Pode uma ‘História de Israel’ ser escrita?
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ABSTRACT
O artigo investiga algumas publicações de membros do Seminário Europeu de Metodologia Histórica e define sua posição na pesquisa atual da “História de Israel”.
The article proposes to investigate the more important publications of some members of the European Seminar in Historical Methodology, and to define their position in the current research of the “History of Israel”.
1. A constituição do Seminário Europeu de Metodologia Histórica
Um grupo de 21 pesquisadores iniciou o European Seminar in Historical Methodology. Este grupo surgiu com o objetivo de abordar as questões centrais da ‘História de Israel’ de maneira sistemática e de determinar as reais posições e problemas da área. O seu coordenador foi Lester L. Grabbe, Professor de Bíblia Hebraica e Judaísmo Antigo e, à época da criação do grupo, Coordenador do Departamento de Teologia da Universidade de Hull, Reino Unido.
A participação no Seminário Europeu de Metodologia Histórica foi seletiva e incluía, quando fundado, 21 pesquisadores de 9 países europeus e 18 Universidades:
. Andrew Mayes (Irlanda)
. Axel Knauf-Belleri (Suíça)
. Bob Becking (Países Baixos)
. Ed Noort (Países Baixos)
. Hans Barstad (Noruega)
. Hans-Peter Müller (Alemanha)
. Helga Weippert (Alemanha)
. Herbert Niehr (Alemanha)
. Josette Elayi (França)
. Keith Whitelam (Reino Unido)
. Knud Jeppesen (Dinamarca)
. Lester Grabbe (Reino Unido)
. Manfred Weippert (Alemanha)
. Mario Liverani (Itália)
. Michael Niemann (Alemanha)
. Niels Peter Lemche (Dinamarca)
. Philip Davies (Reino Unido)
. Rainer Albertz (Alemanha)
. Robert Carroll (Reino Unido)
. Thomas Thompson (Dinamarca)
. Ulrich Hübner (Alemanha)
Explica Lester L. Grabbe que o debate sobre o modo como a ‘História de Israel’ tem sido escrita veio se acirrando cada vez mais nos últimos anos, e muitos pesquisadores têm sofrido ataques radicais. Surgiram protestos, por exemplo, dizendo que as tendências atuais da ‘História de Israel’ são perigosas e que, por isso, devem ser combatidas ou ignoradas ou, até mesmo, as duas coisas ao mesmo tempo.
Diz Lester L. Grabbe no primeiro parágrafo do livro por ele editado – e que traz os resultados do Primeiro Seminário – Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997 [T & T Clark: 2005 – ISBN 0567043207]:
“O grupo surgiu das frustrações que eu, em primeiro lugar, venho sentindo acerca da atual situação do debate sobre como escrever a história de Israel e Judá nos segundo e primeiro milênios AEC e no século I da EC” (p. 11).
E continua:
“Nos últimos anos, um certo número de estudiosos – a maioria deles europeus por origem ou adoção – tem feito um ataque radical sobre o modo como a história de ‘Israel’ tem sido escrita. Mesmo aqueles outrora considerados radicais não escaparam da crítica. Este movimento, a princípio minoritário, causou pouco impacto no debate. Recentemente, porém, ele adquiriu personalidade, mas a resposta foi o surgimento de protestos, incluindo a sugestão de que tais tendências são perigosas, ou que podem ser tranquilamente ignoradas ou – de modo curioso – ambas as coisas ao mesmo tempo” (p. 11).
Lester L. Grabbe está se referindo à controvérsia existente entre a postura maximalista que defende que tudo nas fontes que não pode ser provado como falso deve ser aceito como histórico e a postura minimalista que defende que tudo que não é corroborado por evidências contemporâneas aos eventos a serem reconstruídos deve ser descartado.
Os autores ‘minimalistas’ são também conhecidos como membros da Escola de Copenhague, pois alguns dos mais importantes entre eles, como Niels Peter Lemche e Thomas L. Thompson, trabalham na capital dinamarquesa. Entretanto, nem todos os participantes do Seminário se consideram ‘minimalistas’, categoria que, aliás, gera polêmica, como se pode ver em artigo de 2002 de DAVIES, P. R. Minimalism, “Ancient Israel,” and Anti-Semitism. “Minimalism” is an invention. None of the “minimalist” scholars is aware of being part of a school, or a group, em The Bible and Interpretation.
O grupo fez vários seminários. Em julho de 1996 foi realizado em Dublin, Irlanda, o Primeiro Seminário, dedicado a tomadas de posição. Todos as conferências abordaram de um modo ou de outro as duas questões seguintes: Pode uma ‘História de Israel’ ser escrita e, caso possa, como? Que papel exerce neste empreendimento o texto do Antigo Testamento/da Bíblia Hebraica?
O Segundo Seminário, sobre O Exílio, aconteceu em Lausanne, na Suíça, em julho de 1997, e a obra publicada pela Editora Sheffield, da Inglaterra, e editada por L. L. Grabbe, tem por título Leading Captivity Captive. ‘The Exile’ as History and Ideology [Conduzindo um Cativo ao Cativeiro. ‘O Exílio’ como História e Ideologia], 1998, 161 p. Falarei dele mais adiante.
O Terceiro Seminário procurou responder à desafiadora questão, formulada por Niels Peter Lemche: A Bíblia é um livro helenístico? Lester L. Grabbe foi novamente o editor das contribuições em um volume de 343 páginas. A Editora Sheffield publicou, em março de 2001, a obra Did Moses Speak Attic? Jewish Historiography and Scripture in the Hellenistic Period [Moisés falava Ático? Historiografia Judaica e Escritura na Época Helenística], que, na verdade, reúne as contribuições do Terceiro e do Quarto Seminário.
O Seminário do ano 2000 [quinto encontro] foi realizado em Utrecht, nos Países Baixos, em agosto, e o tema debatido foi a Invasão de Judá por Senaquerib. A Editora Sheffield publicou, em 2003, o volume ‘Like a Bird in a Cage’: The Invasion of Sennacherib in 701 BCE [‘Como um Pássaro numa Gaiola’: A Invasão de Senaquerib em 701 AEC].
Não tenho informações mais detalhadas sobre os dois encontros seguintes do Seminário Europeu de Metodologia Histórica, mas eles aconteceram em 2001 (em junho, em Berlim) e 2002. Em um e-mail de Niels Peter Lemche, com data de 03.01.2003 ao grupo de discussão ANE, respondendo a uma solicitação minha sobre o assunto, ele diz literalmente: “The group met also in 2001 and 2002. A combined volume will be published by Lester Grabbe. The group will meet again in August this year [2003] in Copenhagen at the 2nd meeting of the EABS”.
Do Seminário de 2002 [sétimo encontro] resultou o livro GRABBE, L. L. (ed.) Good Kings and Bad Kings: The Kingdom of Judah in the Seventh Century BCE. London: T & T Clark, 2005, que tratou de Judá do século VII a.C., e, em especial, do reinado de Josias. Há resenhas na RBL por John Engle and Eckart Otto, publicadas em 1 de abril de 2006.
Em 2004 [nono encontro] o grupo debateu O Período Persa, e isto aconteceu em Groningen, Países Baixos, em julho.
Em 2005 [décimo encontro] o grupo esteve presente na EABS – European Association of Biblical Studies – em seu Encontro Anual, desta vez em Dresden, Alemanha, de 7 a 10 de agosto. Discutiu o tema Recent publications Relating to Biblical Historiography [Publicações recentes na área da Historiografia Bíblica]. Estão citadas as seguintes publicações:
Rainer Albertz, Israel in Exile (Axel Knauf, Bern)
John Day (ed.), In Search of Pre-exilic Israel (Bob Becking, Utrecht and Thomas Thompson, Copenhagen)
W. G. Dever, What Did the Biblical Writers Know? and Who Were the Early Israelites? (Rainer Albertz, Münster)
Lester Grabbe, History of the Persian Province of Judah (Ehud Ben Zvi, Edmonton)
Baruch Halpern, David’s Secret Demons (Axel Knauf, Bern)
James Hoffmeier and Alan Millard, The Future of Biblical Archaeology (Thomas Thompson, Copenhagen)
Mario Liverani, Oltre la Bibbia (Joseph Blenkinsopp (Notre Dame) and Philip Davies (Sheffield)
Iain Provan, V. Philips Long, and Tremper Longman, A History of Biblical Israel (Lester Grabbe, Hull)
Alberto Soggin, Storia d’Israele (Lester Grabbe, Hull)
J. B. Kofoed, Text and History (N. P. Lemche, Copenhagen).
O Seminário de 2006 [décimo primeiro encontro] aconteceu em agosto, em Budapeste, na Hungria. Veja aqui. Seu tema foi A Transição do Bronze Recente para o Ferro IIA (ca. 1250-850 BCE).
O Seminário de 2007 [décimo segundo encontro] aconteceu em julho, em Viena, Áustria, dentro do Congresso Internacional da SBL. Segundo o programa da SBL, o grupo continuou a tratar do tema de 2006, citado acima. Presidido por Lester L. Grabbe, da Universidade de Hull, Reino Unido, o painel teve [segundo o programa] a participação de Rainer Albertz, A. Grame Auld, Ehud Ben Zvi, Joseph Blenkinsopp, Marc Brettler, Philip R. Davies, Israel Finkelstein, Axel Knauf, Niels Peter Lemche, Oded Lipschits, Robert Miller, Nadav Na’aman, Donald Redford, Thomas Römer, Thomas L. Thompson e John Van Seters. Sobre o Seminário de 2008, leia aqui.
O Seminário de 2012, o décimo sétimo e último, foi realizado em Amsterdã, Holanda, como parte do Congresso da EABS/SBL (22-26 de julho). Os membros do Seminário fizeram apresentações sobre suas perspectivas para a escrita de uma História de Israel (ou do Levante Sul) e refletiram sobre o que aprenderam desde o Primeiro Seminário, realizado em 1996.
Membros do Seminário em 2012 incluem, segundo o programa: Hans Barstad, Edinburgh; Bob Becking, Utrecht; Ehud Ben Zvi, Edmonton; Joseph Blenkinsopp, Notre Dame; Philip Davies, Sheffield; Diana Edelman, Sheffield; Philippe Guillaume, Bern; Axel Knauf, Bern; Niels Peter Lemche, Copenhagen; Nadav Na’aman, Tel Aviv; Thomas L. Thompson, Copenhagen.
Na ocasião, Lester L. Grabbe, da Universidade de Hull, Reino Unido, coordenador do grupo, apresentou os resultados de 16 anos do Seminário Europeu de Metodologia Histórica (Sixteen Years of the ESHM: the Results – This paper will summarize the results of the ESHM meetings from my perspective as the ESHM organizer and editor) e disse que este é o último encontro regular do grupo, que passa agora o bastão para as novas gerações de biblistas que trabalham com história: As its 17th meeting in 2012, the ESHM will draw a close to its regular meetings. Although we might get together for certain special discussions in the future, we feel that we have accomplished our main purpose and wish to pass the torch to a younger generation of biblical scholars who work in history.
2. Alguns participantes do Seminário e suas ideias
Minha intenção aqui é identificar membros do Seminário de quem li alguns textos, citar suas obras mais importantes sobre o tema e definir seu posicionamento no atual debate sobre a História de Israel. Para clarear melhor o contexto, recomendo a leitura de meu artigo A História de Israel no debate atual nesta mesma página.
Bob Becking – Países Baixos (1951-)
Professor Emérito de Estudos do Antigo Testamento na Universidade de Utrecht, Países Baixos.
Obras: The Fall of Samaria: an Historical and Archaeological Study. Leiden: Brill, 1992, 154 p. – ISBN 9789004096332; Between Fear And Freedom: Essays on The Interpretation of Jeremiah 30-31. Leiden: Brill, 2004, 338 p. – ISBN 9789004141186; Identity in Persian Egypt: The Fate of the Yehudite Community of Elephantine. University Park, PA: Pen State University Press, 2020, 224 p. – ISBN 9781575067452; Israel’s Past: Studies on History and Religion in Ancient Israel and Judah. Berlin: Walter de Gruyter, 2021; A Transverse Dreamer: Essays on the Book of Micah. Berlin: Walter de Gruyter, 2023, 166 p. – ISBN 9783111207834; Micah: A New Translation with Introduction and Commentary. New Haven, CT: Yale University Press, 2023, 304 p. – ISBN 9780300159950.
Posicionamento: na reconstrução da História de Israel os textos bíblicos podem ser usados com moderação e muito senso crítico.
BECKING, B. Inscribed Seals as Evidence for Biblical Israel? Jeremiah 40.7-41.15, par exemple, em GRABBE, L. L. (ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, 201 p. [T & T Clark: 2005 – ISBN 0567043207], p. 65-83, procura responder a três questões: O que se entende por ‘Israel’? O que quer dizer ‘escrever história’? e Como o texto do Antigo Testamento é usado como uma fonte histórica? Ele conclui com uma resposta positiva sobre a possibilidade da história da Israel e o uso do Antigo Testamento como uma de suas fontes.
BECKING, B., em GRABBE, L. L. (ed.) Leading Captivity Captive. The ‘Exile’ as History and Ideology. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, 161 p. – ISBN 9781850759072, p. 40-61, faz uma análise do livro de Esdras e seus relatos sobre a volta da Babilônia. Conclui que o livro pode ser usado para uma reconstrução ou para várias reconstruções deste período. Excelentes questionamentos sobre o ‘exílio’ colocados sob o título The Idea of the Exile, nas p. 42-46.
Hans M. Barstad – Noruega (1947-2020)
Foi professor de Estudos Bíblicos na Universidade de Oslo, Noruega.
Obras: The Myth of the Empty Land: A Study in the History and Archaeology of Judah During the ‘Exilic’ Period. Oslo: Scandinavian University Press, 1996, 113 p. – ISBN 9788200227564; History and the Hebrew Bible: Studies in Ancient Israelite and Ancient Near Eastern Historiography. Tübingen: Mohr Siebeck, 2008, 223 p. – ISBN 9783161498091.
Posicionamento: moderado; defende o uso do texto bíblico na construção da história de Israel. Mas insiste, com muita fundamentação, que é necessário abandonar o conceito positivista de história, herança do século XIX , e partir para uma história narrativa.
BARSTAD, H. M. History and the Hebrew Bible, em GRABBE, L. L. (ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, 201 p. [T & T Clark: 2005 – ISBN 0567043207], p. 37-64, lida com a questão do desenvolvimento da historiografia em geral, onde ele critica a postura positivista de muitos historiadores e manifesta sua firme convicção de que o futuro pertence à história narrativa. Para Barstad, as antigas categorias de fato e ficção já não são distinções válidas. Para Barstad, pesquisadores como Lemche e Thompson ainda se debatem dentro de um conceito convencional de história que é altamente problemático.
Em suas palavras: “Estudiosos como Lemche e Thompson têm avidamente usado o conceito de ‘mudança de paradigma’ em suas contribuições para a historiografia bíblica. Isto, entretanto, está longe de ser uma descrição adequada do que está realmente acontecendo. Lemche e Thompson, aparentemente não atentos para o fato de que o que nós podemos chamar de um conceito convencional de história é hoje altamente problemático, ainda trabalham dentro dos parâmetros da pesquisa histórico-crítica, assumindo que história é uma ciência e que devemos trabalhar com fatos ‘brutos’” (p. 50-51). Barstad diz que os pós-modernos os classificariam como “os primeiros dos últimos modernistas” (p. 51).
E defende em seguida: “No futuro nós teremos, irreversivelmente, ter de nos ajustar a uma visão de história diferente daquela dos métodos histórico-críticos do século XIX: uma história com diferentes ‘verdades’ que quase nunca será o resultado de análises científicas de dados empíricos. Uma história cujo estatuto epistemológico deveria não mais ser visto como parte da ciência, mas como uma parte da cultura. Uma história caracterizada por uma multiplicidade de métodos” (p. 51-52).
BARSTAD, H. M. The Strange Fear of the Bible: Some Reflections on the ‘Bibliophobia’ in Recent Ancient Israelite Historiography, em GRABBE, L. L. (ed.) Leading Captivity Captive. The ‘Exile’ as History and Ideology. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, 161 p. – ISBN 9781850759072, p. 120-127, começa observando que “frequentes vezes, durante as discussões sobre o ‘antigo Israel’ em Dublin e Lausanne, objeções eram levantadas por alguns membros de nosso Seminário quando eram feitas tentativas de se referir a informações históricas tiradas da Bíblia Hebraica” (p. 120). Dizendo que sempre achou esta atitude um tanto estranha para quem reivindica ser um historiador da Palestina da Idade do Ferro, ele decidiu fazer, após a realização do Seminário, algumas observações a respeito desta ‘bibliofobia’.
Ele sublinha que sua posição é a seguinte: não podemos tratar a Bíblia de modo diferente de outras fontes históricas ou literárias antigas, como as da Grécia antiga ou da antiga historiografia mesopotâmica. Para exemplificar que problemas existem em todas as fontes antigas, e que isto não é exclusividade da Bíblia, Hans Barstad passa, em seguida, a mostrar os problemas de credibilidade histórica, hoje em debate, em Heródoto e na “Lista dos Reis Sumérios”.
Barstad defende também, como já fizera no 10 Seminário, a substituição da busca de uma “verdade histórica factual” por uma “verdade histórica narrativa” (p. 126) e termina o seu texto dizendo enfaticamente: “Como uma fonte histórica, a Bíblia Hebraica é da ‘mesma’ natureza e qualidade dos outros textos literários do Antigo Oriente Médio (….) Nós devemos aceitar, para o bem ou para o mal, a Bíblia Hebraica não só como necessária, mas também, de longe, como a mais importante fonte para nosso conhecimento da história da Palestina da Idade do Ferro. Negar isto é não apenas ser injustificadamente hipercrítico, mas é também se fundamentar em uma visão positivista de história que hoje está irremediavelmente ultrapassada” (p. 127).
Herbert Niehr – Alemanha (1955-)
Professor de Introdução à Bíblia e História da Época Bíblica na Universidade de Tübingen, Alemanha.
Obras: Rechtsprechung in Israel: Untersuchungen zur Geschichte der Gerichtsorganisation im Alten Testament. Stuttgart: Katholisches Bibelwerk, 1987, 144 p. – ISBN 9783460043015; Der höchtste Gott: Alttestamentlicher JHWH-Glaube im Kontext syrisch-kanaanäischer Religion des 1. Jahrtausends v. Chr. Berlin: de Gruyter, 1990, 268 p. – ISBN 978-3110123425; Religionen in Israels Umwelt: Einfuhrung in die nordwestsemitischen Religionen Syrien-Palastinas. Würzburg: Echter, 1998, 255 p. – ISBN 9783429019815.
Posicionamento: moderado; defende um uso criterioso das fontes, distinguindo-as entre primárias, secundárias e terciárias.
NIEHR, H. Some Aspects of Working with the Textual Sources, em GRABBE, L. L. (ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, 201 p. [T & T Clark: 2005 – ISBN 0567043207], p. 156-165, analisa os vários tipos de fontes disponíveis para o historiador, ou seja, a antropologia histórica (dados oferecidos pela geografia, arqueologia, climatologia e assim por diante); fontes primárias (relatos contemporâneos ou próximos aos eventos que elas narram, como fontes escritas fora da Palestina, fontes escritas provenientes da Palestina e evidência arqueológica da Palestina); fontes secundárias (o Antigo Testamento), e fontes terciárias (livros que retomam fontes secundárias, como os livros das Crônicas). Finalmente, ele trabalha os problemas metodológicos relativos ao uso de cada uma delas, argumentando que as tentativas para superar as diferenças existentes entre estas fontes devem ser feitas cuidadosamente. O estudo de Niehr é um dos mais equilibrados de todo o livro editado por Grabbe.
Knud Jeppesen – Dinamarca
Ex-professor de Antigo Testamento na Universidade de Aarhus, Dinamarca. Exerceu o cargo de Vice-reitor do Instituto Ecumênico Tantur para Estudos Teológicos de Jerusalém.
Obras: Det Gamle Testamente pä gudstjenestens betingelser I : introduktion til de gammeltestamentlige laesninger efter første tekstrække med sproglige noter af Martin Ehrensvärd. København: Anis, 2004.
Posicionamento: moderado.
JEPPESEN, K. Exile a Period – Exile a Myth, em GRABBE, L. L. (ed.) Leading Captivity Captive. The ‘Exile’ as History and Ideology. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, 161 p. – ISBN 9781850759072, p. 139-144, avaliando as contribuições de alguns participantes do Seminário – que ele classifica em dois grupos: as contribuições de Rainer Albertz, Bob Becking e Lester L. Grabbe, que lidam com o problema de se e de que maneira nós podemos reconstruir a história da época do exílio e as contribuições de Thomas L. Thompson e Robert P. Carroll que, de outro lado, procuram explorar o exílio mais como mito e metáfora – mostra a dificuldade do tema nas posições dos debatedores citados.
Rainer Albertz, por exemplo, que de modo algum pretende ser um minimalista, acaba admitindo que o exílio é “um buraco negro” na narrativa histórica bíblica ou uma “caixa preta”, na qual os pesquisadores colocam tudo o que não cabe no período pré-exílico. Já Bob Becking, discutindo o livro de Esdras está convencido de que processos como ‘exílio’ e ‘volta’ ocorreram, mas conclui que sabemos muito pouco sobre isso. Grabbe é quem parece não ter muitas dúvidas! Jeppesen diz que, em princípio, concorda com Albertz, Becking e Grabbe e acha que nós ainda podemos contar alguma estória sobre o ‘exílio’ de 587-586 AEC. Mas ele vê também que o exílio é interpretado pela Bíblia como um mito universal, e, por isso, aprecia as colocações de Thompson e Carroll, quando trabalham o exílio como mito, metáfora e símbolo.
E conclui: “Eu ainda acredito que deve haver alguma forma de conexão entre o exílio na história e o exílio na narrativa mítica (….) A ideologia – o mito – e a narrativa – a ‘história’ – são duas diferentes maneiras de conhecimento que nós devemos manter distintas. Os pesquisadores frequentemente as misturam e, por isso, é difícil para o mito e a história conviverem em paz. Nós precisamos dos dois, mas nós devemos traçar uma linha divisória entre eles (…) Para os pesquisadores bíblicos, uma escolha entre mito e história é equivalente a uma escolha entre a história e a Bíblia. E se houvesse a possibilidade de escolha, eu iria sempre preferir a Bíblia – ela é muito mais excitante do que a história”.
Lester L. Grabbe – Reino Unido (1945-)
Professor Emérito de Bíblia Hebraica e Judaísmo Antigo na Universidade de Hull, Reino Unido.
Obras: Judaism from Cyrus to Hadrian. I. Persian and Greek Periods; II. Roman Period. Minneapolis: Augsburg Fortress, 1992 & London: SCM Press, 1994; A History of the Jews and Judaism in the Second Temple Period: Vol 1, Yehud: A History of the Persian Province of Judah. London: T & T Clark, 2006, 496 p. – ISBN 9780567043528; Ancient Israel: What Do We Know and How Do We Know It? London: T & T Clark, 2007, 328 p. – ISBN 9780567032546; A History of the Jews and Judaism in the Second Temple Period: Vol. 2, The Coming of the Greeks, the Early Hellenistic Period 335-175 BCE. London: T & T Clark, 2008, 432 p. – ISBN 9780567033963.
Posicionamento: como coordenador do Seminário Europeu de Metodologia Histórica e, durante alguns anos, Diretor da Faculdade de Teologia da Universidade de Hull, Grabbe sempre procurou mostrar uma atitude de equilíbrio entre os mais prudentes e os mais extremistas minimalistas, sendo ele mesmo, em sua própria definição, um declarado ‘minimalista’.
GRABBE, L. L. Are Historians of Ancient Palestine Fellow Creatures – Or Different Animals? em GRABBE, L. L. (ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, 201 p. [T & T Clark: 2005 – ISBN 0567043207], p. 19-36, chegou às seguintes conclusões: 1) Podemos escrever uma história da antiga Síria-Palestina-Israel. 2) Ao escrever esta história, podemos e devemos usar o texto bíblico. 3) Persistem grandes dificuldades no uso do texto bíblico, de modo que o seu uso precisa ser debatido em cada caso. 4) As fontes arqueológicas e bíblicas precisam ser avaliadas cada uma no seu âmbito, e devemos evitar misturar de modo promíscuo fontes escritas com outros dados. 5) Reconstruções imaginativas e especulativas poderiam ser admitidas e devemos indicar as probabilidades de qualquer hipótese.
GRABBE, L. L. ‘The Exile’ under the Theodolite: Historiography as Triangulation, em GRABBE, L. L. (ed.) Leading Captivity Captive. The ‘Exile’ as History and Ideology. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, 161 p. – ISBN 9781850759072, p. 80-100, se propõe analisar três questões: 1. Comunidades exiladas perderam suas identidades e jamais voltaram para suas terras de origem ou não? 2. O que as fontes extrabíblicas podem confirmar sobre os eventos descritos no texto bíblico? 3. Como ficaria uma história construída a partir desse estudo?
Grabbe vai concluir, de sua análise de textos bíblicos e extrabíblicos, que houve uma volta de exilados judaítas, e apresenta seis argumentos favoráveis à sua tese nas p. 95-96. Tira, em seguida, quatro ‘conclusões metodológicas’ do estudo anterior, conclusões que me parecem mais pressupostos do que qualquer outra coisa! Entre elas (ou eles!), a óbvia de quem é o mediador do Seminário: “Eu rejeitarei qualquer posição que se recuse a usar o texto bíblico na reconstrução histórica do exílio ou que se mantenha numa atitude puramente agnóstica, assim como eu também rejeitarei qualquer posição que aceite sem mais o texto bíblico a não ser que ele possa ser refutado” (p. 98).
Finalmente, Lester Grabbe apresenta, em grandes linhas, o que seria a sua história do exílio, para concluir seu texto com o seguinte parágrafo: “O conceito bíblico de exílio e volta estava, por conseguinte, baseado em eventos reais. Embora exílio e volta representem um tema teológico significativo no texto bíblico, eles não foram construídos apenas com objetivos teológicos. Neste caso específico, a teologia representa uma reinterpretação e reutilização de eventos históricos” (p. 99-100).
Mario Liverani – Itália (1939-)
Assiriologista. Professor Emérito na Università La Sapienza, Roma, Itália
Obras: Antico Oriente: Storia, società, economia. 2. ed. Roma-Bari: Laterza, 2013, 912 p. – ISBN 9788842095880.; Myth and Politics in Ancient Near Eastern Historiography. Edited and Introduced by Zainab Bahrani and Marc Van De Mieroop, New York: Cornell University Press, 2007, 240 p. – ISBN 9780801473586; Para além da Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008, 544 p. – ISBN 9788515035557 (veja a bibliografia completa de Liverani aqui).
Posicionamento: moderado
Mario Liverani, Nuovi sviluppi nello studio della storia dell’Israele biblico. Biblica, Roma, n. 80, p. 488-505, 1999, diz o seguinte: “Infelizmente, a lentidão em adotar as consequências mais radicais (e positivamente construtivas) do novo modo de fazer história, do novo papel e das novas potencialidades da arqueologia, levou a uma espécie de defasagem operacional em relação às mais recentes tendências no campo da análise textual e literária. Se não estou enganado, a assim chamada ‘nova história’ e a assim chamada ‘nova arqueologia’ poderiam interagir melhor com uma crítica literária de matriz em última análise wellhauseniana (no que toca aos princípios básicos, não nas propostas específicas que hoje parecem um tanto conservadoras), quero dizer, com uma retomada dos materiais textuais dispostos no tempo e girando em torno da época de redação mais do que da época a que se referem.
Contudo, as mais recentes tendências de crítica textual e literária me parecem marcadas por tendências descontrutivistas, não direcionadas para uma nova história, mas para novas teologias. Paira também sobre os estudos bíblicos a fórmula do ‘fim da história’. Parece que a colocação correta dos materiais documentários no seu contexto cronológico e contextual específico não é mais considerada a base ou o fim último da análise do texto. O gênero literário da ‘História de Israel’ é declarado, enfim, ‘obsoleto’.
Parafraseando os títulos de alguns livros recentes bastante estimulantes, há quem se pergunte se é possível escrever uma história de Israel, há quem se coloque em busca do antigo Israel como algo problemático, há quem fale claramente de uma falsificação histórica, ou de uma construção literária, ou, de qualquer maneira, de um edifício que deva ser derrubado (e não necessariamente reconstruído).
O velho problema de avaliar a credibilidade de uma reconstrução histórica em relação a um referente real, de fatos realmente acontecidos, de realidades que existiram de fato, é desconsiderado quando falta o referente real. Creio que esta postura ‘pós-moderna’ (como se costuma defini-la) tenha muito a ver com a enorme proliferação dos fluxos de informação indireta e incontrolável a que estamos submetidos. A realidade da informação instantânea leva a duvidar da existência mesma do fato: é o mundo ‘virtual’ no qual estamos imersos.
Com certeza os principais defensores da nova tendência (Th. L. Thompson, N. P. Lemche, Ph. Davies) acreditam estar fazendo história, lançando as bases para uma nova – ampliada nos problemas e nas fontes, sabidamente crítica, finalmente correta – história de Israel. A minha preocupação é que tal tentativa, que realizada nos anos setenta e com total adesão à ‘função’ filológica da crítica textual teria sido certamente construtiva, corra agora o risco (no clima dos anos noventa) de ser envolvida pelas tendências desconstrutivistas e anti-históricas dominantes.
Não entrarei, por absoluta incompetência, nos meandros fascinantes das novas teologias; limitar-me-ei a observar que uma postura desconstrutivista não serve à reconstrução histórica como esta era compreendida até recentemente.
Uma vez desmontado o livro dos Juízes (…) em sentido lévistraussiano, ou em sentido feminista, ou em qualquer outro sentido que ilustre os valores morais ou as tensões sociais ou os mecanismos mentais, entende-se que estes valores e estes mecanismos sejam colocados fora da história, que a sua datação precisa seja impossível ou irrelevante: século XI ou VI ou III, não faz grande diferença. Na prática: posto que as narrativas do livro dos Juízes não sejam mais utilizados para escrever o capítulo (enfim inexistente) da liga tribal pré-monárquica, não se sabe mais para qual outro capítulo se deva utilizá-lo e acaba-se com o não utilizá-lo (para uma reconstrução histórica).
Não é por acaso que as propostas historiográficas mais estimulantes, no multifacetado mundo do revisionismo, dizem respeito à crítica do paradigma passado, e à acentuação dos seus condicionamentos: penso na inserção do Israel bíblico na Orientalismo como discurso ocidental para produzir um ‘duplo’ de si mesmo sobre o qual lançar clamores inconfessáveis. Penso nos estudos sobre colonialismo como apropriação do passado alheio para poder legitimar o próprio passado. Penso no impacto do sionismo em projetar um modelo antigo de validação para os projetos políticos em andamento. Penso na individuação do contexto europeu (e especialmente alemão) do final do século XIX como matriz da centralidade dos conceitos de ‘estado’ e de ‘nação’. Penso nas reivindicações feministas de uma história que não seja só masculina, às reivindicações do Terceiro Mundo de uma história que não seja sempre vista a partir do Ocidente, que se seguem àquelas marxistas de uma história que não seja somente aquela das classes dominantes.
Todo este afã crítico e autocrítico é louvável e muito bom; mas, enquanto permanece ao nível de manifesto reivindicatório, este deve enfrentar ainda a parte mais difícil do trabalho, que é o de escrever, de fato, uma história que não incorra nem nestes pecados já conhecidos nem em outros que as gerações futuras se encarregarão, sem dúvida, de cometer” (p. 497-500).
Obs.: as notas de rodapé – números 21 a 34 – foram omitidas, mas deveriam ser consultadas no artigo original, pois são importantes para a discussão.
LIVERANI, M. Oltre la Bibbia: Storia Antica di Israele. Roma-Bari: Laterza, [1. ed.: 2003] 2014, 526 p. – ISBN 9788842098416 [Para além da Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008, 544 p. – ISBN 9788515035557]. Este é um dos mais interessantes livros sobre História de Israel publicado em anos recentes.
Diz a edição brasileira: “As historias do antigo Israel sempre foram concebidas como uma espécie de paráfrase da narrativa bíblica. Esta obra de Liverani, porém, é uma tentativa de reescrita da história de Israel que leva em consideração os resultados da crítica textual e literária, as contribuições da arqueologia e da epigrafia e que foi desenvolvida segundo os critérios da moderna metodologia historiográfica. Desta perspectiva resultam duas histórias: uma história normal dos dois pequenos reinos de Israel e Judá, semelhante àquelas de tantos outros pequenos reinos da região. E uma história inventada, construída pelos judaítas durante e após o exílio babilônico, que projetam no seu passado os problemas e as esperanças de sua época”. Há uma resenha feita por Nadav Na’aman na RBL, publicada em 01 de julho de 2006, que vale a pena ser lida.
Última atualização: 27.09.2024 – 15h08