A notícia de uma grande descoberta arqueológica em Israel está circulando por aí. Isto porque em um pequeno objeto de chumbo, um amuleto, encontrado no Monte Ebal, em Israel, aparece lá pelo final da Idade do Bronze (por volta de 1150 a.C.) uma inscrição em escrita alfabética protocanaanita e, dizem, o nome Iahweh. O que seria algo bem mais antigo do que temos até hoje.
Muitos especialistas duvidam da novidade anunciada e, prudentemente, aguardam o prometido artigo acadêmico dos autores.
O respeitado epigrafista Christopher Rollston, escreveu, em 26 de março de 2022, em sua página Rollston Epigraphy, um texto com algumas advertências metodológicas sobre este achado. Vale a pena ler.
The Mount Ebal Lead ‘Curse’ Inscription in Late Bronze Age Hebrew: Some Methodological Caveats – Christopher Rollston – Rollston Epigraphy, 26 March 2022
Entre outras coisas, ele diz:
Aqui estão alguns dos fatos básicos.
Em 24 de março de 2022 na Lanier Theological Library (em Houston, Texas), Scott Stripling (Reitor do Seminário Bíblico em Katy, Texas, USA, e Diretor de Escavações dos Associados para Pesquisa Bíblica em Khirbet el-Maqatir e Silo, Israel) , juntamente com Pieter van der Veen (Johannes Gutenberg-University, Mainz, Alemanha) e Gershon Galil (Universidade de Haifa, Israel) realizaram uma conferência de imprensa para anunciar a descoberta e decifração putativa de uma inscrição de chumbo dobrada de 2 cm x 2 cm. Observo que a inscrição permanece dobrada, ou seja, não foi aberta.
De acordo com Stripling, Galil e van der Veen, as quarenta letras no interior deste objeto de chumbo dobrado não são discerníveis a olho nu. No entanto, por meio de imagens realizadas em Praga na Academia de Ciências da República Tcheca, eles (ou seja, van der Veen e Galil) acreditam que quarenta letras podem ser vistas, que essas letras podem ser lidas e as palavras resultantes podem ser decifradas.
Aqui está sua tradução: “Amaldiçoado, amaldiçoado, amaldiçoado – amaldiçoado pelo Deus Yhw [Yahweh], Você morrerá amaldiçoado. Amaldiçoado você certamente morrerá. Amaldiçoado por Yhw – amaldiçoado, amaldiçoado, amaldiçoado.”
Além disso, esses estudiosos afirmam que a escrita desta inscrição é “protoalfabética”. Talvez seja útil mencionar que um modo padrão de descrever a escrita alfabética neste período de tempo seria “alfabética antiga” ou “protocanaanita”, em vez de “protoalfabética”.
Stripling, Galil e van der Veen também afirmam que existem algumas letras do lado de fora desse objeto de chumbo dobrado, mas não mencionam quais letras ou palavras eles podem estar lendo do lado de fora.
Chama a atenção o fato desta inscrição não ter sido encontrada em um contexto estratificado durante as escavações no “Monte Ebal”.
Observe que Adam Zertal dirigiu as escavações no Monte Ebal na década de 1980, e ele acreditava ter encontrado neste local uma “estrutura” que ele (Zertal) acreditava ser provavelmente um altar e poderia ser conectado de alguma forma com o altar mencionado em Js 8,30-31.
Em vez disso, esse objeto de chumbo inscrito foi encontrado em 2019, como parte de um processo de peneiração de parte do material que havia sido descartado nas escavações dos anos 80.
Talvez também seja útil mencionar: a conferência de imprensa na Lanier Theological Library faz referência a alguns restos de carbono que foram encontrados durante a peneiração, mas não há referência, infelizmente, a nenhuma data de carbono (por exemplo, AMS, etc.).
Também é importante mencionar o fato de que Stripling, Galil e van der Veen ainda não terminaram de escrever o artigo acadêmico sobre essa descoberta. Eles esperam completá-lo nos próximos meses e, em seguida, enviá-lo para publicação em algum lugar.
Na conclusão, após as interessantes advertências metodológicas que constituem o núcleo do texto, ele recomenda:
Em suma, eu sugeriria que devemos dar um passo atrás e deixar a poeira baixar. Parece-me que Stripling, Galil e van der Veen fizeram muitas suposições. Além disso, estou longe de estar convencido de suas leituras, especialmente porque eles não forneceram nem mesmo uma única boa imagem.
E também me parece que o melhor preditor do futuro é o passado. E no passado, vira e mexe, alegações sensacionais se transformaram em cinzas no cadinho da análise séria, filológica e epigráfica. Então, vamos esperar e ver como isso vai ficar. Mas, quanto a mim, temo ser metodologicamente cauteloso demais para abraçar as suposições sensacionais de Stripling, Galil e van der Veen.
Veja também:
Archaeologist claims to find oldest Hebrew text in Israel, including the name of God – By Amanda Borschel-Dan – The Times of Israel: 24 March 2022
Academic article on controversial 3,200-year-old ‘curse tablet’ fails to sway experts – By Melanie Lidman – The Times of Israel: 14 May 2023
Um resumo do caso, em português, pode ser lido aqui.