Herodes e o menino Jesus indígena

Herodes Magno governa o povo judeu durante 34 anos (37-4 a.C.).

Herodes  se equilibra no delicado jogo do poder porque sabe ser servil a Roma. Primeiro apoia Antônio, mas quando este é vencido por Otaviano na famosa batalha naval de Áccio, no ano 31 a.C., Herodes vai imediatamente visitar o vencedor, que está na ilha de Rodes, e, em gesto teatral, depõe a coroa a seus pés.

Resultado: volta para casa reconfirmado rei por Otaviano e ainda consegue favores: como o engrandecimento de território, a exoneração de tributo a Roma, a isenção de tropas de ocupação, a autonomia interior para as finanças, a justiça e o exército.

Latuff: O Menino Jesus Indígena e o Herodes do Agronegócio

 

Herodes luta com decisão para consolidar o seu poder. Isto significa, antes de mais nada, que ele elimina, através de assassinatos e intrigas várias, adversários seus, inclusive alguns membros de sua família – como esposa e filhos.

Consolidado o poder, constrói obras grandiosas na Judeia. Templos, teatros, hipódromos, ginásios, termas, cidades, fortalezas, fontes. Reconstrói totalmente o Templo de Jerusalém, a partir do inverno de 20-19 a.C.

Reconstrói Samaria, dando-lhe o nome de Sebaste, feminino grego de Augusto, em homenagem ao Imperador romano; constrói um importante porto, Cesareia Marítima; Mambré, lugar sagrado ligado a Abraão, recebe uma grande construção que o valoriza; fortalezas são reedificadas ou totalmente construídas como Alexandrium, Heródion, Massada, Maqueronte, Hircania etc. Jericó é embelezada e torna-se sua residência favorita.

Observemos os nomes de suas construções, reveladores de seu espírito político:

. Sebaste (Samaria), em homenagem a Augusto
. Cesareia (Marítima), em homenagem a César Augusto
. Antipátrida, em homenagem a seu pai Antípater
. Fasélida, em homenagem a seu irmão Fasael
. Cipros, em homenagem a sua mãe
. Heródion, em homenagem a si mesmo
. fortaleza Antônia (em Jerusalém), em homenagem a Marco Antônio.

Valorizando o culto, Herodes Magno ganha para si o povo. Construindo fortalezas, controla possíveis revoltas. Matando seus inimigos, seleciona seus herdeiros. Apoiando a cultura helenística, aparece diante do mundo. Servindo fielmente a Roma, conserva-se no poder.

Entretanto, Herodes não tem legitimidade judaica, pois descende de idumeus e sua mãe é descendente de árabe. Assim, por ser estrangeiro, não tem para com os judeus nenhuma relação de reciprocidade e sua legitimidade se funda na própria estrutura do poder exercido.

Quando vence os seguidores de Antígono, Herodes constrói uma estrutura de poder independente da tradição judaica:

. nomeia o sumo sacerdote do Templo: destitui os Asmoneus e nomeia um sacerdote da família sacerdotal babilônica e, mais tarde, da alexandrina
. exige de seus súditos um juramento que obriga a pessoa a obedecer às suas ordens em oposição às normas tradicionais; se a pessoa recusar o juramento, é perseguida
. interfere na justiça do Sinédrio
. manda vender os assaltantes e os revolucionários políticos capturados como escravos no exterior, sem direito a resgate
. a venda à escravidão e a execução pessoal (a morte) tornam-se normas comuns do arrendamento estatal.

Mas, se ele viola assim a tradição, como consegue legitimidade?

A estrutura de poder do Estado sob Herodes é bem diferente da estrutura da época dos Macabeus:

. o rei é legitimado como pessoa e não por descendência
. o poderio não se orienta pela tradição, mas pela aplicação do direito pelo senhor
. o direito à terra é transmitido pela distribuição: o dominador a dá ao usuário: é a “assignatio
. a base filosófica helenística é que legitima o poder do rei, quando diz que o rei é “lei viva” (émpsychos nómos), em oposição à lei codificada, ou seja: o rei é a fonte da lei, porque ele é regido pelo “nous“: o rei tem função salvadora e, por isso, dá aos seus súditos uma ordem racional, através das normas do Estado.
. o poder militar de Herodes se baseia em mercenários estrangeiros que ficam em fortalezas ou em terras dadas aos mercenários (cleruquias) por ele (terras no vale de Jezrael), e nas cidades não judaicas por ele fundadas, a cujos cidadãos ele dá como posse o território que as rodeia, com os camponeses dentro!

Douglas E. Oakman, em um estudo sobre as condições de vida dos camponeses palestinos da época de Jesus, mostra que a violência que sofriam era brutal. Fraudes, roubos, trabalhos forçados, endividamento, perda da terra através da manipulação das dívidas atingiam a muitos. Existia uma violência epidêmica na Palestina.

Cerca de 1/3 das crianças que ultrapassavam o primeiro ano de vida morriam até os 6 anos de idade. Cerca de 60% dos sobreviventes morriam até os 16 anos. Por volta dos 26 anos 75% já tinha morrido e aos 46 anos, 90% já desaparecido, chegando aos 60 anos de idade menos de 3% da população.

Um pobre no Império Romano, no século I de nossa era, tinha uma expectativa de vida de 30 anos, quando muito. Estudos feitos por paleopatologistas indicam que doenças infecciosas e desnutrição eram generalizadas. Por volta dos 30 anos a maioria das pessoas sofria de verminose, seus dentes tinham sido destruídos e sua vista acabado. 50% dos restos de cabelo encontrados nas escavações arqueológicas tinham lêndeas.

E é neste contexto que Douglas E. Oakman propõe uma leitura radical do Pai Nosso. Ele sugere que o pedido perdoa-nos as nossas dívidas (Mt 6,12) refere-se aos processos nos quais os camponeses perdiam sua terra para os credores urbanos que sistematicamente exploravam as condições econômicas precárias em que viviam. Além disso, argumenta Oakman, a prece final (Mt 6,13) não nos ponha em teste – normalmente traduzida com a ideia anacrônica de não cair em tentação – é o apelo do camponês para que não seja levado a um tribunal de cobrança de dívidas e colocado diante de um juiz corrupto (mas livra-nos do Maligno) cujo veredicto daria à expropriação de sua terra força de lei.

Obs.: os autores e  os textos podem ser conferidos nas fontes indicadas abaixo.

Fontes:
História de Israel: o domínio romano
Leitura socioantropológica do Novo Testamento
O Pai Nosso trata da fome, do endividamento, da opressão

Livros de Davies e Lemche sobre História de Israel

Dois clássicos reeditados e um novo.

DAVIES, P. R. In Search of ‘Ancient Israel’: A Study in Biblical Origins. 2. ed. London: Bloomsbury T & T Clark, 2015, 192 p. – ISBN  9780567662972.

Davies, In Search of 'Ancient Israel': A Study in Biblical Origins

DAVIES, P. R. The History of Ancient Israel: A Guide for the Perplexed. London: Bloomsbury T & T Clark, 2015, 200 p. – ISBN 9780567655851.

Davies, The History of Ancient Israel: A Guide for the Perplexed

LEMCHE, N. P. Ancient Israel: A New History of Israel. 2. ed. London: Bloomsbury T & T Clark, 2015, 296 p. – ISBN 9780567662781.

Lemche, Ancient Israel: A New History of Israel

Leia artigos dos dois autores sobre os 2 livros reeditados (In Search of ‘Ancient Israel’ e Ancient Israel: A New History of Israel)  e também sobre o novo (The History of Ancient Israel) em The Bible and Interpretation:

:: A Guide for the Perplexed – Philip R. Davies – November 2015
What makes me a disciple of von Rad is that for me too the stories count for more than the “facts”. I have no commitment to “scripture”, but if I want to understand “ancient Israelites” or any other human groups or individuals from the past, I will do so better by coming to terms with what they thought about the past than what had actually transpired. If, as I think was most often the case, the writers of these biblical stories did not actually know what had happened, then the actual events have a restricted relevance to them: it would have made no difference to these writers whether what they narrated had happened or not.

:: Ancient Israel: A New History of Israel: Thoughts about a reissue – Niels Peter Lemche – November 2015
“In any case, I firmly believe that by the beginning of the twenty-second century, the Minimalists will be remembered and respected as worthy exemplars and forebears of the best current thought” (Sara Mandell).

Estudo de Roland Boer sobre a economia do antigo Israel

Um elogiado estudo sobre a economia do antigo Israel. Parece ser algo denso e sólido. E que deve ir muito além dos costumeiros estudos na área.

BOER, R. The Sacred Economy of Ancient Israel. Louisville: Westminster John Knox Press, 2015, 570 p. – ISBN 9780664259662.BOER, R. The Sacred Economy of Ancient Israel. Louisville: Westminster John Knox Press, 2015

Diz a editora:

The Sacred Economy of Ancient Israel offers a new reconstruction of the economic context of the Bible and of ancient Israel. It argues that the key to ancient economies is with those who worked on the land rather than in intermittent and relatively weak kingdoms and empires. Drawing on sophisticated economic theory (especially the Régulation School) and textual and archaeological resources, Roland Boer makes it clear that economic “crisis” was the norm and that economics is always socially determined. He examines three economic layers: the building blocks (five institutional forms: subsistence survival, kinship-household, patronage, estates, and tribute-exchange), periods of relative stability (three regimes: the subsistence regime, the palatine regime, and the regime of plunder), and the overarching mode of production. Ultimately, the most resilient of all the regimes was subsistence survival, for which the regular collapse of kingdoms and empires was a blessing rather than a curse. Students will come away with a clear understanding of the dynamics of the economy of ancient Israel. Boer’s volume should become a new benchmark for future studies.

A economia sagrada do antigo Israel oferece uma nova reconstrução do contexto econômico da Bíblia e do antigo Israel. O estudo argumenta que a chave para as economias antigas está com aqueles que trabalhavam a terra e não em reinos e impérios intermitentes e relativamente fracos.

Com base em sofisticada teoria econômica (especialmente a escola da regulação, em francês: l’école de la régulation) e recursos textuais e arqueológicos, Roland Boer deixa claro que a “crise”  econômica era a norma e que a economia é sempre socialmente determinada.

Ele examina três camadas econômicas: blocos de construção (cinco formas institucionais: economia de subsistência, parentesco, clientelismo, propriedades e troca de tributo), períodos de relativa estabilidade (três regimes: o regime de subsistência, o regime palatino e o regime de pilhagem), e o abrangente modo de produção.

Em última análise, o mais resistente de todos os regimes era a economia de subsistência, para a qual o colapso regular de reinos e impérios era uma bênção e não uma maldição.

O autor usa, principalmente, três pilares teóricos: a escola da regulação francesa, as pesquisas marxistas da era soviética e os estudos de Mario Liverani.

Os leitores vão obter deste estudo uma compreensão clara da dinâmica da economia do antigo Israel. O volume de Boer deve tornar-se um novo ponto de referência para estudos futuros.

Sumário:

Chronologies

Introduction: On Economics and the Ancient World

Chapter 1: The Question of Theory

Chapter 2: Of Bread, Beer, and Four-Legged Friends

Chapter 3: Clans, Households, and Patrons

Chapter 4: Feeding the Nonproducers, or, (E)states

Chapter 5: The Many Faces of Plunder, or, Tribute-Exchange

Chapter 6: Spiral of Crises

Conclusion: A Subsistence Regime for Today?

Excursuses

Glossary

Bibliography

Na página da editora, vejo muitos elogios ao estudo de Roland Boer, como:

“This is a remarkable book. It is a brilliant analysis of ancient Israel in its broader historical context. Boer has a more profound and extensive knowledge of the ancient economy than any other scholar working on the ancient world…”. – Richard A. Horsley, Distinguished Professor Emeritus of Liberal Arts and the Study of Religion, University of Massachusetts.

“Marxism as a practical political ideology may have lost its momentum, but Marxism as an analytical method has not. Rather, this method is very precise and produces surprising results. Roland Boer’s study is a fine example of what can be achieved by a consequent use of this method. Boer distinguishes between two societal systems in the ancient Near East: the subsistence survival strategy in its various forms and extractive regimes such as states. Thus he has authored a highly readable new kind of book about the society of ancient Israel and its economic forces”. – Niels Peter Lemche, Professor Emeritus, Department of Biblical Exegesis, University of Copenhagen.

“Boer’s growing corpus of critical work has not received nearly the attention that it merits. With this book Boer establishes himself as a front-line critical scholar whose work will be an inescapable reference point for future work. This courageous book is nothing short of a tour de force in which Boer probes the economic organization, structure, practice, and resources of the Near East and ancient Israel as a sub-set of that culture. (…) It is impossible to overstate the importance of this book and the sheer erudition that has made it possible. Boer’s patient attention to detail, his mastery of a huge critical literature, and the daring of his interpretive capacity combine to make this book a ‘must’ for any who want to probe the economic sub-structure of biblical faith and the culture that was its environment”. – Walter Brueggemann, William Marcellus McPheeters Professor Emeritus of Old Testament, Columbia Theological Seminary.

Roland Boer is Professor of Literary Theory at Renmin (People’s) University of China, Beijing, and Research Professor in Religious Thought at the University of Newcastle, Australia.

Leia mais aqui.

Religião e formação de classes na antiga Judeia

Religião e formação de classes na antiga Judeia. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 120, p. 413-434, 2013.

Vamos falar de um livro e de seu conteúdo. Trata-se de KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo: Paulus, [1988] 1997, 184 p. – ISBN 8505006798.

O livro de Hans G. Kippenberg é o resultado de uma tese de livre-docência apresentada na Faculdade de Filosofia e Sociologia da Universidade Livre de Berlim, Alemanha, em 1975.

Hans G. Kippenberg nasceu na Alemanha em 1939. Estudou Teologia, História das Religiões, Línguas Semíticas e Iranianas nas Universidades de Marburg (1959/60), Tübingen (1960/62), Göttingen (1962/63), Leeds (Reino Unido – 1966) e Berlin (1969-1976). Em 2004 tornou-se Professor de Estudo Comparado das Religiões na Universidade Jacobs, Bremen, Alemanha.

Li, no original alemão, a primeira edição, de 1978: Religion und Klassenbildung im antiken Judäa: eine religionswissenschaftliche Studie zum Verhältnis von Tradition und gesellschaftlicher Entwicklung. 2. ed., erw. Aufl. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, [1978] 1982, 186 s. – ISBN 3525553667.

Fiquei entusiasmado com o livro e com o que pude aprender com ele. Notei, porém, que muitos interessados no tema tratado não conseguiam vencer as dificuldades da obra – um denso estudo socioantropológico, com vocabulário bastante técnico e centenas de notas de rodapé – que foi traduzida para o português por João Aníbal G. S. Ferreira em 1988, a partir da segunda edição ampliada, de 1982. Daí a ideia do resumo, que pode ser conferido aqui. Não ignoro, é claro, que os estudos nesta área fizeram avanços consideráveis nos últimos trinta e poucos anos, mas creio ser defensável a atualidade – pelo menos da maior parte – deste estudo.

O objetivo da obra: relacionar o conteúdo das tradições religiosas judaicas com a vida social dos judeus. O motivo da obra: os movimentos judaicos de resistência contra gregos e romanos tiveram interpretações divergentes por parte dos autores.

Por exemplo: M. Hengel (1961) defende que o movimento zelota de resistência tem, como dominantes, razões religiosas, afirmando, assim, a independência e a prioridade do religioso sobre o político-social, enquanto H. Kreissig (1970) defende que foram as contradições sociais, criadas por condições socioeconômicas, que possibilitaram o processo de resistência contra Roma, sendo os camponeses e sacerdotes das camadas mais baixas os seus motores principais. Percebe-se que Hengel e Kreissig trabalham dentro da dicotomia Religião e Sociedade: para um, são as motivações religiosas que dominam a história; para outro, são as motivações sociais que contam.

Mas, neste meio tempo, avançou a sociologia etnológica em três áreas: etnologia do parentesco, antropologia econômica e antropologia política. Daí o presente livro: ele interpreta a antiga literatura judaica em relação aos conceitos e métodos da etnologia – ou antropologia social. A etnologia tenta reconstruir o tipo de ordem social da Judeia antiga, comparando-o com os de outras sociedades do Antigo Oriente Médio.

Os movimentos judaicos de resistência levantam a seguinte questão: existia uma relação intrínseca entre determinados conteúdos da tradição religiosa e as lutas de resistência, ou a relação era extrínseca ou, até mesmo, casual?

A hipótese do autor é a seguinte: a tradição se uniu com duas tendências antagônicas: a tendência à formação de classes e a tendência à solidariedade, formando, assim, dois complexos divergentes de tradição que fundamentam os conteúdos religiosos dos movimentos judaicos de resistência.

Continue aqui.

O que dizem os outros artigos desta Estudos Bíblicos? Confira uma síntese aqui.

Leia Mais:
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A Pedra de Rosetta está online

Foi a Pedra de Rosetta (196 a.C.) que possibilitou decifrar os hieróglifos egípcios. Proeza conseguida por Jean-François Champollion (1790-1832).

A parte central do site é uma análise linguística integral do texto trilíngue sobre a Pedra de Rosetta. No entanto, ele também procura apresentar informações interessantes para um leitor não acadêmico.

The Rosetta Stone online

Diz o site:
This homepage is the outcome of a hands-on university seminar on the online presentation of the Rosetta Stone. It is a cooperation of the German Excellence Cluster Topoi and the Department of Archaeology of the Humboldt-Universität zu Berlin. For this project, the project leaders and the seminar participants combined their expertise in Egyptology, Ancient Greek Linguistics, General Linguistics, and Computer Sciences. A kernel part of the homepage is a full linguistic analysis of the trilingual text on the Rosetta Stone. However, it also seeks to present interesting information for a non-academic reader. The homepage is still under development.Pedra de Rosetta - 196 a.C.

On the Rosetta Stone, an Ancient Egyptian decree from 196 BCE was inscribed in three versions, in three language varieties and scripts:

  • Ptolemaic Neo-Middle Egyptian in hieroglyphic script (top section),
  • Demotic Egyptian in Demotic script (middle section),
  • Koine Greek language in Greek script (bottom section).

This type of artefact is called a trilingual. The Rosetta Stone played a crucial role in the famous decipherment of the hieroglyphic script by Jean-François Champollion (see the BBC documentary The Mystery of the Rosetta Stone).

A Pedra de Rosetta desempenhou um papel crucial na famosa decifração da escrita hieroglífica por Jean-François Champollion (veja o documentário da BBC, The Mystery of the Rosetta Stone).

Leia também, sobre a Pedra de Rosetta, aqui (em espanhol) e aqui (em português).

Como anda a história antiga de Israel no Brasil?

Um livro interessante que acabei de folhear:

POZZER, K. M. P. et al. (orgs.) Um outro mundo antigo. São Paulo: Annablume, 2013, 338 p. – ISBN 9788539105632.

Recomendo especialmente a leitura de  A História Antiga de Israel e os Novos Horizontes de Pesquisa, capítulo escrito por Josué Berlesi, da Universidade Federal do Pará, e Emanuel Pfoh, da Universidade de Buenos Aires.

Um pequeno trecho:

Os manuais de “História de Israel” têm sido, durante muito tempo, uma paráfrase racionalista do texto bíblico. De fato, grande parte da historiografia sobre essa temática foi conduzida por religiosos (…) Dentro e fora da academia a história dos antigos israelitas era vista como a evolução de um único grupo, ou seja, aceitava-se a sequência: patriarcas, escravidão no Egito, êxodo, conquista da Palestina, confederação das 12 tribos, monarquia davídico-salomônica, divisão entre reino do norte e do sul, exílio e volta para a terra. Acreditava-se que todas essas etapas estavam em conformidade com as evidências arqueológicas e fontes extrabíblicas, de tal modo, houve um razoável consenso sobre a história de Israel até meados da década de 70 do século XX (…) Uma mudança significativa só veio a ocorrer, de fato, a partir da década de 1990, com a criação do Seminário Europeu de Metodologia Histórica. O grupo de pesquisadores que possibilitou o surgimento do referido seminário se uniu em torno das frustrações referentes ao debate sobre o Israel antigo. A partir de então, tem sido conduzida uma profunda revisão deste tema, de modo que os resultados obtidos até o presente momento colocam em xeque o paradigma tradicional da história antiga de Israel. Dentro do mencionado seminário destacou-se um grupo de pesquisadores que ficaram conhecidos como Escola de Copenhague ou minimalistas, os quais, gradativamente, adquiriram notoriedade internacional. Apesar destas significativas mudanças no âmbito historiográfico internacional, os estudos sobre a história de Israel levados a cabo no Brasil se encontram afastados do recente debate referente a essa temática. Isso se deve, sobretudo, ao fato de que em nosso país…

Após explicarem algumas das causas, constatam os autores:

No tocante especificamente ao Brasil, pode-se dizer que o antigo Israel continua sendo interpretado como uma unidade que se forma fora da Palestina e, em fase posterior, a conquista militarmente, evoluindo de uma confederação tribal até uma monarquia e assim por diante. Uma hipótese que explica a preservação desse olhar tradicional sobre a história do Israel antigo reside, possivelmente, no sentimento religioso que dominou a historiografia acerca deste tema, a partir da qual, muitas vezes confundiu-se e ainda confunde-se o relato bíblico com a história de Israel. Essa visão tradicional só passou a ser combatida, com maior energia, há pouco mais de uma década até mesmo nos centros acadêmicos mais avançados.

Este livro está disponível online em Academia.edu.

Saiba mais sobre Josué Berlesi aqui e aqui e sobre Emanuel Pfoh aqui.

Leia Mais:
A história de Israel na pesquisa atual

A história vista a partir de Israel Norte

KAEFER, J. A. A Bíblia, a arqueologia e a história de Israel e Judá. São Paulo: Paulus, 2015, 112 p. – ISBN 9788534941549.

KAEFER, J. A. A Bíblia, a arqueologia e a história de Israel e Judá

Diz a editora:
Nas duas últimas décadas, a arqueologia e as pesquisas literárias da Bíblia têm mudado a compreensão da história de Israel. Tanto que, em nossos dias, não é mais apropriado pensar Israel e sua história como única grande entidade nacional sob um único governo, mas como duas entidades distintas: Israel Norte e Judá. O marco é 722 a.C., quando a Assíria invade a capital Samaria. Só então Judá se torna independente do domínio do norte, se desenvolve e começa a escrever a história, incorporando e assumindo as tradições do norte como suas. Portanto, “desenterrar” a memória de Israel Norte é ainda uma tarefa longa, mas que este livro se propõe a iniciar: a história vista a partir de Israel Norte.

A origem dos antigos Estados israelitas

A origem dos antigos Estados israelitas. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 78, p. 18-31, 2003.

Este artigo pode ser lido aqui. Também foi incorporado à minha História de Israel online, no item Os governos de Saul, Davi, Salomão.

As questões abordadas pelo artigo:
O que teria sido o primeiro ‘Estado Israelita’? Um reino unido, composto pelas tribos de Israel e Judá, dominando todo o território da Palestina e, posteriormente, sendo dividido em reinos do ‘norte’ e do ‘sul’? Ou seria tudo isto mera ficção, não tendo Israel e Judá jamais sido unidos? Existiu um Império davídico/salomônico ou só um pequeno reino sem maior importância? Se por acaso não existiu um grande reino davídico/salomônico, por que a Bíblia Hebraica o descreve? Enfim, o que teria acontecido na região central da Palestina nos séculos X e IX a.C.? Além da Bíblia Hebraica, onde mais podemos buscar respostas?

O esquema do artigo na revista Estudos Bíblicos:
1. Nascimento e morte da monarquia a partir dos textos bíblicos
2. A ruptura do consenso
3. As fontes: seu peso, seu uso
4. Dois exemplos de fontes primárias: as estelas de Tel Dan e de Merneptah
5. A questão teórica: como se forma um estado antigo?
6. Buscando outras soluções: Lemche e Finkelstein
Bibliografia

Leia Mais:
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Recent Research in History of Israel

The History of Israel in the Current Research. Journal of Biblical Studies, Riverview, MI, 1:2 (Apr.-Jun. 2001).

Este artigo, publicado em uma revista online norte-americana, traz o mesmo conteúdo de A História de Israel no debate atual. Embora o título esteja em inglês, o artigo foi publicado em português.

This article surveys some perspectives in the current research of the “History of Israel”, the challenges that this poses, and proposes some trajectories for those researching this subject. The scholarly consensus that existed up until the middle seventies of the twentieth century was shattered. The rationalistic paraphrase of the biblical text that constituted the core of the handbooks of the “History of Israel” is no longer acceptable to most scholars. An increasing number of scholars question the use of the biblical text as a source for the “History of Israel”. The implementation of modern literary criticism on the biblical text requires a moving away from issues of historicity, and this allows the “biblical” stories to be evaluated primarily from a literary perspective. The writing of a “History of Israel” using only the archaeological context and non-biblical writings is a controversial undertaking, however, an increasing number of scholars are attempting to do this.  It appears a revisionist “History of Syria/Palestine” will compete against the traditional “History of Israel” as scholars from both sides continue their research.

Este artigo quer traçar um panorama das mudanças pelas quais vem passando a “História de Israel” nos últimos anos, apontar as dificuldades que a crise vem criando e propor algumas pistas de leitura para os interessados no assunto. O consenso existente até meados da década de 70 do século XX foi rompido. A paráfrase racionalista do texto bíblico que constituía a base dos manuais de “História de Israel” não é mais aceita. O uso dos textos bíblicos como fonte para a “História de Israel” é questionado por muitos. O uso de métodos literários sofisticados para explicar os textos bíblicos, afasta-nos cada vez mais do gênero histórico, e as “estórias bíblicas” são abordadas com outros olhares. A construção de uma “História de Israel” feita somente a partir da arqueologia e dos testemunhos escritos extrabíblicos é uma proposta cada vez mais tentadora. Uma “História de Israel e dos Povos Vizinhos”, melhor, uma “História da Síria/Palestina” ou uma “História do Levante” parece ser o programa para os próximos anos.

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Pode uma História de Israel ser escrita?

Pode uma ‘História de Israel’ ser escrita? Observando o debate atual sobre a História de Israel. Artigo publicado na Ayrton’s Biblical Page em 2001 e atualizado em 2019.

Em julho de 1996 foi realizado em Dublin, Irlanda, o Primeiro Seminário Europeu de Metodologia Histórica, do qual participaram pesquisadores escolhidos.

Diz Lester L. Grabbe no primeiro parágrafo do livro por ele editado – e que traz os resultados do Seminário – Can a ‘History of Israel’ Be Written? [Pode uma ‘História de Israel’ Ser Escrita?]. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997 [London: T. & T. Clark, 2005 – ISBN 0567043207]:

“O grupo surgiu das frustrações que eu, em primeiro lugar, venho sentindo acerca da atual situação do debate sobre como escrever a história de Israel e Judá nos segundo e primeiro milênios AEC e no século I da EC” (p. 11).

E continua:

“Nos últimos anos, um certo número de estudiosos – a maioria deles europeus por origem ou adoção – tem feito um ataque radical sobre o modo como a história de ‘Israel’ tem sido escrita. Mesmo aqueles outrora considerados radicais não escaparam da crítica. Este movimento, a princípio minoritário, causou pouco impacto no debate. Recentemente, porém, ele adquiriu personalidade, mas a resposta foi o surgimento de protestos, incluindo a sugestão de que tais tendências são perigosas, ou que podem ser tranquilamente ignoradas ou – de modo curioso – ambas as coisas ao mesmo tempo” (p. 11).

Lester L. Grabbe está se referindo à controvérsia existente entre a postura maximalista “que defende que tudo nas fontes que não pode ser provado como falso deve ser aceito como histórico” e a postura minimalista “que defende que tudo que não é corroborado por evidências contemporâneas aos eventos a serem reconstruídos deve ser descartado” (E. Knauf, citado por H. Niehr no mesmo livro, na p. 163). Os autores “minimalistas” são também conhecidos como membros da “Escola de Copenhague”.

Retomando Grabbe:

“Isto sugeriu que o tempo estava maduro para algo mais organizado, que abordasse as questões centrais de maneira sistemática e que determinasse quais são as reais posições e problemas (…). A tarefa inicial foi agrupar especialistas europeus que estavam, de maneira geral, convencidos de que existe, de fato, um problema” (p. 11-12).

O artigo apresenta algumas das mais importantes publicações dos participantes do Seminário Europeu de Metodologia Histórica [foram realizados 17 seminários entre 1996 e 2012] e procura explicar suas posições no atual debate sobre a História de Israel.