Muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre

Ainda sobre o perfil religioso dos brasileiros divulgado pelo Censo 2010, o sociólogo da religião Pedro Ribeiro de Oliveira, entrevistado pela  IHU On-Line, faz algumas considerações interessantes.

Confira a entrevista:  A desafeição religiosa de jovens e adolescentes, publicada pela IHU On-Line hoje, 5 de julho de 2012.

Diferente do título dado pela IHU On-Line, eu gostaria de chamar a atenção para outro aspecto da entrevista, daí o título que escolhi Muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre, uma forte característica do catolicismo popular brasileiro. Nasci e cresci em região de fazendas médias e pequenas em Minas Gerais, longe da cidade, e sei bem o que é isso.

Três trechos da entrevista exemplificam o que quero dizer:

:: IHU On-Line – Os dados do censo 2010, divulgados pelo IBGE, demonstram um progressivo declínio do catolicismo no país. Como o senhor interpreta esses dados? O que isso significa?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Esses dados não estão exatamente relacionados ao proselitismo evangélico, mas sim a uma crise das religiões tradicionais. Ainda não fiz um estudo minucioso dos dados do censo, porém pude perceber que as igrejas tradicionais – católica, luterana, presbiteriana e mesmo a metodista – perderam membros em termos absolutos e não acompanharam o crescimento da população. Uma igreja que me surpreendeu nesse sentido foi a Congregação Cristã do Brasil, que era muito sólida e tinha membros praticantes. Há aí um dado no censo que obriga certa atenção, porque várias igrejas perderam membros, inclusive a Universal do Reino de Deus.

Precisamos ter presente o dado de que a perda de membros atinge várias denominações religiosas. Claro que o proselitismo tem sua importância nesse processo, mas isso ocorre principalmente por causa da insatisfação do fiel com os serviços oferecidos pela sua igreja (…)

:: IHU On-Line – Qual o significado de o Brasil ainda ser um país majoritariamente católico, considerando que existem os praticantes e os não praticantes?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Muitos só consideram católicos aqueles que vão à missa e comungam. Entretanto, a tradição católica brasileira nunca foi de seguir tradicionalmente o catolicismo romano. O catolicismo popular tradicional mostra muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre. Essa frase é perfeita. Quer dizer, a tradição católica sempre teve muita devoção aos santos; era uma religião familiar. Praticava-se o catolicismo em casa, com a família, geralmente a materna, e de vez em quando se frequentava a igreja para receber os sacramentos. Quer dizer, trata-se de um católico não praticante do sacramento, mas um católico praticante da devoção aos santos. Um velho teólogo que já morreu dizia: “O padre fala da ignorância religiosa do povo, e o povo também acha que o padre é ignorante na religião, porque não sabe fazer a devoção aos santos”.

Então, o catolicismo tem essa propriedade, é uma religião que comporta muita gente, e diferentes formas de ser católico, inclusive aquela dos não praticantes (…)

:: IHU On-Line – Que desafios os dados do censo apresentam para a Igreja Católica brasileira?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Diante dos dados do censo, fiquei muito curioso, e entrei no site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e vi lá uma matéria dizendo que a Igreja está viva. Isso é muito interessante. A matéria informava que aumentou o número de paróquias e o número de padres. Isso é igreja viva? A paróquia é uma instituição medieval que na Idade Média era muito boa, e também foi boa para o mundo rural. Se tivesse aumentado o número de comunidades de padres, aí tudo bem, porque teria aumentado o número de padres presente ao lado do povo. Achar que aumentar o número de paróquias é aumentar a presença da igreja no mundo é um equívoco, no meu entender, de todo tamanho. E o segundo é dizer que a igreja está viva porque aumentou o número de padres. A igreja está mais clerical, porque aumentou o número de padres, mas o número de padres não representa a vitalidade para a igreja. A vitalidade da igreja sempre foi a atividade dos leigos.

Tenho impressão de que a reação oficial da Igreja Católica, pelo menos nas matérias que pude ver, é um grande equívoco em termos sociológicos, ou seja, é ainda pensar em um modelo de igreja do Concílio de Trento. A força da Igreja, de qualquer igreja, está no que os protestantes chamam de congregar, ou seja, juntar pessoas que possam participar e sentir-se igreja. Creio que a experiência mais bem sucedida na Igreja Católica foram as Comunidades Eclesiais de Base, seguida dos grupos de oração, grupos de pastorais, que hoje chamam de novas comunidades. Esses programas buscam juntar pessoas leigas que se reúnem, celebram, leem a Bíblia para, a partir disso, influenciar no mundo. Aí está a força de uma igreja, a força pentecostal. A força pentecostal das igrejas evangélicas não é o número de pastores, mas o número de obreiros, que são pessoas leigas, que têm um entusiasmo pela religião.

Trata-se da força de expandir da igreja para o mundo. Isso quer dizer: uma igreja é forte quando tem grupos de leigos que se reúnem para atuar no mundo. Hoje o que vemos é a força de atrair para dentro, ou seja, o bom católico é aquele que está na igreja. Isso aí é o definhamento da instituição. Na hora que os responsáveis pela igreja no Brasil levarem a sério esses dados geracionais, ou seja, a desafeição religiosa de jovens e adolescentes, espero que deem um recado a essa pastoral maluca que eles têm, que gasta todos os recursos para construir seminário e formar mais padres.

Leia a entrevista.

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