GRABBE, Lester L. (ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, 201 p. [London: T & T Clark, 2005 – ISBN 0567043207]
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Lester L. Grabbe (5 de novembro de 1945) é Professor de Bíblia Hebraica e Judaísmo Antigo no Departamento de Teologia da Universidade de Hull, Reino Unido. Este livro, Pode uma ‘História de Israel’ ser Escrita? foi publicado em 1997, como resultado do primeiro Seminário Europeu de Metodologia Histórica, realizado em Dublin, em julho de 1996, do qual participaram pesquisadores escolhidos. O livro tem 9 capítulos, uma introdução feita por Lester Grabbe e, no final, um índice de citações e um índice de autores. Não há uma bibliografia final, mas sim numerosas notas de rodapé.
O problema
Diz Lester L. Grabbe no primeiro parágrafo do livro: “O grupo surgiu das frustrações que eu, em primeiro lugar, venho sentindo acerca da atual situação do debate sobre como escrever a história de Israel e Judá nos segundo e primeiro milênios AEC e no século I da EC” (p. 11).
E continua: “Nos últimos anos, um certo número de estudiosos – a maioria deles europeus por origem ou adoção – tem feito um ataque radical sobre o modo como a história de ‘Israel’ tem sido escrita. Mesmo aqueles outrora considerados radicais não escaparam da crítica. Este movimento, a princípio minoritário, causou pouco impacto no debate. Recentemente, porém, ele adquiriu personalidade, mas a resposta foi o surgimento de protestos, incluindo a sugestão de que tais tendências são perigosas, ou que podem ser tranquilamente ignoradas ou – de modo curioso – ambas as coisas ao mesmo tempo” (p. 11).
Lester L. Grabbe está se referindo à controvérsia existente entre a postura maximalista “que defende que tudo nas fontes que não pode ser provado como falso deve ser aceito como histórico” e a postura minimalista “que defende que tudo que não é corroborado por evidências contemporâneas aos eventos a serem reconstruídos deve ser descartado” (E. Knauf, citado por H. Niehr no mesmo livro, na p. 163).
A constituição do Seminário Europeu de Metodologia Histórica
“Isto sugeriu que o tempo estava maduro para algo mais organizado, que abordasse as questões centrais de maneira sistemática e que determinasse quais são as reais posições e problemas (…). A tarefa inicial foi agrupar especialistas europeus que estavam, de maneira geral, convencidos de que existe, de fato, um problema” (p. 11-12).
A participação no Seminário Europeu de Metodologia Histórica foi seletiva e incluiu os seguintes membros: Rainer Albertz (Alemanha), Hans Barstad (Noruega), Bob Becking (Países Baixos), Robert Carroll (Reino Unido), Philip Davies (Reino Unido), Josette Elayi (França), Lester Grabbe (Reino Unido), Ulrich Hübner (Alemanha), Knud Jeppesen (Dinamarca), Axel Knauf-Belleri (Suíça), Niels Peter Lemche (Dinamarca), Mario Liverani (Itália), Andrew Mayes (Irlanda) Hans-Peter Müller (Alemanha), Herbert Niehr (Alemanha), Michael Niemann (Alemanha), Ed Noort (Países Baixos), Thomas Thompson (Dinamarca), Helga Weippert (Alemanha), Manfred Weippert (Alemanha) e Keith Whitelam (Reino Unido).
As duas questões propostas
Explica Lester L. Grabbe: “Nossa proposta inicial é a de ler, responder e criticar estudos focados sobre questões ou temas específicos. Este primeiro encontro, entretanto, foi dedicado a tomadas de posição. Todos as conferências abordaram de um modo ou de outro as duas questões seguintes: Pode uma ‘História de Israel’ ser escrita e, caso possa, como? Que papel exerce neste empreendimento o texto do Antigo Testamento/da Bíblia Hebraica?” (p. 13).
L. L. Grabbe, Os historiadores da antiga Palestina são seres humanos ou animais exóticos?
Lester L. Grabbe distribuiu para os membros do Seminário uma cópia de seu comunicado – Os historiadores da antiga Palestina são seres humanos ou animais exóticos? p. 19-36 –, visando estimular o debate. Ele faz questão de dizer que se considera um historiador, pois escreveu uma história de Israel em dois volumes com o título de Judaism from Cyrus to Hadrian [O Judaísmo de Ciro a Adriano]. Minneapolis: Augsburg Fortress, 1992, ou na edição inglesa, em um volume, pela SCM Press, 1994.
Ele chegou às seguintes conclusões: 1) Podemos escrever uma história da antiga Síria-Palestina-Israel. 2) Ao escrever esta história, podemos e devemos usar o texto bíblico. 3) Persistem grandes dificuldades no emprego do texto bíblico, de modo que o seu uso precisa ser debatido em cada caso. 4) As fontes arqueológicas e bíblicas precisam ser avaliadas cada uma no seu âmbito, e devemos evitar misturar de modo promíscuo fontes escritas com outros dados. 5) Reconstruções imaginativas e especulativas poderiam ser admitidas e devemos indicar as probabilidades de qualquer hipótese.
Ele argumenta que a meta dos historiadores “é descobrir ‘o que realmente aconteceu’” (p. 14). Ele enfatiza que esta é a meta dos historiadores, mas muitas reconstruções não passarão de tentativas. “O historiador pode ser definido como um malabarista. O segredo é manter o maior número possível de bolas no ar ao mesmo tempo, sem deixar cair nenhuma” (p. 14).
Deste ponto em diante, até o final da ‘Introdução’, o autor sintetiza os comunicados dos outros sete especialistas que contribuíram para a publicação. São as contribuições de H. M. Barstad, Professor de Estudos Bíblicos na Universidade de Oslo, Noruega; B. Becking, Professor de Estudos Vétero-Testamentários na Universidade de Utrecht, nos Países Baixos; R. P. Carroll, Professor de Antigo Testamento na Universidade de Glasgow, Reino Unido; P. R. Davies, Professor de Estudos Bíblicos na Universidade de Sheffield, Reino Unido; N. P. Lemche, Professor no Instituto de Exegese Bíblica da Universidade de Copenhague, Dinamarca; H. Niehr, Professor de Introdução à Bíblia e de História da Época Bíblica na Universidade de Tübingen, Alemanha e T. L. Thompson, Professor no Instituto de Exegese Bíblica da Universidade de Copenhague, Dinamarca. Uma conclusão, Reflexões sobre a Discussão, foi escrita por Lester L. Grabbe nas p. 188-196.
H. M. Barstad, História e a Bíblia Hebraica
H. M. Barstad, História e a Bíblia Hebraica, p. 37-64, lida com a questão do desenvolvimento da historiografia em geral, onde ele critica a postura positivista de muitos historiadores e manifesta sua firme convicção de que o futuro pertence à história narrativa. Para Barstad, as antigas categorias de fato e ficção já não são distinções válidas.
Para Barstad, pesquisadores como Lemche e Thompson ainda se debatem dentro de um conceito convencional de história que é altamente problemático. Em suas palavras: “Estudiosos como Lemche e Thompson têm avidamente usado o conceito de ‘mudança de paradigma’ em suas contribuições para a historiografia bíblica. Isto, entretanto, está longe de ser uma descrição adequada do que está realmente acontecendo. Lemche e Thompson, aparentemente não atentos para o fato de que o que nós podemos chamar de um conceito convencional de história é hoje altamente problemático, ainda trabalham dentro dos parâmetros da pesquisa histórico-crítica, assumindo que história é uma ciência e que devemos trabalhar com fatos ‘brutos’” (p. 50-51).
Barstad diz que os pós-modernos os classificariam como “os primeiros dos últimos modernistas” (p. 51). E defende em seguida: “No futuro nós teremos, irreversivelmente, de nos ajustar a uma visão de história diferente daquela dos métodos histórico-críticos do século XIX: uma história com diferentes ‘verdades’ que quase nunca será o resultado de análises científicas de dados empíricos. Uma história cujo estatuto epistemológico deveria não mais ser visto como parte da ciência, mas como uma parte da cultura. Uma história caracterizada por uma multiplicidade de métodos” (p. 51-52).
B. Becking, Sinetes como evidência do Israel bíblico? Jeremias 40,7-41,15, por exemplo
B. Becking, Sinetes como evidência do Israel bíblico? Jeremias 40,7-41,15, por exemplo, p. 65-83, procura responder a três questões: O que se entende por ‘Israel’? O que quer dizer ‘escrever história’? e Como o texto do Antigo Testamento é usado como uma fonte histórica? Ele conclui com uma resposta positiva sobre a possibilidade da história da Israel e o uso do Antigo Testamento como uma de suas fontes.
R. Carroll, Madonna de silêncios: Clio e a Bíblia
R. Carroll, Madonna de silêncios: Clio e a Bíblia, p. 84-103, questiona os limites entre realidade e ficção, usando a analogia de Ossian, um suposto poeta céltico do terceiro século e as figuras de Balaão, Omri e Baruch. E, respondendo à questão “Pode uma história do antigo Israel ser escrita?”, ele diz: “Estou inclinado a responder ‘Não’” (p. 101).
P. R. Davies, Qual história? Qual Israel? Qual Bíblia? Histórias bíblicas, antigas e modernas
Philip R. Davies, Qual história? Qual Israel? Qual Bíblia? Histórias bíblicas, antigas e modernas, p. 104-122, aceita que histórias de um antigo Israel podem ser escritas, mas não a história do antigo Israel.
Philip R. Davies pensa que o Antigo Testamento ou a Bíblia Hebraica pode ser usado para a reconstrução histórica de Israel de dois modos: um primário e outro secundário. De modo primário, “a primeira tarefa do historiador é descobrir (ou determinar) o contexto histórico destes escritos, baseado no princípio de que o testemunho histórico de qualquer obra será relevante, em primeira mão, para a época na qual ela foi escrita” (p. 104). De modo secundário “o que estes escritos dizem sobre eventos históricos pode ser usado para construir um quadro das épocas sobre os quais eles dizem estar descrevendo” (…), mas “o uso da narrativa historiográfica bíblica para a reconstrução crítica das épocas que ela descreve (…) é precário e possível somente onde há dados independentes adequados”, argumenta na p. 105.
Finalmente, ele recomenda que um historiador pode fazer hoje três coisas: “Não desencorajar a produção de boas historiografias; (…) denunciar as fraudes praticadas em nome da história e (…) permanecer cético, minimalista e pessimista” (p. 122).
N. P. Lemche, Clio está também entre as Musas! Keith W. Whitelam e a história da Palestina: uma resenha e um comentário
Niels P. Lemche, Clio está também entre as Musas! Keith W. Whitelam e a história da Palestina: uma resenha e um comentário, p. 123-155, em um texto anteriormente publicado, faz uma resenha do livro de Keith Whitelam, The Invention of Ancient Israel: The Silencing of Palestinian History [A invenção do antigo Israel: O ocultamento da história palestina]. London: Routledge, 1996, à qual ele acrescenta um curto comunicado lido em Dublin, História da Palestina ou História da Síria. Lemche diz na p. 149: “Eu chego agora à conclusão desta resenha que, no geral, foi crítica, mas positiva. E ela tinha de ser! Nenhuma dúvida quanto a isto. Whitelam escreveu um livro corajoso – mas também politicamente correto -, afinado com o estabelecimento na Palestina das primeiras instituições de um Estado Palestino”. Whitelam, em seu livro, mostra que a história dos povos antigos da Palestina tem sido silenciada em favor de um interesse exclusivo em Israel. Mas em História da Palestina ou História da Síria, Lemche alerta o leitor para o fato de que Whitelam “não define adequadamente a identidade de seus antigos palestinos (…) porque, provavelmente, ele introduziu no cenário histórico uma nova entidade, os antigos palestinos, tendo, deste modo, inventado um novo povo que pode, de fato, nunca ter existido ou ter reconhecido a si mesmos como sendo palestinos” (p. 151).
H. Niehr, Alguns aspectos do trabalho com as fontes escritas
H. Niehr, Alguns aspectos do trabalho com as fontes escritas, p. 156-165, analisa os vários tipos de fontes disponíveis para o historiador, ou seja, a antropologia histórica (dados oferecidos pela geografia, arqueologia, climatologia e assim por diante); fontes primárias (relatos contemporâneos ou próximos aos eventos que elas narram, como fontes escritas fora da Palestina, fontes escritas provenientes da Palestina e evidência arqueológica da Palestina); fontes secundárias (o Antigo Testamento), e fontes terciárias (livros que retomam fontes secundárias, como os livros das Crônicas). Finalmente, ele trabalha os problemas metodológicos relativos ao uso de cada uma delas, argumentando que as tentativas para superar as diferenças existentes entre estas fontes devem ser feitas cuidadosamente. O estudo de Niehr é um dos mais equilibrados de todo o livro.
T. L. Thompson, Definindo história e etnia no Levante Sul
Thomas L. Thompson, Definindo história e etnia no Levante Sul, p. 166-187, divide sua comunicação em três partes: na primeira, ele critica algumas publicações recentes do arqueólogo William G. Dever; na segunda, ele passa em revista as intuições do recente livro de Keith Whitelam, A Invenção do antigo Israel: O ocultamento da história palestina (“Este novo livro pode muito bem servir como uma proveitosa introdução metodológica à história da Palestina”, diz Thompson na p. 178); e, na última parte, ele defende uma historiografia mais fundamentada na arqueologia e na geografia. Thompson, Cryer e Lemche estão trabalhando na elaboração de um ‘método espectral’ que “promete lidar bem ao mesmo tempo com grandes quantidades de dados e dados de grande variedade” (p. 181).
L. L. Grabbe, Reflexões sobre a discussão
Lester L. Grabbe, na conclusão, Reflexões sobre a discussão, nas p. 188-196, diz que muitos desentendimentos entre os pesquisadores foram sendo percebidos, com o desenrolar-se do seminário, como meras diferenças verbais e não como posturas verdadeiramente inconciliáveis.
Por outro lado, todos concordaram que uma história da antiga Palestina, Síria, Levante ou qualquer outro nome que se use, deve considerar toda a região e todos os povos que nela viveram. Tratar a história de uma ‘nação’ específica como a história é um erro. Especialmente quando tal história tende a tratar os outros povos, dela excluídos, como inferiores, insignificantes, dignos de extermínio ou mesmo como não existentes. “Direcionar toda a nossa atividade filtrada por uma visão específica do ‘antigo Israel’, como tem sido frequentemente feito, para uma ‘história bíblica’, uma ‘arqueologia bíblica’, uma ‘geografia bíblica’ etc, é simplesmente escrever história fictícia”, afirma o autor na p. 189. Mesmo o uso do termo ‘Israel’ em sentido político é problemático. Tanto mais o será escrever uma ‘história de Israel’ como a história de uma entidade étnica.
Ninguém negou a existência de um ‘reino de Israel’, assim como de um ‘reino de Judá’, testemunhados pela Assíria, mas os participantes do seminário fizeram objeções a duas concepções: uma é a de que o construto literário do ‘Israel bíblico’ pode ser diretamente traduzido em termos históricos; e a outra é a de que ‘Israel’ deve canalizar e dominar o estudo da região na antiguidade. A descrição bíblica de um grande império israelita foi tratada com muito ceticismo.
Concordou-se, também, que as implicações da pós-modernidade para a questão histórica devem ser levadas a sério, mas, ao mesmo tempo, isso não significa abandonar a tarefa histórica. O problema da postura positivista dos historiadores é sério, e a questão de uma mudança de paradigma ainda precisa ser melhor trabalhada, pois não se sabe a que resultados tal mudança conduziria.
Isto leva também à pergunta sobre o que os pesquisadores entendem por história: o que se verificou foi uma grande diversidade de sentidos e debateu-se sobre como fazer história da Palestina/Síria daqui para frente. Deveriam os historiadores abandonar a forma narrativa? Ou assumir de vez uma história narrativa? Será que o melhor modo de fazer história não seria através da proposta de uma série de questões abertas ao debate?
O uso do texto bíblico na escrita da ‘história de Israel’ acabou sendo, como se pode perceber nos vários capítulos do livro, uma questão polêmica. E disto não havia muito como escapar, pelo simples fato de que muitas ‘histórias de Israel’ influentes nada mais têm sido do que uma paráfrase racionalista do texto bíblico. Por causa disso, alguns, como Robert Carroll, classificam qualquer história de Israel como fictícia, enquanto outros como Niehr, Becking e Grabbe acreditam que o texto bíblico usado cuidadosa e criticamente é um elemento válido para um empreendimento deste tipo. Quanto a isto, parece haver quatro possíveis atitudes (cf. p. 192):
1. Assumir a impossibilidade de se fazer história: apesar da posição mais radical de Carroll, ninguém empreendeu esta via.
2. Ignorar o texto bíblico como um todo e escrever uma história fundamentada apenas nos dados arqueológicos e outras evidências primárias: esta é a postura verdadeiramente ‘minimalista’, mas o problema é que sem o texto bíblico muitas interpretações dos dados tornam-se extremamente difíceis, e, por isso, ninguém no seminário assumiu tal atitude
3. Dar prioridade aos dados primários, mas fazendo uso do texto bíblico como fonte secundária usada com cautela: praticamente todos os membros do seminário ficaram nesta posição 3 ou, talvez, entre a 2 e a 3. Mas, é preciso observar que todos penderam mais para o lado ‘minimalista’ deste espectro.
4. Aceitar a narrativa bíblica sempre, exceto quando ela se mostra como absolutamente falseada: esta é a postura ‘maximalista’, e – nem é preciso dizer – ninguém no seminário a defendeu.
O fato é que as posturas 1 e 4 são inconciliáveis e estão fora das possibilidades de uma ‘história de Israel’ mais crítica: isto porque a 1 rejeita a possibilidade concreta da história e a 4 trata o texto bíblico com peso diferente das outras fontes históricas. Somente o diálogo entre as posições 2 e 3 podem levar a um resultado positivo, conclui Lester L. Grabbe na p. 193.
Como se pode ver deste rápido olhar, o livro contribui de fato para o debate sobre a escrita da História de Israel, com rico panorama das diferentes perspectivas de pesquisadores de alto nível e, isto é o mais importante, dispostos a continuar o debate do modo mais produtivo possível.
Esta resenha foi publicada em 2000.
Última atualização: 13.07.2024 – 11h10