Considerações sobre as manifestações de junho

Recomendo o artigo Lições de um junho que ainda não acabou, de Magali do Nascimento Cunha, jornalista e professora da Universidade Metodista de São Paulo. Foi publicado por Notícias: IHU On-Line em 05/07/2013.

Alguns trechos das 4 lições, anotadas pela autora, de um junho que ainda não acabou:

1 – “O gigante acordou” ou saiu da espera?

A máxima “o gigante acordou” que fez parte da campanha afirmativa dos movimentos de rua de junho, acabou consagrando uma outra: a de que os brasileiros são acomodados, conformistas; é um povo pacífico e passivo que acaba aceitando tudo – daí as injustiças a que está acostumado.  Essa máxima, na verdade, sempre serviu a uma história oficial dos processos predominantes no País – dos colonizadores, aos imperiais e daí aos republicanos -, que não só desvalorizou e desclassificou movimentos históricos de resistência e revolucionários e sua repressão promovida pelos poderes dominantes, quanto desestimulou novos. Apesar deste imaginário social construído por este discurso que representa a coletividade do “ser brasileiro”, reforçado pelo verso do hino nacional republicano – “deitado eternamente em berço esplêndido” – a história tem sido, de fato, construída por homens e mulheres, jovens e adultos, brancos, negros, indígenas, que sempre estiveram acordados, despertos, ligados, desde os primórdios da colonização até os anos recentes da chamada redemocratização, e estabeleceram dezenas de manifestações, levantes, revoltas, rebeliões, motins, conspirações, insurreições, revoluções, guerras, em todo o País.

A afirmação de que os brasileiros estiveram por, pelo menos, 20 anos, dormindo (já que a última grande manifestação pública teria sido o movimento pelo impeachment do Presidente da República Fernando Collor de Mello, em 1992, por envolvimento em casos de corrupção) e estariam anestesiados/amordaçados pela Era PT No Poder, com suas políticas para levar mais gente para a classe média e ampliar o consumo, também não cabe. Serve, como na história oficial, para desvalorizar e desclassificar movimentos de sem-terras, sem-tetos, indígenas, mulheres, estudantes, trabalhadores urbanos, familiares de mortos pela violência urbana, que estiveram nas ruas nas últimas décadas colocando demandas específicas para seus segmentos mas também  reivindicando justiça, segurança pública, educação e saúde de qualidade para todos.

Coube especialmente às mídias lhes tirar a visibilidade ou diminuir a relevância. Se não houve consenso tão amplo, com menor segmentação, por demandas coletivas que levassem tantas pessoas às ruas nesse espaço de tempo como foi nesse junho de 2013, uma leitura que podemos fazer é que a população, vitoriosa com o impeachment de Fernando Collor e apostando nos governos de centro do PSDB e de esquerda do PT que se sucederam, decidiu esperar. Não estava dormindo – estava em estado de espera, ou, como se diz em relação aos modernos aparelhos eletrônicos, em stand by.

Parece que chegou o tempo de sair da espera e cobrar mudanças não vistas. Não que mudanças não tenham acontecido, em especial nos últimos 11 anos com políticas mais voltadas às demandas das classes menos privilegiadas e realização de real mobilidade (ascensão) na pirâmide social com diminuição dos índices de extrema de pobreza e maior acesso a direitos aparentemente simples como água e luz ou às vagas para estudo em universidades. Mas, especialmente durante os três períodos do governo petista, as políticas de amplas concessões ao sistema financeiro destoaram daquelas que ressaltaram a distribuição de renda, mas não se refletiram em mudanças no quadro da educação básica e da saúde, itens fundamentais para o estabelecimento de um país sem pobreza. Ademais, os casos de corrupção por personagens ligadas ao poder público (ressaltados simbolicamente no famoso “julgamento do mensalão”) e a manutenção da cultura política partidária alimentada por jogos de poder que pouco tomam em conta o interesse público (evidenciado recentemente com o destacado “caso Marco Feliciano”, que não tem trajetória ligada aos direitos humanos) serviram de e estímulo ao “sair da espera”.

O junho de 2013 mostra que há disposição da população para se manifestar, protestar e reivindicar. É preciso lembrar que o processo de redemocratização, pós-ditadura militar, é lento e ainda está sendo vivenciado. São menos de 30 anos de reconstrução do processo democrático no país, quando pessoas que atuaram pelo regime militar e em todo o sistema de opressão, censura e repressão, ainda estão ativas, algumas delas em evidência e até no poder público. Apenas no governo Dilma Rousseff se conseguiu criar uma Comissão da Verdade para se superar omissões e apagamentos da história oficial e restaurar a dignidade roubada de pessoas e suas famílias pelo Estado. É um processo lento, de aprendizado paciente. O teólogo Leonardo Boff afirmou sabiamente o que esta dinâmica significa em uma frase num de seus espaços em rede social eletrônica: “Quanto mais pessoas se libertam da pobreza, mais cresce nelas o sentido de seus direitos. É uma das razões das demonstrações nas ruas”.

Sim, “o gigante acordou” é uma afirmação de conotação mais negativa do que positiva, e também pretensiosa para os atuais movimentos. “O Brasil saiu da espera” parece mais coerente com o momento, pois está menos pobre e mais consciente, por isso se sente empoderado para cobrar, exigir.

2 – Sinal amarelo para os governos e os políticos

O que foi afirmado acima indica um sinal amarelo para os governos. A Presidenta Dilma Rousseff percebeu isto e não tardou em ouvir os movimentos e tentar responder a eles. Apesar de o governo federal ter sido colocado em maior evidência, os demais níveis de poder  (em especial doss Estado de São Paulo e do  Rio de Janeiro) também estão sob o julgamento popular e estão sendo/serão avaliados e cobrados.

No caso dos governos do PT é saudável que os movimentos de junho lhes provoquem e lhes recordem sua origem na esquerda e sua identidade com eles. É muito positivo que Dilma Rousseff se reúna com os diferentes grupos como vem fazendo desde o seu pronunciamento público. O mesmo deveria ser feito por governadores e prefeitos. Quando do “julgamento do mensalão” e do reconhecimento das trágicas consequências para o PT, assumido por lideranças históricas do partido, como Tarso Genro e Olívio Dutra, a palavra de ordem era a “refundação do partido”; eis aí mais um estímulo: desta vez o das ruas. Um sopro de ideais de esquerda fará muito bem aos governos petistas para que caminhassem, em especial, na direção das demandas por direitos coletivos.

Na linha pensamento de que as demonstrações nas ruas são reflexos de mais consciência, é possível afirmar que elas não se colocaram contra partidos ou movimentos ligados a eles, como desejaram evidenciar alguns manifestantes, até mesmo com ações violentas. Os atos de junho fizeram por denunciar o oportunismo dos políticos que só respondem/representam quando o povo vai para a rua. Esse oportunismo ficou ainda mais nítido quando pautas por longo tempo travadas em comissões e no próprio congresso, por não serem colocadas como prioridade (até porque não interessam ou afetam interesses pessoais e corporativos ligados aos próprios congressistas), agora estão tramitando com o cancelamento, inclusive, do recesso parlamentar de julho.

A presença de pautas de direita/conservadoras nas manifestações públicas é algo que não deve ser desprezado, pelo contrário, precisa ser melhor compreendida. Nesse caso, o que mais chama a atenção é a defesa de bandeiras do tipo “Anonymous” abraçadas por muita gente e reproduzida nas redes sociais eletrônicas. Todas as chamadas “cinco bandeiras” amplamente divulgadas tocavam na pauta relacionada à corrupção – nada em torno da justiça em relação a direitos coletivos que mexam com a ordem vigente, com a lógica dos privilégios. São pautas de forte apelo popular e que restringem tudo à questão da corrupção, como se, trocando as pessoas no poder por outras mais “limpas”, o país se resolvesse, como que um “udenismo de máscaras”. Isso dá margem a demandas por uma volta dos militares ao poder, por exemplo, cujas ações no tempo da ditadura eram justificadas por valores como a moral e a retidão.

Este tipo de abordagem torna explícita que há, sim, vida política e ideológica conservadora que encontrou nos atos de junho uma forma de dar sinais de existência e, sentindo-se permitida a reagir contrariamente aos avanços sociopolíticos experimentados nas últimas décadas, com as máscaras do “anonimato”, clamando por um retorno à velha ordem quando não se trabalhava por inclusão social e cidadania, ou pela Verdade, nem se estendia direitos a mulheres, crianças, adolescentes e homossexuais.

3 – Mídias: elemento ativo no processo

A perplexidade com as proporções dos movimentos explicitada pela cobertura inicial das mídias noticiosas seguida pela brusca mudança no tratamento da temática foram marcas deste fenômeno. Caso emblemático foi a alteração de abordagem, em 48 horas, dos noticiários da Rede Globo – tanto na TV Globo quanto na Globo News, de desclassificação dos atos em São Paulo como prática de “baderneiros” para a exaltação de uma “linda forma de manifestação” da vontade popular.

Que as mídias no Brasil, propriedades das famosas 10 famílias pertencentes à classe que sempre predominou no poder no País e de uma igreja pentecostal baseada princípios empresariais, nunca trabalharam para legitimar e fortalecer movimentos sociais, é fato amplamente conhecido e estudado, e quando forçadas pela pressão popular acabam se rendendo ao que é mais do que evidente.

Assim foi na Campanha das Diretas Já em 1984, quando os primeiros atos públicos foram ignorados, em especial nas telas da TV, e a Rede Globo chegou ao disparate de noticiar que havia multidões nas ruas, sim, mas para comemorar o aniversário de São Paulo. Quando não houve mais jeito, e as mídias tiveram que noticiar o que não se podia mais ser ignorado, ironicamente o locutor esportivo da Rede Globo Osmar Santos acabou se tornando locutor dos comícios pelas eleições diretas.

Nos episódios em torno do impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, a mudança de discurso ficou ainda mais evidentes pois a Rede Globo, por exemplo, era aliada do presidente. O silêncio e a omissão não puderam se sustentar tal da pressão das ruas e do movimento dos chamados “caras pintadas” e logo os estudantes já eram apresentados como revolucionários e grande esperança do Brasil.

No jornalismo impresso, Folha de São Paulo, por exemplo, tanto no movimento pelas Diretas Já quanto no “Fora Collor”, percebeu logo o sentido e o potencial das manifestações e fez ampla cobertura desde os primórdios mas assumiu uma postura declaradamente parcial: deixava claro que as eleições diretas em 1984 não deveriam abrir o Brasil para um governo de esquerda (naquela época as grandes “ameaças” eram Lula e Leonel Brizola) e seus discursos deixavam clara a opção por Ulisses Guimarães, alçado pelo jornal (e também pela Rede Globo e pela revista Veja) como o “Senhor Diretas”, atribuindo-lhe os louros do movimento, inicialmente convocado, em 1983 pelo PT. Já no caso Collor a Folha trabalhou para descolar a imagem do presidente corrupto das políticas de ajuste ao capitalismo globalizado que ele implementava no país e que ela aprovava.

Essa memória é importante para se ter em mente duas realidades:

1) que as teorias conspiratórias em torno do poder das mídias devem ser, sim, rechaçadas, ressaltando-se o lugar dos receptores e de sua postura crítica. Não é à toa que desde as manifestações pelas Diretas Já e depois contra os efeitos do chamado “Plano Cruzado” do governo Sarney, no “Fora Collor” e agora nos atos de julho, é palavra de ordem frequente nas ruas o “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Palavras ainda mais intensificadas com ações explícitas de manifestantes de hoje na frente das instalações da emissora de TV nas grandes cidades, ou diante dos seus repórteres que cobriam os atos.

2) No entanto, não se pode esquecer a dimensão política em torno dos processos de comunicação, e, como foi dito acima, as mídias têm donos e donos comprometidos com processos historicamente desfavoráveis a demandas sociais de alteração da ordem vigente.

E aqui é preciso reforçar os estudos, os monitoramentos, para se compreender como se dão os processos comunicacionais. Os donos das mídias e os demais grupos que sempre foram privilegiados pelos contextos sociopolíticos e econômicos dominantes e excludentes não explicitam sua insatisfação com as possibilidades de mudança nestes campos e não aparecem discursando seu desejo de que nada mude e tudo fique como sempre foi. Esses grupos têm porta-vozes, os chamados “formadores de opinião”, encarnados nos colunistas de Veja, de O Globo, do Estadão, da Folha e em comentaristas do Jornal da Globo e dos espaços da Globo News.

A defesa das demandas desses grupos fica então inserida em narrativas e análises que se expressam como se fossem conteúdos de interesse coletivo, pelo “bem do País”. Foi assim que inicialmente os movimentos foram taxados de “baderna” mas depois eram “linda forma de o povo expressar voz” ou “esperança de uma nova forma de governo”, mas com ênfase da questão da mudança relacionada ao tratamento moralista da corrupção (agora as pesquisas de jornais e TVs cobram a “prisão dos mensaleiros” – elemento que pouco apareceu nas ruas) o que desvia de demandas que são majoritárias nos atos de junho: mais direitos sociais coletivos garantidos e mais mecanismos democráticos de fazer valer a voz da população.

Um fator de destaque no tocante a relação das mídias com este processo foi o lugar das redes sociais eletrônicas. Decerto, estão se revelando alternativas à opção política das mídias tradicionais. A liberdade de expressão que possibilitam bem como a capacidade de articulação ficam mais evidentes no Brasil de junho 2013. Fato é que elas não são “a” expressão, são um meio de explicitá-la, afinal foi o presencial, a pressão das ruas que fez toda a diferença no processo, bem como o serão reuniões delas decorrentes.

4 – Fundamentalismo na relação religião-política

Há um imaginário sobre o fundamentalismo, por força do discurso da mídia noticiosa sobre as ações políticas relacionadas ao contexto islâmico, que o coloca como atributo não-cristão, do radicalismo e, portanto, do terrorismo. Este imaginário limitado às imagens construídas pelas mídias, que reproduzem discursos europeus e estadunidenses, impede o reconhecimento do fundamentalismo como um movimento reacionário, ou seja, de reação ao novo, ao avanço que leva o curso dos contextos para novos rumos, afinados com os tempos presentes e futuros. Fundamentalismo é sinônimo, sim, de conservadorismo intenso, um movimento de grupos que não desejam alteração de uma ordem de pensamento, e ação consequente, dominante. Têm aversão ao diálogo e à interação que sempre colocam em xeque os absolutismos, na medida em que diferenças ficam evidentes e provocam aprendizado que leva ao novo.

O fundamentalismo é um movimento que nasceu com evangélicos na passagem do século XIX para o XX. Uma reação às tendências teológicas que viam no advento das ciências humanas e sociais formas de fazer teologia e contextualizá-la, fazendo nascer novas leituras da Bíblia e da fé em Deus. O liberalismo teológico e a leitura crítica da Bíblia surgem neste clima. As reações de conservação da antiga ordem teológica foram imediatas e advogaram a inerrância bíblica, o valor inquestionável da leitura literalista e a negação da validade de qualquer mediação que não fosse a da fé, simplesmente, especialmente a das ciências. Boa parte dos evangélicos no Brasil do ramo tradicional e do pentecostal era e ainda é afinada com a corrente fundamentalista.

O Brasil de 2013 assiste a uma recomposição da Frente Parlamentar Evangélica [FPE] (números que variam mas giram em torno de 73 congressistas, de 17 igrejas diferentes, 13 delas pentecostais). De políticos, cujos projetos raramente interferem na ordem social, com defesa de interesses particulares ou corporativos,  na forma de “praças da Bíblia”, criação de feriados para concorrer com os católicos, benefícios para templos, e recorrentes casos de fisiologismo, esses deputados e senadores passaram a ser apresentados como defensores da família e do direito à liberdade de expressão (deles) contra a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais. Nesse caso valem alianças e parcerias até mesmo com parlamentares e grupos católicos tradicionalistas. Por isso é possível afirmar que algo de novo se desenha no cenário político brasileiro.

Ao constantemente evocarem os números do Censo 2010 que os coloca como 22% da população brasileira, grupos evangélicos com pretensões políticas demandam legitimidade social e mais espaço de influência. Este é um projeto cada vez mais nítido deste segmento social que certamente visa, como os demais grupos políticos, muito mais do que cadeiras no Congresso, mas também presidências de comissões e de ministérios relevantes (para além do único atual tímido Ministério da Pesca, sob a liderança do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivela).

A polêmica em torno do deputado federal Marco Feliciano (PSC/SP) e a forma como ele assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, deixa este projeto em evidência. Nesse caso não só uma presidência inédita de comissão foi alcançada, mas também maior visibilidade aos evangélicos na política e ao próprio PSC, que tem o nome “Cristão”, no entanto sempre se caracterizou como um partido de aluguel para quem desejasse candidatura independentemente de confissão de fé.

Nesse sentido estas lideranças religiosas se sentem com poder para influenciar processos sociopolíticos e até mesmo para ameaçar lideranças políticas de tirá-las do poder. Exemplo é o que têm declarado o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia por meio de seus espaços nas redes sociais eletrônicas. Ele tem afirmado que foram aos evangélicos que começaram os movimentos de junho com Manifestação dos Evangélicos em Brasília pela Família e a Liberdade de Expressão que liderou (esquecendo que os atos de junho começaram mesmo nas reações contra a presença de Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos). O pastor Malafaia também ameaça: “Para nós, evangélicos, não muda nada se não estivermos em reunião convocada [pela Presidenta Dilma Rousseff] com representantes da sociedade, mas o voto pra eles muda: somos 30%”. O pastor também tem discursado explicitamente contra o plebiscito sugerido ao congresso pela Presidenta.

Que tais grupos evangélicos tenham discurso conservador não é novidade, afinal é parte da formação predominante deste grupo religioso desde os seus primórdios no Brasil. O que há de novo é a maior visibilidade pela projeção que as mídias religiosas e não-religiosas têm dado a este discurso por meio dos espaços a Marco Feliciano e ao pastor Malafaia. O fato deste pastor se colocar como porta-voz dos evangélicos com críticas públicas explícitas, nada diplomáticas, ao governo federal, com reforço às ações da FPE, e receber amplo apoio (levou 40 ou 70 mil pessoas para a manifestação em Brasília – números que dependem de quem estima, mas são, de fato, altos) coloca em evidência o conservadorismo na sociedade brasileira, antes atribuído mais diretamente aos evangélicos, porém uma tendência forte, explicitada, como reconhecido acima, nos atos de junho por uma parcela dos manifestantes.

É nesse contexto que o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), conhecido por suas posturas assumidamente conservadoras e agressivas e que não é ligado a grupos religiosos, afirmou que se sente como “irmão” de Marco Feliciano, aliança amplamente divulgada nas mídias noticiosas. Da mesma forma o pastor Silas Malafaia tem atuado como assessor da Rede Globo para assuntos religiosos e tem espaço em uma edição integral do Programa do Ratinho (SBT) para a exposição de suas ideias. A mesma visibilidade é dada por jornalistas porta-vozes de reações conservadoras a temas sociais, como José Luiz Datena, que, no seu programa na Rede Bandeirantes, ofereceu amplo espaço, por meio de entrevista, ao senador Magno Malta para que defendesse a redução da maioridade penal para aplacar a violência urbana, ou como Reinaldo Azevedo que, em seu blog no site da revista Veja, tornou-se árduo defensor de Marco Feliciano e Silas Malafaia, e se tornou leitura obrigatória para evangélicos, segundo indicação desses líderes religiosos.

Alianças do religioso com o não-religioso formando exércitos que marcham em defesa da moral e dos bons costumes – em defesa da família – não é algo novo no Brasil (1964 ainda está bem marcado na memória), mas é bastante novo no espaço político que envolve os evangélicos e suas conquistas na esfera pública. Em matéria na Folha de São Paulo, de 7/4/2013, o diretor do instituto de pesquisa Datafolha, Mauro Paulino, declarou que o discurso de Feliciano capta simpatias de parte da população: “Entre os brasileiros, 14% se posicionam na extrema direita. As aparições na imprensa dão esse efeito de conferir notoriedade a ele.” Isto significa que apesar dos tantos slogans divulgados em manifestações presenciais e nas redes sociais – “Feliciano não me representa” – Feliciano, Malafaia, Bolsonaro e tantos outros ganham espaço e legitimidade. Portanto, há quem se sinta representado, sim, não somente do ponto de vista da popularidade mas do peso das articulações ideológicas em curso na sociedade brasileira. Tudo isto temperado com uma forte tendência de reação contrária às mudanças que a sociedade brasileira vem experimentando nas últimas décadas, resultantes de políticas de inclusão nas mais diversas frentes sociais.