Biblistas Mineiros publicam a Estudos Bíblicos 120

Acabo de receber o n. 120 da revista Estudos Bíblicos, de out/dez de 2013, produzida pelos Biblistas Mineiros, grupo do qual faço parte. São 10 artigos que ocupam quase 200 páginas.

Seu título: A volta de Babel: a Bíblia e os megaprojetos

Escreve Telmo José Amaral de Figueiredo no editorial: “As contribuições de nossos colegas biblistas, neste número de Estudos Bíblicos, procuram mostrar como a Bíblia é crítica em relação aos projetos imperialistas ou governativos que não visam o benefício do povo, mas o aumento e perpetuação do poder, da riqueza e da fama dos que comandam a sociedade”.

O que dizem os artigos desta Estudos Bíblicos?

:: Grandes projetos na Bíblia e a resistência do povo – Gilvander Luís Moreira
Gilvander nos apresenta um amplo leque de grandes e impopulares projetos descritos em perspectiva crítica pela Bíblia, como a construção da torre de Babel, o bezerro de ouro, o gigante de pés de barro do livro de Daniel, o mercado no entorno do Templo de Jerusalém, o comércio ao redor da deusa Ártemis em Éfeso e o dragão do Apocalipse. O comum a todos estes textos é, justamente, a resistência popular aos megaprojetos idolátricos que visam não o bem das populações camponesas, da periferia dos grandes centros urbanos e das nações submetidas ao poder imperial.

:: Gn 11,1-9: Contramito torre de Babel ao mito da fundação de Babilônia – Jacir de Freitas Faria
Jacir propõe-nos o “contramito” de Gn 11,1-9, a torre de Babel, como crítica ao poderio babilônico. O destino dos impérios assassinos e opressores está nas mãos de Deus. A “confusão” e o conflito são subjacentes aos projetos que deixam o povo de fora e tentam impor a visão e a interpretação dos poderosos.

:: A sabedoria do pobre salva a cidade. Leituras de Eclesiastes 9,14-16 – Wolfgang Gruen
Gruen nos mostra que, como antídoto contra a megalomania  dos poderosos, a Bíblia em Ecl 9,14-16 nos apresenta a sabedoria do pobre, a qual difere totalmente daquela dos que planejam a “cidade” (a sociedade) sem levar em conta o seu povo. A sabedoria, diz Gruen, “é mais que acumulação de saberes, sabenças. É um saber depurado: prioriza o que importa e, nele, seu sentido e relevância”. O pobre possui aquela desconfiança sábia que lhe faz ter a prudência necessária perante os grandes e ricos projetos. O sábio pobre tem como enxergar a situação, e dar passos para furar o cerco, cultivando a utopia e a esperança.

:: Jeremias, profeta crítico do poder imperial. A hegemonia e a grandeza babilônica, numa leitura profética da história, à luz da fé – Jaldemir Vitório
Vitório nos ajuda a compreender a atitude do profeta Jeremias diante da dominação babilônica e as tentações de pactos equivocados com outros poderes, neste caso, o Egito. Diante das ameaças e perigos de dois grandes impérios, como agir, qual critério adotar? Jeremias propõe não se encantar nem se amedrontar por demais diante dos impérios. Eles não são eternos, seus projetos não duram para sempre. Quanto maior for a tirania deles, maior será sua queda. No entanto, ele não defende uma atitude inconsequente e suicida contra a Babilônia. Nesse caso, a prudência cheia de esperança é a alternativa.

:: Religião e formação de classes na antiga Judeia – Airton José da Silva
Existem, quer concordemos ou não, classes em nossa sociedade. Airton resume e comenta o livro de H. G. Kippenberg, Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. Os sistemas persa, grego e romano, ao imporem leis em conflito com as tradições familiares de Israel, são geradores de escravidão, favorecendo a concentração de terras, a expropriação e o empobrecimento da maioria da população rural na antiga Judeia. Kippenberg nos mostra como, face a tal situação, a tradição religiosa judaica se uniu a duas tendências antagônicas: a tendência à formação de classes, por um lado, e, por outro lado, a tendência à solidariedade, formando, assim, dois complexos divergentes de tradição que fundamentam os conteúdos religiosos dos movimentos judaicos de resistência contra o domínio imperial estrangeiro.

:: Resistindo à globalização: os Macabeus – Neuza Silveira de Souza e Maria de Lourdes Augusta
Neusa e Maria de Lourdes, por sua vez, nos apresentam a revolta dos Macabeus como símbolo da reação anti-imperial. O modo de vida e a organização social promovidos pelo helenismo são o foco da atenção dos livros dos Macabeus, nos quais se mostra que nem todos os projetos de progresso e desenvolvimento político e econômico se traduzem em reais melhorias para a vida das pessoas, especialmente dos pobres. A fidelidade à aliança e às tradições alimentará e definirá a resistência a esses projetos autoritários.

:: O cego Bartimeu e a pastoral do espetáculo – José Luiz Gonzaga do Prado
José do Prado analisa a cena do cego Bartimeu em Mc 10,46-52.  Numa sociedade do espetáculo, dos projetos faraônicos e do consumismo, os indivíduos acabam por assumir essa ideologia em suas próprias vidas. Ele destaca que o nome desse cego pode significar “filho da honra/glória”. Portanto, alguém fanático pelo prestígio, pelo aplauso, pela vontade de brilhar, colocar-se em evidência. Ele é cego “porque não vê o outro, não enxerga outra coisa que não a própria glória; é mendigo porque vive mendigando aplausos; está sentado porque não anda, não dá um passo, nada faz que não sirva para a própria glória; e está à beira do caminho, porque fica à margem da história”. Esse cego seria uma projeção dos discípulos de Jesus, que estão sujeitos às tentações propostas por essa sociedade. A libertação das pessoas é passar a “ver”, a enxergar o Messias que está diante delas.

:: Paulo, os jogos e a linguagem esportiva – Zuleica Aparecida Silvano
O esporte representa, sem dúvida, um dos principais componentes do mundo do espetáculo em todos os tempos e era muito valorizado no mundo helênico. Zuleica nos mostra como Paulo soube utilizar com maestria a terminologia esportiva em suas cartas. Ela constata que o “uso da linguagem e imagens desportivas, em Paulo, é semelhante ao uso simbólico-metafórico que verificamos no livro da Sabedoria, mormente pra ilustrar elementos do agir cristão”. Paulo faz uso da linguagem que apela para a luta, a conquista, a competição, a fim de descrever a atitude que deve mover o cristão em sua missão evangelizadora.

:: Espetáculos de derrota no século XXI – Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa
Tereza Virgínia, por sua vez, trabalha com a noção de “o caminho dos frágeis” presente no pensamento paulino. Seu propósito é contradizer a lógica da competição que há no mundo atual, a qual privilegia o campeão, o vencedor, mostrando que na fraqueza encontra-se algo da excelência humana, isto é, sua vulnerabilidade. Ela conclui que “somos responsáveis uns pelos outros, e as nossas fragilidades podem ser nossa fortaleza”.

:: A Prostituta Babilônia – Leitura de Apocalipse 17 e 18 – Johan Konings
Konings, no último artigo da revista, faz uma leitura dos capítulos 17 e 18 do Apocalipse no contexto do atual domínio exercido pelo mercado sobre a sociedade mundial, de modo especial na América Latina, considerando igualmente o contexto que originou estas páginas. Estes dois capítulos celebram a condenação de “Babilônia”: o 17 a associa ao nunca nomeado império romano, enquanto o 18 insere a derrota do império na tradição profética de denúncia das grandes cidades dominadoras. Segundo Konings, o “Apocalipse nos ensina a ver a figura idolátrica por detrás do sistema do comércio mundial, e não precisamos de muita imaginação para ver a mesma coisa hoje”.

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