários estrangeiros que ficavam em fortalezas, ou em terras (cleruquias) dadas aos mercenários por ele (terras no vale de Jezrael), e nas cidades não-judaicas por ele fundadas, a cujos cidadãos ele tinha dado como posse o território que as rodeava, com os camponeses dentro!
:: “Leiturgía” ou serviço público no tempo de César e a formação da revolução
7.16. Quando Arquelau foi deposto, no ano 6 d.C., a Judéia tornou-se província romana, governada por uma procurador (prefeito) que tinha o imperium em suas mãos:
– poder total de administrador [Verwaltung]
– juiz [Rechtsprechung]
– defensor [Verteidigung]
. Duas medidas foram tomadas: a venda dos domínios reais (de Arquelau) e um recenseamento:
– as propriedades reais foram declaradas ager publicus e vendidas. Assim os domínios reais do vale de Jezrael (antigamente do sumo sacerdote Hircano) e da Galileia foram vendidos a estranhos, que nada tinham a ver com as tradições judaicas
– o recenseamento servia para registrar pessoas e bens, em vista do pagamento do tributum solis et capitis
. o tributum capitis, cobrado em dinheiro, somava-se aos tributos sobre os produtos da terra e aos impostos indiretos e alfandegários. Pesava muito, por isso, sobre quem não tinha propriedades. Foi este o objeto da pergunta feita a Jesus sobre o “imposto a César”. Era de 1 centésimo na Síria, mas era mais pesado na Judéia, por causa das revoltas (no mínimo 1 denário)
. o tributum solis era cobrado em víveres e dinheiro.
– os responsáveis pelo recolhimento destes impostos eram os magistrados das toparquias e os aristocratas locais: este sistema de assegurar dívidas coletivas de impostos pela riqueza dos escolhidos para a magistratura era chamado de leiturgía e era característico da época dos césares
7.17. O direito de nomear o sumo sacerdote e de controlar a guarda das vestes sacerdotais ficou com Herodes de Cálcis e, em seguida, com Agripa II. A jurisdição foi transmitida ao procurador e este a confiou ao Sinédrio. A pena capital era, entretanto, direito intransferível do procurador.
:: As facções revoltosas e seus motivos
7.18. A revolta dos judeus contra Roma tinha três metas:
. suspensão do pagamento dos tributos
. suspensão dos sacrifícios pelo povo romano e seu César
. ereção da soberania política
7.19. A guerra dos anos 66-73 d.C. tinha três centros:
– o Templo
– a Judeia
– a Galileia
. Nos conflitos internos entre as várias tendências, observamos que:
– o conflito entre os grupos galileus era caracterizado pela oposição entre princípios aristocráticos e democráticos. O grupo proletário atualizou a tradição judaica do qahal (ekklesía), assembleia, contra a aristocracia que tendia a transformá-la em associação normativa da cidade. “O tradicionalismo radical democrata da população das cidades da Galileia foi provavelmente o meio político que Jesus pressupôs”(p. 120). Nota 111, p. 120: “As parábolas evangélicas, que se referem às situações sociais e políticas da zona rural da Galileia, apresentam um mundo de duas classes: a dos ricos e a dos pobres, a dos latifundiários e a do pequeno e endividado agricultor. Uma camada política, a dos funcionários urbanos (estrategos e arcontes) não tem graduação digna de nota”.
– O movimento zelota era formado pelos sacerdotes em Jerusalém (ano 66 d.C.) – o movimento zelota é atestado sob este nome somente no ano 66 d.C. Mas é provável que suas origens estejam ligadas à resistência de Judas, o Galileu e do fariseu Sadoc por ocasião do recenseamento de Quirino, no ano 6 d.C.; enquanto os sicários representavam o movimento rural revolucionário da Judeia, dirigido por Judas, o Galileu, e seus sucessores (nem todos os sicários eram galileus, mas estavam ligados à Galileia através de seus líderes – só a Judeia fora atingida pela nova ordem no ano 6 d.C., a Galileia não). Zelotas e sicários entraram em choque em Jerusalém: os sicários executaram o sumo sacerdote Ananias – pai de Eleazar, chefe dos zelotas; os zelotas mataram Menaém, filho de Judas, o Galileu. Então os sicários se retiraram para Massada.
7.20. O autor apresenta, no resumo das pp. 123-125, 4 teses sobre o cerne do conflito:
> os judeus relacionaram, e com razão, tributos e escravidão. Dois momentos fundamentais explicitam este processo: em 142 a.C. a suspensão dos tributos selêucidas foi saudada como libertação e em 6 d.C. a imposição de registro dos bens particulares (censo) em vista de impostos foi vista como prelúdio da escravidão aberta
> havia um conflito entre a antiga aristocracia, formada pelos antigos moradores, a gerousia e o sinédrio, e a nova aristocracia do dinheiro e do exército, engajada no arrendamento estatal. Os donos tradicionais das terras (a velha aristocracia) tinham interesse em possuir grande número de dependentes (para mobilização em caso de conflitos), enquanto a nova aristocracia prefere os donativos em víveres e dinheiro (preferindo vender o devedor, em caso de insolvência, a estrangeiros, do que fazê-lo escravo por dívida)
> a tradição religiosa judaica da aliança Iahweh-Israel limitava o crescimento das diferenças sociais e da estratificação de classes. Daí o apelo às normas religiosas serem fundamentais para os grupos de resistência judaica… normas desativadas pelo sistema jurídico do dominador que foi, pouco a pouco, sendo implantado
> a guerra contra Roma nos anos 66-73 d.C. não foi da classe baixa contra o latifúndio (leitura de KREISSIG), pois ela seria impossível sem a participação ativa da aristocracia nativa pertencente ao Sinédrio. Esta aristocracia, que não se beneficiava do arrendamento estatal, tinha bons motivos para participar do levante… Todos lutavam (apesar das diferenças) por uma ordem na qual a tradição religiosa garantisse a legitimidade da ordem social!
Leia em seguida:
Capítulo 8: Estabelecimento da antiga relação de classes na Judeia – Die Etablierung der antiken Klassenverhältnisse in Judäa
Capítulo 9: Oposição da religião à política – Opposition der Religion gegen die Politik
Bibliografia – Literatur