“O papa Bento XVI afirmou que os homens que entram para o sacerdócio na Igreja não devem ver a vocação como sinônimo de carreiras poderosas, mas, em lugar disso, devem servir a Cristo e à Igreja.
O papa alemão, de 79 anos, deu o aviso durante sermão num evento onde 15 novos padres foram ordenados. Ele acrescentou que a imagem do carreirismo, uma tentativa de chegar ao topo e buscar posição na Igreja, é para quem serve a si mesmo.
– Esta é a imagem do homem que quer ser importante, se tornar uma personalidade, através do sacerdócio. Mas a única ascensão legítima no ministério pastoral é a cruz. Esta é a porta. Não desejar pessoalmente ser alguém, mas em vez disso estar lá para os outros, para Cristo – disse.
Os padres ordenados na Basílica de São Pedro eram da Itália, Polônia, Honduras e Israel, e servirão na arquidiocese de Roma.
Mais tarde, falando ao público na Praça de São Pedro para sua bênção dominical, o papa mencionou o problema da falta de padres em algumas partes do mundo.
– Mesmo que em algumas regiões haja uma escassez do clero, não há dúvida de que Deus continua chamando os meninos, jovens e adultos para deixarem tudo e se dedicarem ao ministério pastoral – afirmou.”
Fonte: Reuters: 07/05/2006
Tomando as palavras do Papa Bento XVI, o de servir ao Cristo, acho-as bastante importantes, porém creio que a interpretação que nós temos são bem diferentes.
A vocação do ser humano é servir ao Cristo, que é a realização das delícias na alma, e somente nesse estado que se realiza a máxima contida no Pentateuco, resgatada na memória dos Evangelhos neotestamentais: amar a si mesmo e ao próximo, que é mandamento semelhante ao de amar a Deus sobre todas as coisas. Por isso conjuga bem a epístola joanina de que se aborrece/odeia a qualquer dos irmãos, não se ama a Deus.
Mas o servir ao Cristo é conhecimento e disposição de alma um tanto raras no nosso mundo. Cristo é realizado por meio de invocações de pertença institucional? Não! O apóstolo Paulo já deixava claro em Romanos, e depreende-se de muitas outras passagens suas, mas há equívocos grosseiros como a humanidade interpreta a Bíblia. Há realizadores de Cristo em inúmeros membros de diferentes tradições religiosas e mesmo quem não advogue tradição alguma.
Mas para ser discípulo de Cristo, é necessário que “se aborreça/odeie a seu pai, e mãe, e mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida.” Isso é verdade, quem não transcende os vínculos estabelecidos ao plano egóico, estágio ao qual toda alma transita, jamais pode alcançar o Cristo. Esses vínculos devem ser rompidos, o ego relativo deve ser transcendido. Os vínculos do ego são os nossos “pais e mães, mulher, filhos, irmãos e irmãs”, a nossa vida imersa na condução ditada pelo ego.
A dualidade, simbologia universal da consciência egóica, utilizada na Bíblia, Bhagavad-gita, Sutras búdicas, é marca do “homem carnal” paulino, o estágio da alma submetida ao império do ego. Paulo sempre aborda a doutrina da transcendência do ego e o rito de passagem aguardada: “Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual; semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder.”
A mente carnal interpreta essas passagens como realização futura, uma promessa pós-morte, quando na verdade referem-se aos degraus do “self” no plano da consciência.
E por que muitos não conhecem o Cristo? Porque quando dizem servi-lo, ou se imaginam discípulos, antes servem a si mesmos, isto é, agem em função do ego relativo, ao falso eu, aos “parentes” que não são “família” de Cristo. Por isso se cingem de cerimônias e rituais, de nomes, numa invocação inútil, pois servem aos caprichos exteriores, sem contudo haver participação interior eficaz.
A Bíblia mesma deixa inúmeras advertências a respeito: “Não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão, porque eu afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão. Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento.” Afirmar-se cristão é definir-se descendência de Abraão, porém muitos não tem os frutos dignos de arrependimento. Por isso permanecem “homens carnais”, jamais ascendem ao “homem espiritual”.
É necessário realçar que na tradição semítica, o Alcorão sublinha a expressão “religião de Abraão”, e sob essa expressão situa o judaísmo, o cristianismo e os seguidores do Alcorão, além de outros. Entretanto deve-se resguardar que o cristianismo e judaísmo são na sua expressão esotérica. A crítica que o Alcorão resguarda ao judaísmo e cristianismo são os mesmos que a Bíblia resguarda aos supostos discípulos da Bíblia, pois cingem seu conhecimento e prática no regime exotérico, prática do “homem carnal”, sem os “frutos do arrependimento”. Bem, todas as três “religiões” que se definem descendência de Abraão padecem vigorosamente desse vício hoje. Só pequenos círculos, desconhecidos da maioria do público, conseguem promover destacadamente o propósito que as Escrituras invocam.