O livro de Josué não é um relato de conquista

Segundo Thomas B. Dozeman, esta é uma história sobre a execução de reis, destruição de cidades reais e extermínio de populações urbanas. Mas não é uma narrativa de conquista.

DOZEMAN, T. B. Joshua 1-12: A New Translation with Introduction and Commentary. New Haven, CT: Yale University Press, 2015, 600 p. – ISBN 9780300149753.

Explica Thomas B. Dozeman nas páginas 3-5:DOZEMAN, T. B. Joshua 1-12: A New Translation with Introduction and Commentary. New Haven, CT: Yale University Press, 2015

O livro de Josué narra a invasão israelita da terra prometida sob a liderança de Josué, o servo de Moisés. O livro pretende ser a conclusão da história do êxodo e da jornada do deserto, quando Moisés lidera os israelitas do Egito até a Transjordânia, conforme contado nos livros do Êxodo até Deuteronômio. O autor retrata a invasão da terra prometida como a conclusão da jornada.

Mas a invasão não é uma narrativa de conquista, na qual os israelitas vencem a população local e assumem suas cidades.

Em vez disso, é uma história sobre a execução de reis, a destruição de suas cidades reais e o extermínio da população urbana através da implementação do anátema – um tipo de guerra na qual todos os homens, mulheres e crianças são mortos. O abate dos povos nativos é um sacrifício para Iahweh que prepara a terra prometida para as tribos israelitas, que viverão uma vida mais rural, livres de reis e de cidades reais. Josué 1-12 narra a destruição dos reis, cidades reais e população nativa, enquanto Josué 13-24 descreve a redistribuição da terra para as tribos.

A invasão da terra prometida em Josué 1-12 começa com a incumbência de Josué no capítulo 1, que funciona como o prólogo para o livro. O prólogo estabelece os temas centrais da história: Josué é o sucessor autorizado de Moisés, enquanto os israelitas mesmo não sendo nativos da terra, recebem de Iahweh a promessa da terra como um lugar de descanso. A promessa divina deve ser realizada através de um ato corajoso de guerra santa, para que se cumpra a Lei de Moisés.

A invasão em Josué 2-12 ocorre em duas etapas. A primeira, narrada em Josué 2-8, concentra-se na jornada da Arca de Setim, no lado leste do Jordão, para o seu lugar de descanso nos montes Ebal e Garizim, perto de Siquém, no lado oeste do Jordão. A segunda etapa, Josué 9-12, relata as guerras de Josué contra as coalizões sul e norte dos reis, resultando em descanso da guerra na terra (Js 11,23).

A jornada da Arca em Josué 2-8 significa a reivindicação de Iahweh sobre a terra prometida. A confissão de Raab, em Js 2, dizendo que Iahweh deu a terra a Israel, funciona como uma introdução à jornada da Arca em Josué 3-8, concentrando a narrativa sobre Iahweh, que é capaz de dar a terra a Israel. A narrativa de Josué 3-8 explora o caráter de Iahweh e a natureza da religião javista, já que a Arca viaja para o seu local de culto em Siquém.

Cinco locais estão associados à jornada da Arca, que deixa Setim para entrar na terra prometida: o rio Jordão, Guilgal, Jericó, Ai e os montes Ebal e Garizim em Siquém. Cada local fornece uma pista sobre a interpretação da religião javista por parte do autor:
. a passagem do Jordão revela Iahweh como “o Deus vivo”, que habita no meio do povo israelita (3,10).
. em Guilgal, Iahweh revela que ele é o Deus do êxodo, que é capaz de remover a desonra do Egito que pairava sobre o povo israelita (5,9). Os israelitas respondem observando os rituais da circuncisão, da Páscoa e do pão sem fermento, após o que o maná cessa e os israelitas comem dos frutos da terra de Canaã (5,2-12).
. em Jericó, Iahweh revela que ele é um guerreiro divino que se opõe a reis e cidades reais (5,14;6,16.26).
. em Ai, Iahweh demonstra a natureza exclusiva da aliança, que exige que os israelitas permaneçam separados da cultura dominante dos cananeus. Acã viola essa aliança, roubando o espólio de Jericó, o que causa a derrota israelita na batalha de Ai. Acaba executado junto com sua família (Js 7).
. em Ebal, Josué estabelece o local central do culto a Iahweh. Ele constrói um altar de pedras brutas no qual é inscrito o livro da Lei de Moisés, estabelecendo uma forma estrita de culto anicônico (8,30-35).

Em Josué 9-12, o foco muda da jornada da Arca em direção a seu local de culto em Siquém para as guerras de Josué contra os reis nativos. A narrativa se ramifica para descrever os limites do sul e norte da terra. As duas seções de Josué 3-8 e 9-12 estão inter-relacionadas. A jornada da Arca em Josué 3-8 fornece a base religiosa para a guerra contra os reis da terra e a destruição de suas cidades reais em Josué 9-12.

As guerras de Josué começam em Josué 9 com os gabaonitas, que enganam os israelitas para fazer uma aliança de paz para salvar sua nação da destruição.

A aliança suscita uma coalizão de reis do sul, liderado por Adonisedec de Jerusalém, para atacar os gabaonitas, conduzindo Josué e os israelitas para a batalha em Josué 10. Josué derrota o exército da coalizão sulista, executa os reis na caverna de Maceda, e assegura a porção sul da terra prometida.

No capítulo 11 Josué derrota a coalizão dos reis do norte liderada por Jabin de Hasor, adicionando assim esta região à terra prometida.

As guerras de Josué terminam em Josué 12 com uma recapitulação dos reis derrotados. O resultado das vitórias de Josué é o despovoamento das nações locais e a destruição das cidades reais de modo que “a terra descansou da guerra” (11,23).

A destruição dos reis e suas cidades reais permitem a repovoamento da terra prometida em Josué 13-24 como uma sociedade mais rural e tribal. Josué 13-19 descreve a distribuição da terra para as tribos.

O processo começa em Josué 13 com as regiões tribais a leste do Jordão, incluindo os territórios de Rúben, Gad e metade da tribo de Manassés, antes do foco mudar para a região oeste em Josué 14-19.

A distribuição da terra a oeste do Jordão inclui Judá (Js 15), as duas tribos da casa de José, Efraim e metade de Manassés (Js 16-17), e as restantes sete tribos: Benjamim, Simeão, Zabulon, Issacar, Aser , Neftali e Dã (Js 18-19).

Josué 20-21 explica que as únicas cidades apropriadas na terra prometida são centros judiciais de refúgio (Js 20) e centros religiosos levíticos (Js 21), em vez das cidades reais dos reis nativos anteriores. Uma vez concluída a distribuição tribal e as cidades estabelecidas, Josué 22 aborda o tema da identidade étnica, explorando a relação entre as tribos do leste e do oeste do Jordão.

O livro conclui com dois discursos de Josué nos capítulos 23-24. O primeiro é um lembrete para a exclusão social e religiosa contínua das nações nativas (Js 23), e o segundo enfatiza mais a necessidade de as tribos resistirem a retornar à religião arcaica dos ancestrais e continuar a adorar apenas a Iahweh (Js 24).

O livro termina com as notícias dos enterros de Josué e de Eleazar e o repatriamento dos ossos de José (Js 24, 29-33).

Thomas B. Dozeman, que propõe uma data pós-exílica para o livro de Josué, como uma composição feita por um autor independente, diz nas p. 31-32:

Em síntese, os temas literários de Josué e sua dependência de uma forma do Pentateuco sugerem sua composição no período pós-exílico; representa um mito de origem samariano*, no qual a terra prometida é densamente povoada por reis e cidades-estado reais, exigindo uma guerra santa para esvaziar a terra de sua cultura urbana, enquanto a arca segue para seu local de culto ao norte, perto de Siquém. A mensagem do livro de Josué é de oposição ao domínio estrangeiro na Palestina, representada por cidades-estado; contra isso, o autor idealiza uma vida mais primitiva e rural na Palestina. A história das origens em Josué contrasta com o mito rival da terra vazia em Esdras e Neemias, onde a terra prometida ficou sem cultivo durante o exílio babilônico com a ausência de cidades para que os judeus exilados que retornassem tivessem que reconstruir o Templo e restabelecer a cidade destruída de Jerusalém. A reconstrução de Jerusalém em Esdras e Neemias representa uma resposta de assimilação ao governo dos persas, que são vistos como benevolentes por toda parte (por exemplo, como no edito de Ciro em Esdras 1,1-4), enquanto o povo da terra representa a oposição. No livro de Josué, não há governantes benevolentes ou cidades-estado reais na Palestina. Todos são condenados por Iahweh e, portanto, se requer o extermínio de acordo com a regra do anátema.

O livro de Josué passou por uma revisão quando foi colocado em seu contexto narrativo atual. Isso resultou em uma série de repetições internas e temas conflitantes. Esses textos reinterpretam a história de Josué com a inserção de dois temas: primeiro, a promessa divina incondicional no livro de Josué é qualificada como uma promessa condicional baseada na Lei em conformidade com o livro de Deuteronômio; e segundo, a conquista total da terra é reinterpretada como uma conquista parcial, colocando o livro em conformidade com o livro dos Juízes.

(…)

As modificações criam um conflito temático sobre as metas da conquista, mas também permitem que o livro funcione ambiguamente em seu atual contexto literário como uma ligação entre o Pentateuco e os Profetas anteriores. O tema da conquista total da Palestina encoraja uma leitura de Josué como a conclusão do Pentateuco, enquanto o tema da conquista parcial liga o livro mais intimamente ao Deuteronômio, permitindo, ao mesmo tempo, a transição para Juízes.

* O autor usa os termos “judaítas” e “samarianos” para identificar os residentes de Yehud e Samaria durante a época persa e o começo da época helenística, e os termos “judeus” e “samaritanos” para designar estes grupos na época dos Macabeus e no período romano. Deste modo, o livro de Josué representa uma versão do javismo do norte, que é polêmica contra a ênfase judaica em Jerusalém, mas não é um documento sectário de uma comunidade samaritana separada.

Uma resenha do livro feita por Deane Galbraith pode ser lida em The Bible & Critical Theory, Vol 13, No 1 (2017).

 

Thomas B. DozemanThe book of Joshua recounts the Israelite invasion of the promised land under the leadership of Joshua, the servant of Moses. The book is intended to be the conclusion to the story of the exodus and the wilderness journey, when Moses leads the Israelites from Egypt to the eastern bank of the Jordan River, as recounted in the books of Exodus-Deuteronomy. The author portrays the invasion of the promised land as the completion of the journey. But the invasion is not an account of conquest, in which the Israelites subdue the indigenous population and take over their cities. Rather, it is a story about the execution of kings, the destruction of their royal cities, and the extermination of the urban population through the implementation of the ban—a form of warfare in which all men, women, and children are killed. The slaughter of the indigenous people is a sacrifice to Yahweh that prepares the promised land for the Israelite tribes, who will live a more rural life, free of kings and their royal cities. Joshua 1-12 narrates the destruction of the kings, royal cities, and indigenous population, while Josh 13-24 describes the redistribution of the land to the tribes.

The invasion of the promised land in Josh 1-12 begins with the commission of Joshua in Josh 1, which functions as the prologue to the book. The prologue establishes the central themes of the story: Joshua is the commissioned successor of Moses; the Israelites are not indigenous to the land; yet Yahweh promises the land to them as a place of rest. The divine promise must be realized through a courageous act of holy war, which fulfills the Torah of Moses. The invasion in Josh 2-12 takes place in two stages. The first, Josh 2-8, focuses on the procession of the ark from Shittim, on the east side of the Jordan River, to its resting place at the mountains of Ebal and Gerizim, near Shechem, on the west side of the Jordan. The second stage, Josh 9-12, recounts the wars of Joshua against the northern and southern coalitions of kings, resulting in rest from war in the land (11:23).

The procession of the ark in Josh 2-8 signifies Yahweh’s claim to the promised land. The confession of Rahab, in Josh 2, that “Yahweh has given Israel the land” functions as an introduction to the procession of the ark in Josh 3-8 by focusing the narrative on Yahweh as the one who is able to give the land to Israel. The narrative of Josh 3-8 explores the character of Yahweh and the nature of Yahwistic religion, as the ark travels to its cultic site at Shechem. Five locations are associated with the procession of the ark as it leaves Shittim to enter the promised land: the Jordan River, Gilgal, Jericho, Ai, and the mountains of Ebal and Gerizim at Shechem. Each location provides insight into the author’s interpretation of Yahwistic religion. The crossing of the Jordan reveals Yahweh as “El, the living,” who dwells in the midst of the Israelite people (3:10). At Gilgal, Yahweh discloses that he is the God of the exodus, who is able to remove the disgrace of Egypt from the Israelite people (5:9). The Israelites respond by observing the rituals of circumcision, Passover, and unleavened bread, after which manna ceases and the Israelites eat the crops of the land (5:2-12). At Jericho, Yahweh reveals that he is a divine warrior who opposes kings and royal cities (5:14; 6:16, 26). At Ai, Yahweh demonstrates the exclusive nature of the covenant, which demands that the Israelites remain separate from the dominant culture of the Canaanites. Achan violates this covenant by stealing booty from Jericho, causing the Israelite defeat in battle at Ai and the eventual execution of Achan and his family (7:10-11). Finally, at Ebal, Joshua establishes the central cultic site for worshiping Yahweh. He builds an altar of uncut stones on which is inscribed the book of the Torah of Moses, thus modeling a strict form of aniconic worship that is grounded in a monotheistic worldview (8:30-35).

In Josh 9-12 the focus shifts from the procession of the ark toward its central cultic site at Shechem to the wars of Joshua against the indigenous kings. The narrative branches out to describe the southern and northern boundaries of the land. The two sections of Josh 3-8 and 9-12 are organically related. The procession of the ark in Josh 3-8 provides the religious basis for the war against the indigenous kings and the destruction of their royal cities in Josh 9-12. The wars of Joshua begin in Josh 9 with the Gibeonites, who trick the Israelites into making a covenant of peace in order to save their nation from destruction. The covenant prompts a coalition of southern kings, led by Adoni-zedek of Jerusalem, to attack the Gibeonites, drawing Joshua and the Israelites into the battle in Josh 10. Joshua defeats the army of the southern coalition, executes the kings at the cave of Makkedah, and secures the southern portion of the promised land. In Josh 11 Joshua defeats the coalition of northern kings led by Jabin of Hazor, thus adding this region to the promised land. The wars of Joshua conclude in Josh 12 with a summary of the defeated kings. The result of Joshua’s victories is the depopulation of the indigenous nations and the destruction of the royal cities so that “the land had rest from war” (11:23).

The destruction of the kings and their royal cities allows for the repopulation of the promised land in Josh 13-24 as a more rural and tribal society. Joshua 13-19 describes the distribution of the land to the tribes. The process begins in Josh 13 with the tribal regions east of the Jordan River, including the territories of Reuben, Gad, and half of the tribe of Manasseh, before the focus shifts to the western region in Josh 14-19. The allotment of the western land includes Judah (Josh 15), the two tribes of Joseph, Ephraim and half of Manasseh (Josh 16-17), and the remaining seven tribes of Benjamin, Simeon, Zebulun, Issachar, Asher, Naphtali, and Dan (Josh 18-19). Joshua 20-21 clarifies that the only appropriate cities in the promised land are judicial centers of refuge (Josh 20) and levitical religious centers (Josh 21), rather than the royal cities of the past indigenous kings. Once the tribal distribution is complete and the cities are established, Josh 22 addresses the topic of ethnic identity by exploring the relationship between the eastern and western tribes. The book concludes with two speeches by Joshua in Josh 23-24. The first is a call for continued social and religious exclusion of the indigenous nations (Josh 23), and the second stresses more the need for the tribes to resist returning to the archaic polytheistic religion of the ancestors and to continue worshiping only Yahweh (Josh 24). The book ends with the burial notices of Joshua and Eleazar, as well as the internment of the bones of Jacob (24:29–33).

Thomas B. Dozeman, who proposes a post-exilic date for the book of Joshua as a composition by an independent author, says on p. 31-32:

In summary, the literary themes of Joshua and its dependence on a form of the Pentateuch suggest its composition in the postexilic period; it represents a Samarian myth of origin, in which the promised land is heavily populated with kings and royal city-states requiring holy war to empty the land of its urban culture, as the ark processes to its northern cultic site near Shechem. The message of the book of Joshua is one of opposition to foreign rule in the promised land, represented by city-states; over against this the author idealizes a more primitive and rural life in the promised land. The origin story in Joshua contrasts with the competing myth of the empty land in Ezra and Nehemiah, where the promised land has lain fallow during the exile with the absence of cities (e.g., Barstad, 1996; B. Oded 2003) so that the returning exiled Judeans had to rebuild the temple and reestablish the lost city of Jerusalem. The rebuilding of Jerusalem in Ezra and Nehemiah represents a response of assimilation to the rule of the Persians, who are viewed as benevolent throughout (e.g., as in the edict of Cyrus in Ezra1:1-4), while the people of the land represent the opposition. In the book of Joshua, there are no benevolent rulers or royal city-states in the promised land. All are condemned by Yahweh and thus require extermination under the ban.

The book of Joshua underwent a revision when it was placed in its present narrative context. Th is resulted in a series of internal repetitions and confl icting themes, some of which are identified by Smend as the DtrN redaction in Josh 1:7-9; 13:2b-6; and 23. These texts reinterpret the story of Joshua with the insertion of two themes: First, the unconditional divine promise in the book of Joshua is qualified as a conditional promise based on law in conformity with the book of Deuteronomy; and second, the total conquest of the land is reinterpreted as a partial conquest, bringing the book into conformity with the book of Judges.

(…)

The modifications create the conflict in theme over the scope of the conquest, yet they also allow the book to function ambiguously in its present literary context as a hinge between the Pentateuch and the Former Prophets. The theme of the total conquest of the promised land encourages a reading of Joshua as the completion of the Pentateuch, while the theme of the partial conquest ties the book more closely to Deuteronomy, while also allowing for the transition to Judges.

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