Mês da Bíblia 2011: Êxodo, segundo Balancin e Ivo

BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. Como ler o livro do Êxodo: o caminho para a liberdade. 9. ed. São Paulo: Paulus, 1997, 64 p. – ISBN 8534901953

Por Bruno Luiz Ferreira da Silva

INTRODUÇÃO: CAMINHO PARA A LIBERDADE

A coleção “Como ler a Bíblia”, da editora Paulus, dentre os vários livros publicados, contém um referente ao livro do Êxodo, escrito por Euclides M. Balancin e Ivo Storniolo, dois grandes nomes na área bíblica. Ele pretende ser um guia de leitura simples e ousado. É simples porque busca ser uma lanterna que nos ajuda a enxergar caminhos adequados para ler os livros bíblicos. Mas, ao mesmo tempo, é ousado, pois nos estimula a ler o texto com os pés no chão concreto da existência, jamais perdendo de vista os anseios e a busca de liberdade que até hoje são desejos profundos do coração humano.

Este pequeno esboço pretende lançar luzes sobre alguns pontos interessantes acerca do livro do Êxodo, posto em destaque, este ano, pela Comissão Bíblica da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), no Mês da Bíblia. Além do mais, este livreto é de uma leitura simples, compreensível a todos, sem deixar de ser rica e profunda, sendo muito útil para nos dar bases para estudos posteriores mais profundos.

SEM LIBERDADE NÃO HÁ POVO: “Povo calado é povo dominado”

Por que a questão da liberdade é tão importante, seja nos dias do antigo exílio dos hebreus, como também nos tantos “exílios” cotidianos que vivemos? Será que verdadeiramente podemos alcançar tal liberdade ou ela é mera utopia do ser humano?

Ao pensar tais questionamentos precisamos nos atentar para a definição que o livro nos coloca sobre o que é ser povo plenamente livre. Partimos da seguinte pergunta: “Por que a liberdade é fundamental para um grupo humano realmente se tornar povo?” E desaguamos na seguinte resposta: “Povo é um conjunto de pessoas capaz de autodeterminar seu comportamento político, econômico e cultural. Sem liberdade, um grupo humano não é capaz de organizar suas relações econômicas para a distribuição dos bens; nem de criar suas formas de relacionamento político para organizar a participação livre no arranjo social e nas decisões que implicam o futuro do grupo; nem de expressar os seus valores, formando a sua cultura e costumes próprios; nem de formar a sua cosmovisão, expressando seja a sua interioridade seja a sua visão de mundo” (p. 13-14). O livro do Êxodo, portanto, não é apenas o relato de um fato passado. Nele encontramos o modelo inspirador de como um grupo humano lutou para conquistar sua autonomia, encontrar seu espaço e se tornar povo plenamente livre. Ele continua aberto para todos os tempos e lugares onde outros grupos escravizados sob o peso de tantos “faraós contemporâneos” sintam o mesmo anseio de liberdade. Reler o livro do Êxodo é olharmos para um álbum de família, para percebermos quão duras foram as penas sobre as quais nossos antepassados construíram sua história de fé. É redescobrir o berço da nossa fé. É descobrir que esta fé nasceu de um acontecimento histórico, no qual Deus e o povo se uniram para a conquista da liberdade em todos os sentidos; mas, para tal conquista é preciso que os oprimidos acordem de sua situação escravista e lutem contra seu opressor.

OPRIMIDO VERSUS OPRESSOR

Você já foi a um circo? E mais, a um circo que tivesse em suas apresentações números com elefantes? Se a resposta for positiva, você já teve a curiosidade de ver como eles são mantidos presos nos momentos em que não se apresentam?

Com tantas perguntas sobre circo, você já deve estar se questionando o que isso tem a ver com a Bíblia e, de maneira particular, com o Êxodo. Pois bem, o elefante de circo, desde pequeno, é preso por uma das patas traseiras com uma corrente muito fina, de modo que, quando pequeno, mesmo que tentasse, não teria a capacidade de se libertar de tal situação física e, com o passar do tempo, mesmo tendo crescido, foi condicionado a pensar que não poderia se libertar de tal prisão. Não é assim com o povo de Deus de outrora como também muitas vezes acontece com o povo de Deus atual? O livro do Êxodo exige do leitor uma tomada de posição. Não há como ficar neutro ou imparcial, devido ao fato deste livro tratar de um conflito de interesses opostos: um grupo humano despertado de seu conformismo quer sua liberdade (hebreus), mas, por outro lado, a estrutura social estabelecida em que vive (Egito) não lhe dá outra escolha ou perspectiva de vida que não seja a de viver sob o jugo massacrante do poder ideológico, político e econômico, exercido pelo Faraó (hoje este faraó pode ser traduzido como as nações desenvolvidas que, para sustentar seu nível de vida, exploram e oprimem outras, reduzindo-as a condições de subdesenvolvimento). É interessante como o “dono do circo” (os poderosos) nunca quer perder suas fontes de lucro (seus elefantes), por isso, nunca permite que eles pensem, sonhem ou mesmo olhem para um horizonte que seja de dias melhores. A melhor forma de abafar algum tipo de revolta é não permitir que o povo tenha tempo para pensar: sobrecarregavam o povo com muitas ocupações (cf. Ex 1,8–5,9). Para esclarecer melhor, o livro nos questiona: “De onde nasce a opressão?” E nos responde: “Da defesa de interesses particulares em acumular riquezas e poder, que é uma forma de diminuir e tirar a vida e a liberdade de outros” (p. 19). O livro nos coloca situações a que este povo chegava, ao ponto de arranjar brigas entre si (cf. Ex 2,11-12), e é bom lembrar que um reino dividido nunca se mantém de pé. Para que a libertação aconteça é necessário que todos caminhem para o mesmo rumo, motivados pelo mesmo ideal: “Uma terra onde corre leite e mel” (cf. Ex 3,8), ou seja, um lugar onde todos poderão participar livremente, onde poderão repartir os seus bens e suas vidas; mas, para que isso aconteça, não basta sonhar; é preciso lutar para concretizar tal sonho. Para encerrarmos este momento é interessante pensarmos a célebre frase de Marx, dita muito tempo depois da escravidão dos hebreus, mas se valendo de um ponto comum, libertar os oprimidos, devolver-lhes a condição de enxergar suas vidas e lutar por rumos novos, onde a história de todo um povo fosse diferente. Marx dizia: “Proletários de todo mundo, uni-vos. Sua luta contra a burguesia começa com sua própria existência.”

O CAMINHO PARA A LIBERDADE

Não existe caminho pronto, pois o caminho se faz caminhando. É comum ouvirmos tal expressão motivacional. Na lutas diárias, não podemos ser meros espectadores, mas devemos ser os protagonistas de toda a mudança de mentalidade e da sociedade. Isso também serviu de força para os hebreus. Ser livre não é um processo tão fácil. A maior dificuldade do oprimido é novamente aprender a escolher o melhor por si mesmo (como isso não é muito fácil, vez ou outra, preferiam voltar atrás, para se acomodarem na escravidão, a enfrentar as dificuldades); administrar a própria vida novamente pode causar estranhamento e certa insegurança. A partir disso, podemos compreender quão grande foi a participação de Deus na vida do seu povo, lembrado em Moisés que, guiado por Deus, sempre conduz o povo a caminhos novos, rumo à terra prometida. No livro do Êxodo, conseguimos perceber claramente a manifestação da Providência de Deus, que quer salvar e libertar o seu povo de todas as situações que degradam a dignidade do ser humano, maior obra da criação de Deus. Tal “geografia sentimental” (termo usado no “Criança Esperança” deste ano de 2011, para expressar mistura de sentimentos) pode ser vista de maneira clara quando o povo sai da terra da opressão para entrar no deserto, lugar de dificuldades e tentação de voltar atrás. Este é um povo liberto, mas que ainda precisa aprender a viver de maneira plena sua liberdade, sem que eles mesmos construam novos modos de opressão para suas vidas.

CONCLUSÃO: RESTAM ESPERANÇAS

Milton Schwantes nos coloca a vida numa perspectiva muito bonita de ser compreendida, como aquela que é alimentada pela esperança. Ele diz: “Restam-nos esperanças. Nosso futuro é uma espécie de resto santo. É o que ainda nos alimenta. As esperanças como que viraram alimento”. Tal perspectiva abre-nos margem para enxergarmos melhor o significado do fato de que Deus conduziu aquele povo oprimido para uma terra onde as pessoas fossem capazes de alicerçar suas vidas. Nada foi dado a eles sem esforço. Tudo foi conquistado; Deus nunca abandonou seu povo, caminhava sempre junto dele. E, por fim, Deus dá a seu povo as suas leis, que, ao contrário das leis faraônicas, buscavam promover a vida e a liberdade sadia do povo. “É um conjunto de normas de vida que está centralizado no mandamento: ‘Não mate.’ Todas as outras normas decorrem desta, apresentando o ideal de a todo custo de produzir, manter e fazer crescer a vida e, ao mesmo tempo, combater todas as formas de morte ou diminuição da vida plena para todos” (p. 56).

Este é um livro cuja leitura é válida; ressoa sempre muito atual. São lutas de um passado distante que fortalecem e edificam as lutas presentes.

Mês da Bíblia 2011: Êxodo, segundo o SAB

SAB Aproximai-vos da presença do Senhor (Ex 16,9): Mês da Bíblia 2011. São Paulo: Paulinas, 2011, 56 p.

Por Thiago José Barbosa de Oliveira Santos

O Serviço de Animação Bíblica (SAB) das Paulinas nos presenteia com o subsídio sobre o Êxodo, que neste ano de 2011 foi escolhido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para o Mês da Bíblia, propondo uma ligação entre o Livro do Êxodo e o estudo de Iniciação Cristã. Por isso, o SAB indica o estudo dos textos escolhidos do livro do Êxodo simultaneamente a passagens que tratam da mesma temática em o Novo Testamento, a fim de refletir sobre alguns assuntos de iniciação cristã, como os sacramentos ou a vivência em comunidade. O tema do Mês da Bíblia deste ano é a “Travessia: passo a passo, o caminho se faz”. O lema é “Aproximai-vos do Senhor Ex 16,9”, Os textos bíblicos escolhidos estão em Ex 15,22-18,27.

Este subsídio está dividido em quatro encontros e uma celebração final e tem como objetivo propor uma reflexão em grupos, tanto nas pastorais como por pessoas interessadas em acompanhar as atividades do Mês da Bíblia, podendo assim se aprofundar e vivenciá-lo. Além desse estudo, o subsídio do SAB traz também um mapa, elencando possíveis trajetórias do Êxodo.

O Livro do Êxodo nos indica, a cada momento, a ação libertadora de Deus em favor do seu povo e a certeza de sua presença constante. Estudá-lo é retornar às nossas origens, é reafirmar em nosso interior a fé num Deus que escuta o clamor do seu povo. A escolha dessas passagens está estrategicamente localizada. Nestes capítulos nos defrontamos com as dificuldades, as crises e as dúvidas do povo na longa marcha pelo deserto.

Um dos enigmas que enfrentamos é a respeito de quem redigiu esse texto. Há um consenso entre os estudiosos da área de que esses capítulos são frutos de uma longa história de redação, contando com a participação de vários redatores em contextos diferentes. É preciso chamar a atenção também para a grande ajuda da tradição judaica no processo de transmissão dos textos, pois os responsáveis por ela foram extremamente fiéis ao copiar os textos sagrados, passando-os de geração em geração sem alterar nada. Em suma, é fundamental conhecer o livro do Êxodo para entender toda a Bíblia. Encontramos nele o sentido do processo inicial da salvação, isto é, seu dinamismo e a confirmação da caminhada de fé, percorrendo etapa por etapa.

Como já mencionado, o subsídio está dividido em quatro encontros. No primeiro e segundo encontros nos deparamos com várias narrativas relacionadas à falta de água e de comida, motivo de desespero, bem como do deserto, lugar de solidão e vazio. O povo libertado do jugo do faraó inicia uma longa e sofrida caminhada, lembrando-nos que todo processo de libertação exige sacrifícios e também a superação das dificuldades que surgem no decorrer do caminho em direção à total libertação.

O texto narra as murmurações do povo pela falta de água e de comida. A murmuração provinha do não assumir a condição de povo livre. A saída de uma situação de opressão para a libertação representa sair rumo ao deserto, onde nunca se sabe o que realmente vai acontecer. Podemos encontrar lugar de descanso ou águas amargas; podemos enfrentar decepções e desilusões. Mas, ao mesmo tempo, aprendemos com as amarguras a buscar a Deus, a ouvir sua voz e obedecer os seus ensinamentos, a fim de nos encontrarmos com Ele. Por outro lado, com as águas doces que matam nossa sede e o alimento providencial, aprendemos os ensinamentos de Deus, a sua voz a nos dizer o que é certo ou errado.

No terceiro encontro é retomada a problemática da falta de água e a crise do povo, que não enxerga a saída do Egito como liberdade, mas sim como o caminho para a morte. Neste contexto estão a murmuração e a revolta do povo diante dos desafios do deserto.

Dessa experiência surge a oração de intercessão de Moisés. Intercessão esta que jorra das profundezas de sua intimidade com Deus e, ao mesmo tempo, se enraíza na vida do povo. Por outro lado, nos indica que a liberdade não depende do líder e nem do povo, mas totalmente do amor, da misericórdia e da fidelidade de Deus para com seu povo, sendo Moisés apenas um instrumento em sua mão.

O povo coloca Deus à prova com sua murmuração, porém, é justamente nesse momento que Deus lhe revela e concede a prova do seu amor incondicional: Ele pede a Moisés para bater na rocha a fim de fazer jorrar dela água para saciar a sede do povo. Esses elementos são retomados por Paulo em 1Cor 10,1-13. Nesse trecho, Paulo afirma que Cristo Jesus é a rocha que os acompanhava e da qual brotou água para saciar sua sede e, ao mesmo tempo, prefigura na travessia do mar o batismo cristão.

O quarto encontro aponta para o perigo da centralização do poder em Moisés, que é visto, sobretudo, como juiz do povo. Jetro, o sogro de Moisés, o leva a refletir sobre a necessidade de distribuir as tarefas na comunidade e reconsiderar o poder e a autoridade como um serviço em prol da comunidade. A narrativa da escolha de colaboradores, que partiu do sogro de Moisés, serve de exemplo para todos nós, pois de alguma forma exercemos influência na família, na sociedade, na Igreja, na política, na comunidade… É um apelo para sairmos do comodismo, de nossos interesses egoístas e dar lugar e vez aos outros. Em termos mais concretos significa abrir mão do poder, por menor que ele seja, em vista do bem das pessoas e da comunidade.

A celebração de encerramento louva a Deus por suas maravilhas em favor de seu povo.