Preparando meus programas de aula para 2024

Estou, nestes dias, preparando meus programas de aula de Bíblia para 2024. Começo a publicá-los no Observatório Bíblico. A intenção é de que possam servir, para além de meus alunos, a outras pessoas que, eventualmente, queiram ter uma noção de como se estuda a Bíblia em determinadas Faculdades de Teologia. Ou, pelo menos, parte da Bíblia, porque posso expor apenas os programas das disciplinas que leciono. Tomo aqui como referência o currículo do CEARP, onde trabalho. Já fiz isso em outros anos.

Quatro elementos serão levados em conta, em uma leitura da Bíblia que eu chamaria de sócio-histórica-redacional:

:: contextos da época bíblica
:: produção dos textos bíblicos
:: contextos atuais
:: leitores atuais dos textos

O sentido da Escritura, segundo este modelo, não está nem no nível dos contextos da época bíblica e/ou dos contextos atuais, nem no nível dos textos bíblicos ou da vivência dos leitores, mas na articulação que se forma entre a relação dos textos bíblicos com os seus contextos, por um lado, e entre os leitores atuais e seus contextos específicos.

Ou seja: “Da Escritura não se esperam fórmulas a ‘copiar’, ou técnicas a ‘aplicar’. O que ela pode nos oferecer é antes algo como orientações, modelos, tipos, diretivas, princípios, inspirações, enfim, elementos que nos permitam adquirir, por nós mesmos, uma ‘competência hermenêutica’, dando-nos a possibilidade de julgar por nós mesmos, ‘segundo o senso do Cristo’, ou ‘de acordo com o Espírito’, das situações novas e imprevistas com as quais somos continuamente confrontados. As Escrituras cristãs não nos oferecem um was [que], mas um wie [como]: uma maneira, um estilo, um espírito. Tal comportamento hermenêutico se situa a igual distância tanto da metafísica do sentido (positivismo) quanto da pletora das significações (biscateação). Ele nos dá a chance de jogar a sério o círculo hermenêutico, pois que é somente neste e por este jogo que o sentido pode despertar” explica BOFF, C. Teologia e Prática: Teologia do Político e suas mediações. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 266-267.

As disciplinas de Bíblia no curso de graduação em Teologia podem, segundo este modelo, ser classificadas em três áreas:

1. Disciplinas Contextuais:
:: História de Israel I e II

2. Disciplinas Instrumentais:
:: Introdução à Sagrada Escritura
:: Hebraico Bíblico
:: Grego Bíblico

3. Disciplinas Exegéticas:
:: Pentateuco
:: Literatura Profética I e II
:: Literatura Deuteronomista
:: Literatura Sapiencial
:: Sinóticos e Atos dos Apóstolos
:: Literatura Paulina
:: Literatura Joanina
:: Apocalipse

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Destas disciplinas, leciono:

No primeiro semestre:
:: História de Israel I: 2 hs/sem.
:: Hebraico Bíblico: 2 hs/sem.
:: Literatura Profética I: 2 hs/sem.
:: Literatura Deuteronomista: 2 hs/sem.

No segundo semestre:
:: História de Israel II: 2 hs/sem.
:: Pentateuco: 4 hs/sem.
:: Literatura Profética II: 2 hs/sem.

Feliz 2024

Desejo a todos os visitantes do Observatório Bíblico e da Ayrton’s Biblical Page um Feliz 2024!

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Hesedh e o Novo Testamento

NELSON, K. Ḥesed and the New Testament: An Intertextual Categorization Study. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2023, 298 p. – ISBN 9781646022410.

Ḥesed (solidariedade, amor, fidelidade) denota um conceito importante na Bíblia Hebraica que é relevante para os relacionamentos interpessoais em todas as gerações.NELSON, K. Ḥesed and the New Testament: An Intertextual Categorization Study. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2023 Neste livro, Karen Nelson investiga as abordagens do Novo Testamento a esse conceito e o valor exegético de reconhecer tal envolvimento.

Esta investigação usa duas abordagens metodológicas: a intertextualidade, usada para considerar se e como o conceito correspondente ao termo hebraico ḥesed é apropriado no Novo Testamento, e a categorização, usada para analisar e comparar instâncias das categorias ḥsd e ḥsyd nesses corpora.

A obra de Karen Nelson desafia as afirmações de que o conceito correspondente a ḥesed no Novo Testamento é agapē (amor) ou charis (graça). Em vez disso, ela afirma que o significado paralelo é mais provável de ser evocado por eleos (a tradução usual de ḥesed na LXX) ou hosios (a tradução usual de ḥasid na LXX).

Karen Nelson relê perícopes selecionadas do Novo Testamento à luz de ḥesed, concluindo que a presença das categorias ḥsd e ḥsyd destaca o cumprimento e o desenvolvimento da tradição bíblica, a lealdade duradoura de Deus e o ministério exemplar de Jesus. Nesta tradução, ḥsd e ḥsyd criticam a situação sociorreligiosa contemporânea e incentivam a crença, o compromisso duradouro e a mudança adequada de estilos de vida.

Abordando um tópico que abrange a Bíblia Hebraica e o Novo Testamento, este estudo será de interesse para os estudiosos do Novo Testamento e para os estudiosos da Bíblia de forma mais ampla, especialmente aqueles que estão interessados em semântica.

Karen Nelson é ministra ordenada na Igreja Presbiteriana de Aotearoa, Nova Zelândia.

 

Hesedh - solidariedadeḤesed (steadfast love, loyalty, devotion) denotes an important concept in the Hebrew Bible that is relevant to interpersonal relationships in every generation. In this book, Karen Nelson investigates New Testament approaches to that concept and the exegetical value of recognizing such engagement.

This investigation employs an original hybrid of two methodological approaches: intertextuality, used to consider whether and how the concept corresponding to the Hebrew term ḥesed is appropriated in the New Testament, and categorization, used to analyze and compare instances of the categories ḥsd and ḥsyd within those corpora.

Nelson’s work challenges assertions that the concept corresponding to ḥesed in the New Testament is agapē (love) or charis (grace). Rather, she contends that the parallel meaning is more likely to be evoked by eleos (the usual LXX rendering of ḥesed) or hosios (the usual LXX rendering of ḥasid).

Nelson rereads selected New Testament pericopes in light of ḥesed, concluding that the presence of the categories ḥsd and ḥsyd highlights the fulfillment andMisericórdia development of scriptural tradition, the enduring devotion of God, and the exemplary ministry of Jesus. In this rendering, ḥsd and ḥsyd critique the contemporary socioreligious situation and encourage belief, enduring commitment, and appropriately changed lifestyles.

Addressing a topic that spans the Hebrew Bible and the New Testament, this study will be of interest to New Testament scholars and to biblical scholars more widely, especially those who are interested in semantics.

Karen Nelson is an ordained minister in the Presbyterian Church of Aotearoa New Zealand.

Do nomadismo à monarquia?

KOCH, I.; LIPSCHITS, O.; SERGI, O. (eds.) From Nomadism to Monarchy?: Revisiting the Early Iron Age Southern Levant. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2023, 340 p. – ISBN 9781646022618.

A exploração arqueológica na região montanhosa do Levante Meridional, conduzida durante as décadas de 1970 e 1980, transformou dramaticamente a compreensãoKOCH, I.; LIPSCHITS, O.; SERGI, O. (eds.) From Nomadism to Monarchy?: Revisiting the Early Iron Age Southern Levant. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2023 acadêmica do início da Idade do Ferro e levou à publicação de From Nomadism to Monarchy: Archaeological and Historical Aspects of Early Israel, por Israel Finkelstein e Nadav Na’aman. Este volume explora e reavalia o legado desse texto fundamental.

Utilizando quadros teóricos atuais e tendo em conta novos dados de escavação e metodologias das ciências naturais, os 17 ensaios deste volume examinam a arqueologia do Levante Meridional durante o início da Idade do Ferro e as formas como o período pode ser refletido nos relatos bíblicos. A variedade de metodologias empregadas e as narrativas históricas apresentadas nestas contribuições iluminam a natureza multifacetada da pesquisa contemporânea sobre este período formativo.

Com base no estudo seminal de Finkelstein e Na’aman, este trabalho fornece uma atualização essencial. Será bem recebido por historiadores antigos, estudiosos do antigo Israel e do início da Idade do Ferro do Sul do Levante, e estudiosos da Bíblia.

Além dos editores, os colaboradores deste volume são Eran Arie, Erez Ben-Yosef, Cynthia Edenburg, Israel Finkelstein, Yuval Gadot, Assaf Kleiman, Gunnar Lehmann, Defna Langgut, Aren M. Maeir, Nadav Na’aman, Thomas Römer , Lidar Sapir-Hen, Katja Soennecken, Dieter Vieweger, Ido Wachtel e Naama Yahalom-Mack.

 

Archaeological exploration in the Central Highlands of the Southern Levant conducted during the 1970s and 1980s dramatically transformed the scholarly understanding of the early Iron Age and led to the publication of From Nomadism to Monarchy: Archaeological and Historical Aspects of Early Israel, by Israel Finkelstein and Nadav Na’aman. This volume explores and reassesses the legacy of that foundational text.

Using current theoretical frameworks and taking into account new excavation data and methodologies from the natural sciences, the seventeen essays in this volume examine the archaeology of the Southern Levant during the early Iron Age and the ways in which the period may be reflected in biblical accounts. The variety of methodologies employed and the historical narratives presented within these contributions illuminate the multifaceted nature of contemporary research on this formative period.

Building upon Finkelstein and Na’aman’s seminal study, this work provides an essential update. It will be welcomed by ancient historians, scholars of early Israel and the early Iron Age Southern Levant, and biblical scholars. In addition to the editors, the contributors to this volume are Eran Arie, Erez Ben-Yosef, Cynthia Edenburg, Israel Finkelstein, Yuval Gadot, Assaf Kleiman, Gunnar Lehmann, Defna Langgut, Aren M. Maeir, Nadav Na’aman, Thomas Römer, Lidar Sapir-Hen, Katja Soennecken, Dieter Vieweger, Ido Wachtel, and Naama Yahalom-Mack.

 

Ido Koch is Senior Lecturer in Archaeology at Tel Aviv University. He is the author of Colonial Encounters in Southwest Canaan During the Late Bronze Age and the Early Iron Age.

Oded Lipschits is Professor of Jewish History in the Department of Archaeology and Ancient Near East Studies at Tel Aviv University. He was named Laureate of the EMET Prize in the field of Archaeology in 2022.

Omer Sergi is Senior Lecturer in the Department of Archaeology and Ancient Near East Studies at Tel Aviv University. He is coeditor of Saul, Benjamin, and the Emergence of Monarchy in Israel: Biblical and Archaeological Perspectives.

Metodologia exegética do Novo Testamento

GUIJARRO, S. Metodologia exegética do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2023, 208 p. – ISBN 9788534952002.

Este livro é um manual de metodologia. Sua principal finalidade é oferecer um itinerário a quem se inicia na arte da exegese. Porque a exegese não é uma ciência, masGUIJARRO, S. Metodologia exegética do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2023 uma arte, ou, caso prefira, uma τέχνη, no sentido que os gregos davam a essa palavra. Contudo, só se pode aprender uma arte, assim como uma τέχνη, combinando teoria e prática. Por esse motivo, as explicações teóricas na segunda parte deste manual são complementadas com alguns exercícios que permitirão ao iniciante adquirir certa destreza na prática dos principais métodos exegéticos.

O uso de um método rigoroso e comprovado é, em todas as ciências e saberes, um requisito indispensável para fazer avançar o conhecimento. Em seu sentido etimológico, a palavra “método” (do grego μετά + ὁδός = μέθοδος) faz referência ao caminho que se utiliza para se chegar a um fim. Esse sentido originário da palavra revela o caráter instrumental do método, o qual está sempre em função da meta que se deseja alcançar. Mas também mostra que se trata de um requisito indispensável para progredir no conhecimento, pois não é possível atingir a meta sem percorrer o caminho. Portanto, um método pode ser definido como um conjunto de procedimentos ordenados de maneira sistemática, estruturada e controlada para alcançar um fim.

Os destinatários ideais do presente manual são os estudantes que cursam uma licenciatura ou um doutorado em estudos bíblicos. Esses são os seus destinatários ideais, mas não os únicos, pois o itinerário metodológico que aqui se propõe resultará igualmente útil para todos aqueles que desejam começar na prática da exegese neotestamentária.

O manual se estrutura em duas partes. A primeira tem por objeto definir o referencial da exegese, explicando a necessidade do estudo crítico da Bíblia e situando a explicação do texto no contexto mais amplo da sua interpretação.

A segunda parte, que é a mais extensa e detalhada, apresenta, ordenados em quatro blocos, sete procedimentos básicos do método exegético. Os dois primeiros se referem, na realidade, a tarefas prévias de tipo preparatório que são, todavia, imprescindíveis para realizar a análise dos textos. Os outros cinco abordam o texto a partir de três pontos de vista fundamentais: a sua forma final (sincronia), a sua história (diacronia) e o seu entorno (contexto).

O original em espanhol é de 2021.

 

Sumário

Prólogo

Parte I – MARCO TEÓRICO
1. O estudo crítico da Bíblia
2. Exegese e hermenêutica

Parte II – METODOLOGIA EXEGÉTICA
Capítulo I. FIXAÇÃO DO TEXTO
1. Crítica textual
2. Análise linguística

Capítulo II. ESTUDO SINCRÔNICO
3. Análise retórica
4. Análise narrativa

Capítulo III. ESTUDO DIACRÔNICO
5. História da tradição
6. História da composição

Capítulo IV. ESTUDO CONTEXTUAL
7. Contexto sociocultural

Santiago GuijarroSantiago Guijarro Oporto (1957-) nació el año 1957. Es catedrático de Nuevo Testamento en la Facultad de teología de la Universidad Pontificia de Salamanca. Dirigió La Casa de la Biblia desde 1982 hasta 1997, etapa en la que promovió la divulgación de la Biblia y dirigió una nueva traducción que vio la luz en 1992. Pertenece a la Hermandad de Sacerdotes Operarios Diocesanos. Entre sus obras cabe señalar las siguientes: «Fidelidades en conflicto», 1998; «Jesús y sus primeros discípulos», 2007; «Servidores de Dios y esclavos vuestros», 2011; «Los evangelios: memoria, biografía, Escritura», 2012; «Los dichos de Jesús», 2014; «La primera evangelización», 2016; y «Los cuatro evangelios» (2010), nueva edición ampliada 2021.

O som de 10 línguas indígenas brasileiras

O som de 10 línguas indígenas brasileiras em perigo de extinção – BBC News Brasil: 18 de dezembro de 2023

O território brasileiro abriga hoje apenas 20% das estimadas 1.175 línguas que tinha em 1500, quando chegaram os europeus. E, ao contrário de outros países da região,O som de 10 línguas indígenas no Brasil como Peru, Colômbia, Bolívia, Paraguai e até Argentina, o Brasil não reconhece como oficiais nenhuma de suas línguas indígenas em âmbito nacional.

Ainda assim, o Brasil é considerado um dos 10 países com o maior número de línguas no mundo e um dos que possuem maior diversidade linguística – ou seja, grande quantidade de famílias diferentes e de línguas isoladas.

Para dar uma ideia da diversidade linguística e cultural do país, a BBC News Brasil fez uma seleção com a ajuda de especialistas indígenas e não indígenas.

O resultado é este especial, no qual mostramos 10 das línguas indígenas faladas hoje no Brasil, de diferentes famílias e em distintas situações de preservação.

Leia também a primeira parte do especial da BBC sobre línguas indígenas.

O mapa babilônico do mundo

Estou lendo o livro de HOROWITZ, W. Mesopotamian Cosmic Geography. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2nd Revised ed. 2011, 418 p. – ISBN 9781575062150. A primeira edição é de 1998.

Do livro diz o autor em 1994:HOROWITZ, W. Mesopotamian Cosmic Geography. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2nd Revised ed. 2011

A geografia cósmica da Mesopotâmia representa a parte principal da minha primeira década de estudo como assiriologista. O livro começou sua vida como tese de doutorado sob orientação do Professor W. G. Lambert da Universidade de Birmingham, Reino Unido. Após a conclusão da tese de doutorado em 1986, continuei a coletar materiais relevantes para o estudo das visões mesopotâmicas da cosmografia com a intenção de revisar a tese para a publicação de um livro no início da década de 1990. O livro Geografia cósmica da Mesopotâmia apresenta este exame revisado e mais maduro do tema.

Este estudo coleta e apresenta as evidências disponíveis em textos sumérios e acádicos das ideias mesopotâmicas sobre a estrutura física do universo e suas partes constituintes (céu, terra, Apsu [as águas subterrâneas], submundo). Todos os textos de todos os períodos e gêneros são considerados, desde as primeiras fases da escrita cuneiforme até o período mais recente. O que emerge deste estudo é uma visão mesopotâmica do universo que é ao mesmo tempo coesa, por um lado, e discordante e deficiente, por outro.

Tive acesso apenas à edição de 1998. Quem quiser ver o que foi modificado na segunda edição, de 2011, pode clicar na “errata” da página de apresentação do livro na Eisenbrauns. É pouca coisa, pois o autor só acrescentou ou modificou o que as pesquisas mais recentes exigem.

Anoto aqui alguns elementos de minha leitura do capítulo 2, “The Babylonian Map of the World”, p. 20-42.

 

A tabuinha

Uma tabuinha cuneiforme, em acádico, que está no Museu Britânico, BM 92687, traz o mais antigo mapa mesopotâmico até agora encontrado. O esboço, comumente chamado de mapa babilônico do mundo ou “mapa-múndi” ocupa parte do anverso, enquanto o restante do anverso e todo o reverso preservam informações textuais relacionadas.

BM 92687A tabuinha, adquirida pelo Museu Britânico em 1882, foi encontrada por Hormuzd Rassam em Sipar, que fica a cerca de 60 km ao norte da cidade de Babilônia, na margem leste do Eufrates. Acredita-se que seja originária de Borsipa e pode ser datada por volta do século VI a.C.

De qualquer maneira, o mapa foi composto na Babilônia e não na Assíria. A Babilônia é representada por um grande retângulo que abrange quase metade da largura do continente central, enquanto a Assíria é representada como uma pequena forma oval.

Não é certo que o texto no anverso e no reverso tenha sido composto junto com o mapa. O texto no verso provavelmente foi escrito para acompanhar o mapa, mas o texto no anverso provavelmente foi composto separadamente e unido ao mapa por um editor posterior. Este texto não menciona nenhum dos locais desenhados no mapa.

O texto foi publicado pela primeira vez por F. E. Peiser (1889) e depois recopiado por R. C. Thompson em 1906. Esta segunda cópia serviu de base para estudos posteriores de E. Weidner (1922) e E. Unger(1931). Em 1988, publiquei uma nova edição e cópia do BM 92687. Mais recentemente, I. Finkel identificou e juntou um fragmento minúsculo, mas importante, ao mapa no anverso.

 

O mapa

O mapa preservado representa a superfície da Terra como dois círculos concêntricos, com áreas triangulares irradiando do círculo externo. A área dentro do círculo interno representa a porção continental central da superfície terrestre, onde estão situados locais importantes como a Babilônia e a Assíria. A área entre os dois círculos é identificada como o ‘oceano’ marratu. No mapa, este oceano cósmico circunda o continente central. A área além do círculo externo consiste nas áreas triangulares, que são identificadas como ‘regiões’ nagû, e espaço inexplorado.

O desenho é único entre os mapas da antiga Mesopotâmia. Numerosos mapas ou planos de cidades e áreas rurais são conhecidos, mas apenas o mapa-múndi é desenhado em escala internacional.

 

Objetos no mapa

1. Montanha
2. Cidade
3. Urartu
4. Assíria
5. Der
6. ?
7. Pântano
8. Susa
9. Canal
10. Bit Yakin
11. Cidade
12. Haban
13. Babilônia
14 –17. Oceano
18–22. Regiões exteriores
23 –25. Não descrito

 

O continente

O continente no mapa-múndi contém várias formas geométricas que representam lugares e características topográficas. Os topônimos incluem os países da Assíria (nº 4) e Urartu (nº 3), as cidades de Babilônia (nº 13), Der (nº 5), Bit Yakin (nº 10) e Haban (nº 12). As características topográficas incluem sadu ‘montanha’ (nº 1), apparuEsboço da BM 92687 ‘pântano’ (nº 7) e bitqu ‘canal’ (nº 9). O oval denominado Susa (nº 8) é colocado dentro do círculo que representa o continente, mas está localizado do outro lado do ‘pântano’ e do ‘canal’ da Babilônia.

As linhas paralelas que começam na região marcada como ‘montanha’ e terminam no retângulo marcado como ‘canal’ e ‘pântano’ fornecem os meios para a interpretação do mapa. Em mapas e planos cuneiformes, as linhas paralelas representam as margens dos rios. No mapa-múndi as linhas paralelas não são identificadas, mas o curso das linhas indica que representam as margens do Eufrates. Perto do meio do mapa, as duas linhas paralelas dividem o retângulo denominado ‘Babilônia’. No primeiro milênio o Eufrates corria pelo centro da cidade de Babilônia.

Quando as linhas paralelas são identificadas como o Eufrates, a localização de muitas das outras características no mapa torna-se clara. A ‘montanha’ na nascente do rio representa as montanhas do sul da Turquia, enquanto que o retângulo na foz do rio marcado como apparu ‘pântano’ e bitqu ‘canal’ representa os pântanos ao longo do baixo Eufrates e um curso de água que liga a foz do Eufrates com o Golfo Pérsico.

Em contraste com a descrição relativamente precisa do curso do Eufrates, o mapa omite completamente o rio Tigre. O Tigre deveria nascer no oval marcado como ‘montanha’, passar pela Assíria e à direita do retângulo denominado ‘Babilônia’, antes de desaguar no retângulo marcado como ‘canal’ e ‘pântano’. O antigo curso do Tigre passava a aproximadamente 80 km a nordeste da Babilônia no primeiro milênio. Assim, não é possível que as duas linhas paralelas representem tanto o Eufrates como o Tigre.

A identificação de algumas localidades é problemática. A Assíria e Urartu estão corretamente localizadas a leste do Eufrates, com Urartu ao norte da Assíria, mas a Assíria está localizada muito ao sul em relação à Babilônia. Bit Yakin, a entidade mais ao sul da Babilônia durante o primeiro milênio, está corretamente posicionada perto da foz do Eufrates, mas é movida do lado leste do rio para o oeste. Susa está corretamente posicionada abaixo da saída do Eufrates, mas deveria estar localizada à direita da Babilônia, e não diretamente abaixo da cidade. Haban (nº 12) está localizada a oeste do Eufrates, embora a terra e a cidade Haban da tribo cassita Bit Haban estivessem localizadas a leste do Tigre. E há outras localidades do mapa que não podem ser identificadas.

 

O oceano

A faixa circular que envolve o continente é identificada quatro vezes no mapa como o marratu ‘oceano’ (n. 14-17).

 

O nagû

As cinco áreas triangulares (n. 18-22) que irradiam do círculo externo são identificadas como nagû. Quando completo, o mapa pode ter incluído até oito desses nagû. O texto no verso descreve oito nagû, e há espaço para nagû ausentes adicionais ao longo Desenho da tabuinha BM 92687, frente e versoda borda inferior quebrada do mapa. No entanto, não é possível correlacionar os nagû sobreviventes no mapa com aqueles descritos no verso, e não se pode sequer ter certeza de que os nagû descritos no verso sejam idênticos aos desenhados no mapa.

Os nagû no mapa podem ser ilhas, porque ficam do outro lado do mar do continente. No entanto, isto pode não ser correto, uma vez que dois lados dos nagû se estendem para uma área desconhecida. Este espaço inexplorado poderia representar um corpo de água, como uma porção do oceano além do marratu ou o Apsu. No entanto, também é possível que esta terra incógnita seja uma massa de terra distante, ou que os nagû se estendam ao longo dos limites da superfície da Terra. Neste último caso, um viajante que atravessasse os lados do nagû além do oceano cósmico poderia cair diretamente no Apsu ou no submundo.

 

O texto no anverso

O anverso preserva onze linhas de texto. Este texto é difícil de interpretar porque faltam o início e o fim de cada linha e a parte inicial do anverso está quase completamente perdida. No entanto, é perceptível uma preocupação geral com lugares distantes e tempos antigos.

As duas primeiras linhas falam de ‘cidades em ruínas’. As linhas 3-9 fornecem informações relativas aos primeiros tempos, a era da criação.

A linha 10 continua o tema de terras e tempos distantes, mas se preocupa mais com os seres humanos do que com os animais. A linha lista três figuras famosas do terceiro milênio associadas a lugares distantes: Uta-napíshti (o sobrevivente do dilúvio), Sargão de Akkad (rei de Akkad) e Nur-Dagan (rei de Burshahanda).

A linha final do anverso preserva duas frases. A primeira, ‘asas como um pássaro’, pode descrever os heróis da linha 10 ou servir a alguma outra função. Se a frase não descreve os heróis, pode referir-se a uma declaração nas linhas iniciais quebradas do anverso. Neste caso, ‘asas como um pássaro’ poderia explicar que o mapa oferece uma visão da superfície da Terra que apenas os pássaros ou passageiros nas asas dos pássaros poderiam ter visto. A possibilidade de que a linha 11 se refira à seção de abertura quebrada encontra suporte na frase de encerramento. Esta frase inclui um sufixo que não tem antecedente no texto sobrevivente. É possível que esse antecedente ausente seja kibrat erbetti, ‘quatro quadrantes da superfície da Terra’.

 

O texto no reverso

O reverso está dividido em nove seções compostas por 27 linhas de texto. As seções de dois a oito contêm descrições padronizadas do segundo ao oitavo nagû. Cada seção abre com uma linha introdutória que identifica o nagû por número e atribui uma distância de sete léguas ao nagû com a frase ‘onde você vai’. Segue-se uma breve passagem descrevendo o nagû. Estas descrições são limitadas a uma ou duas linhas, com exceção da descrição do quinto nagû, que ocupa oito linhas. Apenas as descrições do terceiro, quinto, sétimo e oitavo nagû são parcialmente inteligíveis, devido a quebras no texto.

A primeira e a nona seções do reverso não descrevem o nagû. A primeira seção está quase completamente perdida, mas os vestígios sobreviventes sugerem que ela introduz o reverso e explica como identificar o primeiro nagû. A nona seção (linhas 26-27) aparentemente fornece um resumo do reverso. Esta seção refere-se aosWayne Horowitz ‘quatro quadrantes’ do kibrat erbetti (da superfície da Terra).

 

O mapa babilônico do mundo e lugares distantes

A ênfase em lugares distantes nos textos que acompanham o mapa sugere que o objetivo da tabuinha BM 92687 era localizar e descrever regiões distantes. O mapa ilustrava a localização dessas áreas distantes em relação a locais familiares, como Babilônia, Assíria e Eufrates. O anverso relacionava esses lugares distantes com figuras literárias familiares e animais exóticos, e o reverso descrevia condições em regiões distantes. O interesse do antigo autor por lugares distantes reflete um interesse geral por áreas distantes durante a primeira metade do primeiro milênio, quando os impérios assírio e babilônico alcançaram suas maiores extensões.

Sobre o autor, confira aqui.