O livro de Ezequiel na pesquisa atual

CARVALHO, C. (ed.) The Oxford Handbook of Ezekiel. New York: Oxford University Press, 2023, 555 p. – ISBN 9780190490737.

O estado atual dos estudos sobre o livro de Ezequiel é robusto. Ezequiel, ao contrário da maioria das coleções proféticas pré-exílicas,CARVALHO, C. (ed.)The Oxford Handbook of Ezekiel. New York: Oxford University Press, 2023 contém indícios evidentes de que sua circulação primária foi como um texto literário e não como uma coleção de discursos orais. O autor era altamente educado, a teologia do livro é “sombria” e sua visão da humanidade é esmagadoramente negativa. Em The Oxford Handbook of Ezekiel, a editora Corrine Carvalho reúne estudiosos de diversas perspectivas interpretativas para explorar um dos livros mais debatidos da Bíblia.

Composto por vinte e sete ensaios, o livro fornece introduções às principais tendências nos estudos de Ezequiel, abrangendo sua história, estado atual e direções emergentes. Após uma visão geral introdutória dessas tendências, cada ensaio discute um elemento importante no envolvimento acadêmico com o livro. Vários ensaios discutem a história do texto (seu contexto histórico, camadas redacionais, crítica do texto e uso de outras tradições israelitas e do antigo Oriente Médio). Outros se concentram em temas-chave do livro (como templo, sacerdócio, direito e política), enquanto outros ainda analisam a história da recepção do livro e interpretações contextuais (incluindo arte, uso cristão, abordagens de gênero, abordagens pós-coloniais e teoria do trauma) . Tomados em conjunto, estes ensaios demonstram a vitalidade da pesquisa sobre Ezequiel no século XXI.

Corrine Carvalho é Professora de Teologia na Universidade St. Thomas, em St. Paul, MN, USA. Sua principal área de pesquisa é Ezequiel, Jeremias e Lamentações. No capítulo 1 deste livro ela diz: “Tenho trabalhado em Ezequiel há mais de trinta anos. Este é um campo que tem se beneficiado de um grupo muito dedicado de acadêmicos que se reúne regularmente e partilha discussões vibrantes, que tentei representar nos autores e temas deste livro”.

 

The current state of scholarship on the book of Ezekiel, one of the three Major Prophets, is robust. Ezekiel, unlike most pre-exilic prophetic collections, contains overt clues that its primary circulation was as a literary text and not a collection of oral speeches. The author was highly educated, the theology of the book is “dim,” and its view of humanity is overwhelmingly negative. In The Oxford Handbook of Ezekiel, editor Corrine Carvalho brings together scholars from a diverse range of interpretive perspectives to explore one of the Bible’s most debated books.

Consisting of twenty-seven essays, the Handbook provides introductions to the major trends in the scholarship of Ezekiel, covering its history, current state, and emerging directions. After an introductory overview of these trends, each essay discusses an important element in the scholarly engagement with the book. Several essays discuss the history of the text (its historical context, redactional layers, text criticism, and use of other Israelite and near eastern traditions). Others focus on key themes in the book (such as temple, priesthood, law, and politics), while still others look at the book’s reception history and contextual interpretations (including art, Christian use, gender approaches, postcolonial approaches, and trauma theory). Taken together, these essays demonstrate the vibrancy of Ezekiel research in the twenty-first century.

Corrine Carvalho is Professor of Theology at the University of St. Thomas in St. Paul, MN. Her research is primarily on exilic texts (Ezekiel, Jeremiah, and Lamentations) and she is currently working on a commentary on Ezekiel. She is an active member of both the Society of Biblical Literature and the Catholic Biblical Association, and currently serves as General Editor of The Catholic Biblical Quarterly.

Contents

1. Ezekiel Scholarship in the Twenty-​first Century
Corrine Carvalho
2. Ezekiel in Its Historical Context
Marvin A. Sweeney
3. The Mesopotamian Context of Ezekiel
Daniel Bodi
4. Ezekiel and Israel’s Legal Traditions
Michael A. Lyons
5. Ezekiel among the Prophetic Tradition
Anja Klein
6. Ezekiel and Israelite Literary Traditions
Dexter E. Callender
7. Text-​Critical Issues in Ezekiel
Timothy P. Mackie
8. Rhetorical Strategies in the Book of Ezekiel
Dale Launderville
9. Ezekiel as a Written Text: Archiving Visions, Remembering Futures
Ian D. Wilson
10. Ezekiel among the Exiles
Dalit Rom-​Shiloni
11. Ezekiel and Politics
Madhavi Nevader
12. Priests, Levites, and the Nasi: New Roles in Ezekiel’s Future Temple
Tova Ganzel
13. Ezekiel’s Concept of Covenant
John Strong
14. Ezekiel and the Foreign Nations
C. L. Crouch
15. Ezekiel and the Priestly Traditions
Stephen L. Cook
16. Communications of the Book of Ezekiel: From the Iron Wall to the Voice in the Air
Soo J. Kim Sweeney
17. Ezekiel in Christian Interpretation: Gog, Magog, and Apocalyptic Politics
Andrew Mein
18. Pastoral Appropriations of Ezekiel
Steven Tuell
19. Ezekiel in the Jewish Tradition
Yedida Eisenstat
20. Where There’s Fire There’s Smoke: Text and Image in the Ezekiel Painting at Dura-​Europos
Margaret S. Odell
21. Ezekiel and Gender
Amy Kalmanofsky
22. Embodiment in Ezekiel
Rhiannon Graybill
23. Ezekiel as Trauma Literature
Ruth Poser
24. Uncertainties in First Contact? Ezekiel’s Struggle Toward a “Comparative Gaze”
Daniel L. Smith-​Christopher
25. Ezekiel’s Map of Future Past
Carla Sulzbach
26. Ezekiel Imperialized Geographies in the Nation Oracles
Steed Vernyl Davidson
27. Ezekiel’s Tangible Ethics: Physicality in the Moral Rhetoric of Ezekiel
Corrine Carvalho

Ezequiel, um estranho personagem

Quem foi Ezequiel?

Ezequiel foi um estranho personagem. Parece que ele tinha uns comportamentos inusitados, o que levou os estudiosos a terem opiniões divergentes sobre ele, tachando-o de “santo a louco”.

Pode exemplificar?

Claro. Um dia ele pegou um tijolo, gravou nele a cidade de Jerusalém, ao seu redor montou um cerco com trincheiras, aterro, acampamento, aríetes e, em seguida, deitado, imóvel, ao lado do tijolo, passou a racionar, por muitos dias, o próprio alimento e a água que bebia. Isto está em Ez 4, 1-17.

Tem mais?

Ora, se tem. Outro dia, ele pegou uma espada e com ela raspou o cabelo e a barba. Em seguida, repartiu assim os pelos em três partes: um terço foi queimado na cidade, outro terço foi cortado com a espada e o restante foi espalhado ao vento. Somente uns poucos fios foram presos à aba de sua veste. Isto está em Ez 5,1-4.

Parece esquisito mesmo. E então?

E então? Pois ele fez mais coisas estranhas. Noutra ocasião, ele, de dia, arrumou uma bagagem para viagem, e, ao anoitecer, com as mãos, abriu um buraco na parede e saiu com a carga nos ombros cobrindo o próprio rosto para não ver a terra que deixava. Isto está em Ez 12,1-20.

Acabou?

Que nada. Quando a sua mulher morreu, ele não lamentou a perda e nem ficou de luto, embora ela fosse, como ele mesmo diz, o desejo de seus olhos. E, a partir destaEzequiel de Michelangelo - Capela Sistina, Vaticano (1511) data, o profeta ficou mudo, não abrindo mais sua boca. Isto está em Ez 24, 15-27.

Quando e onde atuou Ezequiel?

Muitos textos do livro de Ezequiel são datados. E cerca de uma dúzia destas datas são consideradas seguras, o que nos leva a situar sua atuação de 593 a 571 a.C. entre os exilados judaítas da Babilônia. Filho de um sacerdote, ele seria jovem quando foi enviado para a Babilônia na primeira etapa da deportação, em 597 a.C., tendo se tornado profeta somente alguns anos depois.

Pode-se dizer, a partir destes e de outros textos, que Ezequiel é, para os pesquisadores, um controvertido personagem?

Sacerdote, viúvo, profeta, poeta, teólogo, ele já foi chamado de tudo por aí, desde maluco até uma das maiores figuras espirituais de todos os tempos. Na opinião de alguns especialistas, que tentaram diagnosticar Ezequiel, ele seria portador de alguma doença mental. Nestes estranhos comportamentos de Ezequiel alguns viram, do século XIX para cá, sintomas de catalepsia, catatonia, paranoia, esquizofrenia, psicose, delírios de perseguição e grandeza, fantasias de castração, regressão sexual inconsciente… embora muitos deles concluam que, mesmo sendo um doente mental, Ezequiel foi uma importante voz profética entre os exilados judaítas na Babilônia.

Quais autores chegaram a este tipo de conclusão?

Bem, estas são conclusões de autores como August Klostermann (1877), Edwin C. Broome (1946), Karl Jaspers (1947) e David J. Halperin (1993), para citar alguns entre os mais discutidos.

É possível descrever com mais detalhes o pensamento de algum destes autores?

Claro. Um bom exemplo é o estudo de David J. Halperin. O livro é Seeking Ezekiel: Text and Psychology. University Park, PA: Penn State University Press, 1993, 276 p. – ISBN 9780271009476.

Na Introdução, leio:

Sem dúvida, o livro de Ezequiel é poderoso. No entanto, podemos estar inclinados a ver o seu poder como o da demência e a aplicar a Ezequiel as palavras de outro profeta: “O profeta é tolo, o inspirado é louco” (Os 9,7).

“Louco” é um diagnóstico vago. Em 1946 Edwin C. Broome tentou melhorá-lo. Ele aceitou a afirmação do livro de que era obra do profeta Ezequiel, sacerdote de Jerusalém, mais tarde na Babilônia – e supôs que as estranhezas do livro eram as estranhezas do Ezequiel histórico. Ele abordou essas peculiaridades a partir de uma perspectiva psicanalítica e as unificou com um diagnóstico clínico. Elas eram, argumentou ele, sintomas de esquizofrenia paranoide.

A resposta acadêmica ao artigo de Broome foi menos do que entusiasmada. O biblista Carl Gordon Howie e o psiquiatra Ned H. Cassem prepararam refutações completas das propostas de Broome. A maioria o ignorou totalmente ou deu como certo que Howie e Cassem o haviam demolido. Bernhard Lang, escrevendo em 1981, resumiu o consenso: “O trabalho de Broome não requer mais refutações. Deve ser notado mais como uma curiosidade do que como uma contribuição séria para a compreensão do profeta”.

Este consenso está errado. O artigo de Broome contém de fato muitas coisas que podem ser refutadas e devem ser descartadas. Seu diagnóstico arrogante, mesmo que correto, oferece pouca ajuda na compreensão de Ezequiel ou de seu livro. Mas ele também oferece insights importantes e provocativos que abrem as portas para investigações frutíferas sobre o que está por trás do texto. Rejeitar o artigo de Broome como uma “curiosidade” é bater estas portas, desnecessariamente, na cara dos estudos.

Proponho reabrir as portas de Broome e avançar, em segurança, o mais longe que puder para o que está além. A peça central do meu argumento será um reexame de uma das sugestões de Broome: que o ato de abrir uma fenda na parede, descrito em Ez 8,7-12, é uma representação simbólica da relação sexual. Acredito que esta interpretação está correta e que pode e deve ser desenvolvida consideravelmente mais do que Broome.

Mas antes disso resumo o argumento de Broome e examino as respostas de Howie, Cassem, Stephen Garfinkel, Ellen F. Davis e (brevemente) outros. O objetivo do capítulo 1 é em parte polêmico. Comprometo-me a defender Broome, o que envolverá atacar os seus atacantes. Mas a controvérsia em torno do artigo de Broome também servirá como introdução a questões metodológicas mais amplas. Nem todos admitirão que os métodos psicanalíticos possam ser legitimamente aplicados aos textos bíblicos. O ceticismo neste ponto e a incapacidade de Broome em antecipá-lo e em responder a ele são responsáveis por grande parte do ridículo e da negligência que Broome recebeu. Se espero que uma abordagem psicanalítica da Bíblia seja levada a sério, não posso fugir às questões metodológicas que ela levanta.

Se o contexto literário de Ez 8,7-12 são os capítulos 8-11, seu contexto psíquico se estende a outras partes do livro. No Capítulo 4 examino esse contexto. Sugiro que oculto por trás das imagens de Ez 8,7-12 está o mesmo padrão – violenta aversão à sexualidade feminina – que é expresso abertamente nos capítulos 16 e 23 e mais secretamente no comportamento de Ezequiel por ocasião da morte de sua esposa, em Ez 24,15-24. O exame destas passagens confirmará minha interpretação de Ez 8,7-12, assim como Ez 8,7-12 ajuda a explicar a horrível intensidade dos capítulos 16 e 23.

Este material nos permitirá prosseguir nossa investigação em uma nova direção. Acredito poder detectar algo mais, algo ainda mais primário e importante, por trás do ódio relativamente direto de Ezequiel pela mulher – uma ambivalência profunda e carregada de erotismo em relação a uma figura masculina dominante. Ezequiel, defendo, tendia a deslocar os elementos positivos da sua ambivalência para o seu Deus, e os seus elementos negativos para outros homens reais ou imaginários. No entanto, ele não conseguiu levar a cabo esta divisão com absoluta consistência. A compreensão deste fato nos permitirá explicar alguns dos elementos mais estranhos e teologicamente mais perturbadores do livro de Ezequiel. Meu argumento até este ponto sugerirá uma nova solução para o velho problema da mudez de Ezequiel, o que explicará por que sua mudez cessou com a destruição do Templo. Elaborarei essa solução em meu capítulo final.

Na conclusão do livro de David J. Halperin, leio:

O argumento central deste livro reside na correlação de Ezequiel 8,7-12, capítulos 16 e 23, e 24,15-27. Essas passagens expressam, de três modos distintos, a mesma postura emocional de seu autor; ou seja, pavor e aversão à sexualidade feminina.

Esta posição é expressa quase abertamente, coberta apenas por um fino véu de alegoria histórica, nos capítulos 16 e 23. Em 8,7-12, é transmitida na linguagem simbólica dos sonhos. Ela se manifesta em 24,15-27, no comportamento autodescrito do autor. Estes três modos de expressão reforçam-se mutuamente, e cada uma das passagens relevantes confirma a interpretação que dei das outras. Eles formam, juntos, uma corda tripla que não se rompe facilmente.

Meu argumento pressupõe que o relato de Ezequiel sobre seu próprio comportamento em 24,15-27 é verdadeiro e preciso. Pressupõe, também, que 8,7-12 deve ser lido como um artefato genuíno de uma experiência alucinatória, que transmite os processos inconscientes do autor de forma tão autêntica (e tão enigmática) quanto nossos sonhos transmitem os nossos. Ambas as premissas podem ser e foram questionadas. Nenhum dos dois, entretanto, é de forma alguma implausível. O ganho exegético que vimos resultar deles justifica a nossa adoção deles.

Estamos, consequentemente, justificados em ler psicologicamente o livro de Ezequiel. Ou seja, podemos permitir-nos compreendê-lo como um documento criado por um ser não menos humano que nós, um documento não menos expressivo de sua humanidade individual do que nossos escritos expressam os nossos. Podemos supor que Ezequiel foi governado, não menos que nós, por uma realidade interior obstinadamente mantida. Uma vez que tenhamos levado em conta as diferenças históricas e culturais, podemos corajosamente procurar reconhecer e compreender a sua realidade interior com base no que sabemos da nossa.

Quem é David J. Halperin?

David J. Halperin foi professor de Estudos Religiosos na Universidade da Carolina do Norte, USA, e autor de The Faces of the Chariot: Early Jewish Responses to Ezekiel’s Vision (1988) e The Merkabah in Rabbinic Literature (1980). Ele diz de si mesmo no Prefácio de Seeking Ezekiel: “Não sou psicanalista, nem tenho uma educação formal em psicologia. Minha formação e especialização são em filologia e história, tendo como temas principais a língua hebraica e a história e literatura do judaísmo antigo. Meu conhecimento da psicanálise deriva da leitura das obras de Freud e de seus seguidores, de conversas e correspondência com profissionais de psiquiatria e da experiência pessoal como paciente analítico”.

Mas este tipo de análise ainda é costumeira ou não?

Ezequiel de Aleijadinho - Congonhas do Campo, MG (entre 1794 e 1804)O que se nota é que este tipo de análise sofreu forte retração nos últimos anos. Isto se deve a vários fatores, mas é mais do que evidente de que qualquer estudo psicológico de um homem morto há cerca de dois mil e seiscentos anos enfrenta formidáveis dificuldades metodológicas. Por isso, alguns sugerem que, ao invés de especularmos sobre hipotéticos traumas sofridos por Ezequiel em sua infância, seria bem mais sensato analisar o seu comportamento a partir da categoria de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), considerando as suas experiências de exílio e destruição de Jerusalém. O fato é que nada se ganha com a análise psicológica de personalidades bíblicas quando o trabalho exegético básico não é feito. E muitos não o fazem. E há, sim, críticos deste tipo de abordagem que chegam a dizer que tais diagnósticos de personalidades bíblicas nos dizem mais sobre seus autores do que sobre os personagens bíblicos.

Você pode citar um autor crítico deste tipo de abordagem?

Vou citar Christopher C. H. Cook, no artigo Psychiatry in scripture: sacred texts and psychopathology, publicado em The Psychiatrist 36, 2012, p. 225-229, que toma como referência de análise psiquiátrica de Ezequiel três artigos de G. Stein, publicados no British Journal of Psychiatry entre 2008 e 2010. Christopher C. H. Cook é Professor Pesquisador no Departamento de Teologia e Religião da Durham University, Reino Unido.

Ele diz, por exemplo:

Faltam evidências robustas de que Ezequiel sofria de esquizofrenia. G. Stein não explora diagnósticos diferenciais ou evidências de que os textos antigos se referem a uma forma de profecia que era entendida como cultural e religiosamente normal, mesmo que extraordinariamente desafiadora e dramática. Ele não examina se os textos foram realmente escritos por Ezequiel ou se fornecem um relato confiável no qual basear uma avaliação da psicopatologia. Ele não explora suas interpretações do texto no contexto histórico, teológico, literário e cultural da sociedade em que se originaram. Muitas das evidências oferecidas em apoio ao diagnóstico baseiam-se em interpretações errôneas dos textos dos quais foram extraídas.

Evidências psiquiátricas críticas para qualquer conclusão específica estão praticamente ausentes. Os estudos no campo dos estudos bíblicos sugeririam que fosse exercida extrema cautela no que diz respeito a interpretações simplistas de textos específicos como prova dos pensamentos, experiências ou comportamentos reais do profeta. Isto é especialmente verdade quando tais evidências são utilizadas para apoiar conclusões estranhas ao propósito teológico original para o qual o texto foi escrito e anacrônicas às suas tradições culturais e literárias.

A psiquiatria está orientada para a interpretação dos pensamentos, experiências e comportamentos humanos com o propósito específico de diagnosticar e tratar transtornos mentais. Só pode fornecer interpretações fiáveis quando o contexto cultural é levado em consideração. Quando os textos históricos fornecem a evidência diagnóstica, é ainda necessário considerar os recursos dos estudos acadêmicos associados ao estudo desses textos. Não fazer isso deixa aberto o perigo de se chegar a conclusões que não resistem ao escrutínio crítico e que podem levar as pessoas religiosas, especialmente os usuários de serviços de saúde mental, a concluir que a psiquiatria é antipática à busca espiritual ou religiosa e que as experiências e os textos associados a esta busca serão interpretados pelos psiquiatras como evidência de patologia (…).

O livro de Ezequiel é um texto considerado revelador da verdade espiritual e religiosa em pelo menos duas das principais tradições religiosas do mundo. Isto não significa que não possa ser examinado criticamente, e a riqueza de estudos associados a este livro fornece testemunho da disposição judaica e cristã de fazer perguntas difíceis sobre o texto e sua tradição. No entanto, usar a psiquiatria para examiná-la acriticamente e para chegar a conclusões de tipo estritamente psiquiátrico é um desserviço à psiquiatria e à religião.

Autores e obras citadas

BROOME, E. C. Ezekiel’s Abnormal Personality. Journal of Biblical Literature vol. 65 n. 3, 1946, p. 277-292.

CASSEM, N. H. Ezekiel’s Psychotic Personality: Reservations on the Use of the Couch for Biblical Personalities. In: CLIFFORD, R. J.; MACRAE, G. W. (eds.)The Word in the World: Essays in Honor of Frederick L. Moriarty, S.J. Cambridge, Mass.: Weston College Press, 1973, p. 59-70.

COOK, C. C. H. Psychiatry in scripture: sacred texts and psychopathology. The Psychiatrist 36, 2012, p. 225-229.

DAVIS, E. F. Swallowing the Scroll: Textuality and the Dynamics of Discourse in Ezekiel’s Prophecy. Sheffield: Almond Press, 1989.

GARFINKEL, S. Another Model for Ezekiel’s Abnormalities. Journal of the Ancient Near Eastern Society 19, 1989, p. 39-50.

HALPERIN, D. J. Seeking Ezekiel: Text and Psychology. University Park, PA: Penn State University Press, 1993.

HOWIE, C. G. The Date and Composition of Ezekiel. Philadelphia: Society of Biblical Literature, 1950.

JASPERS, K. Der Prophet Ezechiel: Eine pathographische Studie. In: VV. AA. Arbeiten zur Psychiatrie, Neurologie und ihrem Grenzgebieten. ​Heidelberg: H. Kranz, Scherer, Willsbach, 1947, p. 77-85.

KLOSTERMANN, A. Ezechiel: Ein Beitrag zu besserer Wiirdigung seiner Person und seiner Schrift. Theologische Studien und Kritiken 50, 1877, p. 391-439.

LANG, B. Ezechiel: Der Prophet und das Buch. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1981.

O que aconteceu com a cruz em que Jesus morreu?

O que aconteceu com a cruz em que Jesus morreu? – Alejandro Millán Valencia: BBC News Mundo

Segundo a história em que os cristãos se baseiam, Jesus de Nazaré morreu crucificado por ordem do então prefeito romano da Judeia, Pôncio Pilatos.

A jornada dele até aquela morte — uma série de episódios conhecida como Paixão de Cristo — é um dos elementos centrais das comemorações da Semana Santa.

A crucificação é tão simbólica para o Cristianismo que a cruz acabou se tornando o símbolo das religiões que professam devoção à figura de Jesus Cristo.

Mas o que aconteceu com a cruz original?

Dezenas de mosteiros e igrejas em todo o mundo afirmam ter pelo menos um pedaço da chamada “verdadeira cruz” nos altares, para louvor dos seus fiéis.

E muitos deles baseiam a veracidade da origem dessas relíquias em textos dos séculos 3 e 4, que narram a descoberta em Jerusalém do pedaço de madeira onde Jesus Cristo foi executado pelos romanos.

“Essa história, que inclui o imperador romano Constantino e a mãe dele, Helena, foi o ponto inicial dessa trajetória da cruz de Cristo, que sobrevive até hoje”, explica Candida Moss, professora de História dos Evangelhos e Cristianismo Primitivo da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

Ela baseia-se nos escritos de historiadores antigos como Gelásio de Cesareia e Tiago de Vorágine. Mas, para muitos historiadores de hoje, eles não determinam a autenticidade dos pedaços de madeira que vemos em vários templos ao redor do mundo — nem podem servir como confirmação da origem dessas relíquias.

“É muito provável que aquele pedaço de madeira não seja a cruz onde Jesus foi crucificado, porque muitas coisas poderiam ter acontecido com esse objeto. Por exemplo, os romanos podem tê-lo reutilizado para outra crucificação, em outro lugar e com outras pessoas”, raciocina Moss.

Mas, então, como surgiu a história da “verdadeira cruz” e por que existem tantas peças que supostamente fazem parte da madeira “original”?

“(Isso se deve ao) desejo de ter uma proximidade física com algo que acreditamos”, responde o historiador Mark Goodacre, especialista em Novo Testamento da Universidade Duke, nos Estados Unidos.

“As relíquias cristãs são mais um desejo do que algo verdadeiro”, diz ele.

Mas, então, como surgiu a história da “verdadeira cruz” e por que existem tantas peças que supostamente fazem parte da madeira “original”?

“(Isso se deve ao) desejo de ter uma proximidade física com algo que acreditamos”, responde o historiador Mark Goodacre, especialista em Novo Testamento da Universidade Duke, nos Estados Unidos.

“As relíquias cristãs são mais um desejo do que algo verdadeiro”, diz ele.

 

A lenda dourada

Na narrativa do Evangelho, após a morte de Jesus na cruz, o corpo dele foi levado para um túmulo onde hoje é a Cidade Velha de Jerusalém.

E, durante quase 300 anos, não houve menção alguma ao pedaço de madeira usado na crucificação.

Foi por volta do século 4 que o bispo e historiador Gelásio de Cesareia publicou um relato em seu livro A História da Igreja sobre a descoberta em Jerusalém da “verdadeira cruz” por Helena, uma santa da Igreja Católica.

Helena também era mãe do imperador romano Constantino, que impôs o Cristianismo como religião oficial do império.

A história, referenciada por outros historiadores e por escritores como Tiago de Voragine no livro Lenda Dourada, do século 13, indica que Helena, enviada pelo filho para encontrar a cruz de Cristo, foi levada para um local próximo do Monte Gólgota, onde Jesus foi supostamente crucificado. Havia ali três cruzes.

Algumas versões indicam que Helena, ao duvidar de qual seria a cruz verdadeira, colocou uma mulher doente próxima de cada uma das cruzes — e aquela que curou a mulher foi considerada a autêntica.

Outros historiadores afirmam que a “cruz verdadeira” foi reconhecida porque era a única das três que apresentava sinais de ter sido usado para uma crucificação com pregos — segundo o Evangelho de João, Jesus foi o único que foi crucificado com esse método naquele dia.

“Toda essa história faz parte do desejo por relíquias que começou a ocorrer no cristianismo durante os séculos 3 e 4”, contextualiza Goodacre.

O acadêmico destaca que os primeiros cristãos não tinham como foco a busca ou a preservação desse tipo de objeto como fonte de devoção.

“Nenhum cristão durante o primeiro século colecionava relíquias de Jesus”, destaca ele.

“À medida que o tempo passou e o cristianismo se expandiu pelo mundo naquela época, os seguidores da religião começaram a criar formas de ter alguma conexão física com a pessoa que consideram o salvador”, acrescenta o acadêmico.

A origem da busca por essas relíquias tem muito a ver com os mártires.

Segundo historiadores, o culto aos santos começou a ser uma tendência dentro da Igreja Católica. Desde cedo, por exemplo, se estabeleceu que os ossos dos mártires eram evidências do “poder de Deus operando no mundo”, pois eles supostamente produziam milagres que “provavam” a eficácia da fé.

E, como Jesus ressuscitou, não foi possível procurar os ossos dele: segundo a Bíblia, depois de três dias no túmulo, o regresso de Cristo à vida e a posterior “ascensão ao céu” foram corporais.

Com isso, só restaram os objetos, como a cruz e a coroa de espinhos, entre outros.

“Esse período de tempo, quase três séculos após a morte de Jesus, é o que torna improvável que os objetos encontrados em Jerusalém, como a cruz onde ele morreu ou a coroa de espinhos, sejam autênticos”, observa Goodacre. .

“Se isso tivesse sido feito pelos primeiros cristãos, que tiveram um contato mais próximo com os acontecimentos, poderíamos falar na possibilidade de que fossem reais, mas não foi assim que aconteceu.”

 

Relíquias para encher um navio

Parte da cruz entregue à missão capitaneada por Helena foi levada para Roma (o outro pedaço permaneceu em Jerusalém). Segundo a tradição, grande parte dos restos de madeira está preservada na Basílica de Santa Cruz, na capital italiana.

Com o “descobrimento” e a expansão do cristianismo pela Europa durante a Idade Média, a cruz se tornou o símbolo universal da religião. Nesse período, iniciou-se também a multiplicação de fragmentos da cruz, que foram parar em outros templos.

Esses pedaços são conhecidos como lignum crucis (“madeira da cruz”, em latim).

Além da Basílica da Santa Cruz, as catedrais de Cosenza, Nápoles e Gênova, na Itália, o mosteiro de Santo Turíbio de Liébana (que tem a peça maior), Santa Maria dels Turers e a Basílica de Vera Cruz, na Espanha, afirmam ter um fragmento do tronco onde Jesus Cristo foi executado.

A Abadia de Heiligenkreuz, na Áustria, também guarda uma peça. Outro segmento muito importante está na Igreja da Santa Cruz, em Jerusalém.

Junto com as evidências físicas, os concílios de Niceia, no século 4, e de Trento, no século 16, deram validade espiritual à devoção destas relíquias.

Um tratado católico de 1674 afirma: “O sentido religioso do povo cristão encontrou, em todos os tempos, uma expressão em formas variadas de piedade em torno da vida sacramental da Igreja com a veneração das relíquias.”

Esses registros também indicam que as próprias relíquias não são “objetos de salvação”, mas meios para alcançar intercessão e “benefícios por meio de Jesus Cristo, seu Filho, nosso Senhor, que é nosso redentor e salvador”.

Da mesma forma, a multiplicidade de fragmentos foi questionada na época por diversos pensadores.

O teólogo francês João Calvino destacou no século 16, em meio a um boom no tráfico de relíquias onde pedaços da chamada “verdadeira cruz” foram espalhados por igrejas e mosteiros, que, “se quiséssemos recolher tudo o que foi encontrado (da cruz), haveria o suficiente para encher um grande navio”.

No entanto, esta afirmação foi posteriormente refutada por vários teólogos e cientistas ao longo da História.

Recentemente, Baima Bollone, professor da Universidade de Turim, na Itália, destacou num estudo que, se todos os fragmentos que afirmam fazer parte da cruz de Cristo fossem reunidos, “só conseguiríamos restaurar 50% do tronco principal”.

 

Veracidade

“É muito provável que Helena tenha encontrado um pedaço de madeira, mas o que também é muito provável é que alguém o tenha colocado naquele local para dar ideia de que aquela era a cruz onde Jesus morreu”, pondera Moss.

O acadêmico indica que há outra dificuldade em comprovar se estas peças realmente pertenceram, pelo menos, a uma crucificação ocorrida no tempo de Cristo.

“Por exemplo, a datação por carbono, que seria uma das primeiras coisas a se fazer num caso desses, é cara. Uma igreja de porte médio não tem fundos para realizar este tipo de trabalho”, diz ele.

Mesmo que fosse possível financiar tal estudo, a investigação pode afetar a integridade da relíquia.

“A datação por carbono é considerada intrusiva e um tanto destrutiva. Mesmo que seja necessária apenas cerca de 10 miligramas de madeira, esse processo ainda envolve o corte de um objeto sagrado”, observa Moss.

Em 2010, o pesquisador americano Joe Kickell, membro do Comitê de Investigação Cética, conduziu um estudo para determinar a origem das lascas que eram consideradas parte da “verdadeira cruz”.

“Não há uma única evidência que apoie que a cruz encontrada por Helena em Jerusalém, ou por qualquer outra pessoa, venha da verdadeira cruz onde Jesus morreu”, escreveu Kickell num artigo.

Tanto para Moss quanto para Goodacre, a possibilidade de encontrar a verdadeira cruz de Cristo é muito remota.

“Teríamos que fazer um trabalho arqueológico, não teológico. E, mesmo assim, seria muito improvável encontrar uma madeira de mais de dois milênios atrás”, especula Goodacre.

Nesse sentido, para Moss as dificuldades vêm até do objeto a ser procurado.

“Tanto em grego como em latim, a palavra cruz se refere a uma árvore ou a uma vara vertical onde se praticava tortura”, explica o historiador.

“Ou seja, possivelmente estamos falando de um único pedaço de madeira ou estaca, — e não do símbolo que conhecemos atualmente”, conclui ele.

Fonte: BBC News Brasil – 30.03.2024

Introdução aos livros históricos

ABADIE, P. Os livros históricos. São Paulo: Loyola, 2024, 150 p. – ISBN 9786555042931.

Sobre a coleção ABC da Bíblia:ABADIE, P. Os livros históricos. São Paulo: Loyola, 2024, 150 p.

Trata-se de uma verdadeira “caixa de ferramentas” que ajudará o leitor a fazer uma leitura sistemática e esclarecida dos livros da Bíblia. Cada volume desta coleção identifica o autor, ou autores, de determinado livro bíblico ou de um conjunto de escritos, apresenta seu contexto histórico, cultural e redacional, analisa-o literariamente, mostra sua estrutura, resume-o, aborda seus grandes temas, estuda sua recepção, influência e atualidade, e fornece um léxico de lugares e pessoas, tabelas cronológicas, mapas e bibliografia.

O original foi publicado em francês em 2020.

Philippe Abadie é doutor em Teologia e em História das Religiões, professor de exegese bíblica na Universidade Católica de Lyon, França.

Notas sobre o começo da arqueologia na Mesopotâmia

Esta é uma tradução do capítulo 4 de CLINE, E. H. Archaeology: An Introduction to the World’s Greatest Sites. Chantilly, Virginia: The Great Courses, 2016. O título do capítulo é Early Archaeology in Mesopotamia. O texto original em inglês é transcrito, no final, na íntegra.

O local da antiga cidade de Ur está situado às margens do rio Eufrates, no atual Iraque, ao norte de onde o rio deságua no Golfo Pérsico. Esta é a região conhecida comoCLINE, E. H. Archaeology: An Introduction to the World’s Greatest Sites. Chantilly, Virginia: The Great Courses, 2016 antiga Mesopotâmia, nome que significa “entre os rios” – isto é, o Tigre e o Eufrates. Ur era um local famoso na antiguidade, com todas as características típicas de uma cidade mesopotâmica da Idade do Bronze, incluindo estruturas religiosas conhecidas como zigurates. A partir de 1922, o local foi escavado por Sir Leonard Woolley e seu braço direito, Max Mallowan. Mas foi só na quinta temporada de campo, em 1926-1927, que começaram a escavar o cemitério no local – os famosos Poços da Morte de Ur, que chamaram a atenção da Europa.

Cemitério real de Ur

:. Entre 1927 e 1929, Sir Leonard Woolley e Max Mallowan descobriram 16 sepulturas reais em Ur. Os enterros reais datam de cerca de 2500 a.C. e eram bastante impressionantes em comparação com muitos outros túmulos encontrados no cemitério de Ur. Cada tumba geralmente tinha uma câmara de pedra, abobadada ou em forma de cúpula, onde o corpo real era colocado. A câmara ficava no fundo de um poço profundo, cujo acesso só era possível através de uma rampa íngreme vinda da superfície. Bens preciosos foram encontrados principalmente na câmara mortuária com o corpo, enquanto veículos com rodas, bois e servidores foram encontrados tanto na câmara quanto na cova externa.

:. Numerosos servidores foram encontrados nos Poços da Morte: uma tumba tinha mais de 70 corpos que foram com seu senhor ou senhora para a vida após a morte. A maioria eram mulheres, mas os homens também estavam presentes. Woolley presumiu que eles haviam bebido veneno depois de descerem a rampa até o poço, mas tomografias computadorizadas de alguns dos crânios feitas em 2009 indicam que pelo menos algumas dessas pessoas foram mortas por terem um instrumento afiado enfiado em suas cabeças logo abaixo e atrás da orelha. A morte teria sido instantânea.

:. Os bens funerários que Woolley e Mallowan encontraram com os corpos reais eram surpreendentes, apesar do fato de muitos túmulos terem sido saqueados naJogo Real de Ur - The Royal Game of Ur (The British Museum) antiguidade. Entre os achados estavam tiaras de ouro, joias de ouro e lápis-lazúli, adagas de ouro e eletro e um capacete de ouro. Havia também esculturas delicadas, os restos de uma harpa de madeira com incrustações de marfim e lápis-lazúli e uma caixa de madeira com incrustações que Woolley chamou de Estandarte de Ur.

Henry Rawlinson e Paul-Émile Botta

:. Entre os primeiros estudiosos e arqueólogos modernos que trabalharam na Mesopotâmia estava Sir Henry Rawlinson, que ajudou a decifrar e traduzir a escrita cuneiforme na década de 1830. Cuneiforme é um sistema de escrita em forma de cunha usado para escrever acádico, babilônico, hitita, persa antigo e outras línguas no Estandarte de Ur, criado em 2600 a.C. e descoberto em 1927-28 - British Museumantigo Oriente Médio.

. Rawlinson, que era um oficial do exército britânico destacado no que hoje é o Irã, desvendou o segredo do cuneiforme traduzindo uma inscrição trilíngue escrita em persa antigo, elamita e babilônico. Dario, o Grande, da Pérsia, havia esculpido a inscrição 120 metros acima do solo do deserto, na face de um penhasco no local de Behistun, por volta de 519 a.C.

. Em 1837, cerca de 10 anos antes de a cópia de toda a inscrição ser concluída, Rawlinson descobriu como ler os dois primeiros parágrafos da parte escrita em persa antigo. Segundo consta, ele levou mais 20 anos para decifrar as partes babilônicas e elamitas da inscrição e ler tudo com sucesso.

. Ao longo do caminho, porém, Rawlinson conseguiu usar seu conhecimento de cuneiforme para começar a traduzir algumas das inscrições que o arqueólogo britânico Sir Austen Henry Layard estava encontrando em suas escavações no que hoje é o Iraque. Na verdade, Rawlinson conseguiu confirmar que Layard havia encontrado dois locais antigos que, até então, eram conhecidos apenas pela Bíblia.

A Inscrição de Behistun, Irã - Do reinado de Dario I, rei da Pérsia de 522 a 486 a.C.

 

:. Paul-Émile Botta foi um arqueólogo nascido na Itália que trabalhou para os franceses. Em dezembro de 1842, ele iniciou as primeiras escavações arqueológicas já realizadas no que hoje é o Iraque. Os primeiros esforços de Botta concentraram-se nos montes conhecidos como Kuyunjik, que ficam do outro lado do rio da cidade de Mossul. No entanto, ele não encontrou muita coisa lá e rapidamente abandonou seus esforços.

. Por meio de um de seus trabalhadores, Botta soube que algumas esculturas foram encontradas em um local chamado Khorsabad, localizado a cerca de 22 quilômetros ao norte. Em março de 1843, ele começou a escavar ali e, em uma semana, começou a desenterrar um grande palácio assírio.

. A princípio, Botta pensou ter encontrado os restos da antiga Nínive, mas agora sabemos que Khorsabad é o antigo local de Dur Sharrukin, a capital do rei neoassírio Sargão II (721–705 a.C.) .

Austen Henry Layard

:. A partir de 1845, Sir Austen Henry Layard empreendeu seus esforços arqueológicos iniciais em Nimrud, que ele inicialmente pensou ser a antiga Nínive. Surpreendentemente, no primeiro dia de escavação, a sua equipe de seis homens locais encontrou não um, mas dois palácios assírios! Hoje, eles são geralmenteEric H. Cline (1960-) chamados de Palácios do Noroeste e do Sudoeste.

. A partir das inscrições encontradas por Layard, eventualmente ficou claro que o Palácio Noroeste foi construído por Assurnasirpal II (884–859 a.C.), e o Palácio Sudoeste foi construído por Esarhaddon (680–669 a.C.). Mais tarde, um Palácio Central foi descoberto no local, construído por Tiglat-Pileser III (745–727 a.C.). Salmanasar III (858–824 a.C.) também mandou construir edifícios e monumentos no local.

. Layard publicou um livro sobre suas incríveis descobertas em Nimrud. O livro se chamava Nineveh and Its Remains, mas quando as inscrições do local foram finalmente decifradas, eles confirmaram que na verdade era a antiga Kalhu (Calá bíblica), em vez de Nínive.

Escrita cuneiforme. Acontece que Kalhu foi a segunda capital construída pelos assírios, sendo a primeira a própria Assur. Serviu como capital por quase 175 anos, de 879 a 706 a.C. Depois disso, Sargão II mudou a capital para Dur Sharrukin por um breve período, e então Senaquerib mudou-a para Nínive.

:. Em 1849, Layard retornou a Mossul para outra rodada de escavações, mas desta vez, seu foco principal foi Kuyunjik, o monte que Botta havia abandonado sete anos antes. Os homens de Layard começaram imediatamente a desenterrar paredes com relevos e imagens, e a tradução das tabuinhas ali encontradas confirmou que este era o verdadeiro local da antiga Nínive. Quando Layard e várias outras escavadores terminaram, um palácio de Senaquerib (705–681 a.C.) havia sido descoberto, bem como um palácio de Assurbanípal, neto de Senaquerib (668–627 a.C.).

Palácio de Senaquerib em Nínive. Senaquerib, que transferiu a capital assíria de Dur Sharrukin depois de subir ao trono, construiu o que chamou de Palácio sem Rival, em Nínive. Hoje, o palácio é provavelmente mais famoso pela Sala de Laquis. Aqui, Layard encontrou relevos de parede mostrando a captura da cidade de Laquis por Senaquerib em 701 a.C. Naquela época, Laquis era a segunda cidade mais poderosa de Judá. Senaquerib atacou-a antes de sitiar Jerusalém.

. A captura de Laquis é descrita na Bíblia Hebraica, assim como o cerco de Jerusalém. A descoberta de Layard foi uma das primeiras vezes em que um evento da Bíblia pôde ser confirmado por fontes extrabíblicas.

. Escavações do século XX no local de Laquis, onde hoje é Israel, não apenas confirmaram a destruição da cidade por volta de 701 a.C. mas também revelaram uma rampa de cerco assíria, construída com toneladas de terra e rochas e semelhante às rampas retratadas nos relevos de Senaquerib.

. Os relevos de Nínive estão cheios de cenas horríveis, incluindo prisioneiros tendo suas línguas arrancadas e sendo esfolados vivos, junto com cabeças decapitadas exibidas em um poste. É universalmente aceite que os assírios realmente cometeram tais atrocidades, mas a representação deles no palácio de Senaquerib é provavelmente entendida como propaganda – um meio de dissuadir outros reinos de se rebelarem.

:. É importante notar que Layard não era um arqueólogo treinado. Ele frequentemente deixava o meio das salas sem escavar e não estava particularmente interessado em nenhuma cerâmica que seus homens descobriam. Ele estava, no entanto, interessado nos painéis inscritos que compunham as paredes das salas, bem como nas estátuas colossais. Muitos deles foram enviados para o Museu Britânico, onde podem ser vistos hoje.

Escavações continuadas

:. Em 1853, Hormuzd Rassam, protegido e sucessor de Layard em Nínive, descobriu o palácio de Assurbanípal, literalmente debaixo do nariz do sucessor de Botta, Victor Place, que estava cavando no mesmo local.

. Rassam e seus homens cavaram secretamente por três noites seguidas no território disputado no monte. Quando suas trincheiras revelaram pela primeira vez asTabuinhas da Biblioteca de Assurbanípal em exposição no Museu Britânico em 2018/19 paredes e esculturas do palácio, Place não pôde fazer nada além de parabenizá-los por suas descobertas.

. Dentro do palácio, Rassam encontrou uma enorme biblioteca de textos cuneiformes, assim como Layard havia feito anteriormente no palácio de Senaquerib. Na verdade, é geralmente considerado que os arquivos do Estado estavam divididos entre os dois palácios, apesar de estarem separados por duas gerações. Além de documentos estatais, Rassam encontrou textos religiosos, científicos e literários, incluindo cópias da Epopeia de Gilgámesh e da história do dilúvio na Babilônia.

:. Em 1872, quase 20 anos depois de Rassam ter encontrado as tabuinhas pela primeira vez, um homem chamado George Smith trabalhava no Museu Britânico, separando as tabuinhas que Rassam havia enviado de Nínive.

. A certa altura, Smith descobriu um grande fragmento que relatava um grande dilúvio, semelhante ao relato do dilúvio encontrado na Bíblia Hebraica. Quando Smith anunciou sua descoberta em uma reunião da Sociedade de Arqueologia Bíblica em dezembro de 1872, Londres inteira ficou alvoroçada.

. O problema, porém, era que faltava um pedaço grande no meio da tabuinha. Foi prometida uma recompensa a quem procurasse o fragmento desaparecido, e o próprio Smith decidiu aceitar o desafio, embora nunca tivesse estado na Mesopotâmia e não tivesse formação como arqueólogo.

Os relevos de Laquis no British Museum, Londres. Surpreendentemente, apenas cinco dias depois de chegar a Nínive, Smith encontrou a peça que faltava pesquisando na pilha de terra das escavações anteriores. Ele também encontrou cerca de 300 outras peças de tabuinhas de argila que os trabalhadores haviam descartado.

:. As escavações do século XIX em Nimrud, Nínive, Khorsabad, Ur, Babilônia e outros locais deram início a uma era de escavações na região que continua até hoje. Ainda em 1988, descobertas espetaculares foram feitas em Nimrud por arqueólogos iraquianos locais. Eles descobriram os túmulos de várias princesas assírias da época de Assurnasirpal II, do século IX a.C. As escavações estrangeiras foram suspensas no Iraque por volta de 1990, mas estão agora a ser retomadas e poderão levar a descobertas ainda mais emocionantes.

Sobre o autor: Eric H. Cline is professor of classics and anthropology and director of the Capitol Archaeological Institute at George Washington University, Washington, D. C. An active archaeologist, he has excavated and surveyed in Greece, Crete, Cyprus, Egypt, Israel, Jordan, and the United States.

Fonte: CLINE, E. H. Archaeology: An Introduction to the World’s Greatest Sites. Chantilly, Virginia: The Great Courses, 2016. Capítulo 4: Early Archaeology in Mesopotamia.

 

Early Archaeology in Mesopotamia

The site of ancient Ur is situated on the Euphrates River in modern Iraq, north of where the river empties into the Persian Gulf. This is the region known as ancient Mesopotamia, a name that means “between the rivers”—that is, the Tigris and Euphrates. Ur was a site famous in antiquity, with all the typical features of a Bronze Age Mesopotamian city, including religious structures known as ziggurats. Beginning in 1922, the site was excavated by Sir Leonard Woolley and his right-hand man, Max Mallowan. But it wasn’t until the fifth field season, in 1926–1927, that they began digging the cemetery at the site—the famous Death Pits of Ur that had captured the attention of Europe.

Royal Burials at Ur

Prisioneiros judaítas sendo esfolados pelos assírios em Laquis em 701 a. C.:. Between 1927 and 1929, Sir Leonard Woolley and Max Mallowan uncovered 16 royal burials at Ur. The royal burials date to about 2500 B.C. and were quite impressive compared to the many other burials found in the cemetery at Ur. Each tomb usually had a stone chamber, either vaulted or domed, into which the royal body was placed. The chamber was at the bottom of a deep pit, with access possible only via a steep ramp from the surface. Precious grave goods were mostly found in the burial chamber with the body, while wheeled vehicles, oxen, and attendants were found in both the chamber and in the pit outside.

:. Numerous attendants were found in the Death Pits: One tomb had more than 70 bodies that went with their master or mistress into the afterlife. Most of these were women, but men were present, as well. Woolley assumed that they had drunk poison after climbing down the ramp into the pit, but CT scans of some of the skulls done in 2009 indicate that at least some of these people had been killed by having a sharp instrument driven into their heads just below and behind the ear while they were still alive. Death would have been instantaneous.

:. The grave goods that Woolley and Mallowan found with the royal bodies were amazing, despite the fact that many of the graves had been looted in antiquity. Among the finds were gold tiaras, gold and lapis jewelry, gold and electrum daggers, and a gold helmet. There were also delicate sculptures, the remains of a wooden harp with ivory and lapis inlays, and a wooden box with inlays that Woolley dubbed the Standard of Ur.

Henry Rawlinson and Paul-Émile Botta

:. Among the first modern scholars and archaeologists who worked in Mesopotamia was Sir Henry Rawlinson, who helped to decipher and translate cuneiform script in theAusten Henry Layard: 1817-1894 1830s. Cuneiform is a wedge-shaped writing system that was used to write Akkadian, Babylonian, Hittite, Old Persian, and other languages in the ancient Near East.

. Rawlinson, who was a British army officer posted to what is now Iran, cracked the secret of cuneiform by translating a trilingual inscription that was written in Old Persian, Elamite, and Babylonian. Darius the Great of Persia had carved the inscription 400 feet above the desert floor into a cliff face at the site of Behistun in about 519 B.C.

. By 1837, about 10 years before the copying of the entire inscription was completed, Rawlinson had figured out how to read the first two paragraphs of the part that was written in Old Persian. It reportedly took him another 20 years to decipher the Babylonian and Elamite parts of the inscription and successfully read the whole thing.

. Along the way, however, Rawlinson was able to use his knowledge of cuneiform to begin translating some of the inscriptions that British archaeologist Sir Austen Henry Layard was finding at his excavations in what is now Iraq. In fact, Rawlinson was able to confirm that Layard had found two ancient sites that, up until that point, had been known only from the Bible.

:. Paul-Émile Botta was an Italian-born archaeologist who worked for the French. In December 1842, he began the first archaeological excavations ever conducted in what is now Iraq. Botta’s first efforts were concentrated on the mounds known as Kuyunjik, which are across the river from the city of Mosul. However, he didn’t find much there and quickly abandoned his efforts.

Tabuinha com escrita protocuneiforme de Uruk IV, ca. 3200 a.C.. From one of his workmen, Botta learned that some sculptures had been found at a site called Khorsabad, which was located about 14 miles to the north. In March 1843, he began excavating there and, within a week, began to unearth a great Assyrian palace.

. At first, Botta thought that he had found the remains of ancient Nineveh, but now we know that Khorsabad is the ancient site of Dur Sharrukin, the capital city of the Neo-Assyrian king Sargon II (r. 721–705 B.C.).

Austen Henry Layard

:. Beginning in 1845, Sir Austen Henry Layard undertook his initial archaeological efforts at Nimrud, which he first thought was ancient Nineveh. Amazingly, on the first day of digging, his team of six local men found not one but two Assyrian palaces! Today, they are usually called the Northwest and Southwest Palaces.

. From the inscriptionsTiglat-Pileser III, rei da Assíria (745-727 a.C.) Layard found, it eventually became clear that the Northwest Palace was built by Assurnasirpal II (r. 884–859 B.C.), and the Southwest Palace was built by Esarhaddon (r. 680–669 B.C.). Later, a Central Palace was discovered at the
site, built by Tiglath-Pileser III (r. 745–727 B.C.). Shalmaneser III (r. 858–824 B.C.) also had buildings and monuments constructed at the site.

. Layard published a book about his amazing discoveries at Nimrud. The book was called Nineveh and Its Remains, but when the inscriptions from the site were finally deciphered, they confirmed that it was actually ancient Kalhu (biblical Calah), rather than Nineveh.

. As it turns out, Kalhu was the second capital city established by the Assyrians, the first being Assur itself. It served as their capital for almost 175 years, from 879 to 706 B.C. After that, Sargon II moved the capital to Dur Sharrukin for a brief period, and then Sennacherib moved it to Nineveh.

Senaquerib, rei da Assíria de 705 a 681 a.C.

:. In 1849, Layard returned to Mosul for another round of excavations, but this time, his primary focus was Kuyunjik, the mound that Botta had abandoned seven years earlier. Layard’s men immediately began unearthing walls with reliefs and images, and translation of the tablets found there confirmed that this was the actual site of ancient Nineveh. By the time Layard and several other excavators were done, a palace of Sennacherib (r. 704–681 B.C.) had been uncovered, as well as a palace of Assurbanipal, Sennacherib’s grandson (r. 668–627 B.C.).

 

. Sennacherib, who had moved the Assyrian capital from Dur Sharrukin after he came to the throne, built what he called the Palace without Rival at Nineveh. Today, the palace is probably most famous for the Lachish Room. Here, Layard found wall reliefs showing Sennacherib’s capture of the city of Lachish in 701 B.C. At that time, Lachish was the second most powerful city in Judah; Sennacherib attacked it before proceeding on to besiege Jerusalem.

. The capture of Lachish is described in the Hebrew Bible, as is the siege of Jerusalem. Layard’s discovery was one of the first times that an event from the Bible could be confirmed by extrabiblical sources.

. Twentieth-century excavations at the site of Lachish, in what is now Israel, not only confirmed the destruction of the city in about 701 B.C. but also revealed an AssyrianAssurbanípal, rei da Assíria (668-627 a.C.) siege ramp, built of tons of earth and rocks and looking similar to ramps depicted in Sennacherib’s reliefs.

. The Nineveh reliefs are full of gruesome scenes, including captives having their tongues pulled out and being flayed alive, along with decapitated heads displayed on a pole. It is universally accepted that the Assyrians actually committed such atrocities, but the depiction of them in Sennacherib’s palace is most likely meant as propaganda—a means to deter other kingdoms from rebellion.

:. It’s important to note that Layard was not a trained archaeologist. He frequently left the middle of rooms unexcavated and wasn’t particularly interested in any of the pottery his men uncovered. He was, however, interested in the inscribed slabs that made up the walls of rooms, as well as the colossal statues. Many of these were shipped back to the British Museum, where they can be seen today.

Continuing Excavations

:. In 1853, Hormuzd Rassam, Layard’s protégé and successor at Nineveh, discovered Assurbanipal’s palace, literally under the nose of Botta’s successor, Victor Place, who was digging in the same spot. ○○ Rassam and his men dug secretly for three straight nights in disputed territory on the mound; when their trenches first revealed the walls and sculptures of the palace, Place could do nothing but congratulate them on their finds.

Porta de Ishtar da cidade de Babilônia - Pergamonmuseum, Berlin. Within the palace, Rassam found a tremendous library of cuneiform texts, just as Layard had done previously in Sennacherib’s palace. In fact, it is generally considered that the state archives were split between the two palaces, even though they were two generations apart. Apart from state documents, Rassam found religious, scientific, and literary texts, including copies of the Epic of Gilgamesh and the Babylonian flood story.

:. In 1872, nearly 20 years after Rassam first found the tablets, a man named George Smith was employed at the British Museum, sorting out the tablets that Rassam had sent back from Nineveh.

. At one point, Smith discovered a large fragment that gave an account of a great flood, similar to the deluge account found in the Hebrew Bible. When Smith announced his discovery at a meeting of the Society of Biblical Archaeology in December 1872, all of London was abuzz with excitement.

O Crescente Fértil. The problem, though, was that a large piece was missing from the middle of the tablet. A reward was promised to anyone who would go look for the missing fragment, and Smith himself decided to take on the challenge, even though he had never been to Mesopotamia and had no training as an archaeologist.

. Amazingly, just five days after he arrived at Nineveh, Smith found the missing piece by searching through the back-dirt pile of previous excavators. He also found about 300 other pieces from clay tablets that the workers had discarded.

:. The 19th-century excavations at Nimrud, Nineveh, Khorsabad, Ur, Babylon, and other sites began an era of excavation in the region that continues to this day. As recently as 1988, spectacular discoveries were made at Nimrud by local Iraqi archaeologists. They uncovered the graves of several Assyrian princesses from the time of Assurnasirpal II in the 9th century B.C. Foreign excavations were suspended in Iraq around 1990 but are now being resumed and may lead to yet more exciting discoveries.

A leitura massorética tiberiana da Bíblia Hebraica

Esta é uma tradução do capítulo I, The Tiberian Masoretic Tradition, do livro de KHAN, G. A Short Introduction to the Tiberian Masoretic Bible and its Reading Tradition. 2. ed. Piscataway, NJ: Gorgias Press, 2013, 156 p. – ISBN 9781463202460.

O capítulo I ocupa as páginas 1-11. As 8 notas de rodapé foram omitidas aqui, o mesmo ocorrendo com alguns elementos do texto. Os subtítulos foram acrescentadosKHAN, G. A Short Introduction to the Tiberian Masoretic Bible and its Reading Tradition. 2. ed. Piscataway, NJ: Gorgias Press, 2013, 156 p. por mim.

A intenção é oferecer aos meus alunos, e a outros potenciais leitores, uma ideia de como chegou até nós o texto da Bíblia Hebraica / Antigo Testamento mais utilizado hoje.

O livro é de uma clareza impressionante e recomendo a sua leitura completa para quem quiser ter um primeiro contato com o tema. Está disponível para download gratuito na página do autor em Academia.edu

O autor, o britânico Geoffrey Khan, é um conhecido especialista em línguas semíticas da Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Diz o autor no prefácio:

Este livro pretende fornecer uma breve visão introdutória da tradição massorética tiberiana da Bíblia Hebraica e seus antecedentes. Foi esta tradição que produziu os grandes códices massoréticos da Idade Média, que constituem a base das modernas edições impressas da Bíblia Hebraica. A apresentação dá especial destaque à natureza multifacetada da tradição massorética. Essas camadas incluem os vários componentes do texto escrito que sobreviveu nos manuscritos massoréticos medievais, bem como a tradição de leitura que foi transmitida oralmente na Idade Média. É dada especial atenção à tradição de leitura tiberiana.

This small book is intended to provide a short introductory overview of the Tiberian Masoretic tradition of the Hebrew Bible and its background. It was this tradition that produced the great Masoretic codices of the Middle Ages, which form the basis of modern printed editions of the Hebrew Bible. The presentation gives particular prominence to the multi-layered nature of the Masoretic tradition. These layers include the various components of the written text surviving in the medieval Masoretic manuscripts as well as the reading tradition that was transmitted orally in the Middle Ages. Particular attention is given to the Tiberian reading tradition.

Diz o capítulo I:

A tradição massorética tiberiana

As edições impressas da Bíblia Hebraica atualmente em uso baseiam-se em manuscritos medievais provenientes da escola dos massoretas de Tiberíades. Os massoretas eram estudiosos que se dedicavam a preservar as tradições de escrita e leitura da Bíblia. O seu nome deriva do termo hebraico masorah ou masoret, cujo significado é “transmissão de tradições”. Os massoretas tiberianos atuaram durante vários séculos na segunda metade do primeiro milênio d.C.

As fontes medievais referem-se a diversas gerações de massoretas, alguns deles pertencentes à mesma família. A mais famosa destas famílias é a de Aharon ben Asher (século X), cujos antepassados estiveram envolvidos em atividades massoréticas durante cinco gerações. Os massoretas continuaram o trabalho dos soferim (“escribas”) dos períodos talmúdico e do Segundo Templo, que também estavam ocupados com a transmissão correta do texto bíblico.

Os massoretas tiberianos desenvolveram o que pode ser chamado de tradição massorética tiberiana. Este foi um corpo de tradição que gradualmente tomou forma ao longo de dois ou três séculos e continuou a crescer até ser finalmente consolidado e as atividades dos massoretas cessarem no início do segundo milênio.

Durante o mesmo período existiam círculos de massoretas também na região da antiga Babilônia, atual Iraque. Entretanto, foi a tradição dos massoretas tiberianos que se tornou virtualmente a tradição massorética exclusiva no judaísmo no final da Idade Média e tem sido seguida por todas as edições impressas da Bíblia Hebraica.

A tradição massorética tiberiana está registrada em vários manuscritos medievais. A maioria deles foi escrita depois de 1100 d.C. e são cópias de manuscritos mais antigos feitos em várias comunidades judaicas.

As primeiras edições impressas são baseadas nesses manuscritos medievais tardios. A mais confiável dessas primeiras edições foi a chamada segunda Bíblia Rabínica (ou seja, o texto bíblico combinado com comentários e traduções, conhecido como Miqraʾot Gedolot) editada por Jacob ben Ḥayyim ben Adoniyahu e impressa na gráfica de Daniel Bomberg em Veneza entre 1524 e 1525. Essas primeiras Bíblias Rabínicas parecem ter sido baseadas em mais de um manuscrito. Este passou a ser considerado um textus receptus e foi usado como base para muitas edições subsequentes da Bíblia Hebraica.

Um pequeno número de manuscritos sobreviventes são registros de primeira mão da tradição massorética tiberiana. Foram escritos no Oriente Médio antes de 1100 d.C., quando os massoretas ainda estavam ativos. São, portanto, as testemunhas mais confiáveis da tradição massorética tiberiana. Todos eles vêm do fim, ou perto do fim, do período massorético, quando a tradição massorética se tornou fixa na maioria dos seus detalhes. O manuscrito datado mais antigo neste corpus foi escrito no século IX. Depois de 1100 d.C., a tradição fixa foi transmitida por gerações de escribas.

Algumas das edições modernas da Bíblia são baseadas nesses manuscritos antigos, por ex. a Biblia Hebraica a partir da terceira edição (1929–1937) em diante (cuja última edição é a Biblia Hebraica Quinta, 2004–), The Hebrew University Bible (1975–), as edições de A. Dotan (1973, revisada em 2001) e M. Breuer (1977–1982) e a edição moderna da Bíblia Rabínica de M. Cohen (conhecida como Ha-Keter, Ramat-Gan, 1992—).

 

Os oito componentes da tradição massorética tiberiana

A tradição massorética tiberiana pode ser dividida nos seguintes componentes:
1. O texto consonantal da Bíblia Hebraica
2. A diagramação do texto e a forma codicológica dos manuscritos
3. As indicações de divisões de parágrafos (conhecidas em hebraico como pisqaʾot ou parashiyyot)
4. Os sinais de acento, que indicavam a cantilena musical do texto e também a posição do acento principal de uma palavra
5. A vocalização, que indicava a pronúncia das vogais e alguns detalhes da pronúncia das consoantes na leitura do texto
6. Notas sobre o texto, escritas nas margens do manuscrito
7. Tratados massoréticos: alguns manuscritos possuem apêndices no final do texto bíblico contendo vários tratados sobre aspectos dos ensinamentos dos massoretas
8. Tradição de leitura transmitida oralmente.

Os primeiros sete desses componentes são escritos, enquanto o oitavo existia apenas oralmente.

Geoffrey Khan (1958-)A tradição de leitura transmitida oralmente foi transmitida de geração em geração durante o período massorético. Esta tradição de leitura é parcialmente representada em forma gráfica pelos sinais de acento e pelos sinais de vocalização e é descrita até certo ponto nos tratados massoréticos. Esses componentes escritos da tradição massorética, porém, não registram todos os detalhes da tradição de leitura, especialmente no que diz respeito à pronúncia das consoantes. A tradição de leitura tiberiana transmitida oralmente, portanto, deve ser tratada como um componente adicional da tradição massorética tiberiana. Esta tradição de leitura complementava o texto consonantal, mas era independente dele até certo ponto, como mostra o fato de que os sinais de vocalização às vezes refletem uma leitura diferente daquela representada pelo texto consonantal. Nesses casos, a terminologia massorética tradicional distingue entre qere (“o que é lido”) e ketiv (“o que está escrito”).

 

Componentes herdados e componentes criado pelos massoretas

É este complexo de componentes, escritos e orais, que formou a tradição massorética tiberiana. Uma distinção cuidadosa deve ser feita entre os componentes desta tradição: em alguns casos os massoretas tiveram um papel direto na sua criação, e em outros casos os componentes foram herdados de um período anterior.

Os componentes principais que foram herdados da tradição anterior incluem o texto consonantal, as divisões de parágrafos, a tradição de leitura oral e alguns dos conteúdos das notas textuais.

Os outros componentes, ou seja, os sinais de pronúncia e vocalização e a maioria das notas textuais e tratados, foram desenvolvidos pelos massoretas no período massorético.

No final do período massorético os componentes escritos da tradição massorética tiberiana tornaram-se fixos e foram transmitidos nesta forma fixa por escribas posteriores. Em contraste, o componente oral, ou seja, a tradição de leitura tiberiana, foi rapidamente esquecida e parece não ter sido transmitida muito depois do século XII.

 

As várias correntes de tradição da escola tiberiana

Os massoretas tiberianos não desenvolveram uma tradição completamente uniforme. Dentro da escola tiberiana havia várias correntes de tradição que diferiam umas das outras em pequenos detalhes. Essas diferentes correntes foram associadas aos nomes de massoretas individuais.

As diferenças que mais conhecemos foram entre Aharon ben Asher e Moshe ben Naftali, que pertencia à última geração de massoretas no século X.

Os pontos de desacordo entre estes dois massoretas estão registrados em listas no final de muitos dos primeiros manuscritos da Bíblia tiberiana. Eles foram coletados por Mishaʾel ben ʿUzziʾel em um tratado árabe conhecido como Kitāb al-Khilaf “O livro das diferenças”.

Essas diferenças são apenas em detalhes muito pequenos. Aproximadamente três quartos dizem respeito à colocação do chamado sinal gaʿya (mais tarde conhecido como meteg), que complementa os sinais de acento principalmente com o propósito de marcar o acento secundário nas palavras.

Há concordância no texto consonantal e também, em praticamente todos os casos, na vocalização e nos sinais de acento. A existência destas listas de diferenças reflete o processo de fixação e padronização da tradição massorética.

Sabemos de outras fontes sobre uma série de diferenças entre os massoretas das gerações anteriores ao século IX. Novamente, estes dizem respeito apenas a pequenos detalhes.

No encerramento do período massorético, após a geração de Aharon ben Asher, a tradição massorética tiberiana não havia se fixado na escola de um massoreta específico. Uma fonte do século XI refere-se à possibilidade de seguir a escola de Ben Asher ou a de Ben Naphtali, sem qualquer avaliação.

A escola Ben Asher finalmente tornou-se dominante somente quando foi adotada pelo influente estudioso judeu Moses Maimonides (1135-1204). Quando residia no Egito, Maimônides examinou um manuscrito com vocalização e acentos escrito pela mão de Aharon ben Asher e declarou que era o modelo que deveria ser seguido.

É provável que “O livro das diferenças” entre Ben Asher e Ben Naphtali (Kitāb al-Khilaf) tenha sido composto por Mishaʾel ben ʿUzziʾel logo após este pronunciamento de Maimônides.

 

A adoção do codex

Os manuscritos massoréticos tiberianos são códices, ou seja, livros que consistem em coleções de folhas duplas costuradas (conhecidas em fontes hebraicas como miṣḥaph <árabe muṣḥaf).

A Bíblia Hebraica começou a ser produzida em forma de codex durante o período islâmico. Os primeiros códices sobreviventes com colofões explicitamente datados foramInício do livro do Gênesis no Codex de Leningrado escritos no século X d.C. Todos eles se originam das comunidades judaicas no Oriente Médio.

Há evidências indiretas de algumas fontes rabínicas de que o codex já havia sido adotado para Bíblias hebraicas no século VIII d.C.

Antes disso a Bíblia Hebraica era sempre escrita em rolos (de pergaminho). Após a introdução do codex, os rolos continuaram a ser usados para escrever a Bíblia Hebraica. Cada tipo de manuscrito, porém, tinha uma função diferente.

Os rolos eram usados para leitura litúrgica pública nas sinagogas, enquanto os códices eram usados para fins de estudo e leitura não litúrgica.

O rolo era a antiga forma de manuscrito consagrada pela tradição litúrgica e era considerado inaceitável pelos massoretas mudar o costume de escrever o rolo, adicionando os vários componentes escritos da tradição massorética que eles desenvolveram, como vocalização, acentos e notas marginais. O codex não tinha tal tradição no Judaísmo e, portanto, os massoretas sentiram-se livres para introduzir nesses tipos de manuscrito os componentes massoréticos escritos recentemente desenvolvidos.

O desejo de colocar por escrito, na Idade Média, os muitos componentes da tradição massorética que haviam sido anteriormente transmitido oralmente foi sem dúvida uma das principais motivações para a adoção do codex neste período.

O codex estava disponível como formato de produção de livros desde o período romano. Começou a ser usado para a escrita de bíblias cristãs já no século II. Os primeiros códices datáveis do Alcorão existentes são anteriores aos códices datados da Bíblia Hebraica em cerca de dois séculos. O fato de o termo hebraico medieval para Bíblia, miṣḥaph, ser um empréstimo do árabe musṣḥaf sugere, de fato, que os judeus tomaram emprestado o formato dos muçulmanos.

Podemos dizer que o rolo litúrgico permaneceu o núcleo da tradição bíblica, enquanto o codex massorético foi concebido como auxiliar desta. Esta distinção de função entre rolos litúrgicos sem vocalização, acentos ou notas massoréticas, por um lado, e códices massoréticos, por outro, continuou nas comunidades judaicas até os dias atuais.

Ocasionalmente, na Idade Média, eram feitos acréscimos massoréticos aos rolos de pergaminho se eles, por algum motivo, se tornassem impróprios para uso litúrgico. O fato de as folhas de um codex terem sido escritas em ambos os lados, ao contrário dos pergaminhos bíblicos, e o seu formato prático geral significava que todos os 24 livros da Bíblia podiam ser encadernados num único volume, como é o caso do Codex de Aleppo e do Codex de Leningrado.

O formato de rolo, menos prático, significava que os livros da Bíblia tinham de ser divididos em uma série de rolos separados. Em muitos casos, porém, os códices consistiam apenas em seções da Bíblia, seguindo as três divisões principais do Pentateuco (Torá), Profetas (Neviʾim) e Escritos (Ketuvim), ou até unidades menores.

Muitos deles estão entre aqueles que deveriam ser classificados como “manuscritos populares”.

Os rolos geralmente diferiam dos códices massoréticos não apenas na falta de vocalização, acentos e notas massoréticas, mas também na adição de traços ornamentais chamados taggin (‘coroas’) às letras hebraicas shin, ʿayin, ṭet, nun, zayin, gimel e ṣade.

A tarefa de escrever códices era geralmente dividida entre dois escribas especializados. A cópia do texto consonantal era confiada a um escriba conhecido como sopher, que também escrevia rolos. A vocalização, os acentos e as notas massoréticas, por outro lado, eram geralmente acrescentados por um escriba conhecido como naqdan (vocalizador) ou por um massoreta. Isto reflete o fato de que a tradição de transmissão do texto consonantal e a tradição de transmissão dos componentes massoréticos não estavam completamente integradas.

Até agora fizemos uma distinção entre os manuscritos da Bíblia Hebraica escritos em rolos e os escritos em códices massoréticos, e também entre os primeiros códices tiberianos datáveis de antes de 1100 e códices posteriores.

 

Os vários tipos de códices

No período inicial, coincidindo ou próximo à época em que os massoretas estavam ativos, podemos distinguir entre vários tipos de códices da Bíblia Hebraica.

O tipo de codex mencionado na discussão anterior é o que pode ser chamado de codex “modelo”, que foi cuidadosamente escrito e preservou com precisão os componentes escritos da tradição massorética tiberiana. Tais manuscritos geralmente estavam em posse de uma comunidade, como mostram seus colofões, e eram mantidos em local público de estudo e culto para consulta e cópia (para produzir tanto códices quanto rolos). Referências a vários códices modelo e suas leituras são encontradas nas notas massoréticas, por exemplo, Codex Muggah, Codex Hilleli, Codex Zambuqi e Codex Yerushalmi. Às vezes, manuscritos escritos com precisão também contêm o texto de um targum aramaico.

Além destes modelos de códices massoréticos, existiam numerosos códices bíblicos chamados “populares”, que geralmente estavam na posse de particulares. Estes não foram escritos com tanta precisão como os códices modelo e geralmente não incluíam todos os componentes escritos da tradição massorética tiberiana. Freqüentemente, eles não contêm acentos ou notas massoréticas, mas apenas vocalização, e isso pode divergir do sistema tiberiano padrão de vocalização em vários detalhes.

Uma característica notável de alguns códices populares é que eles adaptam o texto consonantal escrito para fazê-lo corresponder mais de perto à tradição de leitura. Um caso extremo disso é representado por um corpus de manuscritos da Bíblia Hebraica que contém uma transcrição árabe da tradição de leitura. Estes foram usados por alguns judeus caraítas.

Alguns manuscritos bíblicos populares não passam de memorandos da tradição de leitura, na medida em que são escritos em uma forma taquigráfica conhecida como serugin. Nestes textos, a primeira palavra de um versículo é escrita por extenso, seguida por uma única letra de cada uma das outras palavras importantes do versículo.

Alguns manuscritos bíblicos populares eram acompanhados de um targum aramaico ou de uma tradução e comentário em árabe.

Mas nem todos os manuscritos populares foram necessariamente escritos de forma descuidada. A característica crucial de sua produção era que os escribas se sentiam menos limitados pela tradição do que pela cópia dos manuscritos modelo. Muitos deles se distinguem dos manuscritos modelo também por suas dimensões menores.

Havia, portanto, três classes de manuscritos da Bíblia Hebraica no início da Idade Média: (1) rolos de pergaminhos usados para leitura pública na liturgia; (2) modelos de códices massoréticos, cujo objetivo era preservar toda a tradição bíblica, tanto a tradição escrita como a tradição de leitura; (3) manuscritos populares que auxiliavam as pessoas na leitura do texto.

Vamos descrever aqui brevemente dois dos modelos de códices massoréticos tiberianos sobreviventes que passaram a ser considerados entre os mais importantes e foram usados ​​em edições críticas modernas, ou seja. o Codex de Aleppo (século X d.C.) e o Codex de Leningrado (datado de 1009 d.C.).

Ambos os manuscritos são originários do Oriente Médio, assim como a grande maioria dos primeiros códices. Os primeiros manuscritos orientais começaram a chamar a atenção dos estudiosos no século XIX, principalmente devido à coleção de manuscritos orientais reunida por Abraham Firkovitch (1787-1874), a maioria dos quais foram vendidos para o que hoje é a Biblioteca Nacional da Rússia em São Petersburgo.

Um avanço importante foi também a descoberta da Genizah do Cairo no final do século XIX, que continha muitos fragmentos dos primeiros manuscritos bíblicos orientais, a maioria dos quais estão agora na posse da Biblioteca da Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Os primeiros códices sobreviventes escritos na Europa datam do século XII. Todos os códices medievais refletem uma tradição massorética basicamente uniforme, embora não haja dois manuscritos completamente idênticos. As diferenças às vezes são resultado de erros dos escribas e outras vezes devido a um sistema ligeiramente diferente de marcação de vocalização ou acentos.

 

O Codex de Aleppo

No cólofon deste manuscrito afirma-se que o massoreta Aharon ben Asher (século X d.C.) acrescentou a vocalização, os acentos e as notas massoréticas. Isto é confirmado pela comparação com as declarações relativas à tradição de Ben Asher no ‘Livro das diferenças’ (Kitāb al-Khilaf) de Mishaʾel ben ʿUzziʾel.Js 1,1 no Codex de Aleppo

Na verdade, acredita-se que seja o manuscrito que Maimônides examinou quando declarou que a tradição de Ben Asher era superior à de outros massoretas. Deveria ser considerada, portanto, como a edição autorizada na tradição judaica. Quando Maimônides viu o manuscrito, ele estava guardado no Egito, possivelmente na sinagoga Ben-Ezra em Fusṭāṭ, que mais tarde se tornou famosa por sua genizah [a Genizah do Cairo]. A partir do final da Idade Média, porém, foi mantido em Aleppo.

Em 1948 a sinagoga onde estava guardado em Aleppo foi incendiada e apenas cerca de três quartos do manuscrito original foram preservados. As porções sobreviventes são agora mantidas em Jerusalém, na biblioteca do Instituto Ben-Zvi.

Foi publicado em uma edição fac-símile por Goshen-Gottstein (1976). Este manuscrito forma a base de uma série de edições israelenses da Bíblia Hebraica, incluindo a Bíblia da Universidade Hebraica (Goshen-Gottstein 1975), a edição de M. Breuer (Jerusalém 1977-1982, reeditada em 1996-1998 com inclusão de novas informações sobre as divisões da parashah) e a moderna Bíblia Rabínica (Ha-Keter) editada por M. Cohen (1992–).

 

O Codex de Leningrado

O cólofon do manuscrito afirma que foi escrito em 1009 e posteriormente corrigido “de acordo com os textos mais exatos de Ben Asher”. Não foi, portanto, o trabalho original de uma autoridade massorética, ao contrário do Codex de Aleppo, que foi produzido diretamente pelo massoreta Aharon ben Asher.

O Codex de Leningrado difere ligeiramente do Codex de Aleppo em alguns pequenos detalhes. O manuscrito foi preservado em sua totalidade e contém o texto completo da Bíblia. Paul Kahle fez disso a base da terceira edição da Bíblia Hebraica (Stuttgart 1929-1937) e tem sido usado em todas as edições subsequentes. É também a base da edição da Bíblia Hebraica de A. Dotan (Tel-Aviv 1976)

 

Os sistemas babilônico, palestino e tiberiano-palestino

Na Idade Média, os manuscritos da Bíblia Hebraica também foram escritos com sistemas de vocalização e acentuação que diferiam daqueles da tradição massorética tiberiana.

Alguns desses sistemas são adaptações do sistema tiberiano, como o sistema tiberiano-palestino. Outros sistemas usam diferentes conjuntos de sinais. Estes incluem os sistemas de vocalização palestinos e babilônicos, encontrados em numerosos manuscritos da Idade Média. Não há uniformidade entre os sistemas palestino e o babilônico e é possível identificar uma série de subsistemas.

No final da Idade Média esses sistemas foram quase completamente suplantados nos manuscritos pela tradição massorética tiberiana padrão. Uma questão importante é: qual era o seu estatuto em relação à tradição tiberiana na Idade Média?

Tanto quanto pode ser estabelecido, eles exibem uma convergência com o sistema tiberiano no decurso do seu desenvolvimento. As primeiras formas dos sistemas de vocalização palestino e babilônico têm muitas características que são independentes do sistema tiberiano, mas gradualmente a tradição tiberiana exerceu sua influência e, de fato, alguns manuscritos são pouco mais do que transcrições da tradição tiberiana em sinais vocálicos babilônicos ou palestinos.

ReBiblica: A Interpretação da Bíblia na Igreja

A Interpretação da Bíblia na Igreja (PCB): 30 anos depois – ReBiblica – v. 4 n. 8 (2023)

Tema do fascículo

O segundo volume de ReBiblica do ano de 2023 tem como tema o documento da Pontifícia Comissão Bíblica “A interpretação da Bíblia na Igreja” (18/11/1993). TrintaRevista Brasileira de Interpretação Bíblica - ReBiblica anos após a promulgação do texto, diversos estudiosos aceitaram o desafio de refletir sobre seus pontos positivos, avanços e limitações. Historicamente, o documento celebra o centenário da Providentissimus Deus, de Leão XIII, e o quinquagésimo aniversário da Divino afflante Spiritu, de Pio XII, documentos que muito contribuíram para o incentivo da pesquisa bíblica em âmbito católico.

Artigos de Dossiê

. Assim sendo, a primeira colaboração é oferecida pelo Prof. Cássio Murilo Dias da Silva com seu artigo “Quem tem medo do método histórico-critico?”.

. A seguir, o prof. Cláudio Buss reflete sobre “A Pragmalinguística: uma abordagem a serviço da exegese bíblica”.

. A Profa. Solange Maria Carmo assina o artigo “Da sacristia e da secretaria à Academia”, sobre a leitura feminista da bíblia.

. Prof. Carlos André Leandro reflete sobre “A persistente leitura fundamentalista da Bíblia”.

. Sobre as questões de hermenêutica, os Prof. Carlos Frederico Silveira e Thiago Cabreiro escrevem sobre “O sentido literal na interpretação das Escrituras segundo Santo Tomás de Aquino”.

. Por fim, dentro das dimensões características da interpretação católica, o Prof. Wagner Moraes dos Santos propõe o texto intitulado “Exegese e teologia moral: o problema dos três preceitos”.

Artigos em temas diversos

. Na seção de artigos diversos, contamos ainda com a contribuição do Prof. Leonardo Agostini Fernandes e Marcela Machado Vianna Torres com o artigo “A lei sobre a franja e a sua função em Nm 15,37-41”.

. O Prof. Matthias Grenzer escreve sobre “Ázimos como ecoteologia exodal”.

. O Prof. Armando Rafael Acquarolli escreve sobre “O rosto de Deus na Epístola de Jeremias: ensaio de uma teologia negativa em Bar 6”.

. Por fim, os prof. Fabrizio Catenassi e Vicente Artuso refletem acerca dos “Aportes de crítica textual em Nm 13–14 e Nm 16”.

Resenha

. Contamos ainda com uma resenha do livro de RAMÓN RUIZ, Eleuterio. El libro del Eclesiastés: Comentario y propuestas de lectura, feita pelo Prof. Cássio Murilo Dias da Silva.

Congresso da ABIB em 2024: Apócrifos e Extracanônicos

Apócrifos e Extracanônicos é o tema do X Congresso da ABIB, que terá lugar na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), em Belo Horizonte, de 20 a 23 de agosto de 2024.

Com destaque para a participação de Magdalena Díaz Araújo, Professora na Universidad Nacional de Cuyo, em Mendoza, e na Universidad Nacional de La Rioja, em LaX Congresso da ABIB em 2024: Apócrifos e Extracanônicos Rioja, Argentina, e de Matthias Henze, Professor na Rice University, em Houston, Texas, EUA.

O tema

O processo de definição do cânon bíblico foi lento e, sob alguns aspectos, conflituoso. Para o Antigo/Primeiro Testamento, há ao menos dois cânones oficiais: o da Bíblia Hebraica e o da Bíblia Grega (Septuaginta). Enquanto o judaísmo pós-queda de Jerusalém em 70 e.c. optou unicamente pelo cânon hebraico, as Igrejas cristãs optaram por adotar também alguns livros do cânon grego, sem, contudo, que houvesse um consenso. Por esta razão, há diferentes cânones do Antigo/Primeiro Testamento: católico, protestante e ortodoxos (no plural, porque também há falta de consenso interno).

Para o Novo/Segundo Testamento, o processo de aceitação foi ainda mais difícil e somente no IV século e.c., após o período das perseguições, as comunidades cristãs chegaram a uma unificação do cânon neotestamentário.

Esta divergência de cânones gerou também uma divergência quanto à nomenclatura para os livros não aceitos nos cânones oficiais: apócrifos, pseudoepigráficos, deuterocanônicos, extracanônicos, parabíblicos, anagignoskómena. Com a nomenclatura, vai também a opção ideológica e, por conseguinte, o preconceito em relação aos livros não considerados “canônicos”. Não obstante, estes mesmos livros refletem diferentes momentos da caminhada de fé do judaísmo e do cristianismo e, portanto, em algum momento, por alguma(s) comunidade(s), foram considerados inspirados e canônicos.

Este congresso da Abib pretende apresentar e discutir a importância deste corpo literário que, não obstante proscrito dos cânones oficiais, exerceu e ainda exerce grande influência, tanto no judaísmo, no cristianismo e em doutrinas exotéricas.

Leia mais sobre o Congresso na página da ABIB

Morreu o biblista José Luiz do Prado (1935-2024)

Morreu na madrugada deste 5 de março de 2024, aos 89 anos de idade, o biblista José Luiz Gonzaga do Prado.

José Luiz Gonzaga do Prado era Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, Roma, Itália. Autor de vários livros e artigos, José Luiz era, também, um exímio tradutor da Bíblia. José Luiz Gonzaga do Prado (1935-2024)

Foi professor de Línguas Bíblicas e Novo Testamento no CEARP por 24 anos. A partir de 2013 passou a integrar o corpo docente da Faculdade Católica de Pouso Alegre, MG, onde lecionou por 8 anos.

José Luiz fazia parte do grupo dos “Biblistas Mineiros”, que se reunia em Belo Horizonte e escrevia regularmente para a revista Estudos Bíblicos.

 

NOTA DE PESAR do CEARP:

Toda a Comunidade Acadêmica do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (CEARP) manifesta seus mais profundos pesares pelo passamento do Pe. José Luiz Gonzaga do Prado, ocorrido na madrugada de hoje.

Nossa gratidão pelos tantos anos de serviço dedicados à nossa Instituição, lecionando a Sagrada Escritura e as línguas bíblicas no CEARP. A simplicidade e a humildade, bem como a profundidade da abordagem dos temas bíblicos ficarão sempre marcadas na memória de todos os seus ex-alunos.

À Diocese de Guaxupé, aos familiares e amigos, nossos mais sinceros sentimentos e a manifestação de nossa fé na Ressurreição: “Fiel é esta palavra: se com Ele morremos, com Ele viveremos” (2Tm 2,11)

Brodowski, 05 de março de 2024.

Pe. Círio Alessandro Jacinto – Diretor Geral

 

Breve biografia na página da Diocese de Guaxupé:

. Nasceu em Paraguaçu, MG, em 11 de janeiro de 1935

. Iniciou seus estudos de Humanística no Seminário Menor em Guaxupé e fez os estudos de Filosofia no Seminário Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte

. Estudou teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, onde foi ordenado sacerdote em 25 de outubro de 1959. Cursou, em seguida, o Mestrado em Ciências Bíblicas no Pontifício Instituto Bíblico, Roma, concluído em 1962

. Foi pároco da Paróquia de Santa Rita de Nova Rezende e de São Benedito de Petúnia (Distrito de Nova Rezende) por quase 40 anos

. Contribuiu para a implantação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) na diocese e foi professor de Sagrada Escritura por décadas

. Pe. José Luiz Gonzaga do Prado era um incansável estudioso da Sagrada Escritura e seu testemunho de vida inspirou muitos

. Seu legado permanecerá vivo na memória daqueles que tiveram a honra de conhecê-lo.