Snowden

:: Um terremoto chamado Snowden – Flávio Aguiar: Carta Maior 09/07/2013
Se houvesse uma escala para efeitos de denúncias internacionais, como há a Richter para os terremotos, o caso Snowden estaria no topo. De certo modo, as revelações do ex-espião norte-americano são mais impactantes do que as feitas tempos atrás por Julian Assange, com o auxílio de Bradley Manning.

:: Empresa do espião Snowden foi consultora-mor do governo FHC – Redação: Carta Maior: 10/07/2013
No governo de Fernando Henrique Cardoso, a Booz-Allen, na qual trabalhava o espião Edward Snowden, foi responsável por consultorias estratégicas contratadas pela esfera federal. Incluem-se aí o “Brasil em Ação” (primeiro governo FHC) e o “Avança Brasil” (segundo governo FHC), entre outras, como as dos programas de privatização (saneamento foi uma delas) e a da reestruturação do sistema financeiro nacional.

:: Snowden: Rússia e países latino-americanos ganharam “respeito do mundo” – Luciana Taddeo: Opera Mundi 12/07/2013 – 14h25
Explicando sua decisão que o obrigou a afastar-se da vida “em grande conforto” com sua família e uma “casa no paraíso” que conta ter tido antes até revelar os programas de espionagens dos EUA, Snowden alega acreditar no princípio declarado em Nuremberg na Alemanha, em 1945: “Os indivíduos têm obrigações internacionais que transcendem as obrigações nacionais de obediência. Portanto, cidadãos individuais têm a obrigação de violar leis domésticas para prevenir que crimes contra a paz e a humanidade aconteçam”.

:: O objeto de desejo, a obsessão de Obama – Eric Nepomuceno: Carta Maior 13/007/2013
Mais enrolada que rocambole de avó ou bolo de rolo de Pernambuco, a situação de Edward Snowden continua atraindo as atenções de meio mundo. Encalhado em Moscou, sem ter para onde ir, ele resolveu pedir asilo à Rússia. Será o primeiro passo para poder ir para um dos três países – a Nicarágua, a Venezuela e a Bolívia – que ofereceram asilo ao ex técnico terceirizado da CIA que desmontou uma das grandes farsas do governo de Barack Obama. Empenhando uma palavra cada vez mais carente de valor, Obama havia assegurado que desmantelaria o gigantesco esquema de espionagem global armado pelo seu antecessor, George W. Bush. Pois não só manteve como o expandiu. Escudado no argumento da necessidade de evitar atentados terroristas, seu governo aproveitou para espionar a tudo e a todos (…) Snowden revelou parte do que sabe, e essa parte foi suficiente para que ele se tornasse uma obsessão para Obama, que desandou a distribuir ordens e determinações com a tranqüilidade de quem não só se crê, mas está convicto de ser o verdadeiro dono do mundo (…) Enquanto continua nebuloso o panorama, resta uma pergunta entre tantas: de onde tamanha sanha? Por que, afinal, Snowden se transformou na obsessão, no verdadeiro objeto de desejo de Obama? O enigma, talvez, nem seja tão intrincado assim. Obama, tido como fraco e frouxo, precisa mostrar que é forte e decidido. É uma questão interna. Os truculentos republicanos vivem dizendo que ele não é de nada. E, talvez por não ser de nada, Obama resolveu fazer uma exibição global de valentia. O custo, as conseqüências, nada disso importa. O que importa é satisfazer a opinião pública e seu eleitorado.

A transnacionalização de credos brasileiros

Sementes ao vento: a diáspora das religiões brasileiras no mundo: tema de capa da revista IHU On-Line 424, de 24.06.2013.

A revista

Diz o editorial:
Como podemos compreender o fenômeno da transnacionalização de credos brasileiros? Quais são os contextos em que se inserem? Como a sociedade receptora dessas formas diferentes de fé se relaciona com seus praticantes? Essas e muitas outras questões permeiam o debate do qual brotam respostas apontam para a necessidade de ulteriores pesquisas, análises e reflexões.

Alberto Groisman, da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, examina o Santo Daime como uma “amazonização” do Cristianismo e síntese da religiosidade e subjetividade contemporâneas.

A Umbanda e o Batuque no Cone Sul e a estigmatização social de seus praticantes é o assunto de Alejandro Frigerio, da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales Argentina e da Universidade Católica Argentina.

Os jogadores de futebol como pastores neopentecostais e a cosmologia da prosperidade são debatidos pela antropóloga Carmen Rial, da UFSC.

Ushi Arakaki fala sobre a Umbanda no Japão e a busca pela ressignificação da vida dos nipo-brasileiros.

Brenda Carranza (PUC-Campinas) e Cecília Mariz (Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ) dissecam o “catolicismo tipo exportação” e a “missão reversa” atribuídos à Canção Nova.

Dario Paulo Barrera Rivera, da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, discorre sobre o pentecostalismo brasileiro no Peru, representado pela Igreja Pentecostal Deus é Amor.

O sociólogo José Cláudio Souza Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, recupera a gênese do Vale do Amanhecer, surgido em Brasília, e agora ativo em Atlanta, nos Estados Unidos.

Uma entrevista com Sara Delamont e Neil Stephens, da Universidade de Cardiff, no País de Gales, debate tanto a secularização gradativa dessa nação, até as referências religiosas do Candomblé e da Umbanda oriundas da capoeira.

A publicação da coletânea The Diaspora of Brazilian Religions, 2013, organizada pela pesquisadora Cristina Rocha, da Universidade do Oeste de Sydney, na Austrália, e pelo pesquisador Manuel Vásquez, da Universidade da Flórida, nos EUA, propiciaram a edição deste número da revista IHU On-Line.

 

O livro

ROCHA, C.; VASQUEZ, M. A. (eds.) The Diaspora of Brazilian Religions. Leiden: Brill, 2013, 408 p. – ISBN 9789004236943.

The Diaspora of Brazilian Religions explores the global spread of religions originating in Brazil, a country that has emerged as a major pole of religious innovation and production. Through ethnographically-rich case studies throughout the world, ranging from the Americas (Canada, the U.S., Peru, and Argentina) and Europe (the U.K., Portugal, and the Netherlands) to Asia (Japan) and Oceania (Australia), the book examines the conditions, actors, and media that have made possible the worldwide construction, circulation, and consumption of Brazilian religious identities, practices, and lifestyles, including those connected with indigenized forms of Pentecostalism and Catholicism, African-based religions such as Candomblé and Umbanda, as well as diverse expressions of New Age Spiritism and Ayahuasca-centered neo-shamanism like Vale do Amanhecer and Santo Daime. 

 

Os autores

Cristina Rocha, Ph.D. (2004, University of Western Sydney) is a Research Fellow at the Religion and Society Research Centre and a Senior Lecturer at the School of Humanities and Communications, Arts, University of Western Sydney, Australia.

She is the editor of the Journal of Global Buddhism. Her publications include Buddhism in Australia (with M. Barker, Routledge, 2010) and Zen in Brazil: The Quest for Cosmopolitan Modernity (Hawaii UP, 2006).

Manuel A. Vasquez, Ph.D. (1994, Temple University) is Professor at the Religion Department, University of Florida.

He is the author of More than Belief: A Materialist Theory of Religion (Oxford UP, 2011) and The Brazilian Popular Church and the Crisis of Modernity (Cambridge UP, 1998). He also co-authored Living ‘Illegal’: The Human Face of Unauthorized Immigration (New Press, 2011) and Globalizing the Sacred: Religion across the Americas (Rutgers, 2003).

Contributors include Ushi Arakaki, Dario Paulo Barrera Rivera, Brenda Carranza, Anthony D’Andrea, Sara Delamont, Alejandro Frigerio, Alberto Groisman, Annick Hernandez, Clara Mafra, Cecilia Mariz, Deirdre Meintel, Carmen Rial, Cristina Rocha, Camila Sampaio, Clara Saraiva, Olivia Sheringham, Neil Stephens, Jose Claudio Souza Alves, Claudia Swatowiski, and Manuel A. Vasquez.

Velha mídia, grande mídia, mídia burguesa

O que chamamos de mídia burguesa não passa de uma organização empresarial, capitalista, que vende propaganda. Nunca notícia. Está a serviço de um tipo particular de capitalismo, que é o financeiro. É golpista de primeira hora. Jamais teve apreço por democracia alguma. Muito ao contrário. Sempre que pode, em qualquer país do mundo, apoia abertamente golpes de estado contra presidentes democraticamente eleitos. Criminaliza a política em geral. Aliena o povo. Embandeira-se falsamente com palavras de ordem “moral” e “ética”, mas seus protegidos são os maiores corruptos.

Considerações sobre as manifestações de junho

Recomendo o artigo Lições de um junho que ainda não acabou, de Magali do Nascimento Cunha, jornalista e professora da Universidade Metodista de São Paulo. Foi publicado por Notícias: IHU On-Line em 05/07/2013.

Alguns trechos das 4 lições, anotadas pela autora, de um junho que ainda não acabou:

1 – “O gigante acordou” ou saiu da espera?

A máxima “o gigante acordou” que fez parte da campanha afirmativa dos movimentos de rua de junho, acabou consagrando uma outra: a de que os brasileiros são acomodados, conformistas; é um povo pacífico e passivo que acaba aceitando tudo – daí as injustiças a que está acostumado.  Essa máxima, na verdade, sempre serviu a uma história oficial dos processos predominantes no País – dos colonizadores, aos imperiais e daí aos republicanos -, que não só desvalorizou e desclassificou movimentos históricos de resistência e revolucionários e sua repressão promovida pelos poderes dominantes, quanto desestimulou novos. Apesar deste imaginário social construído por este discurso que representa a coletividade do “ser brasileiro”, reforçado pelo verso do hino nacional republicano – “deitado eternamente em berço esplêndido” – a história tem sido, de fato, construída por homens e mulheres, jovens e adultos, brancos, negros, indígenas, que sempre estiveram acordados, despertos, ligados, desde os primórdios da colonização até os anos recentes da chamada redemocratização, e estabeleceram dezenas de manifestações, levantes, revoltas, rebeliões, motins, conspirações, insurreições, revoluções, guerras, em todo o País.

A afirmação de que os brasileiros estiveram por, pelo menos, 20 anos, dormindo (já que a última grande manifestação pública teria sido o movimento pelo impeachment do Presidente da República Fernando Collor de Mello, em 1992, por envolvimento em casos de corrupção) e estariam anestesiados/amordaçados pela Era PT No Poder, com suas políticas para levar mais gente para a classe média e ampliar o consumo, também não cabe. Serve, como na história oficial, para desvalorizar e desclassificar movimentos de sem-terras, sem-tetos, indígenas, mulheres, estudantes, trabalhadores urbanos, familiares de mortos pela violência urbana, que estiveram nas ruas nas últimas décadas colocando demandas específicas para seus segmentos mas também  reivindicando justiça, segurança pública, educação e saúde de qualidade para todos.

Coube especialmente às mídias lhes tirar a visibilidade ou diminuir a relevância. Se não houve consenso tão amplo, com menor segmentação, por demandas coletivas que levassem tantas pessoas às ruas nesse espaço de tempo como foi nesse junho de 2013, uma leitura que podemos fazer é que a população, vitoriosa com o impeachment de Fernando Collor e apostando nos governos de centro do PSDB e de esquerda do PT que se sucederam, decidiu esperar. Não estava dormindo – estava em estado de espera, ou, como se diz em relação aos modernos aparelhos eletrônicos, em stand by.

Parece que chegou o tempo de sair da espera e cobrar mudanças não vistas. Não que mudanças não tenham acontecido, em especial nos últimos 11 anos com políticas mais voltadas às demandas das classes menos privilegiadas e realização de real mobilidade (ascensão) na pirâmide social com diminuição dos índices de extrema de pobreza e maior acesso a direitos aparentemente simples como água e luz ou às vagas para estudo em universidades. Mas, especialmente durante os três períodos do governo petista, as políticas de amplas concessões ao sistema financeiro destoaram daquelas que ressaltaram a distribuição de renda, mas não se refletiram em mudanças no quadro da educação básica e da saúde, itens fundamentais para o estabelecimento de um país sem pobreza. Ademais, os casos de corrupção por personagens ligadas ao poder público (ressaltados simbolicamente no famoso “julgamento do mensalão”) e a manutenção da cultura política partidária alimentada por jogos de poder que pouco tomam em conta o interesse público (evidenciado recentemente com o destacado “caso Marco Feliciano”, que não tem trajetória ligada aos direitos humanos) serviram de e estímulo ao “sair da espera”.

O junho de 2013 mostra que há disposição da população para se manifestar, protestar e reivindicar. É preciso lembrar que o processo de redemocratização, pós-ditadura militar, é lento e ainda está sendo vivenciado. São menos de 30 anos de reconstrução do processo democrático no país, quando pessoas que atuaram pelo regime militar e em todo o sistema de opressão, censura e repressão, ainda estão ativas, algumas delas em evidência e até no poder público. Apenas no governo Dilma Rousseff se conseguiu criar uma Comissão da Verdade para se superar omissões e apagamentos da história oficial e restaurar a dignidade roubada de pessoas e suas famílias pelo Estado. É um processo lento, de aprendizado paciente. O teólogo Leonardo Boff afirmou sabiamente o que esta dinâmica significa em uma frase num de seus espaços em rede social eletrônica: “Quanto mais pessoas se libertam da pobreza, mais cresce nelas o sentido de seus direitos. É uma das razões das demonstrações nas ruas”.

Sim, “o gigante acordou” é uma afirmação de conotação mais negativa do que positiva, e também pretensiosa para os atuais movimentos. “O Brasil saiu da espera” parece mais coerente com o momento, pois está menos pobre e mais consciente, por isso se sente empoderado para cobrar, exigir.

2 – Sinal amarelo para os governos e os políticos

O que foi afirmado acima indica um sinal amarelo para os governos. A Presidenta Dilma Rousseff percebeu isto e não tardou em ouvir os movimentos e tentar responder a eles. Apesar de o governo federal ter sido colocado em maior evidência, os demais níveis de poder  (em especial doss Estado de São Paulo e do  Rio de Janeiro) também estão sob o julgamento popular e estão sendo/serão avaliados e cobrados.

No caso dos governos do PT é saudável que os movimentos de junho lhes provoquem e lhes recordem sua origem na esquerda e sua identidade com eles. É muito positivo que Dilma Rousseff se reúna com os diferentes grupos como vem fazendo desde o seu pronunciamento público. O mesmo deveria ser feito por governadores e prefeitos. Quando do “julgamento do mensalão” e do reconhecimento das trágicas consequências para o PT, assumido por lideranças históricas do partido, como Tarso Genro e Olívio Dutra, a palavra de ordem era a “refundação do partido”; eis aí mais um estímulo: desta vez o das ruas. Um sopro de ideais de esquerda fará muito bem aos governos petistas para que caminhassem, em especial, na direção das demandas por direitos coletivos.

Na linha pensamento de que as demonstrações nas ruas são reflexos de mais consciência, é possível afirmar que elas não se colocaram contra partidos ou movimentos ligados a eles, como desejaram evidenciar alguns manifestantes, até mesmo com ações violentas. Os atos de junho fizeram por denunciar o oportunismo dos políticos que só respondem/representam quando o povo vai para a rua. Esse oportunismo ficou ainda mais nítido quando pautas por longo tempo travadas em comissões e no próprio congresso, por não serem colocadas como prioridade (até porque não interessam ou afetam interesses pessoais e corporativos ligados aos próprios congressistas), agora estão tramitando com o cancelamento, inclusive, do recesso parlamentar de julho.

A presença de pautas de direita/conservadoras nas manifestações públicas é algo que não deve ser desprezado, pelo contrário, precisa ser melhor compreendida. Nesse caso, o que mais chama a atenção é a defesa de bandeiras do tipo “Anonymous” abraçadas por muita gente e reproduzida nas redes sociais eletrônicas. Todas as chamadas “cinco bandeiras” amplamente divulgadas tocavam na pauta relacionada à corrupção – nada em torno da justiça em relação a direitos coletivos que mexam com a ordem vigente, com a lógica dos privilégios. São pautas de forte apelo popular e que restringem tudo à questão da corrupção, como se, trocando as pessoas no poder por outras mais “limpas”, o país se resolvesse, como que um “udenismo de máscaras”. Isso dá margem a demandas por uma volta dos militares ao poder, por exemplo, cujas ações no tempo da ditadura eram justificadas por valores como a moral e a retidão.

Este tipo de abordagem torna explícita que há, sim, vida política e ideológica conservadora que encontrou nos atos de junho uma forma de dar sinais de existência e, sentindo-se permitida a reagir contrariamente aos avanços sociopolíticos experimentados nas últimas décadas, com as máscaras do “anonimato”, clamando por um retorno à velha ordem quando não se trabalhava por inclusão social e cidadania, ou pela Verdade, nem se estendia direitos a mulheres, crianças, adolescentes e homossexuais.

3 – Mídias: elemento ativo no processo

A perplexidade com as proporções dos movimentos explicitada pela cobertura inicial das mídias noticiosas seguida pela brusca mudança no tratamento da temática foram marcas deste fenômeno. Caso emblemático foi a alteração de abordagem, em 48 horas, dos noticiários da Rede Globo – tanto na TV Globo quanto na Globo News, de desclassificação dos atos em São Paulo como prática de “baderneiros” para a exaltação de uma “linda forma de manifestação” da vontade popular.

Que as mídias no Brasil, propriedades das famosas 10 famílias pertencentes à classe que sempre predominou no poder no País e de uma igreja pentecostal baseada princípios empresariais, nunca trabalharam para legitimar e fortalecer movimentos sociais, é fato amplamente conhecido e estudado, e quando forçadas pela pressão popular acabam se rendendo ao que é mais do que evidente.

Assim foi na Campanha das Diretas Já em 1984, quando os primeiros atos públicos foram ignorados, em especial nas telas da TV, e a Rede Globo chegou ao disparate de noticiar que havia multidões nas ruas, sim, mas para comemorar o aniversário de São Paulo. Quando não houve mais jeito, e as mídias tiveram que noticiar o que não se podia mais ser ignorado, ironicamente o locutor esportivo da Rede Globo Osmar Santos acabou se tornando locutor dos comícios pelas eleições diretas.

Nos episódios em torno do impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, a mudança de discurso ficou ainda mais evidentes pois a Rede Globo, por exemplo, era aliada do presidente. O silêncio e a omissão não puderam se sustentar tal da pressão das ruas e do movimento dos chamados “caras pintadas” e logo os estudantes já eram apresentados como revolucionários e grande esperança do Brasil.

No jornalismo impresso, Folha de São Paulo, por exemplo, tanto no movimento pelas Diretas Já quanto no “Fora Collor”, percebeu logo o sentido e o potencial das manifestações e fez ampla cobertura desde os primórdios mas assumiu uma postura declaradamente parcial: deixava claro que as eleições diretas em 1984 não deveriam abrir o Brasil para um governo de esquerda (naquela época as grandes “ameaças” eram Lula e Leonel Brizola) e seus discursos deixavam clara a opção por Ulisses Guimarães, alçado pelo jornal (e também pela Rede Globo e pela revista Veja) como o “Senhor Diretas”, atribuindo-lhe os louros do movimento, inicialmente convocado, em 1983 pelo PT. Já no caso Collor a Folha trabalhou para descolar a imagem do presidente corrupto das políticas de ajuste ao capitalismo globalizado que ele implementava no país e que ela aprovava.

Essa memória é importante para se ter em mente duas realidades:

1) que as teorias conspiratórias em torno do poder das mídias devem ser, sim, rechaçadas, ressaltando-se o lugar dos receptores e de sua postura crítica. Não é à toa que desde as manifestações pelas Diretas Já e depois contra os efeitos do chamado “Plano Cruzado” do governo Sarney, no “Fora Collor” e agora nos atos de julho, é palavra de ordem frequente nas ruas o “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Palavras ainda mais intensificadas com ações explícitas de manifestantes de hoje na frente das instalações da emissora de TV nas grandes cidades, ou diante dos seus repórteres que cobriam os atos.

2) No entanto, não se pode esquecer a dimensão política em torno dos processos de comunicação, e, como foi dito acima, as mídias têm donos e donos comprometidos com processos historicamente desfavoráveis a demandas sociais de alteração da ordem vigente.

E aqui é preciso reforçar os estudos, os monitoramentos, para se compreender como se dão os processos comunicacionais. Os donos das mídias e os demais grupos que sempre foram privilegiados pelos contextos sociopolíticos e econômicos dominantes e excludentes não explicitam sua insatisfação com as possibilidades de mudança nestes campos e não aparecem discursando seu desejo de que nada mude e tudo fique como sempre foi. Esses grupos têm porta-vozes, os chamados “formadores de opinião”, encarnados nos colunistas de Veja, de O Globo, do Estadão, da Folha e em comentaristas do Jornal da Globo e dos espaços da Globo News.

A defesa das demandas desses grupos fica então inserida em narrativas e análises que se expressam como se fossem conteúdos de interesse coletivo, pelo “bem do País”. Foi assim que inicialmente os movimentos foram taxados de “baderna” mas depois eram “linda forma de o povo expressar voz” ou “esperança de uma nova forma de governo”, mas com ênfase da questão da mudança relacionada ao tratamento moralista da corrupção (agora as pesquisas de jornais e TVs cobram a “prisão dos mensaleiros” – elemento que pouco apareceu nas ruas) o que desvia de demandas que são majoritárias nos atos de junho: mais direitos sociais coletivos garantidos e mais mecanismos democráticos de fazer valer a voz da população.

Um fator de destaque no tocante a relação das mídias com este processo foi o lugar das redes sociais eletrônicas. Decerto, estão se revelando alternativas à opção política das mídias tradicionais. A liberdade de expressão que possibilitam bem como a capacidade de articulação ficam mais evidentes no Brasil de junho 2013. Fato é que elas não são “a” expressão, são um meio de explicitá-la, afinal foi o presencial, a pressão das ruas que fez toda a diferença no processo, bem como o serão reuniões delas decorrentes.

4 – Fundamentalismo na relação religião-política

Há um imaginário sobre o fundamentalismo, por força do discurso da mídia noticiosa sobre as ações políticas relacionadas ao contexto islâmico, que o coloca como atributo não-cristão, do radicalismo e, portanto, do terrorismo. Este imaginário limitado às imagens construídas pelas mídias, que reproduzem discursos europeus e estadunidenses, impede o reconhecimento do fundamentalismo como um movimento reacionário, ou seja, de reação ao novo, ao avanço que leva o curso dos contextos para novos rumos, afinados com os tempos presentes e futuros. Fundamentalismo é sinônimo, sim, de conservadorismo intenso, um movimento de grupos que não desejam alteração de uma ordem de pensamento, e ação consequente, dominante. Têm aversão ao diálogo e à interação que sempre colocam em xeque os absolutismos, na medida em que diferenças ficam evidentes e provocam aprendizado que leva ao novo.

O fundamentalismo é um movimento que nasceu com evangélicos na passagem do século XIX para o XX. Uma reação às tendências teológicas que viam no advento das ciências humanas e sociais formas de fazer teologia e contextualizá-la, fazendo nascer novas leituras da Bíblia e da fé em Deus. O liberalismo teológico e a leitura crítica da Bíblia surgem neste clima. As reações de conservação da antiga ordem teológica foram imediatas e advogaram a inerrância bíblica, o valor inquestionável da leitura literalista e a negação da validade de qualquer mediação que não fosse a da fé, simplesmente, especialmente a das ciências. Boa parte dos evangélicos no Brasil do ramo tradicional e do pentecostal era e ainda é afinada com a corrente fundamentalista.

O Brasil de 2013 assiste a uma recomposição da Frente Parlamentar Evangélica [FPE] (números que variam mas giram em torno de 73 congressistas, de 17 igrejas diferentes, 13 delas pentecostais). De políticos, cujos projetos raramente interferem na ordem social, com defesa de interesses particulares ou corporativos,  na forma de “praças da Bíblia”, criação de feriados para concorrer com os católicos, benefícios para templos, e recorrentes casos de fisiologismo, esses deputados e senadores passaram a ser apresentados como defensores da família e do direito à liberdade de expressão (deles) contra a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais. Nesse caso valem alianças e parcerias até mesmo com parlamentares e grupos católicos tradicionalistas. Por isso é possível afirmar que algo de novo se desenha no cenário político brasileiro.

Ao constantemente evocarem os números do Censo 2010 que os coloca como 22% da população brasileira, grupos evangélicos com pretensões políticas demandam legitimidade social e mais espaço de influência. Este é um projeto cada vez mais nítido deste segmento social que certamente visa, como os demais grupos políticos, muito mais do que cadeiras no Congresso, mas também presidências de comissões e de ministérios relevantes (para além do único atual tímido Ministério da Pesca, sob a liderança do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivela).

A polêmica em torno do deputado federal Marco Feliciano (PSC/SP) e a forma como ele assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, deixa este projeto em evidência. Nesse caso não só uma presidência inédita de comissão foi alcançada, mas também maior visibilidade aos evangélicos na política e ao próprio PSC, que tem o nome “Cristão”, no entanto sempre se caracterizou como um partido de aluguel para quem desejasse candidatura independentemente de confissão de fé.

Nesse sentido estas lideranças religiosas se sentem com poder para influenciar processos sociopolíticos e até mesmo para ameaçar lideranças políticas de tirá-las do poder. Exemplo é o que têm declarado o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia por meio de seus espaços nas redes sociais eletrônicas. Ele tem afirmado que foram aos evangélicos que começaram os movimentos de junho com Manifestação dos Evangélicos em Brasília pela Família e a Liberdade de Expressão que liderou (esquecendo que os atos de junho começaram mesmo nas reações contra a presença de Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos). O pastor Malafaia também ameaça: “Para nós, evangélicos, não muda nada se não estivermos em reunião convocada [pela Presidenta Dilma Rousseff] com representantes da sociedade, mas o voto pra eles muda: somos 30%”. O pastor também tem discursado explicitamente contra o plebiscito sugerido ao congresso pela Presidenta.

Que tais grupos evangélicos tenham discurso conservador não é novidade, afinal é parte da formação predominante deste grupo religioso desde os seus primórdios no Brasil. O que há de novo é a maior visibilidade pela projeção que as mídias religiosas e não-religiosas têm dado a este discurso por meio dos espaços a Marco Feliciano e ao pastor Malafaia. O fato deste pastor se colocar como porta-voz dos evangélicos com críticas públicas explícitas, nada diplomáticas, ao governo federal, com reforço às ações da FPE, e receber amplo apoio (levou 40 ou 70 mil pessoas para a manifestação em Brasília – números que dependem de quem estima, mas são, de fato, altos) coloca em evidência o conservadorismo na sociedade brasileira, antes atribuído mais diretamente aos evangélicos, porém uma tendência forte, explicitada, como reconhecido acima, nos atos de junho por uma parcela dos manifestantes.

É nesse contexto que o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), conhecido por suas posturas assumidamente conservadoras e agressivas e que não é ligado a grupos religiosos, afirmou que se sente como “irmão” de Marco Feliciano, aliança amplamente divulgada nas mídias noticiosas. Da mesma forma o pastor Silas Malafaia tem atuado como assessor da Rede Globo para assuntos religiosos e tem espaço em uma edição integral do Programa do Ratinho (SBT) para a exposição de suas ideias. A mesma visibilidade é dada por jornalistas porta-vozes de reações conservadoras a temas sociais, como José Luiz Datena, que, no seu programa na Rede Bandeirantes, ofereceu amplo espaço, por meio de entrevista, ao senador Magno Malta para que defendesse a redução da maioridade penal para aplacar a violência urbana, ou como Reinaldo Azevedo que, em seu blog no site da revista Veja, tornou-se árduo defensor de Marco Feliciano e Silas Malafaia, e se tornou leitura obrigatória para evangélicos, segundo indicação desses líderes religiosos.

Alianças do religioso com o não-religioso formando exércitos que marcham em defesa da moral e dos bons costumes – em defesa da família – não é algo novo no Brasil (1964 ainda está bem marcado na memória), mas é bastante novo no espaço político que envolve os evangélicos e suas conquistas na esfera pública. Em matéria na Folha de São Paulo, de 7/4/2013, o diretor do instituto de pesquisa Datafolha, Mauro Paulino, declarou que o discurso de Feliciano capta simpatias de parte da população: “Entre os brasileiros, 14% se posicionam na extrema direita. As aparições na imprensa dão esse efeito de conferir notoriedade a ele.” Isto significa que apesar dos tantos slogans divulgados em manifestações presenciais e nas redes sociais – “Feliciano não me representa” – Feliciano, Malafaia, Bolsonaro e tantos outros ganham espaço e legitimidade. Portanto, há quem se sinta representado, sim, não somente do ponto de vista da popularidade mas do peso das articulações ideológicas em curso na sociedade brasileira. Tudo isto temperado com uma forte tendência de reação contrária às mudanças que a sociedade brasileira vem experimentando nas últimas décadas, resultantes de políticas de inclusão nas mais diversas frentes sociais.

Triângulo das Geraes: um programa bem mineiro

Se você, de vez em quando, fica cansado de tão grandes tumultos e inúteis controvérsias, não deixe de conferir um programa bem mineiro: Triângulo das Geraes.

Se você é mineiro, o programa é uma ótima opção. Se você é triangulino, ou patureba como eu, já não é uma opção, é uma obrigação…

Comecei a ver na TV, gostei demais. Na SKY, está no CineBrasilTV, canal 102.

Acessei o site, lá estão todos os episódios da série. Para assistir e até gravar.

Causos, costumes, estórias e tradições dos moradores da roça e das cidades do Triângulo Mineiro e do Alto Paranaíba.

Clique em Triângulo das Geraes.

No site do canal CineBrasilTV, clique em Localize o Canal, para saber onde e quando ver na TV.

Observo que o programa sumiu, mas há vídeos aqui no YouTube.

Crise diplomática entre Bolívia e países europeus



>> Última atualização: 04/07/2013 – 14h50


Dilma expressa “indignação e repúdio” à proibição imposta ao avião de Morales. “Constrangimento” ao presidente boliviano “atinge não só à Bolívia, mas a toda América Latina”, afirmou hoje, 03/07/2013, a presidenta do Brasil.

Voltando de Moscou, onde havia participado da segunda cúpula de países exportadores de gás, realizada na capital russa, Morales se viu forçado a aterrissar no aeroporto de Viena depois que alguns países europeus – parece que França, Portugal, Espanha e Itália – negaram autorização de entrada de sua aeronave oficial em seus espaços aéreos, o que gerou uma crise diplomática.

O avião de Morales foi desviado para Viena na terça, supostamente por suspeitas de que transportasse o americano Edward Snowden, procurado pela justiça dos Estados Unidos acusado de espionagem.

Leia sobre a repercussão do caso na América Latina aqui.

Leia Mais:
Líderes sul-americanos repudiam retenção do avião de Evo Morales – Valor: Fabio Murakawa, Maira Magro e Bruno Peres 04/07/2013

Resenhas na RBL – 25.06.2013

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

Mark J. Boda and J. Gordon McConville, eds.
Dictionary of the Old Testament: Prophets
Reviewed by Göran Eidevall

Ronald P. Byars
The Sacraments in Biblical Perspective
Reviewed by Thomas Bergholz

Joanne Clarke
On the Margins of Southwest Asia: Cyprus during the 6th to 4th Millennia BC
Reviewed by Allen Kerkeslager

Mark W. Elliott
Engaging Leviticus: Reading Leviticus Theologically with Its Past Interpreters
Reviewed by Bálint Károly Zabán

Judy Fentress-Williams
Ruth
Reviewed by Peter H. W. Lau

Erhard S. Gerstenberger
Israel in the Persian Period: The Fifth and Fourth Centuries B.C.E.
Reviewed by Jason Silverman

Candida Moss
Ancient Christian Martyrdom: Diverse Practices, Theologies, and Traditions
Reviewed by Jan Willem van Henten

Caryn A. Reeder
The Enemy in the Household: Family Violence in Deuteronomy and Beyond
Reviewed by Sung Jin Park

Don Thorsen and Keith H. Reeves
What Christians Believe about the Bible: A Concise Guide for Students
Reviewed by Peter J. Judge

Robert W. Wall
1 and 2 Timothy and Titus
Reviewed by Raymond F. Collins



>> Visite: Review of Biblical Literature Blog

Politizar a juventude sem experiência de luta de classes

Há uma luta de classes nas ruas, embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas ideias da direita e da esquerda. Devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. E a classe trabalhadora precisa se mover. E o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, o que levará a novas manifestações, visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo ou pagar a fatura no futuro.

Alguns trechos da entrevista de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre as recentes mobilizações em todo o país, publicada por Brasil de Fato em 25/06/2013. Reproduzida por Carta Maior em 29/06/2013.

Recomendo ler o texto completo: O significado e as perspectivas das mobilizações de rua.

:: Há uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?
É claro que há uma luta de classes nas ruas. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando  de uma luta ideológica. Vejam, eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? E por isso tem sido tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas ideias da direita e da esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora. Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus serviços de inteligência, que usam a Internet, se escondem atrás das mascaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela Internet. De repente uma mensagem estranha alcança milhares de pessoas. E aí se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria. Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e o Departamento de Estado estadunidense na primavera árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

:: E quais são os objetivos da direita e suas propostas?
A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, tem um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar quaisquer propostas de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia total no comando do Estado brasileiro, que agora está em disputa. Para alcançar esses objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. Às vezes provocam a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. Às vezes colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado, embora pequena, em são Paulo, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais. Certamente a maioria dos jovens nem sabe do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez a UDN em tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar às ruas. Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita, que suas bandeiras, além da PEC 37, são: saída do Renan do Senado; CPI e transparência dos gastos da Copa; declarar a corrupção crime hediondo e fim do foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam “Fora Dilma” e abaixo-assinados pelo impeachment. Felizmente essas bandeiras não têm nada a ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores.

:: Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?
Os desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político. Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são os principais inimigos do povo. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio e os especuladores. Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, reforma agrária. Mas para isso o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles 200 bilhões que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma divida interna que nunca fizemos. Deslocar para investimentos produtivos e sociais. E é isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo? Aprovar em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego, que no mínimo institua o financiamento publico exclusivo da campanha. Direito à revogação de mandatos e plebiscitos populares auto-convocados. Precisamos de uma reforma tributária que volte a cobrar ICMS das exportações primárias e penalize a riqueza dos ricos e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam. Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas públicas. De nada adianta aplicar todos os  royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petrolífera, e os 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões! Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte publico, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro, e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais. E controlar a especulação imobiliária. E finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da conferência nacional de comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação.

:: O que o governo deveria fazer agora?
Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo. E para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para investimentos pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a reforma agrária e um plano de produção de alimentos voltado para o mercado interno. Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade até a universalização do acesso dos jovens à universidade pública. Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, o que levará a novas manifestações, visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo ou pagar a fatura no futuro.

Leia Mais:
As manifestações e a repressão: o que está acontecendo?
A mídia é o partido da oposição