Arqueologia: as 10 maiores descobertas de 2024

Na opinião de Todd Bolen do BiblePlaces Blog.

Top 10 Discoveries of 2024 – By Todd Bolen: December 30, 2024

Ele diz:

Esta pesquisa de fim de ano é minha tentativa de revisar, organizar e destacar o que foi mais importante [na arqueologia] em 2024.O arqueólogo da IAA Jacob Sharvit ( à esquerda ) e a líder ambiental da Energean, Karnit Bahartan, examinam dois jarros de armazenamento cananeus após serem recuperados do fundo do mar Mediterrâneo em 30 de maio de 2024.

Começarei com as “10 principais descobertas” relacionadas à arqueologia bíblica, priorizando descobertas feitas em Israel e no período bíblico em detrimento daquelas feitas em regiões vizinhas e períodos posteriores.

Esta pesquisa também inclui algumas das histórias mais controversas do ano e outros relatórios dignos de nota de Jerusalém, Israel e do mundo bíblico mais amplo. Temos uma seção de principais histórias relacionadas ao turismo, bem como histórias relacionadas ao comércio de antiguidades e vandalismo.

No final destacamos os melhores recursos impressos e digitais que observamos este ano, bem como as mortes de pesquisadores influentes do mundo do Antigo Oriente Médio e da Bíblia. Nossa pesquisa conclui com links para outras listas top 10.

 

I find it easy to get lost in the trees of weekly roundups and not be able to quickly recall what stood out above the rest. This end-of-the-year survey is my attempt to review, organize, and highlight what was most important in 2024.

I’ll start with the “Top 10 Discoveries” related to biblical archaeology, prioritizing items made in Israel and in the biblical eras over those made in surrounding regions and later periods.

This survey also includes a couple of the most controversial stories of the year and other noteworthy reports from Jerusalem, Israel, and the broader biblical world. We have a section of top stories related to tourism, as well as stories related to the antiquities trade and vandalism.

Near the end, we highlight the best print and digital resources we noted this year, as well as the deaths of influential figures. Our survey concludes with links to other top 10 lists.

Feliz 2025

Desejo a todos os visitantes do Observatório Bíblico e da Ayrton’s Biblical Page um Feliz 2025!

Feliz Ano Novo!Marcadores do blog Observatório Bíblico

Happy New Year!

Feliz Año Nuevo!

Bonne Année!

Frohes Neues Jahr!

Buon Anno!

O proletário e os exegetas burgueses

Ora, ora, os exegetas burgueses vieram visitar o proletário.

Era assim que Frei Rosário Jofilly (1913-2000) recebia o Benjamim, o Emanuel e eu lá em sua morada na Serra da Piedade, MG, a 1746 metros de altitude. Isto acontecia uma ou duas vezes a cada janeiro e a cada julho, desde 1977. Benjamim Carreira de Oliveira e eu com Frei Rosário Joffily na Serra da Piedade, MG, em janeiro de 1982.

Pois desde 1977, Benjamim Carreira de Oliveira, de Belo Horizonte, MG, Emanuel Messias de Oliveira, de Governador Valadares, MG e eu – nós três, ex-colegas de Roma com Mestrado em Bíblia – passamos a nos encontrar no Asilo São Luiz, – apesar do nome, um orfanato – das Irmãs Auxiliares de N. S. da Piedade, pertinho de Caeté, MG, aos pés da Serra da Piedade, para estudar nas férias.

Primeiro em janeiro. Depois em janeiro e julho. Ficávamos na “Casa do Padre”, que era reservada para nós. Irmã Genoveva cuidava da gente. Estudávamos e preparávamos aulas, cada um em sua área bíblica específica, cerca de 10 horas por dia. Sem TV e sem telefone. Só levávamos livros. Trocávamos muitas ideias e fazíamos caminhadas pela fazenda. Fizemos isso, todos os anos, durante 26 anos, até 2003.

E íamos, os “exegetas burgueses” no dizer dele, visitar o Frei Rosário lá no alto da Serra, para trocar ideias e tomar um copo de vinho acompanhado pelo extraordinário queijo da Serra.

Nestes dias estou recuperando fotos antigas e colocando-as no Instagram. E cheguei, em janeiro de 1982, nas fotos que tenho com Frei Rosário.

Por causa disso, descobri também um texto muito bom que conta a história de Frei Rosário e suas atividades na Serra da Piedade. Foi publicado no jornal Opinião, de Caeté, em 14 de março de 2019. Escrito por J. C. Vargens Tambasco, engenheiro e escritor, ex-diretor Industrial da Cia. Ferro Brasileiro, que residiu em Caeté de 1977 a 1995.

Reproduzo aqui o texto do José Carlos Vargens Tambasco: 70 anos que o Frei Rosário chegou à Serra da Piedade

Sem bulhas nem matinadas, para conduzir soluções ao que vinha se arrastando desde o século XVIII, frei Rosario Jóffily chegava na Serra da Piedade

O Cardeal e a Serra

Em 1946, D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta era elevado à dignidade do Cardinalato. Em 07 de maio do mesmo ano, o Cardeal Motta visitava Caeté. Nessa oportunidade recolheu-se por várias horas ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade, em orações e meditação. Muito provavelmente meditava re refletia mais profundamente sobre o futuro daquele seu, tão caro, Santuário. Certamente, este era o objeto principal da sua visita.

Ao retornar, dirigiu-se à cidade de Caeté. Já no bairro José Brandão, foi homenageado pelo Diretor Industrial da Companhia Ferro Brasileiro, sendo recebido na Casa de Hóspedes dessa empresa, para um lanche informal. Não sabemos o que foi tratado, pelo Cardeal, nessa breve reunião. Contudo, é bastante provável que ele tenha sondado as intenções da diretoria da empresa quanto ao futuro que imprimiria às atividades de mineração da “canga”, minério de ferro muito abundante na jazida do Descoberto, cuja autorização de lavra já fora concedida, pelo Departamento Nacional da Produção Mineral, à concessionária que a representava.

Empresarialmente, tratava-se de uma situação normal de exploração industrial, para a qual a empresa se preparava desde 1938. Durante muito tempo, a Companhia Ferro Brasileiro fora abastecida em minérios de ferro pela atividade de terceiros; a partir dos anos 1940, ela passou a seguir a via da verticalização da produção e, nesse sentido, adquiriu as minas de Trindade, do Gongo Soco e da Serra da Piedade. Estudos conseqüentes foram produzidos por engenheiro de minas do grupo francês, controlador dessa sociedade, o que definiu as condições de exploração mais convenientes para a Usina Gorceix .

Contudo, a mineração que se pretendia fazer, era a do aproveitamento dos capeamentos de canga; os corpos minerais subjacentes, de hematita compacta, não seriam explorados. Era uma decisão estratégica, que não implicaria em investimentos de porte, salvo aquele investido na propriedade da terra, a qual também se tornaria em reserva florestal para a futura produção de carvão, dada a sua extensão e ao ambiente ecológico propício. Dessa forma, Trindade e Gongo Soco foram exploradas, até o esgotamento da canga, minério muito conveniente para a marcha dos pequenos altos-fornos a carvão vegetal.

Durante os anos 40, já se preparavam os estudos para a exploração do mesmo tipo de minérios, na Serra da Piedade e, nesse sentido, os estudos foram intensificados. Verificou-se que o minério mais conveniente para a exploração econômica, era o situado na parte do Descoberto, cuja área era de propriedade do Asilo São Luís.

Desde o 7 de maio de 1941, a Congregação das Irmàs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade havia firmado acordo com a Companhia Ferro Brasileiro, segundo o qual estaria garantida a participação em royalties legais, à primeira instituição, pela fruição da exploração dos minérios de ferro e de manganês, pela segunda, nas jazidas localizadas nas terras das antigas fazendas Morro Velho e Pedro Paulo, cuja propriedade mineral era, agora, do Asilo São Luís.

O Cardeal Motta constatava, assim, que desde a sua partida do Asilo São Luis – onde viveu seus primeiros momentos como padre, tendo sido o coadjutor do Monsenhor Domingos Pinheiro – a Serra da Piedade voltara a um estado de abandono, em tudo semelhante àquele que ocorrera após o afastamento do Padre Simplício, havia já 74 anos passados. Nova ameaça rondava a Serra portentosa, e o Cardeal o pressentia: a exploração mineral naquele ecossistema dotado de excepcional microclima, e conjunto paisagístico de pequena extensão, mas de elevada importância para Minas Gerais, porquanto também sede de tradições históricas, culturais e religiosas, de nenhum modo desprezáveis.

Não se esquecendo de suas origens mineiras, o Cardeal nutria particular afeição pelo Santuário de Nossa Senhora da Piedade e pelo Asilo São Luis, instituição onde viveu seus primeiros anos de sacerdócio, antes de ser convocado a novas missões, que dali o afastaram. Não obstante ser, naquele momento, Cardeal Arcebispo de São Paulo, desejava tomar à si, também, as preocupações quanto à defesa daquele Santuário. Ainda mais, sabia-o, o Arcebispado de Belo Horizonte também se encontrava de mãos atadas para o encaminhamento de uma solução mais imediata para o problema, faltante que era do elemento humano indicado para a tarefa; além disso, havia as consequências sociais que poderiam eclodir, de uma ação intempestiva, eventualmente exercida contra o prestígio de uma indústria muito bem posicionada na opinião pública de Minas Gerais. E, finalmente, haveria que considerar-se os meios financeiros que pudessem suprir os rendimentos indispensáveis à continuidade da obra social, que era o Asilo São Luis. Era imperioso que aguardassem tempos melhores para qualquer ação.

Contudo, sua visita ao Santuário, mostrava-lhe também quão insensato era, em nome de um suposto desenvolvimento industrial local, descaracterizar aquele patrimônio natural. No centro de suas reflexões não era esquecida a realidade social girando em torno da Companhia Ferro Brasileiro, em sua usina de Caeté, que na época mantinha cerca de 2500 operários na Usina Gorceix, e outros tantos nas atividades rurais e de mineração: era o expressivo total de 25.000 almas, que eram mantidas com os salários pagos pela empresa.. E não era questão prejudicar o funcionamento desse magnífico complexo industrial, através medidas violentas de enfrentamento direto. Decididamente, a Serra da Piedade precisava de um guardião que, antes de tudo, fosse dotado de sensibilidade social, além de ser homem de fé e de vontade férrea na perseguição dos seus objetivos, mesmo que estes parecessem inacessíveis, no momento.

O frade e a Serra

Atuando na cidade de São Paulo, havia um religioso com um tal perfil. Tratava-se de um frade dominicano, então com 36 anos, com doutorado em Teologia, e regendo uma cadeira de Filosofia na PUC de São Paulo. Era, entretanto, dotado de personalidade irrequieta, que ainda não discernira sua verdadeira missão, mas que julgava entrevê-la na vida contemplativa, como ermitão e restaurador de algum velho convento colonial, dos quantos ainda existiam na orla marítima do estado de São Paulo. Ou, quem sabe, naquele de São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro?

Procurando um caminho para a realização de tais projetos, frei Rosário Joffily buscou o aconselhamento do Cardeal Motta que, sem mostrar entusiasmo pelas idéias expostas, dissera-lhe considerar que “ele ia muito bem no que fazia, na Universidade”. Não obstante, prometeu-lhe pensar sobre o assunto e voltar a conversar com ele.

Dias depois, o Cardeal Motta o convocava para um encontro, à tarde; conta-lhe que, naquela manhã, recebera um presente que o agradara muito: era uma imagem de Nossa Senhora da Piedade. Considerou que, talvez, aquele fato fosse um sinal, porque o Santuário de Nossa Senhora da Piedade, de Caeté, era local tradicional em Minas Gerais, mas, estava ameaçado pela ação de uma mineradora de ferro. Quem sabe, Frei Rosário poderia ajudar, de alguma forma, na preservação desse Santuário?
Frei Rosário relatou ao autor desta “Comunicação” que, após muito pensar, sentiu que aquela era uma vontade de Deus. E aceitou o desafio.

Em 19 de março de 1949 – como ele próprio gostava de assinalar, no dia de São José – Frei Rosário Joffily se alojava no Santuário da Serra da Piedade, para ali permanecer durante os próximos 51 anos e 5 meses.

Emanuel Messias de Oliveira e eu com Frei Rosário Joffily em janeiro de 1982Permitam-me os leitores, nesse ponto, algumas lembranças sobre o final da jornada desse religioso, exemplar na sua fé e no cumprimento de sua missão apostólica:- Durante a segunda semana do mês de agosto de 2000 – provavelmente no dia 9, próximo à hora do Ângelus – dirigindo-se aos seus aposentos, ao subir os degraus externos ao mesmo, desequilibrou-se, caindo de costas. Em conseqüência, fraturou o crânio e foi socorrido pelo padre Virgílio Rezi e pelo sr. Leandro Garcia, que lá se encontravam. Transportaram- no à Santa Casa de Caeté, de onde o removeram para o Hospital Madre Teresa, em BH. Ali, frei Rosário chegou consciente, posto ter preenchido, do próprio punho, os documentos para a sua internação.

Frei Rosário foi submetido a uma cirurgia para descompressão craniana, com todo o sucesso. Com muito boas respostas neurológicas, o pós-operatório transcorreu sem novidades maiores. Subitamente, ele foi acometido por uma pneumonia dupla e, na madrugada do dia 17 foi transferido para o CTI daquele hospital. No dia 19, este Autor foi admitido ao CTI, para visitar Frei Rosário, por 5 minutos: ele recebia ventilação mecânica e dormia, sedado. Naquele momento, frei Rosário já era vítima fatal da septicemia que o acometera. Dificilmente haveria possibilidades de recuperação para ele, salvo as esperanças escatológicas dos seus irmãos na fé.

Para aqueles que tiveram longa convivência com Frei Rosário, era muito triste ver aquele homem, outrora tão resoluto e determinado, ali, exposto em uma fragilidade indizível… Naquele momento, em pensamentos, dei o meu adeus ao amigo querido de tantas jornadas. Ele faleceria no dia 25 seguinte.

A luta do frade pela consolidação do Santuário

Frei Rosário Joffily – na vida do século nomeado Jovino Joffily – era nordestino, de tradicional família do Rio Grande do Norte, da linhagem dos Albuquerque Maranhão. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, o primeiro governador do Rio Grande do Norte, eleito por aclamação popular, caso raro na História da República Velha, foi o seu avô. Frei Rosário costumava dizer que seus ancestrais, saídos do Minho, em Portugal, escolheram o Brasil e o seu Nordeste, desde 1530…

Nasceu na Cidade da Paraíba (hoje, João Pessoa), em 6 de janeiro de 1913, onde seus pais estavam residindo, transitoriamente. Foi educado com os avós maternos, em Natal, onde completou os cursos primário e secundário. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde completou o curso colegial e iniciou o superior.

Era primo de Mário Pedrosa, cuja casa frequentava, e onde fez conhecimentos com boa parte da intelectualidade daquela época, no Rio de Janeiro. Entre esses, conheceu Alceu de Amoroso Lima, de quem sempre guardou grande admiração, assim revelando a fonte de sua conversão ao cristianismo. De fato, ele revelaria, bem mais tarde, que a maioria dos seus amigos da época pertenciam ao “Partidão” (Partido Comunista Brasileiro). Dizia ele ter procurado encontrar alguma lógica no marxismo, mas jamais a encontrou; ressalvava, contudo, jamais ter sido um capitalista, sendo essencialmente um socialista.

Realmente, aos 21 anos, em 1934, iniciou o seu noviciado, tendo pertencido, antes, à JUC (Juventude Universitária Católica). Sua conversão não foi a única naquele grupo de jovens, pois se deu também com 15 outros amigos de Jovino, todos participantes da JUC, três dentre esses jovens, Jovino entre eles, tornaram-se Dominicanos; os 12 restantes, orientaram- se para a Ordem dos Beneditinos.

Os estudos religiosos superiores foram realizados na França, onde frei Rosário passou todos os anos da 2ª Guerra Mundial. Regressou ao Brasil após o término do conflito, radicando-se em São Paulo, onde se encontrava em 1948.

Voltamos a encontrar frei Rosário na Serra da Piedade, durante o segundo trimestre de 1949. Ele travou conhecimento com as pessoas que conduziam a vida econômica e social da cidade de Caeté, inclusive com os diretores, gerentes e operários da Companhia Ferro Brasileiro. Também estabeleceu os laços necessários com os administradores públicos do Município.

Na Serra, ponderava e agia com tranqüilidade, pensando em como prover as necessidades mais prementes, de forma a fazer crescer o movimento das romarias ao Santuário: água, energia elétrica e estrada de acesso.

Através dos seus contatos com os operários da CFB, soube que, outrora, havia cerca de uma dezena de anos, houvera uma usina hidro-elétrica montada no ribeirão Caeté, no local denominado Fecho do Funil, próximo à Usina Gorceix. Essa geradora fornecia energia elétrica à cidade de Caeté. Usina pequena, com capacidade limitada a 48 kW, tinha o seu gerador acionado por uma turbina Pelton, adequada às pequenas quedas de água. A usina fora desativada em 1942, após uma grande enchente que destruiu parte considerável das suas instalações.

Frei Rosário descobriu que as partes essenciais dessa usina ainda se encontravam no depósito de recuperados da Prefeitura, conseguiu que essas partes fossem doadas ao Santuário, iniciando a sua recuperação.

Com a ajuda de Antonio Januário Pinto, mestre de mecânica da CFB, além de outros operários mais, frei Rosário fez com que esse equipamento fosse reinstalado no ribeirão do Descoberto, próximo ao Asilo São Luís, com inteiro sucesso. Uma linha de transmissão com tensão de 220 V foi construída, alimentando o Asilo e o Santuário. Em 1950, pela primeira vez na sua História, o Santuário de Nossa Senhora da Piedade era iluminado com luz elétrica.

O passo seguinte seria o de dotar o Santuário com o volume de água potável exigido pelo movimento das romarias. Tendo superado a etapa do suprimento da energia elétrica com a potência possível, frei Rosário providenciou a importação de 4 bombas centrífugas, para água, capazes de bombear a água a uma altura de 150 m. Implantadas próximas ao eixo da trilha de subida da encosta, cada bomba alimentava um dos reservatórios intermediários. Do córrego Descoberto, a primeira bomba recalcava a água ao primeiro reservatório, elevado de 150 m do nível da primeira bomba; daquele, a segunda bomba aspirava a água, para então elevá-la até o próximo reservatório e, assim, sucessivamente.

A primeira bomba foi implantada junto a uma das nascentes do Descoberto, e abrigada no buracão, espécie de embocamento de mina aurífera descontinuada, até hoje existente naquele local, à margem da antiga estrada para Caeté.

Essas bombas, tendo sido recebidas em fins de 1950, em 1951 já estavam instaladas e operando normalmente. Era uma nova etapa de desenvolvimento do Santuário, que se consolidava, quase um século após os importantes trabalhos de construção de um reservatório de água, empreendidos por frei Luís de Ravena, naquele cume. Foi um evento marcante.

O sistema de bombeamento fora concebido e importado com a ajuda da própria gerência local da CFB, que colaborava com o Santuário, colocando à sua disposição as oficinas e máquinas-ferramentas; os operários e profissionais da empresa também davam a sua parcela de contribuição, trabalhando na execução das obras da Serra, após os seus horários normais de trabalho na usina. Grande foi o espírito de colaboração de todos, como podemos aduzir do testemunho de José Zanon Filho e de Jorge de Oliveira Soares:

(…) Nós éramos alunos do SENAI da CFB [Escola Profissional mantida pela CFB, em convênio com o SENAI], e fazíamos estágio nas oficinas da Usina Gorceix. Vez por outra o Januário [Antonio Januário] mandava a gente tornear uma ou outra peça para o ‘Frei”.(…) Às vezes o “Frei” vinha ao nosso torno e, ele mesmo, fazia a sua peça. Com a nossa formatura [2ª turma de profissionais formados naquela Escola], convidamos o “Frei” para celebrar a missa na Igreja de São Francisco. Ele aquiesceu com muita cordialidade. Desde então fortaleceu-se a nossa amizade.
(ENTREVISTA, 2002; 4 de fevereiro)

Frei Rosário soube conquistar aquela juventude operária da cidade de Caeté, dia após dia, como podemos ver pelo testemunho de José Muniz Macedo:

(…) Conheci Frei Rosário em 1956, por ocasião da formatura da 4ª turma de profissionais do Colégio SENAI-CFB. Resolvemos comemorar a formatura passando a noite na Serra da Piedade. Lá chegando, procuramos o “Frei” e pedimos a devida autorização. Ele não só nos acolheu, como organizou, de imediato, uma vigília à Nossa Senhora da Piedade, o que nos ocupou toda a noite. Na manhã seguinte, ele nos ofereceu um magnífico café da manhã…
(Ibidem)

A este, segue-se outro depoimento, agora de José Zanon Filho, evidenciando a capacidade e o espírito de liderança de frei Rosário:

“Logo após a nossa formatura, ele nos convidou para jantarmos na Serra. No fim do jantar, ele nos comunicou: “vocês vão conhecer o Rio de Janeiro.” Disse-nos que pagaríamos 50% do valor da passagem de avião, o que ele obteria com amigos; a permanência no Rio seria sem despesas, porque ficaríamos em casas de religiosos(…) Metade ficou no Convento dos Dominicanos e metade no Mosteiro de São Bento. Passamos 10 dias no Rio: Imagine! Nós, rapazes de Caeté, que nem Belo Horizonte conhecíamos, e fizermos um passeio destes! Um dia ele nos disse: “Agora, vocês vão visitar meus pais.” E lá fomos, para o Jardim Botânico, onde eles moravam, e fomos muito bem recebidos. O pai do Frei era um senhor baixo, portando um cavanhaque que lhe dava o ar de professor; sua mãe [de Frei Rosário] era uma senhora muito simpática. (…) Ao chegarmos ao Rio, o Irson [Irson Alcântara] teve uma crise de apêndice, tendo sido internado e operado. O Frei cuidou de tudo! (…) Ao voltarmos, ele nos disse: “Agora, vou arranjar um passeio para vocês, em São Paulo.” E, em 1954, lá fomos nós, de “Vera Cruz” [trem de luxo que fazia a linha Rio-Belo Horizonte, para São Paulo, baldeava-se em Barra do Piraí-RJ, onde se embarcava no “Santa Cruz”
(Ibidem).

Era esse o modo através do qual frei Rosário conquistava os seus colaboradores, turma após turma formada que, em última análise, não eram “seus colaboradores”, antes do Santuário. No caso em apresentação, aquele grupo permaneceu fiel ao Santuário até a data atual, garantindo a conservação dos seus diversos equipamentos eletro-mecânicos e eletrônicos.

Entre os jovens especialistas em eletro-mecânica da CFB, um se destacava pela sua habilidade em enrolar bobinas de motores: Ilton Alcântara. Frei Rosário aprendeu, com ele, a técnica de enrolar motores, inclusive a do tratamento das bobinas, por imersão nos vernizes isolantes especiais. Em breve ele se igualava a Ilton, tendo-o superado quanto à capacidade de calcular, matematicamente, os seus parâmetros elétricos. Não teve tempo de ensiná-lo ao Ilton, pois que este veio a falecer de mal súbito, muito jovem ainda.

“Para Frei Rosário, a aprendizagem da reparação dos motores era coisa essencial, porquanto, dado o nível de instabilidade de tensão de sua usina geradora, a queima de motores era frequente, e era ele quem os reparava”.(Ibidem. Fala de José Zanon Filho).

Frei Rosário se orgulhava muito dessa habilidade. Certa vez ouvimo-lo comentar que todo frade deve desenvolver uma dada habilidade manual, a qual possa garantir-lhe a manutenção com o seu próprio trabalho. Quando chegou à Serra, a habilidade que possuía era a de trabalhar o couro mas, depois de suas “aventuras tecnológicas” na Serra, adquirira uma nova habilidade, que era a de enrolar motores, e estava consciente de bem o fazer. Tal habilidade era muito conveniente nos tempos que agora corriam para o Santuário, ainda mais que, convivendo em um meio operário de alto nível de capacitação tecnológica, podia falar-lhes como um igual, até em seu “dialeto tecnológico” próprio, sem jamais ter sido um padre- operário.

O Santuário, desde o início de 1952, estava convenientemente servido de energia elétrica e de água. Podia, agora, receber os seus romeiros mais condignamente, faltando apenas a estrada de acesso que permitiria um maior e mais cômodo afluxo humano.

Portanto, também era a hora de preocupar- se com a limitação, ou preferencialmente, com a extinção da atividade mineradora na Serra, bem como da sua maior proteção ecológica.

Entre as amizades que fizera, após sua chegada à Serra da Piedade, estava aquela de Nelson de Sena, a quem Frei Rosário tinha em grande consideração. Como a vários outros mineiros ilustres, consultou-o sobre a questão que o preocupava, com relação à atividade mineradora na Serra. Político experiente, Sena fê-lo ver que não seria fácil conter a mineração, porquanto ela estava armada de todas as exigências e direitos legais para exercer sua atividade. Além disso, completou o seu conselheiro, havia uma possível questão social, caso a mineração fosse parada abruptamente. Frei Rosário considerou que, nessas condições, não valeria a pena iniciar qualquer ação, pois que seria perdê-la na certa. Outros caminhos deveriam ser encontrados.

Quando ainda morador de São Paulo, Frei Rosário conhecera Rodrigo de Mello Franco Andrade, com quem estabelecera grande amizade. Por ocasião de uma das suas viagens entre Belo Horizonte e Rio, encontrara Rodrigo no aeroporto da Pampulha. Rodrigo mostrava- se particularmente feliz, porquanto vinha de obter o tombamento de dois importantes sítios históricos, o sítio onde se travara a batalha dos Guararapes, em Pernambuco, e o de São Miguel das Missões, no Sul do Brasil, onde os Jesuítas catequizaram os Guaranis.

Frei Rosário declarou-se verdadeira e agradavelmente surpreso, porquanto julgava que o SPHAN apenas cuidasse do tombamento e preservação de obras de arte e edificações com significado histórico. Porém, quanto aos sítios históricos…

Era o que ele precisava para o encaminhamento do problema da Serra da Piedade!

De pronto, colocou o problema para Rodrigo, pedindo que o ajudasse no tombamento da Serra da Piedade. Este se mostrou interessado na questão. Lembrava-se daBenjamim Carreira de Oliveira e eu com Frei Rosário Joffily na Serra da Piedade em janeiro de 1982 Serra e do seu Santuário, que visitara quando ainda jovem, com cerca de 17 anos. Por certo, durante o resto da viagem, teriam discutido sobre os destinos desses monumentos geológicos de Minas Gerais, entre os quais o Cauê, que já estava com o seu destino traçado e em breve não seria mais que “uma fotografia pendurada na parede”, na expressão do ilustre poeta itabirano, e colaborador administrativo de Rodrigo, Carlos Drumond de Andrade. Falou-se sobre o pico do Itabira, igualmente, ameaçado; e de um forte, mas incerto, movimento para a sua preservação, que estava sendo esboçado; agora, a Serra da Piedade…Era preciso agir.

Rodrigo recomendara que fosse obedecido certo modus faciendi, de forma a consolidar de modo definitivo, sem possibilidades de reversões, qualquer tombamento executado: em primeiro lugar, que o interessado pelo tombamento fosse o proprietário do bem tombado, em sua maior parte; segundo, que os procedimentos fossem sucessivos e que as preocupações visassem, primeiramente, o essencial, pois que o acessório viria de per se.

Dessa forma agiu Frei Rosário Joffily, que passou a trabalhar no sentido de completar as propriedades do Santuário, através retificações de limites, compras de posses e faixas limítrofes, de tal sorte que, em pouco tempo, a região Sudoeste da serra, que era a mais problemática, em 1954 estava regularizada, conforme planta das propriedades do Santuário.

Entrementes, Frei Rosário procurava obter compromissos de convivência da mineradora e da própria CFB, posto que a exploração já se aproximava perigosamente do local onde estava situado o primeiro Passo de Adoração e Reflexão, no início da subida da Serra.

Porém, sua ação junto à CFB, inicialmente promissora, a partir de um certo momento parecia não mais frutificar. Carta do Bispo Coadjutor de Belo Horizonte, dirigida ao Gerente de Usina, sr. Louis Poupet, abordava amargamente a pouca atenção que vinha sendo dada aos contatos com o vigário do Santuário, bem como com aquelas cartas emanadas das autoridades religiosas, sobre o mesmo assunto.

Outra carta, do Cardeal Motta, datada de 4 de janeiro de 1955 e dirigida à alta direção da CFB, fora incisiva: Pedia a atenção daquela diretoria para a devastação que a CFB fazia na Serra, através da sua mineradora. Chamava a atenção dos diretores sobre as obrigações daquela indústria face à preservação dos sítios históricos e de tradição, diversamente do que se fazia atualmente com o Pico do Cauê. A Serra da Piedade não poderia vir a ser um novo desastre histórico-cultural em Minas Gerais, pensava a alta hierarquia eclesiástica de Minas Gerais.

Benedito Efigênio Galantini, topógrafo da CFB, prestando serviços à mineração, encontrava-se em trabalhos de levantamentos topográficos da área minerada, muito próximo ao primeiro Passo da trilha da Serra, quando viu frei Rosário pela primeira vez. Era um fim de tarde do ano de 1951, sem que ele saiba precisar em que data. Frei Rosário subia a trilha da Serra, cavalgando um burrico. Ele parou e dirigiu-se ao topógrafo, inquirindo: ” Onde estão os marcos da Companhia?” E Galantini lhe disse que estavam próximos dali, mas que dado o adiantado da hora, ele não poderia mostrá-los, ao que Frei Rosário retrucou: “Não faz mal. Veremos isso em outra ocasião.”

Quer isso dizer que Frei Rosário começava, então, sua procura para as definições dos limites das terras do Santuário. E, efetivamente – é, ainda, Benedito Galantini quem no-lo confirma: a primeira planta para Registro Torrens começou a ser elaborada em 1952, mas o primeiro registro deu-se em 1954. A primeira retificação de divisas foi realizada com a Fazenda do Ouro Fino, então de propriedade do sr. João de Resende Costa [Não confundir com o seu homônimo, o Arcebispo de Belo Horizonte.]

Logo após, houve a compra de direitos de posse, na Fazenda do Morro Velho, no lado Sudoeste. Em 1955, já havia uma planta de propriedades, que permitiria o início de um processo de tombamento. Efetivamente, em 17 de julho de 1955, o Reitor do Santuário fazia um pedido formal, ao Diretor do SPHAN, para o início do Processo para tombamento da Serra da Piedade.

O Processo caminhou célere, pois que em 22 de agosto de 1955, o chefe do SPHAN-MG, informava ao sr. Rodrigo de Mello Franco Andrade que procedera buscas sobre a historicidade da Ermida de Nossa Senhora da Piedade, encontrando-as na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol.II, p. 198 Em 6 de setembro de 1956, em ofício dirigido a Frei Rosário Joffyli, Rodrigo Andrade comunicava o deferimento, em definitivo, do pedido de tombamento do sítio e das construções existente nas propriedades do Santuário.

Assíria

Todas as postagens sobre a Assíria publicadas no Observatório Bíblico. Em ordem cronológica, da mais recente à mais antiga:

:: Fontes textuais para o Akitu durante o Primeiro Milênio a.C. – 21.11.2024Senaquerib, rei da Assíria de 705 a 681 a.C.

:: Layard e Botta em Nínive em 1842 – 17.10.2024

:: Assíria e Egito na Palestina na época de Josias – 03.10.2024

:: A escavação arqueológica da Assíria – 17.08.2024

:: O império assírio: ascensão e queda – 11.06.2024

:: Tiglat-Pileser I, rei da Assíria de 1115 a 1076 a.C. – 18.05.2024

:: Notas sobre o começo da arqueologia na Mesopotâmia – 20.03.2024

:: Como ser um assiriólogo? – 28.06.2023

:: Eles criam uma solidão e a chamam de paz: o domínio assírio na Palestina – 16.03.2022

:: As campanhas militares de Tiglat-Pileser III na Síria e na Palestina – 13.03.2022

:: A imperialização da Assíria: uma abordagem arqueológica – 16.02.2022

:: Projeto Biblioteca de Assurbanípal – 03.02.2022

:: Revisitando o legado de Layard – 16.03.2021

:: A tomada de Laquis por Senaquerib em 701 a.C. – 3 — 27.04.2020Assurbanípal, rei da Assíria (668-627 a.C.)

:: A tomada de Laquis por Senaquerib em 701 a.C. – 2 — 27.04.2020

:: A tomada de Laquis por Senaquerib em 701 a.C. – 1 — 27.04.2020

:: Um retrato de Senaquerib, rei da Assíria – 16.04.2020

:: O cerco de Jerusalém por Senaquerib em 701 a.C. – 11.04.2020

:: As inscrições reais do período neoassírio – 07.04.2020

:: A invasão de Judá por Senaquerib: as fontes – 28.03.2020

:: Senaquerib, rei da Assíria – 14.03.2020

:: Eu sou Assurbanípal: exposição no Museu Britânico – 04.02.2019

:: Ensaios sobre a Assíria – 02.01.2018

:: Sargão II, rei da Assíria – 13.10.2017Os relevos de Laquis no British Museum, Londres

:: Religião e ideologia na Assíria – 13.06.2017

:: Assíria: a pré-história do imperialismo – 08.06.2017

:: O EI e a destruição do patrimônio arqueológico na Síria e no Iraque – 05.09.2015

:: A invasão de Judá por Senaquerib em 701 a.C. – 22.03.2015

:: O EI está mesmo destruindo artefatos assírios? – 27.02.2015

:: Ezequias e os espiões da Assíria – 01.02.2007

:: As campanhas de Tiglat-Pileser III contra Damasco e Samaria entre 734 e 732 a.C. – 21.06.2006

Um guia para a leitura do livro de Isaías

HAYS, C. B. (ed.) The Cambridge Companion to the Book of Isaiah. Cambridge: Cambridge University Press, 2024, 400 p. – ISBN 9781108456784.

Poucos escritos moldaram o mundo tanto quanto o livro de Isaías. Seu lirismo, imagens, teologia e ética estão profundamente arraigados em nós e na cultura judaica eHAYS, C. B. (ed.) The Cambridge Companion to the Book of Isaiah. Cambridge: Cambridge University Press, 2024, 400 p. cristã em geral. Tem sido um fenômeno cultural desde o momento em que foi formado e influenciou também autores bíblicos posteriores.

O livro de Isaías também é uma obra literária complexa, densa em poesia, retórica e teologia, e ricamente entrelaçada com a história antiga. Por todas essas razões, é um desafio lê-lo bem.

The Cambridge Companion to Isaiah serve como um guia atualizado e confiável para este livro bíblico. Incluindo diversas perspectivas de estudiosos renomados de todo o mundo, ele aborda Isaías a partir de uma ampla gama de abordagens metodológicas. Ele também apresenta os mundos em que o livro foi produzido, a maneira como foi formado e os impactos que teve no público contemporâneo e posterior de uma forma acessível.

Christopher B. Hays é professor de Antigo Testamento e Estudos do Antigo Oriente Médio no Seminário Teológico Fuller, Pasadena, Califórnia, USA, e pesquisador associado da Universidade de Pretória, África do Sul.

 

Few writings have shaped the world as much as the book of Isaiah. Its lyricism, imagery, theology, and ethics are all deeply ingrained into us, and into Jewish and Christopher B. HaysChristian culture more generally. It has been a ­cultural touchstone from the time when it was formed, and it ­influenced later biblical authors as well. The book of Isaiah is also a complex work of literature, dense with poetry, rhetoric, and ­theology, and richly intertwined with ancient history. For all these reasons, it is a challenge to read well. The Cambridge Companion to Isaiah serves as an up-to-date and reliable guide to this biblical book. Including diverse perspectives from leading scholars all over the world, it approaches Isaiah from a wide range of methodological approaches. It also ­introduces the worlds in which the book was produced, the way it was formed, and the impacts it has had on contemporary and later audiences in an accessible way.

Christopher B. Hays is the D. Wilson Moore Professor of Old Testament and Ancient Near Eastern Studies at Fuller Theological Seminary and a research associate of the University of Pretoria (South Africa). He is the author of The Origins of Isaiah 24–27 (Cambridge University Press, 2019) and Death in the Iron Age II and in First Isaiah (2011), and ­coauthor of Isaiah: A Paradigmatic Prophet and His Interpreters (2022). He co-translated Isaiah for the Common English Bible.

Uma introdução ao livro de Isaías

TIEMEYER, L-S. (ed.) The Oxford Handbook of Isaiah. New York: Oxford University Press, 2020, 756 p. – ISBN 9780190669249.

O livro de Isaías é sem dúvida um dos livros mais importantes da Bíblia hebraica/Antigo Testamento, como evidenciado por seu lugar de destaque nas tradições judaica eTIEMEYER, L.S. (ed.) The Oxford Handbook of Isaiah. New York: Oxford University Press, 2020, 756 p. cristã, bem como na arte e na música. A maioria das pessoas, acadêmicos e leigos, estão familiarizados com as palavras de Isaías acompanhadas pelos tons magníficos do “Messias” de Handel.

Isaías também é um dos livros mais complexos devido à sua variedade e pluralidade, e tem sido, consequentemente, o foco do debate acadêmico nos últimos 2000 anos.

Dividido em oito seções, The Oxford Handbook of Isaiah constitui uma coleção de ensaios sobre um dos livros mais longos da Bíblia. Eles cobrem diferentes aspectos sobre a formação, interpretações e recepção do livro de Isaías, e também oferecem informações atualizadas em um formato atraente e facilmente acessível.

O resultado não representa um ponto de vista unificado; em vez disso, as contribuições individuais refletem o amplo e variado espectro de envolvimento acadêmico com o livro. Os autores dos ensaios também representam uma ampla gama de tradições acadêmicas de diversos continentes e afiliações religiosas, acompanhados de recomendações abrangentes para leituras adicionais.

Lena-Sofia Tiemeyer é professora de Exegese do Antigo Testamento na Escola de Teologia de Örebro, Suécia, e pesquisadora associada no Departamento de Antigo Testamento e Escrituras Hebraicas, Faculdade de Teologia e Religião, Universidade de Pretória, África do Sul.

 

The book of Isaiah is without doubt one of the most important books in the Hebrew Bible/Old Testament, as evidenced by its pride of place in both Jewish and Christian traditions as well as in art and music. Most people, scholars and laity alike, are familiar with the words of Isaiah accompanied by the magnificent tones of Handel’s ‘Messiah’.

Isaiah is also one of the most complex books due to its variety and plurality, and it has accordingly been the focus of scholarly debate for the last 2000 years.

Lena-Sofia Tiemeyer - nascida em 1969Divided into eight sections, The Oxford Handbook of Isaiah constitutes a collection of essays on one of the longest books in the Bible. They cover different aspects regarding the formation, interpretations, and reception of the book of Isaiah, and also offer up-to-date information in an attractive and easily accessible format. The result does not represent a unified standpoint; rather the individual contributions mirror the wide and varied spectrum of scholarly engagement with the book. The authors of the essays likewise represent a broad range of scholarly traditions from diverse continents and religious affiliations, accompanied by comprehensive recommendations for further reading.

Lena-Sofia Tiemeyer is Professor of Old Testament Exegesis at Örebro School of Theology, Sweden, and Research Associate at the Department of Old Testament and Hebrew Scriptures, Faculty of Theology and Religion, University of Pretoria, South Africa.

Um Paulo judeu

THIESSEN, M. A Jewish Paul: The Messiah’s Herald to the Gentiles. Grand Rapids: Baker Academic, 2023, 208 p. – ISBN 9781540965714.

Qual era a relação do apóstolo Paulo com o judaísmo? Como ele via a lei judaica? Como ele entendia o evangelho da messianidade de Jesus em relação aos judeus étnicos e gentios? Essas continuam sendo questões perenes tanto para os estudiosos do Novo Testamento quanto para todos os leitores sérios da Bíblia.THIESSEN, M. A Jewish Paul: The Messiah's Herald to the Gentiles. Grand Rapids: Baker Academic, 2023, 208 p.

O respeitado estudioso do Novo Testamento Matthew Thiessen oferece uma contribuição importante para esta discussão. Um Paulo judeu: o arauto do Messias para os gentios é uma introdução acessível que situa Paulo claramente dentro do judaísmo do primeiro século, não se opondo a ele. Thiessen defende uma leitura historicamente mais plausível de Paulo. Paulo não rejeitou o judaísmo ou a lei judaica, mas acreditava que estava vivendo nos últimos dias, quando o Messias de Israel libertaria as nações do pecado e da morte. Paulo se via como um enviado às nações, desejando apresentá-las ao Messias e seu Espírito vivificante e transformador.

 

Leio na Introdução do livro:

A maioria das pessoas, talvez até mesmo uma boa porcentagem do clero cristão, provavelmente continua inconsciente do fato de que as pessoas que passam suas carreiras estudando e escrevendo sobre Paulo discordam fortemente umas das outras sobre o que ele diz. Mesmo aqueles de nós que dedicaram partes ou todas as nossas carreiras a pensar e escrever sobre Paulo lutam para dar sentido às diferentes cartas de Paulo, para pegar escritos ocasionais e fornecer um relato coerente, embora inevitavelmente incompleto, do que ele pensava. Nas últimas décadas, temos visto livros cada vez mais longos delineando o pensamento de Paulo. Para se ter uma noção dessa corrida armamentista exegética (e teológica), onde mais longo parece ser equiparado a melhor, veja estes três exemplos: em 1997, James Dunn publicou The Theology of Paul the Apostle (844 páginas), em 2009, Douglas Campbell publicou The Deliverance of God (1.248 páginas) e em 2013, N. T. Wright publicou Paul and the Faithfulness of God (1.700 páginas). Não acredito que exista um tratamento mais longo da teologia de Paulo, mas, dada essa tendência, o próximo grande livro sobre Paulo deve ter pelo menos 2.100 páginas.

Este pequeno livro não busca ser exaustivo. Não discutirei todos os versículos ou mesmo todos os temas nas cartas de Paulo. Em vez disso, procuro apresentar aos leitores uma questão particularmente espinhosa: como Paulo se relaciona com o judaísmo (ou, talvez melhor, os judaísmos) de sua época? Esta é uma questão histórica, mas para os cristãos modernos (e quaisquer judeus interessados) é uma questão histórica que tem relevância teológica e ecumênica. Paulo condena e abandona o judaísmo? Ele o vê como algo inferior ou pelo menos ultrapassado na esteira de Jesus? Se sim, como os cristãos de hoje devem pensar sobre o judaísmo e se relacionar com os judeus? Olhando para os últimos dois mil anos, sabemos que a maioria dos cristãos viu o judaísmo como inferior ou mesmo pernicioso, algo deixado para trás ou algo que morreu. Consequentemente, muitos cristãos trataram judeus individuais e comunidades judaicas com desprezo, repulsa, ódio e violência. As cartas de Paulo frequentemente serviram como suporte bíblico para o antijudaísmo cristão.

É possível que haja uma maneira diferente de ler as cartas de Paulo, uma que não denigra o judaísmo? A questão da relação de Paulo com o judaísmo dominou os estudos paulinos nas últimas décadas, resultando em (pelo menos) quatro maneiras pelas quais os acadêmicos tentaram dar sentido aos escritos de Paulo em relação ao judaísmo; essas quatro maneiras são comumente chamadas de leituras “luterana”, “nova perspectiva”, “apocalíptica” e “nova perspectiva radical” (ou “Paulo dentro do judaísmo”). Algumas dessas “escolas” podem ser mais familiares aos leitores do que outras. Mas lembre-se, familiaridade não significa necessariamente que tal leitura esteja correta.

(…)

Nas páginas seguintes, esboçarei um breve relato do pensamento de Paulo de uma forma que busca situá-lo dentro e não contra o mundo judaico que fazia parte do mais amplo mundo antigo do Mediterrâneo. Embora eu apresente meu próprio relato, ele compartilha muitas (mas não todas) coisas em comum com uma quarta corrente dos estudos paulinos que recebeu alguns nomes diferentes: a leitura Sonderweg de Paulo associada a Lloyd Gaston e John Gager, a nova perspectiva radical associada a Stanley Stowers e Pamela Eisenbaum, e a leitura Paulo dentro do judaísmo associada a William Campbell, Kathy Ehrensperger, Paula Fredriksen, Mark Nanos e Magnus Zetterholm*.

* Gaston, Paul and the Torah; Gager, Reinventing Paul; Stowers, Rereading of Romans; Eisenbaum, Paul Was Not a Christian; W. Campbell, Unity and Diversity in Christ; Ehrensperger, Searching Paul; Fredriksen, Paul; Nanos, Reading Paul within Judaism; and Zetterholm, Approaches to Paul.

Matthew Thiessen é professor de estudos religiosos na McMaster University em Hamilton, Ontário, Canadá. Veja algumas de suas publicações.

 

What was the apostle Paul’s relationship to Judaism? How did he view the Jewish law? How did he understand the gospel of Jesus’s messiahship relative to both ethnic Jews and gentiles? These remain perennial questions both to New Testament scholars and to all serious Bible readers.

Respected New Testament scholar Matthew Thiessen offers an important contribution to this discussion. A Jewish Paul is an accessible introduction that situates Paul clearly within first-century Judaism, not opposed to it. Thiessen argues for a more historically plausible reading of Paul. Paul did not reject Judaism or the Jewish law but believed he was living in the last days, when Israel’s Messiah would deliver the nations from sin and death. Paul saw himself as an envoy to the nations, desiring to introduce them to the Messiah and his life-giving, life-transforming Spirit.

 

Most people, perhaps even a good percentage of Christian clergy, likely remain unaware of the fact that people who spend their careers studying and writing on Paul disagree quite strongly with each other about what he says.5 Even those of us who have dedicated parts or all of our careers to thinking and writing about Paul struggle to make sense of Paul’s different letters, to take occasional writings and provide a coherent, if inevitably incomplete, account of what he thought. In recent decades we have seen longer and longer books outlining Paul’s thinking. To get a sense of this exegetical (and theological) arms race, where longer seems to be equated with better, take these three examples: in 1997 James Dunn published The Theology of Paul the Apostle (844 pages), in 2009 Douglas Campbell published The Deliverance of God (1,248 pages), and in 2013 N. T. Wright published Paul and the Faithfulness of God (1,700 pages). I don’t believe there exists a longer treatment of Paul’s theology, but given this trend, the next big book on Paul should be at least 2,100 pages in length.

This little book does not seek to be exhaustive. I won’t discuss every verse or even every theme in Paul’s letters. Instead, I seek to introduce readers to one particularly thorny question: How does Paul relate to the Judaism (or, perhaps better, Judaisms) of his day? This is a historical question, but for modern Christians (and any interested Jews) it is a historical question that has theological and ecumenical relevance. Does Paul condemn and abandon Judaism? Does he view it as something inferior or at least outdated in the wake of Jesus? If so, how should Christians today think about Judaism and relate to Jews? Looking back over the last two thousand years, we know that most Christians have viewed Judaism as inferior or even pernicious, something left behind or something that has died.6 Consequently, many Christians have treated individual Jews and Jewish communities with contempt, revulsion, hatred, and violence. Paul’s letters have frequently served as scriptural support for Christian anti-Judaism.

Matthew ThiessenIs it possible that there is a different way to read Paul’s letters, one that does not denigrate Judaism? The question of Paul’s relationship to Judaism has dominated Pauline scholarship over the last several decades, resulting in (at least) four ways that academics have tried to make sense of Paul’s writings as they relate to Judaism; these four ways are commonly called the “Lutheran,” “new perspective,” “apocalyptic,” and “radical new perspective” (or “Paul within Judaism”) readings. Some of these “schools” may be more familiar to readers than others. But remember, familiarity doesn’t necessarily mean that such a reading is correct.

(…)

In the following pages, I will sketch a brief account of Paul’s thinking in a way that seeks to situate him within and not against the Jewish world that was part of the larger ancient Mediterranean world. While I present my own account, it is one that shares many (but not all) things in common with a fourth stream of Pauline scholarship that has gone by a few different names: the Sonderweg reading of Paul associated with Lloyd Gaston and John Gager, the radical new perspective associated with Stanley Stowers and Pamela Eisenbaum, and the Paul within Judaism reading associated with William Campbell, Kathy Ehrensperger, Paula Fredriksen, Mark Nanos, and Magnus Zetterholm* (From Introduction).

* Gaston, Paul and the Torah; Gager, Reinventing Paul; Stowers, Rereading of Romans; Eisenbaum, Paul Was Not a Christian; W. Campbell, Unity and Diversity in Christ; Ehrensperger, Searching Paul; Fredriksen, Paul; Nanos, Reading Paul within Judaism; and Zetterholm, Approaches to Paul.

Matthew Thiessen (PhD, Duke University) is associate professor of religious studies at McMaster University in Hamilton, Ontario. He is the author of numerous books, including Paul and the Gentile Problem, Jesus and the Forces of Death, and Contesting Conversion: Genealogy, Circumcision, and Identity in Ancient Judaism and Christianity.

Paulo dentro do judaísmo

BIRD, M. et alii (eds.) Paul Within Judaism: Perspectives on Paul and Jewish Identity. Tübingen: Mohr Siebeck, 2023, 371 p. – ISBN ‎ 9783161623257. Disponível online.

O volume Paul Within Judaism [Paulo dentro do judaísmo] é baseado em um simpósio acadêmico online organizado pelo Ridley College em Melbourne, Austrália,
graciosamente patrocinado pelo Australian College of Theology, realizado de 21 a 24 de setembro de 2021.BIRD, M. et alii (eds.) Paul Within Judaism: Perspectives on Paul and Jewish Identity. Tübingen: Mohr Siebeck, 2023, 371 p.

O tema foi escolhido por causa do fascínio ocidental pelo apóstolo Paulo e por causa do persistente desafio que é explorar Paulo em relação à sua herança judaica e sua crença no Messias. Em certo sentido, a tensão a ser explorada ou explicada é como Paulo é tanto “Paulo, o judeu/judeu seguidor de Jesus” quanto, simultaneamente, o “São Paulo” da fé e do testemunho da Igreja. Este é o assunto que continua a mover os acadêmicos em sua articulação tanto da história antiga quanto dos compromissos teológicos contemporâneos e que também pesa nos relacionamentos inter-religiosos.

Os colaboradores deste volume não são monolíticos e representam uma pluralidade de perspectivas e diversidade de abordagens sobre Paulo e sua relação com o judaísmo antigo. A esperança dos editores é de que este volume dê continuidade à conversa sobre Paulo e sua condição de judeu.

 

Our volume Paul within Judaism is based on an on-line scholarly symposium organized by Ridley College in Melbourne, Australia, graciously sponsored by the Australian College of Theology, held during 21–24 September 2021. The topic of exploration was chosen because of the western fascination with the apostle Paul and the persistent challenge of exploring Paul in relation to both his Jewish heritage and his Messiah-believing commitments. In a sense, the tension to be explored or explained is how is Paul both “Paul the Jewish/Judean follower of Jesus” and simultaneously “St. Paul” of the church’s faith and witness. This is the subject which continues to excite and energize scholars in their articulation of both ancient history as well as contemporary theological commitments and informing inter-faith relationships. The contributors to this volume are not monolithic and they represent a plurality of perspectives and diversity of approaches to Paul vis-à-vis ancient Judaism. It is the hope of the editors that this volume will continue the conversation about Paul and his Jewishness, not despite his being a Messiah-believer, but precisely as part of it.

Michael Bird, born 1974; 2005 PhD; Academic Dean and Lecturer in New Testament at Ridley College, Melbourne, Australia (Australian College of Theology).

Ruben Bühner, born 1990; 2020 Dr. theol.; PostDoc and Lecturer at the Department of New Testament Studies at the University of Zurich, Switzerland.

Jörg Frey, born 1962; 1996 Dr. theol.; 1998 Habilitation; Professor of New Testament Studies at the University of Zurich, Switzerland.

Brian Rosner, born 1959; 1991 PhD; Principal and Lecturer in New Testament at Ridley College, Melbourne, Australia (Australian College of Theology).

 

O que significa Paulo dentro do judaísmo?

O seguinte texto explica:

Já se passaram quase quarenta anos [Nota: este texto é de 2016; em 2024 já são quase cinquenta anos] desde que a publicação de Paul and Palestinian Judaism (1977) de E.P. Sanders iniciou uma revolução nos estudos paulinos.

Até aquele ponto, os intérpretes protestantes liam Paulo como uma crítica ao judaísmo por sua justificação pelas obras da Lei, denunciando seu legalismo inerente, em Romanos e Gálatas, e defendendo a justificação somente pela fé. Nessa visão, as pessoas desfrutam da salvação apenas como um presente que podem receber e que não pode ser conquistado. O evangelho paulino brilhou intensamente em contraste com o pano de fundo sombrio do judaísmo com sua obrigação assumida de ganhar a salvação pelo acúmulo de mérito por meio de boas obras.

Argumentando contra isso, Sanders alegou que o judaísmo do primeiro século não era uma religião de justificação pelas obras, mas de graça. Os judeus desfrutavam da salvação em virtude da eleição e sua observância da Lei simplesmente mantinha seu relacionamento de aliança com Deus.

Embora a discussão subsequente de Sanders sobre Paulo tenha deixado muito a desejar, outros intérpretes, principalmente James Dunn e N. T. Wright, basearam-se em sua compreensão revisada do judaísmo para liderar uma reconsideração de Paulo que durou mais de três décadas.

De acordo com sua “Nova Perspectiva“, Paulo não rejeitou o judaísmo por causa de sua justificação pelas obras, mas sim por seu etnocentrismo. Os judeus limitaram o escopo da salvação aos judeus étnicos e Paulo se opõe a isso com o evangelho da salvação pela graça por meio de fé independente das “obras da Lei”. Eles observam que em Romanos e Gálatas “obras da Lei” indicam atos em observância aos mandamentos da Lei mosaica que apontam para a sua identidade como judeu. Quando Paulo afirma que uma pessoa não é justificada por “obras da Lei” (Rm 3,28; Gl 2,16), portanto, ele está argumentando que a identidade étnica de alguém não é relevante no que diz respeito à justificação diante de Deus.

O presente volume (NANOS, M. D.; ZETTERHOLM, M. (eds.), Paul Within Judaism: Restoring the First-Century Context to the Apostle. Minneapolis: Fortress Press, 2015) representa uma perspectiva ainda mais nova, que sustenta que a “nova perspectiva” não vai longe o suficiente, uma vez que tanto a perspectiva “nova” quanto a “tradicional” erroneamente imaginam que Paulo, de alguma forma, se opõe, dispensa ou abandona o judaísmo.

O que une os autores do livro é a convicção de que “Paulo deve ser interpretado dentro do judaísmo” (p. 1). O que as perspectivas “nova” e “tradicional” erram é que ambas consideram Paulo como o fundador de um novo movimento chamado “cristianismo”. Mesmo que esse termo não seja usado, os intérpretes frequentemente falam de Paulo fundando um “novo movimento religioso” que é “construído sobre a convicção de que há algo fundamentalmente, essencialmente ‘errado’ com, e dentro, do judaísmo” (p. 5).

NANOS, M. D.; ZETTERHOLM, M. (eds.), Paul Within Judaism: Restoring the First-Century Context to the Apostle. Minneapolis: Fortress Press, 2015De acordo com essa perspectiva “radical” ou “Paulo dentro do judaísmo” (…), “a escrita e a construção da comunidade do apóstolo Paulo ocorreram dentro do judaísmo tardio do Segundo Templo, dentro do qual ele permaneceu um representante após sua mudança de convicção sobre Jesus ser o Messias (Cristo).” Portanto, “as ‘assembleias’ que ele fundou, e para as quais ele escreveu” suas cartas, “também estavam desenvolvendo sua (sub)cultura com base em suas convicções sobre o significado de Jesus para os não judeus, bem como para os judeus dentro do judaísmo” (p. 9). Imaginar que Paulo deixou o judaísmo para fundar um novo movimento religioso – o cristianismo – é fazer história ruim. Nossos colaboradores “estão comprometidos em propor e buscar responder a perguntas pré-cristãs e certamente pré-agostinianas / protestantes sobre as preocupações de Paulo e aquelas de seu público e contemporâneos, sejam amigos ou inimigos” (p. 9). O resultado é um Paulo que não se afasta nem rejeita o judaísmo, mas cria um movimento de reforma dentro dele.

Aqueles que subscrevem esse ângulo de abordagem sustentam que a erudição do Novo Testamento é amplamente dominada por preocupações dogmáticas cristãs e é insuficientemente histórica ao realizar suas atividades, moldada como é pela divisão entre judaísmo e cristianismo. “As ideias binárias de que o cristianismo substituiu o judaísmo e que a graça cristã substituiu o legalismo judaico, por exemplo, parecem ser aspectos essenciais da maioria das teologias cristãs” (p. 34).

A tentativa aqui é retornar a uma concepção de Paulo antes do desenvolvimento do “cristianismo”. Durante a primeira geração cristã, antes da missão de Paulo, a “identidade religiosa normal dentro desse movimento era uma identidade judaica” (p. 50). Embora houvesse a expectativa de que os gentios fossem incluídos no movimento, havia desacordo sobre como isso ocorreria. “Como todos os judeus dentro do movimento continuavam a viver como judeus, enquanto reconhecia Jesus como o Messias, os conflitos refletidos nas cartas de Paulo não eram sobre a observância da Torá judaica para os judeus” (p. 50). Eles eram sobre como incluir as nações na fé de Israel.

Essencial para essa perspectiva é a noção de que as cartas de Paulo são direcionadas a seguidores não judeus de Jesus, incluindo — e especialmente — suas cartas aos crentes romanos e gálatas. Suas declarações proibindo a circuncisão e a vida sob a Lei mosaica, portanto, são mal compreendidas quando são “universalizadas” para se referir também aos judeus que vieram (ou que virão) a crer em Jesus. Paulo diz pouco ou nada sobre os crentes judeus relacionados à Lei mosaica, pois era sua suposição que eles continuariam em fiel observância da Lei como seguidores de Jesus. Já que o próprio Paulo permaneceu um judeu observante — e até mesmo essa noção deve ser esclarecida, como Karin Hedner Zetterholm busca fazer — não devemos pensar nele como um defensor de algo chamado “cristianismo”. Podemos falar mais fielmente de “judaísmo apostólico” (p. 67), já que Paulo pensou sobre “o significado de Jesus para os não judeus, bem como para os judeus dentro do judaísmo” (p. 9).

Vários dos colaboradores defendem que o apostolado de Paulo aos gentios deve ser entendido em continuidade com as concepções proféticas da restauração das nações. No último dia, Israel seria restaurado por Deus e seria novamente uma luz para as nações, adorando o Deus de Israel junto com os gentios. Embora os autores reconheçam a diversidade de visões no judaísmo do Segundo Templo sobre como isso funcionaria, eles afirmam que o relacionamento de Paulo com os seguidores judeus de Jesus teria sido entendido dentro dessa visão mais ampla.

As implicações disso são que os seguidores não judeus de Jesus adorariam o Deus de Israel em Cristo e permaneceriam não israelitas, enquanto os seguidores judeus deMichael Bird, nascido em 1974 Jesus, como Paulo, teriam permanecido observantes da lei. E alguns dos autores concordariam com a afirmação adicional de que, em vez de serem chamados de “cristãos”, o público de Paulo “pertence a um grupo especial dentro do judaísmo, composto por judeus e não judeus, em vez de constituir um povo inteiramente novo, o que veio a ser chamado pelos Padres da Igreja de ‘terceira raça'” (p. 148).

Este novo ângulo de abordagem de Paulo pode ser visto em continuidade com abordagens da Nova Perspectiva, na medida em que insiste em uma análise verdadeiramente histórica e objetiva da situação do primeiro século (continua).

Fonte: Paul Within Judaism. By Timothy Gombis, Reformation21 – February 23, 2016.

 

Claro que isto gera controvérsias. Em outra página leio:

O movimento “Paulo dentro do Judaísmo”, também conhecido como a Nova Perspectiva Radical sobre Paulo (não confundir com a Nova Perspectiva mais moderada), é uma visão do apóstolo Paulo que ganhou alguma proeminência através dos escritos de estudiosos judeus do Novo Testamento como Mark Nanos e Paula Fredricksen, bem como de estudiosos protestantes mais liberais como Matthew Theissen e Candida Moss. Algumas ideias unificadoras que emergem são as seguintes:

1. Não devemos chamar Paulo de cristão, pois ele não se chamava assim e permaneceu um judeu leal
2. Paulo teria esperado que os judeus mantivessem a Torá
3. Paulo, pelo que podemos saber, escreveu exclusivamente para gentios. Portanto, é um erro pensar que suas exortações se aplicam aos judeus.

Mais aqui.

Outras leituras possíveis:

Apóstolo judeu, não apóstata judeu: (mal) lendo o apóstolo Paulo – IHU 30 Junho 2023

Paulo: três vias de salvação. Artigo de Roberto Mela – IHU 19 Fevereiro 2022

Para Paulo há três caminhos para a salvação – Observatório Bíblico – 22.09.2020