Os levantes de junho fizeram o País tremer e algumas mentes fraquejarem. Afirmaram-se como um movimento potente, autônomo e sem precedentes na escala que alcançou. Para nós, o que de mais inovador e liberador neles se expressou foi a contestação (difusa e confusa, mas vigorosa) de duas dimensões da “pólis”: de um lado, a “política” autista e alienada de seus fundamentos constituintes; de outro, o sequestro das cidades pelo projeto autoritário de sociedade-empresa, que comprime as alternativas de sociabilidade na via única e estreita do consumo pago, e submete os pobres ao calvário dos transportes. Uma reivindicação por serviço público gratuito de qualidade desencadeou o movimento; uma contraditória mistura da tentativa de captura midiático-reacionária das manifestações com a indignação civil ante a repressão brutal e a surdez do poder o agigantou. Agora ele vive um momento de recomposição e relativo refluxo, mas está longe de se ter esgotado (…)
A situação é complexa, cheia de incógnitas e não isenta de riscos. Os poderes constituídos (partidos e magistraturas, Governo e oposição, e as respectivas instituições) não parecem até aqui nem aptos nem abertos, seja à compreensão do sentido profundo do levante democrático da multidão, seja a receber seu influxo e deixar-se atravessar por ele, renovando-se a partir dos fundamentos, “retornando aos princípios”. Muito ou quase tudo vai depender da posição do Governo diante do movimento, das relações que venham ou não a (r)estabelecer entre eles.
O paradoxo desse (re)encontro possível entre a potência constituinte (a “virtù”) e o Governo é que dele depende a “fortuna” das forças que hoje o controlam, particularmente do PT. Se Governo e PT apostarem no refluxo definitivo do movimento e (como até aqui) numa solução formal de mera “adequação” da representação constituída, as consequências serão muito negativas para ambos. Se, ao contrário, se abrirem corajosamente aos momentos constituintes que se multiplicam, retomando e ampliando a política dos pontos de cultura, contrapondo-se às políticas de remoções dos pobres, repensando os megaeventos, discutindo a democratização da comunicação, propondo a desmilitarização da segurança pública, a tradução política da potência do levante será uma inovação radicalmente democrática.
Leia Quem tem medo do poder constituinte? de Adriano Pilatti e Giuseppe Cocco. Notícias: IHU On-Line 14/07/2013.
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