BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. Como ler o livro do Êxodo: o caminho para a liberdade. 9. ed. São Paulo: Paulus, 1997, 64 p. – ISBN 8534901953
Por Bruno Luiz Ferreira da Silva
INTRODUÇÃO: CAMINHO PARA A LIBERDADE
A coleção “Como ler a Bíblia”, da editora Paulus, dentre os vários livros publicados, contém um referente ao livro do Êxodo, escrito por Euclides M. Balancin e Ivo Storniolo, dois grandes nomes na área bíblica. Ele pretende ser um guia de leitura simples e ousado. É simples porque busca ser uma lanterna que nos ajuda a enxergar caminhos adequados para ler os livros bíblicos. Mas, ao mesmo tempo, é ousado, pois nos estimula a ler o texto com os pés no chão concreto da existência, jamais perdendo de vista os anseios e a busca de liberdade que até hoje são desejos profundos do coração humano.
Este pequeno esboço pretende lançar luzes sobre alguns pontos interessantes acerca do livro do Êxodo, posto em destaque, este ano, pela Comissão Bíblica da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), no Mês da Bíblia. Além do mais, este livreto é de uma leitura simples, compreensível a todos, sem deixar de ser rica e profunda, sendo muito útil para nos dar bases para estudos posteriores mais profundos.
SEM LIBERDADE NÃO HÁ POVO: “Povo calado é povo dominado”
Por que a questão da liberdade é tão importante, seja nos dias do antigo exílio dos hebreus, como também nos tantos “exílios” cotidianos que vivemos? Será que verdadeiramente podemos alcançar tal liberdade ou ela é mera utopia do ser humano?
Ao pensar tais questionamentos precisamos nos atentar para a definição que o livro nos coloca sobre o que é ser povo plenamente livre. Partimos da seguinte pergunta: “Por que a liberdade é fundamental para um grupo humano realmente se tornar povo?” E desaguamos na seguinte resposta: “Povo é um conjunto de pessoas capaz de autodeterminar seu comportamento político, econômico e cultural. Sem liberdade, um grupo humano não é capaz de organizar suas relações econômicas para a distribuição dos bens; nem de criar suas formas de relacionamento político para organizar a participação livre no arranjo social e nas decisões que implicam o futuro do grupo; nem de expressar os seus valores, formando a sua cultura e costumes próprios; nem de formar a sua cosmovisão, expressando seja a sua interioridade seja a sua visão de mundo” (p. 13-14). O livro do Êxodo, portanto, não é apenas o relato de um fato passado. Nele encontramos o modelo inspirador de como um grupo humano lutou para conquistar sua autonomia, encontrar seu espaço e se tornar povo plenamente livre. Ele continua aberto para todos os tempos e lugares onde outros grupos escravizados sob o peso de tantos “faraós contemporâneos” sintam o mesmo anseio de liberdade. Reler o livro do Êxodo é olharmos para um álbum de família, para percebermos quão duras foram as penas sobre as quais nossos antepassados construíram sua história de fé. É redescobrir o berço da nossa fé. É descobrir que esta fé nasceu de um acontecimento histórico, no qual Deus e o povo se uniram para a conquista da liberdade em todos os sentidos; mas, para tal conquista é preciso que os oprimidos acordem de sua situação escravista e lutem contra seu opressor.
OPRIMIDO VERSUS OPRESSOR
Você já foi a um circo? E mais, a um circo que tivesse em suas apresentações números com elefantes? Se a resposta for positiva, você já teve a curiosidade de ver como eles são mantidos presos nos momentos em que não se apresentam?
Com tantas perguntas sobre circo, você já deve estar se questionando o que isso tem a ver com a Bíblia e, de maneira particular, com o Êxodo. Pois bem, o elefante de circo, desde pequeno, é preso por uma das patas traseiras com uma corrente muito fina, de modo que, quando pequeno, mesmo que tentasse, não teria a capacidade de se libertar de tal situação física e, com o passar do tempo, mesmo tendo crescido, foi condicionado a pensar que não poderia se libertar de tal prisão. Não é assim com o povo de Deus de outrora como também muitas vezes acontece com o povo de Deus atual? O livro do Êxodo exige do leitor uma tomada de posição. Não há como ficar neutro ou imparcial, devido ao fato deste livro tratar de um conflito de interesses opostos: um grupo humano despertado de seu conformismo quer sua liberdade (hebreus), mas, por outro lado, a estrutura social estabelecida em que vive (Egito) não lhe dá outra escolha ou perspectiva de vida que não seja a de viver sob o jugo massacrante do poder ideológico, político e econômico, exercido pelo Faraó (hoje este faraó pode ser traduzido como as nações desenvolvidas que, para sustentar seu nível de vida, exploram e oprimem outras, reduzindo-as a condições de subdesenvolvimento). É interessante como o “dono do circo” (os poderosos) nunca quer perder suas fontes de lucro (seus elefantes), por isso, nunca permite que eles pensem, sonhem ou mesmo olhem para um horizonte que seja de dias melhores. A melhor forma de abafar algum tipo de revolta é não permitir que o povo tenha tempo para pensar: sobrecarregavam o povo com muitas ocupações (cf. Ex 1,8–5,9). Para esclarecer melhor, o livro nos questiona: “De onde nasce a opressão?” E nos responde: “Da defesa de interesses particulares em acumular riquezas e poder, que é uma forma de diminuir e tirar a vida e a liberdade de outros” (p. 19). O livro nos coloca situações a que este povo chegava, ao ponto de arranjar brigas entre si (cf. Ex 2,11-12), e é bom lembrar que um reino dividido nunca se mantém de pé. Para que a libertação aconteça é necessário que todos caminhem para o mesmo rumo, motivados pelo mesmo ideal: “Uma terra onde corre leite e mel” (cf. Ex 3,8), ou seja, um lugar onde todos poderão participar livremente, onde poderão repartir os seus bens e suas vidas; mas, para que isso aconteça, não basta sonhar; é preciso lutar para concretizar tal sonho. Para encerrarmos este momento é interessante pensarmos a célebre frase de Marx, dita muito tempo depois da escravidão dos hebreus, mas se valendo de um ponto comum, libertar os oprimidos, devolver-lhes a condição de enxergar suas vidas e lutar por rumos novos, onde a história de todo um povo fosse diferente. Marx dizia: “Proletários de todo mundo, uni-vos. Sua luta contra a burguesia começa com sua própria existência.”
O CAMINHO PARA A LIBERDADE
Não existe caminho pronto, pois o caminho se faz caminhando. É comum ouvirmos tal expressão motivacional. Na lutas diárias, não podemos ser meros espectadores, mas devemos ser os protagonistas de toda a mudança de mentalidade e da sociedade. Isso também serviu de força para os hebreus. Ser livre não é um processo tão fácil. A maior dificuldade do oprimido é novamente aprender a escolher o melhor por si mesmo (como isso não é muito fácil, vez ou outra, preferiam voltar atrás, para se acomodarem na escravidão, a enfrentar as dificuldades); administrar a própria vida novamente pode causar estranhamento e certa insegurança. A partir disso, podemos compreender quão grande foi a participação de Deus na vida do seu povo, lembrado em Moisés que, guiado por Deus, sempre conduz o povo a caminhos novos, rumo à terra prometida. No livro do Êxodo, conseguimos perceber claramente a manifestação da Providência de Deus, que quer salvar e libertar o seu povo de todas as situações que degradam a dignidade do ser humano, maior obra da criação de Deus. Tal “geografia sentimental” (termo usado no “Criança Esperança” deste ano de 2011, para expressar mistura de sentimentos) pode ser vista de maneira clara quando o povo sai da terra da opressão para entrar no deserto, lugar de dificuldades e tentação de voltar atrás. Este é um povo liberto, mas que ainda precisa aprender a viver de maneira plena sua liberdade, sem que eles mesmos construam novos modos de opressão para suas vidas.
CONCLUSÃO: RESTAM ESPERANÇAS
Milton Schwantes nos coloca a vida numa perspectiva muito bonita de ser compreendida, como aquela que é alimentada pela esperança. Ele diz: “Restam-nos esperanças. Nosso futuro é uma espécie de resto santo. É o que ainda nos alimenta. As esperanças como que viraram alimento”. Tal perspectiva abre-nos margem para enxergarmos melhor o significado do fato de que Deus conduziu aquele povo oprimido para uma terra onde as pessoas fossem capazes de alicerçar suas vidas. Nada foi dado a eles sem esforço. Tudo foi conquistado; Deus nunca abandonou seu povo, caminhava sempre junto dele. E, por fim, Deus dá a seu povo as suas leis, que, ao contrário das leis faraônicas, buscavam promover a vida e a liberdade sadia do povo. “É um conjunto de normas de vida que está centralizado no mandamento: ‘Não mate.’ Todas as outras normas decorrem desta, apresentando o ideal de a todo custo de produzir, manter e fazer crescer a vida e, ao mesmo tempo, combater todas as formas de morte ou diminuição da vida plena para todos” (p. 56).
Este é um livro cuja leitura é válida; ressoa sempre muito atual. São lutas de um passado distante que fortalecem e edificam as lutas presentes.