Desolação encontra desolação

Austen Henry Layard, no capítulo inicial de seu livro Nineveh and Its Remains*, publicado por John Murray em Londres, em 1849, diz:

Durante o outono de 1839 e o inverno de 1840, eu estava perambulando pela Ásia Menor e Síria, sem deixar de pisar em nenhum lugar considerado sagrado pela tradição ou de visitar uma ruína consagrada pela história. Eu estava acompanhado por alguém não menos curioso e entusiasmado do que eu. Nós dois éramos igualmente descuidados com o conforto e desatentos com o perigo. Nós cavalgávamos sozinhos; nossas armas eram nossa única proteção; um alforje atrás de nossas selas era nosso guarda-roupa, e nós cuidávamos de nossos próprios cavalos, exceto quando aliviados do dever pelos habitantes hospitaleiros de uma aldeia turcomana ou de uma tenda árabe. Assim, sem ficarmos presos a luxos desnecessários e sem sermos influenciados pelas opiniões e preconceitos dos outros, nos misturamos às pessoas, adquirimos sem esforço seus costumes e desfrutamos aquelas emoções que cenários tão novos e lugares tão ricos em associações variadas não podem deixar de produzir.LAYARD, A. H. Nineveh and Its Remains. New York: Skyhorse, 2013.

(…)

Eu havia atravessado a Ásia Menor e a Síria, visitando os antigos monumentos da civilização e os lugares que a religião tornou sagrados. Agora eu sentia um desejo irresistível de penetrar nas regiões além do Eufrates, para as quais a história e a tradição apontam como o berço da civilização do Ocidente. A maioria dos viajantes, após uma jornada pelas partes geralmente frequentadas do Oriente, tem o mesmo desejo de cruzar o grande rio e explorar aquelas terras que são separadas no mapa dos confins da Síria por um vasto espaço em branco que se estende de Alepo às margens do Tigre. Um profundo mistério paira sobre a Assíria, Babilônia e Caldeia. A esses nomes estão ligadas grandes nações e grandes cidades, vagamente esboçadas na história; ruínas poderosas, no meio de desertos, desafiando, por sua própria desolação e falta de forma definida, a descrição do viajante; os remanescentes de raças poderosas ainda vagando pela terra; o cumprimento de profecias; as planícies para as quais os judeus e os gentios olham como o berço de seus povos. Após uma jornada na Síria, os pensamentos naturalmente se voltam para o leste e sem pisar nos restos de Nínive e Babilônia, nossa peregrinação é incompleta.

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Se o viajante cruzasse o Eufrates para procurar ruínas na Mesopotâmia e na Caldeia como as que ele havia deixado para trás na Ásia Menor ou na Síria, sua busca seria em vão. A graciosa coluna erguendo-se acima da espessa folhagem da murta, do ílex e do oleandro; as arquibancadas do anfiteatro cobrindo uma encosta suave e com vista para as águas azul-escuras de uma baía semelhante a um lago; a cornija ou capitel ricamente esculpidos meio escondidos pela vegetação luxuriante são substituídos pelo monte austero e informe erguendo-se como uma colina da planície chamuscada, os fragmentos de cerâmica e a massa estupenda de alvenaria ocasionalmente exposta pelas chuvas de inverno. Ele deixou a terra onde a natureza ainda é adorável, onde, em sua mente, ele pode reconstruir o templo ou o teatro, meio duvidando se eles teriam feito uma melhor impressão sobre os sentidos do que a ruína diante dele. Ele agora está desorientado para dar qualquer forma aos montes rudes sobre os quais ele está olhando. Aqueles de cujas obras eles são os restos, ao contrário dos romanos e gregos, não deixaram vestígios visíveis de sua civilização ou de suas artes; sua influência já passou há muito tempo. Quanto mais ele conjectura, mais vagos os resultados parecem. A cena ao redor é digna da ruína que ele está contemplando; desolação encontra desolação; um sentimento de espanto sucede à admiração; pois não há nada para aliviar a mente, para levar à esperança, ou para contar o que se passou. Esses enormes montes da Assíria causaram uma impressão muito profunda em mim, deram origem a pensamentos mais sérios e a reflexões mais sérias do que os templos de Baalbeque e os teatros da Jônia.

* LAYARD, A. H. Nineveh and Its Remains. 2 vols. London: John Murray, 1849.

 

During the autumn of 1839 and winter of 1840, I had been wandering through Asia Minor and Syria, scarcely leaving untrod one spot hallowed by tradition, or unvisited one ruin consecrated by history. I was accompanied by one no less curious and enthusiastic than myself. We were both equally careless of comfort and unmindful of danger. We rode alone; our arms were our only protection; a valise behind our saddles was our wardrobe, and we tended our own horses, except when relieved from the duty by the hospitable inhabitants of a Turcoman village or an Arab tent. Thus unembarrassed by needless luxuries, and uninfluenced by the opinions and prejudices of others, we mixed amongst the people, acquired without effort their manners, and enjoyed without alloy those emotions which scenes so novel, and spots so rich in varied association, cannot fail to produce.

(…)

Austen Henry Layard (1817-1894)I had traversed Asia Minor and Syria, visiting the ancient seats of civilisation, and the spots which religion has made holy. I now felt an irresistible desire to penetrate to the regions beyond the Euphrates, to which history and tradition point as the birthplace of the wisdom of the West. Most travellers, after a journey through the usually frequented parts of the East, have the same longing to cross the great river, and to explore those lands which are separated on the map from the confines of Syria by a vast blank stretching from Aleppo to the banks of the Tigris. A deep mystery hangs over Assyria, Babylonia, and Chaldæa. With these names are linked great nations and great cities dimly shadowed forth in history; mighty ruins, in the midst of deserts, defying, by their very desolation and lack of definite form, the description of the traveller; the remnants of mighty races still roving over the land; the fulfilling and fulfilment of prophecies; the plains to which the Jew and the Gentile alike look as the cradle of their race. After a Journey in Syria the thoughts naturally turn eastward; and without treading on the remains of Nineveh and Babylon our pilgrimage is incomplete.

(…)

Were the traveller to cross the Euphrates to seek for such ruins in Mesopotamia and Chaldæa as he had left behind him in Asia Minor or Syria, his search would be vain. The graceful column rising above the thick foliage of the myrtle, ilex, and oleander; the gradines of the amphitheatre covering a gentle slope, and overlooking the dark blue waters of a lake-like bay; the richly carved cornice or capital half hidden by the luxuriant herbage; are replaced by the stern shapeless mound rising like a hill from the scorched plain, the fragments of pottery, and the stupendous mass of brickwork occasionally laid bare by the winter rains. He has left the land where nature is still lovely, where, in his mind’s eye, he can rebuild the temple or the theatre, half doubting whether they would have made a more grateful impression upon the senses than the ruin before him. He is now at a loss to give any form to the rude heaps upon which he is gazing. Those of whose works they are the remains, unlike the Roman and the Greek, have left no visible traces of their civilisation, or of their arts; their influence has long since passed away. The more he conjectures, the more vague the results appear. The scene around is worthy of the ruin he is contemplating; desolation meets desolation; a feeling of awe succeeds to wonder; for there is nothing to relieve the mind, to lead to hope, or to tell of what has gone by. These huge mounds of Assyria made a deeper impression upon me, gave rise to more serious thoughts and more earnest reflection, than the temples of Balbec and the theatres of Ionia.

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