Quero falar de um livro e de seu conteúdo. E gostaria que meus visitantes se servissem dele.
KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo: Paulus, 1997, 184 p. – ISBN 8505006798.
Original alemão: Religion und Klassenbildung im antiken Judäa: eine religionswissenschaftliche Studie zum Verhältnis von Tradition und gesellschaftlicher Entwicklung. 2. ed., erw. Aufl. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, [1978] 1982, 186 s. ISBN 3525553667.
Trabalho com partes deste texto na Literatura Pós-Exílica, no segundo semestre do Segundo Ano de Teologia. Tenho um resumo de seus pontos principais há muito tempo. Pensei em colocá-lo no blog para facilitar o seu acesso aos meus alunos. E acredito que possa servir a outras pessoas interessadas.
O livro de Hans G. Kippenberg é o resultado de uma tese de livre-docência [Habilitation] apresentada na Faculdade de Filosofia e Sociologia da Universidade Livre de Berlim [Fachbereich Philosophie und Sozialwissenschaften der Freien Universität Berlin], Alemanha, em 1975.
Li, no original alemão, a edição publicada em 1978 pela editora Vandenhoeck & Ruprecht. Fiquei entusiasmado com o livro e com o que pude aprender, na época, com ele. Agradeço ao amigo Wolfgang Gruen, de Belo Horizonte, que nos apresentou a obra em reunião do grupo dos “Biblistas Mineiros”.
Notei, porém, que muitos de meus alunos não conseguiam vencer as dificuldades da obra – um denso estudo socioantropológico, com vocabulário bastante técnico e centenas de notas de rodapé – que foi traduzida para o português em 1988, a partir da edição de 1982. Daí a ideia do resumo. Outras traduções? O livro teve tradução para o português e o japonês.
O resumo terá 11 partes, cada uma representando um dos 9 capítulos do livro, mais a Introdução e, por último, uma atualização da bibliografia citada, com eventuais traduções e links para as respectivas editoras. Se necessário, citarei, entre parênteses, palavras ou frases da obra original, em alemão.
Não ignoro que os estudos nesta área fizeram avanços consideráveis nestes últimos trinta e poucos anos, mas creio ser defensável a atualidade – pelo menos da maior parte – deste estudo. Alerto também que alguns pontos tratados pelo autor, pelo grau de complexidade, estão apenas citados e não foram explicados. Por outro lado, em outras situações, colocarei links para estudos mais amplos sobre o tema tratado. E, finalmente, anoto que há pequenos problemas com a transliteração do hebraico, que nem sempre segue as normas estabelecidos em meu curso.
Sobre o autor, Prof. Dr. Hans G. Kippenberg, Professor of Comparative Religious Studies (Wisdom-Professorship), School of Humanities & Social Sciences – Jacobs University Bremen, Bremen, Alemanha:
Hans G. Kippenberg nasceu em 1939. Estudou Teologia, História das Religiões, Línguas Semíticas e Iranianas nas Universidades de Marburg (1959/60), Tübingen (1960/62), Göttingen (1962/63), Leeds (Reino Unido) (1966) e Berlin (1969-1976).
Atividade profissional
. 1964-1967: Repetent für Allgemeine Religionsgeschichte am Bremer Studienhaus der Theologischen Fakultät Göttingen.
. 1969-1977: Assistent/Assistenzprofessor für Allgemeine Religionsgeschichte im Fachbereich Philosophie und Sozialwissenschaften der Freien Universität Berlin.
. 1977-1989: Professor für Allgemeine Religionsgeschichte und Vergleichende Religionswissenschaft an der Rijksuniversiteit Groningen (Países Baixos).
. 1989-2004: Professor für Religionswissenschaft mit dem Schwerpunkt Geschichte und Theorie der Religionen an der Universität Bremen.
. 1989-2004: apl. Professor an der Rijksuniversiteit Groningen.
. 1998-2009: Fellow am Max-Weber-Kolleg der Universität Erfurt.
. 2004-heute: Weisheitsprofessor für Vergleichende Religionswissenschaft an die Jacobs University Bremen
. Professor convidado em Universidades de Wassenaar, Heidelberg, Berlim, Princeton, Bielefeld, Chicago, Israel…
. Para conhecer todas as publicações de Hans G. Kippenberg, confira o catálogo da Deutschen Nationalbibliothek.
. Para um conhecimento maior do pensamento de Hans G. Kippenberg, pode ser lida a obra, em alemão e inglês, publicada em sua homenagem, por seus amigos e colegas, por ocasião de seus 65 anos: LUCHESI, B.; VON STUCKRAD, K. (eds.) Religion Im Kulturellen Diskurs / Religion in Cultural Discourse: Festschrift Für Hans G. Kippenberg Zu Seinem 65. Geburtstag / Essays in Honor of Hans G. Kippenberg on the Occasion of His 65th Birthday. Berlin: De Gruyter, 2004, 672 s. – ISBN 9783110177909.
Introdução
1. O objetivo da obra: relacionar o conteúdo das tradições religiosas judaicas com a vida social dos judeus.
O sentido de “tradição” usado aqui é diferente do sentido dado ao termo por Max WEBER e seguidores:
- M. WEBER fala de “tradição” na pesquisa das relações sociais das sociedades pré-modernas
- Aqui se fala de “tradição” como continuidade de narrações e costumes
- Em M. WEBER: tradição x racionalidade
- Aqui: tradição x nova criação
2. Qual é o motivo da obra?
É que os movimentos judaicos de resistência contra os gregos e contra os romanos tiveram interpretações divergentes por parte dos autores.
3. M. HENGEL (Die Zeloten, 1961) defende que o movimento zelota de resistência tem razões religiosas como dominantes. Ele defende a independência e a prioridade do religioso sobre o político-social. Ele entende a ação organizada dos zelotas como a ação de uma seita, que se inspira numa dogmática messiânica.
4. H. KREISSIG (Die sozialen zusammenhänge des judäischen Krieges, 1970) defende que, na revolta contra Roma, são os camponeses e sacerdotes das camadas mais baixas os motores principais. Ele defende que foram as contradições sociais, criadas por condições socioeconômicas, que possibilitaram o processo. E contesta a importância das tradições religiosas para a ação política: “Quaisquer possam ter sido os papéis dos partidos religiosos, tanto estimulando como freando, as grandes dissensões aconteceram entre as classes, como em todo lugar na História Universal, desde que elas existem”.
5. HENGEL e KREISSIG trabalham dentro da dicotomia Religião e Sociedade: para um são as motivações religiosas que dominam a história; para outro são as motivações sociais que contam.
6. S. K. EDDY (The King is Dead, 1961) avançou um pouco na interpretação da guerra dos Macabeus, quando recusou a dicotomia Religião/Sociedade. Ele aponta três motivos, interligados, para a resistência religiosa ao helenismo:
- lutas tendo por meta a retomada do poder pelos nativos
- luta pelo poder, visando o privilégio social dos revolucionários (Macabeus) e o fim da exploração econômica
- luta pelo poder, com o objetivo de proteger a Lei e a religião
> Ele defende que a esperança dos combatentes contra o helenismo era de instauração da monarquia nativa local.
> Mas ele deixa aberta a questão: a união de religião e resistência política era ou não coincidência?
7. Várias tentativas já foram feitas no sentido de reconstituir social e cientificamente a história e a sociedade israelitas, como CAUSSE (Du groupe ethnique à la communauté religieuse, 1937) que acredita ter Israel evoluído do princípio de parentesco para o princípio de localização.
8. M. WEBER (Das antike Judentum, 1917-1919) diz que os pastores nômades, os artesãos, os comerciantes e os sacerdotes das tribos hóspedes é que fizeram aliança com as tribos guerreiras de Israel, donas da terra. O modelo weberiano é o da República Romana e suas classes sociais (patrícios, clientes e plebeus). Mas em Israel o direito de cidadania não estava ligado à posse da terra, pelo menos intrinsecamente, mas sim à ascendência… Daí que a aliança não é entre possuidores e não-possuidores de terra, mas entre israelitas sem terra contra cananeus com terra.
9. Avançou a sociologia etnológica, neste meio tempo, em três áreas: etnologia do parentesco, etnologia econômica e antropologia política. Daí o presente livro: ele interpreta a antiga literatura judaica em relação aos conceitos e métodos da etnologia (ou antropologia social). A etnologia tenta reconstruir o tipo de ordem social da Judeia antiga, comparando-o com o de outras sociedades do Antigo Oriente Médio.
> Neste processo considera-se ainda a relação do indivíduo com a sociedade e da ideia religiosa com a ordem social mais como contradição do que como unidade.
10. Os movimentos judaicos de resistência levantam a seguinte questão: existia uma relação intrínseca entre determinados conteúdos da tradição religiosa e as lutas de resistência, ou a relação era extrínseca ou casual?
>> A hipótese do autor é: a tradição se uniu com duas tendências antagônicas: a tendência à formação de classes e a tendência à solidariedade. Formam-se, então, dois complexos divergentes de tradição que fundamentam os conteúdos religiosos dos movimentos judaicos de resistência [Die religiöse Tradition – so die Hypothese dieser Arbeit – ist in diesem Prozeß mit den beiden antagonistischen Tendenzen von Klassenbildung und Solidarität in Verbindung greteten. In der Herausbildung dieser beiden – in ihren Inhalten und ihren sozialen Funktionen divergierenden – Traditionskomplexe ist auch die Rolle bestimmter religiöser Inhalte in den judäischen Widerstandsbewegungen begründet].
11. O conceito de “antigo”:
- na análise marxista, representa o modo de produção baseado na escravidão e na propriedade particular
- em nosso caso, caracteriza relações sociais nas quais os camponeses perdem o controle sobre a produção:
- este processo começou na Judeia no séc. VIII a. C. com o plantio de novas culturas, o comércio com produtos artesanais e, mais tarde, com o uso da moeda, levando, finalmente, à fixação generalizada de valores monetários dos bens e homens
- mas também é preciso ver que a apropriação crescente dos excedentes leva à ruptura das relações sociais tradicionais. O comércio levou o camponês à dependência da aristocracia. Daí a resistência política do campo contra a aristocracia.
Leia em seguida:
Capítulo 2: O sistema judaico de parentesco – Das judäische Verwandtschaftssystem
Capítulo 9: Oposição da religião à política – Opposition der Religion gegen die Politik