Mês da Bíblia 2011: Êxodo, segundo Estudos Bíblicos

SCHWANTES, M. et al. A memória popular do êxodo. 2. ed. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 16, 1996, 84 p.

Por Victor Mariano Rodrigues

Os biblistas Milton Schwantes, Hans Alfred Trein, Ana Flora Anderson, Gilberto Gorgulho, Carlos Arthur Dreher, Sandro Gallazzi e José Comblin, em um conjunto de sete artigos, apresentam o êxodo a partir de sua origem e desenvolvimento na memória popular. Este número da revista Estudos Bíblicos traz também duas recensões escritas por Ludovico Garmus sobre os livros de J. Severino Croatto, Êxodo: uma hermenêutica da liberdade e George V. Pixley, Êxodo. Apesar da “idade” deste número, que teve sua primeira edição publicada em 1988, os artigos trabalham muito bem temas que permanecem atuais. Estes estudos podem ser úteis para a compreensão global do êxodo e, portanto, para o Mês da Bíblia deste ano.

Antes do desenvolvimento e aprofundamento da memória popular no decorrer da história do povo de Israel, o êxodo é apresentado como revelação de Deus para a libertação de todos. O êxodo, memorial da libertação, apresenta Javé, o Deus que liberta o seu povo da escravidão e assegura um novo modelo igualitário. O êxodo é o centro da interpretação da lei e dos profetas e nos ajuda a compreender o êxodo de Jesus em sua missão e em sua prática libertadora.

No primeiro artigo, Milton Schwantes aborda o êxodo como evento exemplar que ilumina toda a história da Bíblia, pois apresenta o Deus libertador. Neste sentido a Bíblia é testemunha de Deus que escuta o clamor do seu povo. O êxodo é um verdadeiro memorial que perdura por toda a Bíblia. Mesmo em o Novo Testamento não se pode esquecer que a crucificação e ressurreição de Jesus ocorrem no contexto da Páscoa. A Páscoa era a festa de ação de graças a Deus daquele povo libertado. Da mesma forma toda a humanidade celebra a nova Páscoa em memória de Jesus libertador. Nas palavras do autor: “O êxodo é um paradigma. Faz as vezes de; é um exemplo. Assemelha-se a uma lâmpada. Ilumina toda a história bíblica. Aparece como sua vela principal” (p. 9).

Importante ressaltar que o êxodo, em nossos dias, acontece constantemente, principalmente para os povos latino-americanos. O êxodo rural, onde acontece uma violenta expulsão de pequenos proprietários, lavradores e sem-terra, o operário que é jogado de um emprego para o outro, migrantes oprimidos, famílias são empurradas de uma periferia à outra. E o autor coloca a questão: Ir para onde? Onde está a terra que mana leite e mel?

No segundo artigo Hans Alfred Trein trata da situação histórica dos hebreus no Egito e no Antigo Testamento. Hebreus: a que está se referindo este nome no Antigo Testamento? A palavra hebreus aparece pela primeira vez como qualificativo das parteiras que recebem ordem do faraó para que deixem viver somente as meninas (Ex 1,15ss). Hebreus podem ser denominados também como filhos de Israel, ou é uma designação para escravos por tempo limitado. Nos outros livros da Bíblia hebreus aparece com outra função, tanto para se referir ao povo escravo como para falar dos israelitas ou filhos de Israel. O que é nítido no Antigo Testamento é que os hebreus têm uma vida parecida com a do povo oprimido dos nossos dias.

No terceiro artigo, a origem social dos textos de Ex 1-15 é uma importante questão levantada por Milton Schwantes: “A pergunta pela origem é (…) a pergunta pelos setores sociais e as lutas populares que geraram e criaram os textos” (p. 31). A questão não é, entretanto, descobrir a intenção dos autores destes textos – em geral apelidados de javista, eloísta e sacerdotal na chamada ‘teoria das fontes do Pentateuco’, hoje em profunda crise -, mas localizar os portadores da memória do êxodo. O êxodo libertador foi preservado e transmitido pelos camponeses e lavradores no âmbito da chamada “guerra santa”, uma prática de luta contra os inimigos no meio clânico-tribal, na qual. todos unidos, viam a divindade como seu guia e protetor.

A origem destes textos está na memória face às experiências dos setores populares e dos camponeses na tentativa de se libertar de qualquer tipo de opressão. “As experiências da ‘guerra santa’ foram locais bastante privilegiados para a rememorização dos episódios ocorridos aos hebreus no Egito. A autodefesa contra invasores prepotentes trazia à memória a estupenda derrota do Faraó. Por ocasião da recepção na aldeia, as mulheres cantavam a memória do êxodo, quando Javé precipitara no mar ‘o cavalo e o o seu cavaleiro'” (p. 36).

Ana Flora Anderson e Gilberto Gorgulho mostram, no quarto artigo, que, na luta pela libertação, como está narrado em Ex 1-15, as mulheres tiveram importante papel. Arqueólogos e antropólogos sugerem que foi na época da libertação dos escravos do Egito que as mulheres mudaram de posição social. Na transição da Idade do Bronze para a Idade do Ferro foi necessário uma mudança do papel da mulher que teve sua participação no cultivo da terra e sua participação nas lutas dos camponeses e dos pastores. “Este período foi decisivo para a condição das mulheres no novo modelo social procurado pelas tribos libertadas. A nova condição das mulheres relaciona-se com o cultivo da terra, assolada por pragas, doenças endêmicas, fome e violência (…) O papel das mulheres concentrou-se na defesa da casa, geração e criação de filhos, trabalho da terra e participação nas lutas de defesa” (p. 40-41).

Nas lutas camponesas destacam-se algumas mulheres que lutaram pela libertação do seu povo contra a opressão e as doenças que ameaçavam a sobrevivência. Como figuras inspiradoras desta luta aparecem, no relato do êxodo, Miriam, as parteiras, a mãe de Moisés, Séfora…

A revista traz ainda os artigos de Carlos Arthur Dreher, Sandro Gallazzi e José Comblin. Que tratam das tradições do êxodo e do Sinai (Dreher), de Ex 3 e o profetismo camponês (Gallazzi) e, finalmente, do êxodo na teologia paulina (Comblin).

Como diz Milton Schwantes no editorial, os artigos deste número de Estudos Bíblicos “são uma ajuda para descobrir a riqueza inesgotável do êxodo como o foco principal e inspirador de uma teologia que queira ser um discernimento de fé a partir da prática histórica da libertação dos pobres e dos oprimidos” (p. 7).