The Biblioblog Top 50 voltou com novo ânimo

The Biblioblog Top 50 Reloaded!

The Biblioblog Top 50 já provocou muito auê. Além de ter nascido, morrido, renascido… Mas está lá, novinho em folha, totalmente remodelado. Com os seguintes elementos:

:: Featured Blogger Interviews: a minha entrevista está também aqui.

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:: The World of Bibliobloggers – Where Are We From?

A polissemia das manifestações populares

A polissemia das manifestações populares

Por Edson Elias de Morais* e Luana Garcia*: Notícias: IHU On-Line 28/06/2013

Os partidos de Esquerda estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Os partidos de Direita estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Os apartidários estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Cada um interpreta à sua maneira e faz as ponderações e indicações segundo suas agendas. A mídia, os partidos de Direita e seus simpatizantes estão comemorando ainda mais, porque estão percebendo nisso um “filão” inesperado contra o governo Dilma e principalmente contra o PT. Estão utilizando os gritos, as revoltas, as manifestações como sinônimos de crítica ao governo e não a uma sociedade viciada politicamente, a uma sociedade corrompida estruturalmente e um sistema societário fadado à desigualdade.

Após a manifestação de apoio ao movimento de São Paulo, houve o comentário de uma manifestante de Londrina, um desabafo e crítica ao fato de terem sido reprimidas as bandeiras do PSTU e do PSOL na manifestação da cidade, na página do Facebook. Ela argumentava que a esquerda tem contribuído para todo esse processo. É verdade, os partidos de esquerda historicamente são mobilizadores de revoltas e revoluções populares, está ou esteve na base do processo de politização das pessoas e tem uma agenda em prol dos trabalhadores. Concordo que não foi coerente proibir as bandeiras partidárias na manifestação, uma vez que ali se faziam presentes pessoas de várias classes sociais, partidos e credos.

Foi e está sendo uma manifestação popular, sem uma coordenação específica, mas de identificação com uma causa, a partir do ponto de vista e da crítica de cada indivíduo. O grande guarda-chuva ideológico é um “país melhor”, “justiça”, “educação”, “saúde” e “transporte” de qualidade. E aqui cabe qualquer programa político, qualquer partido e qualquer política-econômica, pois são grandes abstrações generalizantes. São problemas reais e concretos? São. Mas da forma como estão sendo discursados não passam de revoltas, em vez de serem um projeto de política.

Os partidos de Esquerda estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Os partidos de Direita estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Os apartidários estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Cada um interpreta à sua maneira e faz as ponderações e indicações segundo suas agendas. A mídia, os partidos de Direita e seus simpatizantes estão comemorando ainda mais, porque estão percebendo nisso um “filão” inesperado contra o governo Dilma e principalmente contra o PT. Estão utilizando os gritos, as revoltas, as manifestações como sinônimos de crítica ao governo e não a uma sociedade viciada politicamente, a uma sociedade corrompida estruturalmente e um sistema societário fadado à desigualdade.

A maioria dos manifestantes demonstra saber exatamente as responsabilidades que cabem a cada setor da sociedade e, mediante esse quadro, muitos tendem a negar as bandeiras partidárias, enquanto alguns as defendem ferrenhamente. Podemos observar que nesse processo existe uma tensão evidente entre os meios tradicionais de participação e a necessidade de negá-los, sejam quais forem: partidos, sindicatos, comunidades de bairro, etc, como se fugissem diretamente da corrupção que, por vezes, vigora nessas organizações.

Por mais que alguns manifestantes, em sua minoria, incitem  a política sem políticos, o poder total ao povo, e levantam bandeiras anarquistas, outros manifestantes, talvez uma maioria, apontam que a representação política é necessária, mas deve contar com mais controle e vigilância do povo, para que não desvirtue os princípios democráticos, como a utilização correta dos recursos públicos.

Parece estar diluído entre os que marcham pelas diferentes causas, que alguns tipos de responsabilidades cabem apenas aos indivíduos que estão no poder, sendo que, uma vez negadas essas responsabilidades, elas constituem barreiras para a transparência das instituições democráticas, e fomentam práticas injustas, ações incorretas, corrupção, entre outras falhas, que só existem em uma sociedade em desacordo com suas instituições e com falência da vigilância pública.

Viver em uma democracia é, acima de tudo, poder reclamar por ações como estas, (re)estabelecer a confiança nas instituições formais, organizar movimentos legítimos da sociedade civil, ter canais para esse tipo de manifestações e não sofrer repressões.

Quando as instituições funcionam mal, o abalo e o fracasso das condições democráticas são sentidos, sobretudo entre os mais pobres e vulneráveis, onde se encontram déficits em todos os âmbitos: econômico, cultural e social. Novas barreiras se erguem para esse indivíduo na medida em que as desigualdades se intensificam, e as saídas por vias institucionais, ou a confiança na política – ou nos ideais políticos – sofrem de total descrédito. No caso brasileiro, os vícios políticos e os procedimentos que envolvem a máquina governamental favorecem não só tais práticas excludentes, mas também intensificam as múltiplas desigualdades.

E é diante desta realidade, do fracasso das condições democráticas, do mau funcionamento das instituições políticas e do agravamento das desigualdades sociais que o povo se revolta. Por isso é uma revolta plural que pode, por defender tantos ideais, se perder no enfrentamento de metas especificas, por não ter um projeto e uma organização devido à falta de uma politização no processo de socialização. Ficam reféns do calor do momento e da esperteza de alguns partidos políticos, e por esse motivo as atuais manifestações populares podem servir a dois senhores ou mais, simultaneamente.

* Edson Elias de Morais é mestrando em Ciências Sociais, Licenciatura / Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina e Bacharelado em Teologia pela Faculdade Teológica Sul Americana, Londrina-PR. 


* Luana Garcia é mestranda em Ciências Sociais, Especialista em Ensino de Sociologia e Licenciatura / Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina.

Como leremos em 2020?

A saída para o mercado editorial: tentativas, erros e aprendizados – Eber Freitas: Revolução eBook 27/06/2013

Como leremos em 2020? (…) Para responder à pergunta inicial, o pesquisador Sílvio Meira, fundador do C.E.S.A.R (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife) palestrou durante o 4º Congresso Internacional do Livro Digital, que ocorreu entre os dias 13 e 14 de junho [de 2013].


As possibilidades não deixaram muitas pessoas felizes. Após uma contextualização histórica – desde a conhecida revolução de Gutenberg até a leitura em modo “shuffle” [embaralhado, não linear, fora de ordem, aleatório] da era do Twitter -, Sílvio Meira aponta para conclusões incertas: “nesse tipo de contexto, nessas novas plataformas, qual o futuro dos livros? Livros, eu acho, vão ser fluxos. Fluxos como conteúdo aumentado, compartilhado em rede como serviço”. Essa consideração, no entanto, implica em uma ampla contextualização.


(…) “Antes de Gutenberg, a gente tem um sistema baseado em recreação/recriação, que é criativo, coletivo, contextual, instável, baseado na performance. Dentro ou exatamente no meio de Gutenberg, nós temos o estável, o canônico, o individual, o original, o autônomo, o universo da composição. Depois de Gutenberg a gente tem um conjunto de coisas que não tem exatamente nome”, afirma.


E o que representa esse conjunto de coisas ainda sem nome ou características difíceis de mapear? “A gente faz sempre, a gente faz coisas e remistura, a gente toma coisas emprestadas, a gente reformata, a gente se apropria. Estamos vendo um universo que, no futuro, talvez seja chamado de percomposichange – um universo de performance, composição e mudança simultânea”, descreve. Tudo isso, pouco necessário lembrar, é um tiro fatal na atual visão de copyright das editoras, livrarias, agentes e autores.


De acordo com Sílvio Meira, a leitura está se tornando cada vez mais fragmentada e menos canônica (…) O “Livro” é cada vez menos um produto final a ser entregue em uma embalagem e mais uma espécie de serviço com muitos outros valores e ferramentas agregados. E não é apenas isso: o livro, a partir de agora, deve ser visto como um elemento integrado à World Wide Web.


“A rede como um todo é uma plataforma de compatibilidade. É uma infraestrutura, um conjunto de serviços em cima dessa infraestrutura e um conjunto de aplicações em cima desse serviço. Livros fazem parte de um conjunto articulado de sistemas e, como conteúdo, dependem dessas plataformas de compatibilidade ao redor. A plataforma móvel, digital, conectada e programável é muito mais eficaz, muito mais leve, muito mais eficiente, muito mais barata do que a plataforma física”, explica Sílvio Meira.


“Isso vai mudar exatamente o que a gente vai entender como ‘Livro’ no futuro próximo. Escrita, propriedade do material, distribuição, leitura, replicação e preservação vão mudar porque a plataforma de compatibilidade já está mudando”, alerta.


A resposta para quem trabalha na indústria do livro é profética, mas não muito animadora. E pode ser resumida em uma sigla: TEA (tentativas, erros e aprendizado). Esqueça os acertos.

Até aqui o texto, ou melhor, trechos do texto, que precisa ser lido por inteiro.

Observo que o mais impressionante, para mim, não foi o texto e nem suas conclusões, mas sua rejeição quando proposto para discussão a um grupo de “intelectuais” acostumados, como todos nós, às tradicionais práticas de leitura e que refletiam sobre as dificuldades, nesta área, dos atuais estudantes.

Alguns dos presentes não apenas rejeitaram o texto: nem quiseram ouvir a conclusão. A exposição precisou ser interrompida, pois atingiu certezas e irritou uns poucos, que retrucaram ser esta uma especulação inútil.

E, acrescento: intelectuais que, por dever de ofício, falam todos os dias às novas gerações! Estamos assim tão desarvorados face à revolução digital?

Mensagem de Casaldáliga a Francisco sobre a TdL

“Que a Igreja se reconcilie com a Teologia da Libertação”, pede Casaldáliga ao Papa – José Manuel Vidal: Religión Digital: 25/06/2013 – Publicado por Brasil de Fato em 27/06/2013

(…) Antes de visitar o Papa, na companhia do líder indígena Qom argentino, Félix Díaz, o Nobel argentino, Pérez Esquivel, telefonou para seu velho amigo Pedro, bispo emérito de São Félix do Araguaia, poeta, profeta dos pobres e pastor dos índios. E o bispo brasileiro de origem espanhola aproveitou a ocasião para enviar dois pedidos ao Papa: que defenda os indígenas e que reabilite a Teologia da Libertação. “Apresentei-lhe uma mensagem de Pedro Casaldáliga, que me disse: ‘Você verá Francisco, diga para ele que procure escutar, refletir e chegar a um acordo, uma reconciliação com os teólogos latino-americanos. Que se preocupe com toda a questão dos povos originários no continente’. Para mim, isso foi um sinal positivo”, afirmou o Nobel. Após a audiência com o Papa, Esquivel reconheceu: “É verdade que existiram problemas com muitos teólogos da libertação. É preciso revisar muitas coisas. As teologias nunca são definitivas, são caminhos para construir” (…) O Nobel argentino também revelou que, na reunião com o Papa, de 45 minutos, entregou-lhe uma cópia do chamado Pacto das Catacumbas, um manifesto assinado por 40 bispos, entre eles grandes personalidades latino-americanas, poucos dias antes do encerramento do Vaticano II. Esquivel disse que o Papa, ao ver entre os assinantes Helder Câmara, Luigi Betazzi, Manuel Larraín, Leónidas Proãno, Sergio Méndez Arceo e Faustino Zazpe, exclamou: “Ui! Quem está aqui!”. E o Nobel explica que o Papa se interessou muito pelo assunto e, embora não tenha se comprometido com nada, disse que iria pensar. De sua parte, Esquivel se comprometeu em “reunir os teólogos da Libertação, como Leonardo Boff e outros, que tanto contribuíram com a Igreja”.

Casaldáliga pide al Papa: “Que la Iglesia se reconcilie con la Teología de la Liberación” –  José Manuel Vidal: Religión Digital: 25/06/2013

(…) Antes de visitar al Papa, en compañía del líder indígena Qom argentino, Félix Díaz, el Nobel argentino, Pérez Esquivel, llamó a su viejo amigo Pedro, obispo emérito de Sao Felix do Araguaia, poeta, profeta del os pobres y pastor de los indios. Y el obispo brasileño de origen español aprovechó la ocasión para mandarle dos peticiones al Papa: que defienda a los indígenas y que rehabilite la Teología de la Liberación. “Le llevé un mensaje de Pedro Casáldáliga, quien me dijo: ‘Lo vas a ver a Francisco, decile que trate de escuchar, reflexionar y de llegar a un acuerdo, una reconciliación con los teólogos latinoamericanos. Que se preocupe por toda la cuestión de los pueblos originarios en el continente’. Eso, para mí, sería una señal positiva”, afirmó el Nobel. Tras la audiencia con el Papa, Esquivel reconoció: “Es verdad que existieron problemas con muchos teólogos de la liberación. Hay que revisar muchas cosas. Las teologías nunca son definitivas, son caminos a construir” (…) El Nobel argentino también desveló que, en la reunión con el Papa que duró 45 minutos, le entregó una copia del llamado “Pacto de las catacumbas”, un manifiesto firmado por 40 obispos, entre ellos grandes personalidades latinoamericanas, a los pocos días de la clausura del Vaticano II. Cuenta Esquivel que el Papa, al ver entre los firmantes a Helder Cámara, Luigi Betazzi, Manuel Larraín, Leónidas Proaño, Sergio Méndez Arceo o Faustino Zazpe, exclamó: “Uy, quiénes está ahí”. Y el Nóbel explica que el tema le interesó mucho al Papa y, aunque no se comprometió a nada, dijo que lo iba a ensar. Por su parte Esquivel se comprometió a “reunir a los teólogos de la Liberación, como Leonardo Boff y otros, que tanto aportaron a la Iglesia”

Leia o texto completo.

Ampliar o clamor das ruas na democracia

Dilma: um plebiscito e uma constituinte para  ampliar  a voz  da rua na democracia. Presidenta reuniu na tarde de ontem, dia 24/06/2013, 27 governadores e 26 prefeitos de capitais em Brasília e propôs 5 pactos para melhorar o país. Tem gente esperneando, especialmente no Congresso e na grande mídia. 

“O segundo pacto é em torno da construção de uma ampla e profunda reforma política, que amplie a participação popular e amplie os horizontes da cidadania. Esse tema, todos nós sabemos, já entrou e saiu da pauta do país por várias vezes, e é necessário que (…) tenhamos a iniciativa de romper o impasse”, disse a Presidenta Dilma Rousseff, nesta 2ª feira, ao propor um Plebiscito para convocar uma Constituinte exclusiva, capaz de realizar uma ‘ampla e profunda’ reforma política. Um aggiornamento  da democracia brasileira, em sintonia com os anseios sinceros da rua por mais participação e menor influencia do dinheiro grosso no sistema político nacional. A  presidenta Dilma desenhou o escopo de um grande debate nacional, capaz de incorporar as vozes e inquietações das ruas. Cumpre às administrações locais avançarem nessa direção criando contrapartidas de ampliação da democracia ali onde a vida acontece, na gestão das cidades. A sorte de prefeitos e gestões progressistas depende desse desassombro. Trata-se de abrir canais de escuta forte da cidadania. Não canais ornamentais, mas instrumentos relevantes e críveis de poder  sobre o orçamento. O PT tem experiências a resgatar; a disseminação da tecnologia permite, hoje, mais que ontem, submeter a gestão da cidade à soberania dos cidadãos. A Presidenta Dilma respondeu com perspicácia histórica ao clamor das ruas. Disparou na direção certa. A questão que aglutina a fragmentação das bandeiras desordenadas do nosso tempo é o poder. Todo o processo de globalização e financeirização apoia-se na captura da soberania popular pelo dinheiro grosso. Governos se emasculam. O voto se desmoraliza. Os partidos se descarnam. A existência se acinzenta. A mídia conservadora é a torre de vigia desse sequestro. O poder democrático da sociedade sobre ela mesma se esfarela. Ou ele se amplia, ou vence a exaustão caótica. E com ela a bandeira já sussurrada pela direita e por seus ventríloquos obsequiosos: ‘ordem e um Napoleão de toga’ (Carta Maior – 25/06/2013)

Leia Mais:
As manifestações e a repressão: o que está acontecendo?

Fim da guerra entre Roma e a Teologia da Libertação?

“O movimento eclesial e teológico da América Latina, conhecido como ‘teologia da libertação’, que depois do Vaticano II encontrou eco em todo o mundo, deve ser considerado, na minha opinião, entre as correntes mais significativas da teologia católica do século XX” (Gerhard Ludwig Müller, 2004).  

“Il movimento ecclesiale e teologico dell’America Latina, noto come ‘teologia della liberazione’, che dopo il Vaticano II ha trovato un’eco mondiale, è da annoverare, a mio giudizio, tra le correnti più significative della teologia cattolica del XX secolo” (Gerhard Ludwig Müller, 2004).

 

Roma e a Teologia da Libertação: fim da guerra – Gianni Valente: Vatican Insider. Traduzido para o português por Cepat e publicado por Notícias: IHU On-Line em 23/06/2013

“O movimento eclesial e teológico da América Latina, conhecido como ‘teologia da libertação’, que depois do Vaticano II encontrou eco em todo o mundo, deve ser considerado, na minha opinião, entre as correntes mais significativas da teologia católica do século XX”. Quem consagra a Teologia da Libertação com esta elogiosa e peremptória avaliação histórica não é nenhum representante sul-americano de tempos eclesiais do passado. O “certificado” de validade chega diretamente do arcebispo Gerhard Ludwig Müller, atual Prefeito do mesmo dicastério vaticano – a Congregação para a Doutrina da Fé – que durante os anos 1980, seguindo o impulso do Papa polonês e sob a direção do então cardeal Ratzinger, interveio com duas instruções para indicar os desvios pastorais e doutrinais que também incluíam os caminhos que as teologias latino-americanas haviam tomado.

A avaliação sobre a Teologia da Libertação não é uma declaração que escapou acidentalmente ao atual guardião da ortodoxia católica. O juízo, meditado, aparece nas densas páginas do volume do qual foi tirada a frase: uma antologia de ensaios escrita a quatro mãos, impressa na Alemanha, em 2004, e que agora está sendo publicada na Itália com o título “Da parte dos pobres, Teologia da Libertação, Teologia da Igreja” (Edizioni Messaggero Padova).

Atualmente, o livro aparece como um ato de encerramento das guerras teológicas do passado e dos resíduos bélicos que de tempos em tempos explodem para espalhar alarmes que representam ora interesses, ora pretextos. O livro é escrito pelo atual responsável pelo ex-Santo Ofício e pelo teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, pai da Teologia da Libertação e inventor da fórmula utilizada para definir essa corrente teológica, cujas obras foram submetidas a exames rigorosos durante muito tempo pela Congregação para a Doutrina da Fé em sua longa temporada ratzingeriana, embora nunca tenha sido condenado.

O livro representa o resultado de um longo caminho comum. Müller nunca ocultou sua proximidade com Gustavo Gutiérrez, que conheceu em 1998 em Lima durante um seminário de estudos. Em 2008, durante a cerimônia para o doutorado honoris causa concedido ao teólogo Müller pela Pontifícia Universidade Católica do Peru, o então bispo de Regensburg definiu como absolutamente ortodoxa a teologia de seu mestre e amigo peruano. Nos meses anteriores à nomeação de Müller como presidente do dicastério doutrinal, foi exatamente sua relação com Gutiérrez que foi evocada por alguns como prova da não idoneidade do bispo teólogo alemão para o posto que ocupou (durante 24 anos) o então cardeal Ratzinger.

Nos ensaios da antologia, os dois autores-amigos se complementam reciprocamente. Segundo Müller, os méritos da Teologia da Libertação vão além do âmbito do catolicismo latino-americano. O Prefeito indica que a Teologia da Libertação expressou no contexto real da América Latina das últimas décadas a orientação para Jesus Cristo redentor e libertador que marca qualquer teologia autenticamente cristã, justamente a partir da insistente predileção evangélica pelos pobres. “Neste continente”, reconhece Müller, “a pobreza oprime as crianças, os idosos e os doentes”, e induz muitos a “considerar a morte como uma escapatória”. Desde as suas primeiras manifestações, a Teologia da Libertação ‘obrigava’ as teologias de outras partes a não criar abstrações sobre as condições reais da vida dos povos ou dos indivíduos. E reconhecia nos pobres a “própria carne de Cristo”, como agora repete o Papa Francisco.

Justamente com a chegada do primeiro Papa latino-americano surge com maior força a oportunidade para considerar esses anos e essas experiências sem os condicionamentos dos furores e das polêmicas daquela época. Mesmo afastando-se dos ritualismos dos “mea culpa” postiços ou das aparentes “reabilitações”, hoje é muito mais fácil reconhecer que certas veementes mobilizações de alguns setores eclesiais contra a Teologia da Libertação eram motivadas por certas preferências de orientação política mais que pelo desejo de guardar e afirmar a fé dos apóstolos. Os que pagaram a fatura foram os teólogos peruanos e os pastores que estavam completamente submergidos na fé evangélica do próprio povo, que acabaram “triturados” ou na sombra mais absoluta. Durante um longo período, a hostilidade demonstrada para com a Teologia da Libertação foi um importante fator para favorecer brilhantes carreiras eclesiásticas.

Em um dos textos, Müller (que numa entrevista de 27 de dezembro de 2012 havia expressado a hipótese do cenário de um Papa latino-americano depois de Ratzinger) descreve sem meias palavras os fatores político-religiosos e geopolíticos que condicionaram certas “cruzadas” contra a Teologia da Libertação: “Com o sentimento triunfalista de um capitalismo que, provavelmente, se considerava definitivamente vitorioso”, refere o Prefeito do dicastério doutrinal vaticano, “misturou-se também a satisfação de ter negado desta maneira qualquer fundamento ou justificação da Teologia da Libertação. Acreditava-se que o jogo com ela era muito simples, lançando-a no mesmo conjunto da violência revolucionária e do terrorismo dos grupos marxistas”. Müller também cita o documento secreto, preparado para o presidente Reagan pelo Comitê de Santa Fé, em 1980 (ou seja, quatro anos antes da primeira Instrução sobre a Teologia da Libertação), no qual se solicitava ao governo dos Estados Unidos da América que agisse com agressividade contra a “Teologia da Libertação”, culpada por ter transformado a Igreja Católica em “arma política contra a propriedade privada e o sistema da produção capitalista”. “É desconcertante neste documento”, destaca Müller, “a desfaçatez com que seus autores, responsáveis por ditaduras militares brutais e por poderosas oligarquias, fazem de seus interesses pela propriedade privada e pelo sistema produtivo capitalista o parâmetro do que deve valer como critério cristão”.

Após terem passado décadas de batalhas e contraposições, justamente a amizade entre os dois teólogos (o Prefeito da Doutrina da Fé e aquele que durante um tempo foi perseguido pelo mesmo dicastério doutrinal) alimenta finalmente uma ótica capaz de distinguir as obsoletas armações ideológicas do passado da genuína fonte evangélica que impulsionava muitas das rotas do catolicismo latino-americano depois do Concílio. Segundo Müller, Gutiérrez, com seus 85 anos (e que pretende viajar à Itália e passar por Roma em setembro), expressou uma reflexão teológica que não se limitava às conferências nem aos cenáculos universitários, mas que se nutria da seiva das liturgias celebradas pelo sacerdote com os pobres, nas periferias de Lima. Ou seja, essa experiência básica graças à qual – como disse sempre simples e biblicamente o próprio Gutiérrez – “ser cristão significa seguir a Jesus”. É o próprio Senhor, acrescenta Müller ao comentar a frase de seu amigo peruano, quem “nos dá a indicação de nos comprometermos diretamente com os pobres. Fazer prevalecer a verdade nos leva a estar do lado dos pobres”.

 

Sobre o livro:

MÜLLER, G. L.; GUTIÉRREZ, G. Dalla parte dei poveri: Teologia della liberazione, teologia della Chiesa. Padova: EMP, 2013, 208 p. – ISBN 9788825036022 (publicação prevista para julho de 2013).

O original em alemão: An der Seite der Armen: Theologie der Befreiung. Augsburg: Sankt Ulrich Verlag, 2004, 184 p. – ISBN 9783936484403.

 

O texto original, em italiano:

Teologia della liberazione e Roma, la guerra è finita – Gianni Valente: Vatican Insider 21/06/2013

«Il movimento ecclesiale e teologico dell’America Latina, noto come “teologia della liberazione”, che dopo il Vaticano II ha trovato un’eco mondiale, è da annoverare, a mio giudizio, tra le correnti più significative della teologia cattolica del XX secolo». A consacrare la teologia “liberazionista” con questa lusinghiera e perentoria valutazione storica non è qualche attempato reduce sudamericano di stagioni ecclesiali tramontate. L’attestato di merito arriva direttamente dall’arcivescovo Gerhard Ludwig Müller, Prefetto in carica dello stesso dicastero vaticano – la Congregazione per la dottrina della fede (CdF) – che negli anni Ottanta, su impulso del Papa polacco e sotto la guida dell’allora cardinale Ratzinger,  intervenne con ben due istruzioni per segnalare le deviazioni pastorali e dottrinali che pure incombevano sui cammini imboccati dalle teologie latino-americane.

La decisa valorizzazione della Tdl non è una boutade sfuggita per incidente all’attuale custode dell’ortodossia cattolica. Lo stesso, soppesato giudizio pervade le dense pagine dell’intero volume da cui la frase è tratta: una raccolta di saggi scritta a quattro mani, già stampata in Germania nel 2004, che ora sta per essere pubblicato anche in Italia con il titolo Dalla parte dei poveri. Teologia della liberazione, teologia della Chiesa (Edizioni Messaggero Padova/Emp).

Il volume oggi appare quasi come un atto di congedo dalle guerre teologiche del passato e dai residuati bellici che di tanto in tanto vengono fatti brillare per spargere allarmi interessati quanto pretestuosi. A firmarlo, insieme all’attuale responsabile dell’ex Sant’Uffizio, è il teologo peruviano Gustavo Gutiérrez,  padre nobile della Teologia della liberazione, inventore della formula stessa usata per definire quella corrente teologica, le cui opere furono sottoposte per lungo tempo all’esame rigoroso della CdF nella sua lunga stagione ratzingeriana, senza mai subire alcuna condanna.

Il libro a due firme rappresenta il sigillo di un lungo cammino comune. Müller non ha mai nascosto la sua prossimità con Gustavo Gutièrrez, che ha conosciuto nel 1988 a Lima nel corso di un seminario di studio. Nel 2008, durante la cerimonia per la laurea honoris causa concessa al teologo Müller dalla Pontificia Università cattolica del Perú, l’allora vescovo di Ratisbona aveva definito come pienamente ortodossa la teologia del suo maestro e amico peruviano. Nei mesi che hanno preceduto la nomina di Müller alla guida del Dicastero dottrinale, proprio la sua vicinanza a Gutiérrez era stata evocata da alcuni come prova della non idoneità del vescovo-teologo tedesco al ruolo occupato in precedenza – per 24 lunghi anni  – dal cardinale Ratzinger.

Nei saggi contenuti nel volume, i due autori-amici si forniscono assist a vicenda. Secondo Müller i meriti della Teologia della liberazione travalicano l’ambito del cattolicesimo latinoamericano. Il Prefetto ripete che la Tdl ha espresso nel contesto reale dell’America Latina degli ultimi decenni l’orientamento a Gesù Cristo redentore e liberatore che segna ogni teologia autenticamente cristiana, proprio a partire dalla riaffermata predilezione evangelica per i poveri. «In quel Continente» riconosce Müller «la povertà opprime bambini, vecchi, malati», inducendo molti a «considerare la morte come una via d’uscita». Già al suo primo apparire, la Tdl “costringeva” le teologie elaborate altrove a non fare astrazione delle condizioni reali di vita dei popoli e dei singoli. E riconosceva nei poveri la «carne stessa di Cristo», come adesso ripete Papa Francesco.

Proprio con l’avvento del primo Papa latinoamericano emerge con più forza la chance di guardare a quegli anni e a quelle esperienze senza essere condizionati dai furori polemici di allora. Pur sottraendosi al ritualismo dei mea culpa posticci o delle  riabilitazioni di facciata, oggi è più facile riconoscere che certe veementi mobilitazioni di settori ecclesiali contro la Tdl erano mosse da preferenze di orientamento politico più che dal desiderio di custodire e affermare la fede degli apostoli. A farne le spese furono anche teologi e pastori totalmente immersi nella fede evangelica del proprio popolo, finiti nel tritacarne o nel cono d’ombra. Per un lungo periodo, l’ostilità ostentata alla Tdl è stato un fattore prezioso per favorire brillanti ascese di carriera ecclesiastica.

In uno dei suoi interventi, Müller (che in un’intervista del 27 dicembre 2012 aveva ipotizzato lo scenario di un Papa latinoamericano dopo Ratzinger) descrive senza indugi i fattori politici e geo-politici che condizionarono certe “crociate” contro la Tdl: «Al sentimento trionfalistico di un capitalismo, che probabilmente si riteneva definitivamente vittorioso» riferisce il Prefetto del dicastero dottrinale vaticano «si mescolò anche la soddisfazione di aver così tolto qualsiasi fondamento e giustificazione alla tdl. Si pensò di aver gioco facile con essa, buttandola nello stesso fascio della violenza rivoluzionaria e del terrorismo di gruppi marxisti». Müller  fa riferimento anche al documento segreto, allestito per il presidente Reagan dal Comitato di Santa Fé nell’anno 1980 (cioè 4 anni prima della prima Istruzione vaticana sulla Tdl), dove si sollecitava il governo degli Stati Uniti d’America a procedere in maniera aggressiva contro la «Teologia della liberazione», rea di aver trasformato la Chiesa cattolica in  «arma politica contro la proprietà privata e il sistema della produzione capitalista». «È sconvolgente in questo documento» sottolinea Müller «la sfrontatezza con la quale i suoi estensori, responsabili di dittature militari brutali e di potenti oligarchie, fanno del loro interesse per la proprietà privata e per il sistema produttivo capitalistico il parametro di ciò che deve valere come criterio cristiano».

Dopo aver attraversato i decenni concitati delle battaglie e delle contrapposizioni, proprio l’amicizia tra i due teologi – il Prefetto dell’ex sant’Uffizio e quello un tempo inquisito dallo stesso dicastero dottrinale – alimenta uno sguardo finalmente in grado di discernere le caduche impalcature ideologiche del passato dalla genuina sorgente evangelica che animava tanti percorsi del cattolicesimo latinoamericano dopo il Concilio. Agli occhi di Müller, proprio l’85enne Gutièrrez – che ha in programma di venire in Italia e passare anche a Roma il prossimo settembre – ha espresso una riflessione teologica che non si estenuava nelle conferenze e nei cenacoli universitari, ma traeva la sua linfa dalle liturgie celebrate dal sacerdote con i poveri, nelle periferie degradate di Lima. Cioè da quella esperienza elementare per cui – come dice in maniera semplice e biblica lo stesso Gutiérrez – «Essere cristiani significa seguire Gesù». È il Signore stesso – aggiunge Müller, commentando quella frase del suo amico peruviano – che «ci dà l’indicazione di impegnarci in modo diretto per i poveri. Fare la verità ci porta a stare dalla parte dei poveri».

 

Sobre o Documento de Santa Fé: conferir o texto aqui e informações aqui. Em espanhol.

 

E leia também:

(…) os conselheiros de Ronald Reagan recorriam, no documento de Santa Fé de maio de 1980, ao clássico paradigma explicativo policial – a “infiltração”: “A política exterior dos Estados Unidos deve começar a afrontar (e não somente reagir a posteriori) a teologia da libertação… Na América Latina o papel da Igreja é vital para o conceito de liberdade política. Infelizmente, as forças marxistas-leninistas utilizaram a Igreja como arma política contra a propriedade privada e o sistema capitalista de produção, infiltrando a comunidade religiosa de idéias mais comunistas que cristãs” (Michael Löwy, Marxismo e cristianismo na América Latina, Lua Nova, no.19, São Paulo, Nov. 1989).

O que há é uma multidão sequestrada por fascistas

Não há um “movimento” em disputa, mas uma multidão sequestrada por fascistas

Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior: 21/06/2013

O que começou como uma grande mobilização social contra o aumento das passagens de ônibus e em defesa de um transporte público de qualidade está descambando a olhos vistos para um experimento social incontrolável com características fascistas que não podem mais ser desprezadas. A quem interessa uma massa disforme na rua, “contra tudo o que está aí”, sem representantes, que diz não ter direção, em confronto permanente com a polícia, infiltrada por grupos interessados em promover quebradeiras, saques, ataques a prédios públicos e privados, ataques contra sedes de partidos políticos e a militantes de partidos, sindicatos e outros movimentos sociais? Certamente não interessa à ainda frágil e imperfeita democracia brasileira. Frágil e imperfeita, mas uma democracia. Neste momento, não é demasiado lembrar o que isso significa.

Uma democracia, entre outras coisas, significa existência de partidos, de representantes eleitos pelo voto popular, do debate político como espaço de articulação e mediação das demandas da sociedade, do direito de livre expressão, de livre manifestação, de ir e vir. Na noite de quinta-feira, todos esses traços constitutivos da democracia foram ameaçados e atacados, de diversas formas, em várias cidades do país. Houve violência policial? Houve. Mas aconteceram muitas outras coisas, não menos graves e potencializadoras dessa violência: ataques e expulsão de militantes de esquerda das manifestações, ataques a sedes de partidos políticos, a instituições públicas. Uma imagem marcante dessa onda de irracionalidade: os focos de incêndio na sede do Itamaraty, em Brasília. Essa imagem basta para ilustrar a gravidade da situação.

Não foram apenas militantes do PT que foram agredidos e expulsos de manifestações. O mesmo se repetiu, em várias cidades do país, com militantes do PSOL, do PSTU, do MST e pessoas que representavam apenas a si mesmas e portavam alguma bandeira ou camiseta de seu partido ou organização. Em Porto Alegre, as sedes do PT e do PMDB foram atacadas. Em Recife, cerca de 200 pessoas foram expulsas da manifestação. Militantes do MST e de partidos apanharam. O prédio da prefeitura da cidade foi atacado. Militantes do MST também apanharam em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre outras cidades.

Em São Paulo, algumas dessas agressões foram feitas por pessoas armadas com facas. E quem promoveu todas essas agressões e ataques. Ninguém sabe ao certo, pois os agressores agiram sob o manto do anonimato propiciado pela multidão. Sabemos a identidade de quem apanhou, mas não de quem bateu.

Desde logo, cabe reconhecer que os dirigentes dos partidos, dos governos e dos meios de comunicação têm uma grande dose de responsabilidade pelo que está acontecendo. Temos aí dois fenômenos que se retroalimentam: o rebaixamento da política à esfera do pragmatismo mais rasteiro e a criminalização midiática da política que coloca tudo e todos no mesmo saco, ocultando da população benefícios diários que são resultados de políticas públicas de qualidade que ajudam a vida das pessoas. Há uma grande dose de responsabilidade a ser compartilhada por todos esses agentes. A eternamente adiada Reforma Política não pode mais esperar. Em um momento grave e difícil da história do país, o Congresso Nacional não está em funcionando. É sintomático não ter ocorrido a nenhum dos nossos representantes eleitos pelo voto convocar uma sessão extraordinária ou algo do tipo para conversar sobre o que está acontecendo.

Dito isso, é preciso ter clareza que todos esses problemas só poderão ser resolvidos com mais democracia e não com menos. O rebaixamento da política à esfera do pragmatismo rasteiro exige partidos melhores e um voto mais esclarecido. A criminalização da política, dos partidos, sindicatos e movimentos sociais exige meios de comunicação mais responsáveis e menos comprometidos com grandes interesses privados. Não são apenas “os partidos” e “os políticos” que estão sendo confrontados nas ruas. É a institucionalidade brasileira como um todo e os meios de comunicação são parte indissociável dessa institucionalidade. Não é a toa que jornalistas, equipamentos e prédios de meios de comunicação estão sendo alvos de ataques também. Mas não teremos meios de comunicação melhores agredindo jornalistas, incendiando veículos de emissoras ou atacando prédios de empresas jornalísticas.

Uma certa onda de irracionalidade atravessa esse conjunto de ameaças e agressões, afetando inclusive militantes, dirigentes políticos e ativistas sociais experimentados que demoraram para perceber o monstro informe que estava se formando. E muitos ainda não perceberam. Após as primeiras grandes manifestações que começaram a pipocar por todo o país, alimentou-se a ilusão de que havia um “movimento em disputa” nas ruas. O que aconteceu na noite de sexta-feira mostra claramente que não há “um movimento” a ser disputado. O que há é uma multidão disforme e descontrolada, arrastando-se pelas ruas e tendo alvos bem definidos: instituições públicas, prédios públicos, equipamentos públicos, sedes de partidos, jornalistas, meios de comunicação. Os militantes e ativistas de organizações que tentaram começar a fazer essa disputa na noite de quinta foram repelidos, expelidos e agredidos. Talvez isso ajude a clarear as mentes e a desarmar um pouco os espíritos para o que está acontecendo.

Não é apenas a democracia, de modo geral, que está sob ameaça. Há algo chamado luta de classes, que muita gente jura que não existe, que está em curso. Não é à toa que militantes do PT, do PSOL, do PSTU, do MST e de outras organizações de esquerda apanharam e foram expulsos de diversas manifestações ontem. Com todas as suas imperfeições, erros, limites e contradições, o ciclo de governos da última década e em outros países da América Latina provocou muitas mudanças na estrutura de poder. Não provocou todas as necessárias e esse é, aliás, um dos fatores que alimentam a explosão social atual. Mas muitos interesses de classe foram contrariados e esses interesses não desistiram de retornar ao poder plenamente. Tem diante de si uma oportunidade de ouro.

Como jornalista, militante político de esquerda e cidadão, já firmei uma convicção a respeito do que está acontecendo. Uma multidão cuja direção (rumo) passou a ser atacar instituições públicas, sem representantes, sequestrada por grupos de extrema-direita, que rejeita partidos políticos e hostiliza manifestantes de esquerda, não só não me representa como passa a ser algo a ser combatido politicamente. Ou alguém acha que setores das forças armadas e da direita brasileira estão assistindo a tudo isso de braços cruzados?

Obs.: Reproduzi na íntegra o artigo do editor de Carta Maior.

Leia Mais:
As manifestações e a repressão: o que está acontecendo?

A ordem neoliberal é uma usina de desordem Urbi et Orbi

Os acontecimentos desta segunda, 17.06.2013, mudaram a conjuntura. Nos próximos meses, as multidões serão, ao que tudo indica, atores centrais na cena política. Mas ainda não está claro para onde este vulcão popular direcionará suas energias.  As manifestações, que levaram para as ruas cerca de 250 mil pessoas, aconteceram em 11 capitais e no Distrito Federal –  Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Maceió, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Vitória – e, ao menos, 16 cidades do interior do país.

Em 11 capitais [e no Distrito Federal], milhares foram às ruas. Os 20 centavos que motivaram a mobilização original em São Paulo, no dia 6 de junho, tornaram-se ainda mais irrisórios diante da abrangência e da intensidade do que se vê, 12 dias depois. O que está em jogo é muito mais do que caraminguás. As ruas requisitam uma nova agenda política para o Brasil. Não significa desqualificar conquistas e avanços preciosos dos últimos anos. Mas a história apertou o passo.

No capitalismo globalizado não temos mais o ‘privilégio’ do sofrimento exclusivamente local. A ordem neoliberal tornou-se uma usina de desordem Urbi et Orbi. Líderes não lideram. Mercados mandam. Governantes obedecem. A soberania nacional tornou-se intrinsecamente subversiva e disfuncional. Ao mesmo tempo e com igual intensidade. Os instrumentos convencionais de escrutínio coletivo não respondem aos estímulos. As urnas decidem; o dinheiro desautoriza. A mídia abjura. Os fundamentos do sistema perderam a aderência da sociedade.

Como um trem fora dos trilhos, o que seria o fim da História forma hoje um comboio desgovernado, que marcha ora na inércia, ora fora dos trilhos. Mas não cai. E não cairá por si. A liderança do processo brasileiro está em aberto. Mais que isso. A ausência de uma plataforma capaz de dar unidade e coerência a aspirações fragmentadas e avulsas pode asfixiar o que as ruas tentam dizer. Vem da Espanha reluzente de protestos na Praça do Sol um alerta desconcertante.

Madri e Barcelona consagraram-se como o epicentro da indignação global. Desde 15 de maio de 2011, quando o ‘Democracia Já’ convocou uma manifestação na Praça do Sol, até os protestos em 92 países, em 15 de outubro de 2011, passaram-se fulminantes cinco meses de ascensão linear das ruas. A passeata original deu lugar a um acampamento formado por um mar de indignados. A ocupação na Praça do Sol resistiria por 79 dias. O termo ‘indignado’ globalizou-se.

Em outubro de 2011, o sentimento nascido na Praça do Sol tornou-se o novo idioma político global, compartilhado por um milhar de cidades em todos os continentes. Mas nem por isso imune às sombras. No momento em que as praças rugiam a insatisfação de milhares de vozes, o voto popular consagrava nas urnas o Partido Popular, de Aznar. A cepa herdeira do franquismo obteve uma vitória esmagadora nas eleições espanholas de 20 de novembro de 2011. A votação recebida pelo conservadorismo, que hoje esfola e sangra o povo espanhol, estendendo o desemprego a 52% de sua juventude, garantiu-lhe, ainda, maioria folgada no Parlamento.

O paradoxo do ‘sol e da escuridão’ não pode ser esquecido, nem minimizado pelo frescor da indignação que ecoa agora de uma dezena de capitais do país. Hoje, ninguém é de ninguém. Em política, como dizem, com razão, suas ‘raposas’, não existe vácuo. Na Espanha, a vitória eleitoral do ultra-conservadorismo, em 2011, só foi possível porque a abstenção, sobretudo jovem, atingiu proporções epidêmicas no berço mundial dos indignados. A exemplo do que ocorreu na Espanha, nos EUA e, mais recentemente, na Itália, em algum momento os indignados brasileiros serão chamados a refletir – talvez precocemente – sobre as escolhas do poder. O poder de Estado. Os compromissos que a luta pelo poder impõe. A impossibilidade de ignorá-la; e, sobretudo, a escolha da melhor estratégia para pautar o seu exercício, a cada movimento da história.

Estes são apenas trechos do texto de Saul Leblon: Saturação e projeto, no Blog das Frases, publicado na Carta Maior em 18/06/2013 – 4h27, depois de “uma noite daquelas”.

Leia Mais:
As manifestações e a repressão: o que está acontecendo?
O deus mercado e seus oráculos
Hinkelammert: o mercado é pura vontade de poder

Resenhas na RBL – 13.06.2013

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

Mersha Alehegne
The Ethiopian Commentary on the Book of Genesis: Critical Edition and Translation
Reviewed by James C. VanderKam

Daniel E. Fleming
The Legacy of Israel in Judah’s Bible: History, Politics, and the Reinscribing of Tradition
Reviewed by Yitzhaq Feder
Reviewed by Frank H. Polak

Mark Leuchter and Jeremy M. Hutton, eds.
Levites and Priests in Biblical History and Tradition
Reviewed by Pekka Pitkanen

Tremper Longman III
Job
Reviewed by Michael Collender

Christian Metzenthin
Jesaja-Auslegung in Qumran
Reviewed by Paul Sanders

Douglas E. Oakman
The Political Aims of Jesus
Reviewed by Tobias Hagerland

B. J. Oropeza
Jews, Gentiles, and the Opponents of Paul: The Pauline Letters
Reviewed by Joseph Oryshak

Peter Pilhofer
Neues aus der Welt der frühen Christen
Reviewed by Günter Röhser

Mark R. Sneed
The Politics of Pessimism in Ecclesiastes: A Social-Science Perspective
Reviewed by Martin A. Shields

>> Visite: Review of Biblical Literature Blog

As manifestações e a repressão: o que está acontecendo?

Não enxergar o elo entre as ruas e o ciclo histórico costuma ser fatal às lideranças de uma época. Acreditar que o elo, no caso dos recentes protestos em São Paulo, está no aumento de 20 centavos sobre uma tarifa de transporte congelada desde janeiro de 2011, é ingenuidade. Supor que a ordenação entre uma coisa e outra poderá ser  restabelecida à base de cassetetes e pedradas é o passaporte para o desastre.

:: Em nota, CONIC condena brutalidade policial – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil: 14/06/2013
“As manifestações dos povos indígenas que assistimos nos últimos dias e a manifestação que vimos ontem [13/06/2013], e todas as repressões e extermínios de jovens que acontecem nas periferias das cidades cotidianamente ilustram que algumas de nossas políticas seguem na contramão da garantia de direitos humanos”, afirma nota do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC. A nota condena energicamente a repressão policial ocorrida durante as manifestações em São Paulo por conta dos reajustes das passagens. “Não queremos apenas circo. Queremos também pão, fruto da justiça social”, concluem as Igrejas Cristãs. E continua: “Reivindicamos o cumprimento das convenções internacionais de direitos humanos. Nosso desejo é que a população seja respeitada e que políticas capazes de transformar as estruturas sociais e econômicas responsáveis pela exclusão social tornem-se reais”.

:: Manifestações no Brasil e a lógica do capitalismo hoje – Fábio Salem Daie: Opera Mundi 15/06/2013
No sentido de uma crise generalizada do contexto sócio-econômico nacional e mundial, podemos afirmar que as manifestações iniciadas contra o aumento das passagens de ônibus, em diversas cidades do Brasil, são “políticas”. No entanto, parece não ser este o sentido outorgado a elas, ao menos pelos gestores estaduais. Alarmados com a força demonstrada pela articulação popular (iniciada pelo Movimento Passe Livre), os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, Geraldo Alckmin (PSDB) e Sérgio Cabral (PMDB), apressaram-se em tachar os protestos, na última quinta-feira, de “políticos”: querendo significar, entretanto, que se tratam na verdade de estratégias partidárias e não de “mobilizações espontâneas”. Tal ótica não somente se mostra falsa sob o aspecto organizativo do movimento (grandemente impulsionado pelas redes sociais e composto por uma gama ampla de componentes ideológicos) como também impede que uma mobilização há muito não vista possa ser, de fato, compreendida. Algo novo surge, ainda que não se possa prever seu desdobramento. E isso é inegável. Na esteira de movimentos populares que tomaram praças e ruas ao redor do mundo nos últimos anos, também este se apresenta como uma surpresa desagradável aos gestores da res publica, tornada, a partir da década de 1990, cada vez mais assunto dos negócios privados (bem como o transporte coletivo em São Paulo e em outras regiões).  Mesmo na televisão, jornalistas comentavam, à luz dos confrontos nas ruas, que nunca haviam realizado antes a cobertura de protestos “deste tipo”.

:: Um estado policial – Mauro Santayana: Carta Maior 15/06/2013
Estamos assistindo a uma perigosíssima associação entre as forças policiais e a extrema direita de caráter fascista no mundo inteiro – o que merece uma análise mais ampla. Mas, no caso brasileiro, parece haver interesse calculado em criar um ambiente de pânico na população, que sempre favorece os golpistas.

:: E daqui, para onde vamos? – Pablo Villaça: Diário de Bordo 15/06/2013
Vivemos em tempos perigosos: a direita religiosa se torna cada vez mais influente e as grandes empresas da mídia já perceberam que o PSDB não é uma oposição viável – e, assim, decidiram ser elas mesmas a Oposição. Não é à toa que, contradizendo todos os índices econômicos divulgados por órgãos independentes, a Globo, a Foxlha, a Veja e o Estadão vêm pintando um quadro de instabilidade crescente: inflação alta, dólar alto, PIB decrescente e por aí afora, pintando um país em crise que, sejamos honestos, não corresponde ao que vemos todos os dias nas ruas. Enquanto isso, o aliado histórico dos movimentos populares, o PT, parece ter se esquecido de suas origens: tímido em sua resposta à brutalidade da PM, Haddad apenas embaraçou-se ao relativizar os excessos da polícia – e sua proposta de se reunir com as lideranças do movimento Passe Livre vem tardio, já que estas já não representam mais as massas na rua. Enquanto isso, Dilma é vaiada num estádio lotado por representar o poder – mesmo que, há pouco tempo, tenha oferecido subsídios justamente para diminuir as passagens de ônibus que, ironicamente, serviram como estopim da revolta. Ora, se o PT não é visto mais como representante popular pelos manifestantes (e nem tem projeto que o aproxime da juventude) e o PSDB é claramente a mão pesada da repressão, para onde os jovens podem se voltar? Além disso, como não têm uma causa específica a defender, estes empolgados rapazes e moças criam um problema impossível, já que não há solução viável que os acalme. Como resultado, surge apenas um clima imponderável de insatisfação política generalizada – um clima complexo, intenso, raivoso e insolúvel. É deste tipo de contexto que nascem os golpes. E esta não seria uma solução que desagradaria os barões da mídia.

::Cuidado com a jaborização das manifestações – Roberto Brilhante: Carta Maior 18/06/2013
Podemos pensar que os protestos de São Paulo e do Brasil não trazem apenas demandas pontuais como a redução das tarifas. Mas como dizer que as milhares de pessoas que protestavam contra Marcos Feliciano protestavam diretamente contra Dilma? Como dizer que aqueles em São Paulo que pediam a saída do governador Geraldo Alckmin protestavam contra o governo federal? Ou ainda, que aqueles que expulsaram a rede Globo da manifestação de São Paulo protestavam contra Dilma? Só através de um discurso oportunista que é reproduzido diariamente pelos dinossauros da velha mídia.  Mas não é apenas Jabor que busca construir uma ”revolta popular” antigovernista. A Folha de S. Paulo hoje [18/06/2013] traz em seu editorial sobre os protestos o seguinte trecho em destaque: ”muda o clima político no país; governo Dilma não tem respostas para inflação nem para saúde, educação, segurança e transportes”. O mesmo tom jaboriano, de que “o povo não aguenta mais este governo federal ineficiente”. Se não tomarmos cuidado, começaremos a fazer onipresentes os chavões de Jabor dentro de nossos protestos.

:: São Paulo e Rio de Janeiro revogam aumento da tarifa de transporte público – Redação: Rede Brasil Atual – 19/06/2013 18:12
Medida é adotada por prefeitos Fernando Haddad e Eduardo Paes e pelo governador Alckmin após quase quinze dias de protestos que ganharam força e passaram a incorporar outras insatisfações da população.

:: Protestar contra tudo é o mesmo que protestar contra nada – Cynara Menezes: Socialista Morena 19/06/2013
Eu sinceramente pensei que, com tanta gente mobilizada, as pautas progressistas, tão necessárias e tão ameaçadas, fossem vir à tona (…) Que nada. O que vejo nas ruas é um festival de generalizações. Artistas divulgam nas redes sociais frases de efeito vazias: “Ou o Brasil muda ou o Brasil para”, “Ou para a roubalheira ou paramos o Brasil”. Essas palavras podem soar bonitas, mas não significam nada na prática. São apenas slogans escritos em uma cartolina por pessoas despolitizadas que não parecem genuinamente comprometidas com o País. “O gigante acordou” é trecho de propaganda de uísque. “Vem Para a Rua” é jingle de automóvel. Trechos do hino nacional ou de canções do Legião Urbana são poéticos porém inúteis. Excluíram as bandeiras dos partidos de esquerda do movimento para que ele fosse “apartidário”. Ok. Mas desde que elas saíram, o volume de pessoas nas ruas aumentou e as manifestações perderam em conteúdo. Vejo gente saltando diante das câmeras de TV que nem no carnaval e assisto a entrevistas onde os participantes não conseguem concatenar meia dúzia de ideias para justificar por que estão ali. Resumem-se a dizer que protestam “contra tudo”. Contra tudo o quê, cara-pálida? É mentira que o Brasil esteja totalmente ruim para que seja preciso protestar contra TUDO. É contra a Copa? Ótimo. Pelo menos é UMA razão. Quem protesta contra tudo, a meu ver, não está protestando contra coisa alguma. Afinal, o protesto é à vera ou é só para postar no Facebook? Uma manifestação se distingue de uma turba pelas reivindicações e pelas causas que possui. Uma manifestação sem rumo e sem causa pode se transformar facilmente em terreno fértil para aproveitadores e arruaceiros.

:: Carta aberta dos movimentos sociais à Presidenta Dilma – 19/06/2013
“Setores conservadores da sociedade buscam disputar o sentido dessas manifestações. Os meios de comunicação buscam caracterizar o movimento como anti Dilma, contra a corrupção dos políticos, contra a gastança pública e outras pautas que imponham o retorno do neoliberalismo. Acreditamos que as pautas são muitas, como também são as opiniões e visões de mundo presentes na sociedade. Trata-se de um grito de indignação de um povo historicamente excluído da vida política nacional e acostumado a enxergar a política como algo danoso à sociedade. (…) O momento é propício para que o governo faça avançar as pautas democráticas e populares, e estimule a participação e a politização da sociedade. Propomos a realização com urgência de uma reunião nacional, que  envolva os governos estaduais, os prefeitos das principais capitais,  e os representantes de todos os movimentos sociais. De nossa parte estamos abertos ao diálogo, e achamos que essa reunião é a única forma de encontrar saídas  para enfrentar a grave crise urbana que atinge nossas grandes cidades. O momento é favorável. São as maiores manifestações que a atual geração vivenciou e outras maiores virão. Esperamos que o atual governo escolha governar com o povo e não contra ele” (assinam mais de 30 organizações e movimentos, entre os quais a CUT, UNE, MST,UBES, Vila Campesina, Levante Popular, Intervozes etc).

:: MPL acusa onda conservadora e desiste de novas manifestações – Ana Krepp:  Folha de S. Paulo 21/06/2013 – 10h53
O Movimento Passe Livre anunciou hoje a suspensão de novas manifestações em São Paulo. Segundo um dos integrantes do grupo, que pleiteia tarifa zero nos transportes públicos, “grupos conservadores se infiltraram nas manifestações” e defenderam, ontem, propostas como a redução da maioridade penal. “A gente acha que grupos conservadores se infiltraram nos últimos atos para defender propostas que não nos representam”, disse Siqueira. De acordo com ele, o recuo do movimento foi decidido no final da noite de ontem, por consenso, após os incidentes na Paulista.  Durante o ato, o MPL conversou com alguns grupos de esquerda sobre a presença de “neofascistas” agredindo pessoas na rua. “É inconcebível essa onda oportunista da direita de tomar os atos para si.” Segundo o movimento, desde o ato de terça-feira, grupos de direita (não se sabe se organizados ou não) levaram às ruas pautas que não representam o MPL, o que gerou preocupação, pois “distorce a iniciativa”. “O que preocupa não é a participação das pessoas na rua, mas pessoas claramente contra as organizações sociais e que nunca participaram de manifestações, começarem agora a usar os atos para promover a barbárie.” (…) Ontem [20/06/2013], um grupo de manifestantes, denominados “nacionalistas” entrou em confronto com pessoas que estavam com bandeiras de partidos durante protesto contra tarifas na avenida Paulista, centro de São Paulo.

:: ‘Tudo isso que tá aí’ – Emir Sader: Blog do Emir 23/06/2013
Valendo-se das mobilizações das últimas semanas, a direita trata de impor outra visão, mais radical ainda: a de que nada de importante passou no Brasil, que só agora a população “desperta” e que é preciso se opor “a tudo o que está aí”. Mais radical porque desconhece todos os avanços no combate à desigualdade, à miséria e à pobreza logrados na última década. Tenta fazer tabula rasa e apagar tudo o que os governos do Lula e da Dilma conseguiram. Só assim é possível a segunda parte da visão: opor-se “a tudo o que está aí”. Neste caso, esse “tudo” se resume ao governo, somando a ele o Congresso. Se absolvem os bancos, os monopólios midiáticos, as grandes corporações econômicas, entre outros, que seriam os beneficiários de uma derrota de “tudo o que está aí”. Se esse consenso chega a se impor – e ele tem uma massa de jovens mobilizados e sensíveis para impô-lo, multiplicado pela ação da mídia –, se apagariam os avanços da última década e se concentraria o fogo no governo como o “velho” que bloqueia o avanço do país. Nas acusações sobre os gastos da Copa – desde a suspeita de corrupção até o desvio de recursos de setores vitais –, mais além de que o governo tem argumentos contra – como se viu no discurso da Dilma –, o fracasso da política de comunicação fez com que o governo sofresse uma imensa derrota. É como se esses argumentos fossem já um consenso na opinião pública e na juventude em particular. Essa visão busca invisibilizar o povo – os trabalhadores, os sem-terra, todas as camadas populares beneficiadas pelas políticas governamentais –, reivindicando-se para eles a representação do Brasil, com o argumento forte de que eles são os jovens. Está em disputa assim o consenso geral no país, a partir de uma nova ofensiva ideológica da direita, agora se valendo dos jovens e da sua disposição espontânea de atacar “o poder, a corrupção”, “isso tudo que está aí”. Se o governo não mudar políticas fundamentais, a começar pela de comunicações – que falhou estrepitosamente – e desenvolver políticas sobre temas tão caros à juventude – como a ecologia, o aborto, a descriminalização das drogas, a internet –, criando canais de contato e discussão permanente com os jovens, vai ter muita dificuldade para recuperar sua imagem, valorizar o que foi feito e executar seus planos de futuro.

:: O que ocorre nas redes – Vinicius Wu: Carta Maior 23/06/2013
Não estamos diante de UM movimento, mas de vários. Uma rede é formada por diversos “nós”. Uns se comunicam com outros, mas nem todos interagem, ao mesmo tempo, com todos. Assim, por exemplo, um sujeito que vai às ruas em favor do transporte público de qualidade não influencia, em praticamente nada, um outro que vai a uma passeata defendendo a prisão de todos os políticos e o fechamento do Congresso Nacional. O uso que um indivíduo faz de uma rede social tem por base uma determinada seleção de informações, realizada de acordo com seus valores, gostos, preferências e aspirações. Nunca é demais lembrar, que ao utilizarmos o facebook ou o twitter o fazemos,  principalmente, enquanto usuários de um sistema de distribuição de informações em rede. O mundo produz atualmente 5 bilhões de gigabytes de informação a cada dois dias. Portanto, é evidente que “estar na rede” significa recolher uma parcela, muito pequena, de informações disponíveis na web. No caso das redes sociais, é o indivíduo – ou sua rede mais próxima de amigos e conhecidos – quem seleciona o que será exibido em seu mural ou timeline. Então, não temos um movimento mobilizando as pessoas, mas vários movimentos simultâneos que podem ser, perfeitamente, contraditórios, convergentes ou até mesmo antagônicos entre si. E o que há é exatamente isso. Estamos diante de manifestações que reúnem, ao mesmo tempo, pessoas que defendem o fim do sistema capitalista e outras que gostariam de extinguir os partidos de esquerda. É a pós-modernidade transformada em movimento de massas. Ocorre que, além disso, é importante ter consciência de que alguns “nós” influenciam mais do que outros. E o problema fundamental para a esquerda nesse processo é que há um grande partido político nesse país que, com muita habilidade, se tornou o principal “nó” dessa rede. Há, nesse momento, uma direção política, sim, conduzindo os protestos. E essa condução é dada pela grande mídia. Foi ela quem “capturou” a agenda e fez transitar a pauta principal dos protestos da luta pela redução das passagens à luta abstrata contra a corrupção.

:: A grande oportunidade – Boaventura de Sousa Santos: Carta Maior 25/06/2013
O Brasil está diante de uma grande oportunidade diante da iniciativa da presidenta Dilma, que reconheceu a energia democrática que vinha das ruas. Esse movimento pode ser o motor do aprofundamento da democracia no novo ciclo político que se aproxima. Caso contrário, a direita tudo fará para que o novo ciclo seja tão excludente quanto os velhos ciclos que durante tantas décadas protagonizou. E não esqueçamos que terá a seu lado o big brother do Norte, a quem não convém um governo de esquerda estável em nenhuma parte do mundo.

:: Brasil, da direita à esquerda – Flávio Aguiar: Carta Maior 27/06/2013
Muito grito vai continuar rolando pelas ruas brasileiras, e muitos também pelas conspirações, temores e desejos ardentes que se espraiam pelo Brasil e pelo mundo a respeito do Brasil. Na esquerda que apoia (mais ou menos), por exemplo, viceja um temor de golpe dado pela direita, com apoio em parte do aparato de Estado (alguns setores parlamentares, outros do Judiciário, como aconteceu em Honduras, Paraguai e até nos Estados Unidos, quando da primeira eleição de G. Bush Filho contra Al Gore). Na esquerda que não apoia o governo, vicejam interpretações que veem um Brasil em estado pré-revolucionário. No caminho da revolução mundial que poderia se alastrar a partir do Brasil, está a pedra do sinuoso consórcio dirigente formado por (pela ordem de importância) FIFA-Lula-Dilma-PT-Bancos-Empreiteiras e para quebrar os ovos e fazer a omelete seria necessário decapitar esta serpente. Na direita mais tradicional medra a esperança de que o governo entre em colapso (os mais afoitos) ou em parafuso (os médio afoitos) ou que a eleição em 2014 vá pelo menos para o segundo turno (os mais menos afoitos). Na extrema-direita, onde se amalgamam desde saudosos da ditadura militar ou direitistas ainda infiltrados no aparelho de Estado, vicejam golpistas à solta, com idéias na cabeça e pedras ou barras de ferro na mão, ou às vezes balas de borracha (ainda só, felizmente) do outro lado das linhas, já que barricadas propriamente ainda não há. Estas conjecturas esbarram num problema. Tirando os golpes judiciários ou parlamentares (ainda não vejo condições para tal), só há duas maneiras de derrubar um governo que não se deixe enredar nas próprias pernas ou se aprisionar no círculo de giz da velha mídia (tudo é possível no reino deste mundo, não esqueçamos). Flávio Aguiar mora em Berlim.

:: A polissemia das manifestações populares – Edson Elias de Morais e  Luana Garcia: Notícias: IHU On-Line 28/06/2013
Os partidos de Esquerda estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Os partidos de Direita estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Os apartidários estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Cada um interpreta à sua maneira e faz as ponderações e indicações segundo suas agendas. A mídia, os partidos de Direita e seus simpatizantes estão comemorando ainda mais, porque estão percebendo nisso um “filão” inesperado contra o governo Dilma e principalmente contra o PT. Estão utilizando os gritos, as revoltas, as manifestações como sinônimos de crítica ao governo e não a uma sociedade viciada politicamente, a uma sociedade corrompida estruturalmente e um sistema societário fadado à desigualdade (…) Por mais que alguns manifestantes, em sua minoria, incitem  a política sem políticos, o poder total ao povo, e levantam bandeiras anarquistas, outros manifestantes, talvez uma maioria, apontam que a representação política é necessária, mas deve contar com mais controle e vigilância do povo, para que não desvirtue os princípios democráticos, como a utilização correta dos recursos públicos (…) É uma revolta plural que pode, por defender tantos ideais, se perder no enfrentamento de metas especificas, por não ter um projeto e uma organização devido à falta de uma politização no processo de socialização. Ficam reféns do calor do momento e da esperteza de alguns partidos políticos, e por esse motivo as atuais manifestações populares podem servir a dois senhores ou mais, simultaneamente.

:: Balanço rápido e rasteiro de uma semana intensa – Gilberto Maringoni: Carta Maior 29/06/2013
A semana termina de forma bastante positiva para quem vê as manifestações e protestos como impulsionadores da democratização da sociedade [o artigo destaca 11 pontos]. O mais importante de tudo é que reabriu-se para o povo a agenda política no país. Como diria o Barão de Itararé, “Tudo pode acontecer, inclusive nada”. Apostemos as fichas no “tudo”.

:: Datafolha registra criminalização da política e romaria pró-Marina – Marcelo Salles: Carta Maior 30/06/2013
A pesquisa divulgada neste domingo indica a ação pesada dos fiéis da balança, a mídia e os evangélicos, conforme havíamos previsto. Os evangélicos na organização da campanha por Marina e contra Dilma, e a mídia com a instrumentalização dos protestos a seu favor. Eles irão continuar operando contra a presidenta até o dia do pleito, não importa o que ela faça. Simplesmente porque defendem outro projeto para o país.