A origem de Israel nos séculos 12 e 11 a.C.: comentando um livro de Volkmar Fritz

Como comentei aqui, uma das resenhas do terceiro fascículo de 2005 da RIBLA, feita por Nelson Kilpp, foi sobre o livro escrito por Volkmar Fritz, com o título Die Entstehung Israels im 12. und 11. Jahrhundert v.Chr. [A origem de Israel nos séculos 12 e 11 a.C.], publicado em Stuttgart em 1996 pela editora Kohlhammer.

Este tema é do maior interesse para os meus estudos e por isso quero deixar aqui um pouco do que pensam Volkmar Fritz e seu resenhista na RIBLA, Nelson Kilpp, Professor da Escola Superior de Teologia da IECLB, de São Leopoldo, RS.

Volkmar Fritz, à época da escrita do livro, era o Diretor do Instituto Protestante Alemão de Arqueologia na Terra Santa (Deutsches Evangelisches Instituts für Altertumswissenschaft des Heiligen Landes). V. Fritz é arqueólogo, com dedicação especial às áreas de topografia, demografia e arquitetura dos inícios de Israel.

A obra Die Entstehung Israels im 12. und 11. Jahrhundert v.Chr. está dividida em 4 capítulos: I. A visão bíblica da época (Das biblische Bild der Epoche); II. Reconstrução histórica da época (Historische Rekonstruktion der Epoche); III. A literatura da época (Die Literatur der Epoche) e IV. O significado teológico da época (Die theologische Bedeutung der Epoche). Aliás, todas as obras da série alemã Biblische Enzyklopädie (12 Bände, Stuttgart, Kohlhammer, 1996-), da qual o livro de V. Fritz é o volume 2, têm esta estrutura. Além disso é característico desta série a crescente tendência de confrontar a visão bíblica com os resultados arqueológicos da época, como mostrei em meu artigo sobre A História de Israel no debate atual.

A resenha de N. Kilpp é bem detalhada, ocupando as p. 198-209 da RIBLA. Mas vou me deter apenas em poucos pontos.

Depois de repassar o tema do capítulo I (A visão bíblica da época) ele mostra como V. Fritz irá fundamentar sua reconstrução histórica na arqueologia e em fontes extrabíblicas, já que considera os textos bíblicos como detentores de pouca credibilidade histórica. Nas palavras de V. Fritz: “Die Dürftigkeit der literarischen Quellen erschwert zwar die Rekonstruktion der Epoche, macht sie aber nicht unmöglich. Da biblische Texte kaum zur Verfügung stehen, muss eine Darstellung des geschichtlichen Ablaufs alle weiteren Hilfsmittel historischer Arbeit benutzen. Dazu gehört in erster Linie die Heranziehung der Ergebnisse archäologischer Forschung (…) Weiterhin können und müssen die wenigen ausserbiblischen Quellen ausgewertet werden, die ein Licht auf die Epoche werfen, auch wenn sie nich unmittelbar auf die israelitischen Stämme bezogen sind” (p. 62).

O segundo capítulo – Reconstrução histórica da época – é o mais longo e mais interessante do livro. Ocupa 116 das 223 páginas do livro, ou seja, 52% da obra. Após os quadros cronológicos da época, o autor mostra que no final da Idade Recente do Bronze (1550-1200 a.C.), ou seja nos séculos XIV e XIII, pode-se perceber um declínio de Canaã: cidades abandonadas, cerâmica e comércio internacional menos intensos, fortalezas destruídas, diminuição da população. Os motivos para a crise são desconhecidos, mas podemos pensar em uma conjunção de fatores, como guerra, pestes, fome, tributação excessiva. O fato é que o sistema cananeu de cidades-estado termina por volta de 1200 a.C., mesmo havendo continuidade demográfica, o que demonstra a sobrevivência de parte da população.

Na página 75 o autor começa a tratar do repovoamento da terra no início da Idade do Ferro, ou seja, entre 1200 e 1000 a.C. e traz dados interessantes. Este repovoamento é praticamente simultâneo à crise do sistema de cidades-estado cananeias, e se faz na forma de povoados que aparecem na região montanhosa, onde até então não havia cidades. E isso é significativo: na Galileia se passa de 9 cidades na Idade do Bronze para 51 povoados no início da Idade do Ferro; na Transjordânia há um aumento de 15 para 73; nas montanhas de Efraim, onde antes havia 6 cidades, agora há 115 povoados… E a forma dos povoados também chama a atenção: sem fortificações, sem planejamento, sem prédios públicos! O autor conclui: os povoados têm características agrárias, pois seus habitantes cultivam as terras ao redor e criam animais (“Alle Siedlungen der frühen Eisenzeit tragen eindeutig agrarischen Charakter. Die Bewohner bewirtschafteten das umliegende Land und triben Viehzucht” – p. 91).

Como a cultura material encontrada é de tradição cananeia, os habitantes destes novos povoados no início da Idade do Ferro só podem ter sido ou os cananeus das antigas cidades ou grupos não-sedentários que viviam em torno delas. Como estes grupos não vieram subitamente de fora, mas já viviam em contato com as cidades-estado cananeias, embora fossem nômades, Volkmar Fritz vai chamar esta convivência de simbiose. Que chega ao fim no século XII, quando estes mesmos nômades, por não terem mais acesso ao produtos agrícolas com a falência das cidades, vão construir casas e povoados e desenvolver sua própria agricultura. Nas palavras do autor, o fim da simbiose: “Mit dem Zusammenbruch der kanaanitischen Stadtstaaten während des 12. Jh. brach auch die Symbiose zwischen den verschiedenen Bevölkerungsgruppen mit unterschiedlicher Lebensweise zusammen” (p. 92).

Na agricultura praticada na região montanhosa e nas estepes circunvizinhas privilegiava-se a plantação da cevada e do trigo. Sendo o solo muito favorável à plantação da cevada, esta era usada também para alimentar o gado. Do trigo possuíam várias espécies, do qual faziam farelo e farinha.

Chuvas: de outubro a abril. Semeava-se de dezembro a fevereiro e colhia-se a partir de abril nas planícies e a partir de maio nas montanhas, terminando tudo em junho. Ferramentas: arado, foice, trenó de trilhar puxado por bois. Frutas produzidas: uvas, figos, olivas, romãs, tâmaras, pistácias e amêndoas. Lentilhas eram igualmente cultivadas. Animais criados: asnos, bois, cabras e ovelhas. Caça: gazelas, porcos do mato e cervos.

Em seguida, o autor nos fornece informações sobre a estrutura social, a família patrilinear, a divisão do trabalho, a estrutura do clã como grupo consanguíneo e, finalmente, da tribo como a unidade social maior deste grupo que é identificado com o Israel pré-estatal.

Sobre a arquitetura das casas, o autor anota a predominância de residências de 3 ou 4 cômodos, sobre a cerâmica, diz que é dependente, mas inferior à cananéia, sobre a escrita já há testemunhos de pleno desenvolvimento da escrita alfabética no século XI. Em seguida, o autor expõe algumas das hipóteses sobre as origens de Israel, assunto que já tratamos em outro lugar.

Bem, quanto ao restante… vamos deixar para o leitor curioso o trabalho de ir até às páginas da RIBLA: a religião javista, Sinai ou não, santuários, povos vizinhos… são ainda alguns dos assuntos tratados neste capítulo.

A avaliação final de Nelson Kilpp é a seguinte: além de sentir falta de mais fotos e gravuras, com explicações, o resenhista diz que, por não mencionar o grupo do êxodo, fica difícil explicar de onde surgiu o javismo… E: “Em muitos aspectos, V. Fritz enquadra-se entre os historiadores ‘minimalistas’, que supõem que nada ou quase nada de histórico se preserva nos textos bíblicos” (p. 209). Terminando com um alerta: a ideia de que Israel sempre esteve na região pode legitimar, mesmo que de modo inconsciente, a pretensão atual do Estado de Israel de ser o único senhor de todo o território da Palestina.

Porém, aqui devo mencionar que, em termos de mau uso da História de Israel, considero bem pior a ideia da conquista da terra (semelhante à narrada em Josué), que ainda tem seus defensores nos meios conservadores e/ou ortodoxos. Conquista militar que legitima ações como as que ocorrem desde os anos 50 do século passado para cá.

E, por último, chamo a atenção: Israel volta a ocupar militarmente parte do território palestino – de onde já havia se retirado – como explica a notícia de hoje: Israel expande ação em Gaza e cria zona de segurança na região.

Uma história da interpretação moderna da Bíblia

Esta é uma resenha que merece ser lida. Foi feita por Devorah Schoenfeld, da Graduate Theological Union/University of California-Davis, Berkeley, CA, USA, e publicada na Review of Biblical Literature no dia 13 de maio de 2006.

É sobre o livro de SANDYS-WUNSCH, J. What Have They Done to the Bible? A History of Modern Biblical Interpretation. Collegeville, Minn.: Liturgical Press, 2005, p. xx + 378. ISBN 0814650287.

Este livro trata da interpretação da Bíblia entre 1450 e 1889. John Sandys-Wunsch, um estudioso anglicano (the Rev. Dr. John Sandys-Wunsch, D.S.Litt., D.Phil., formerly a university professor and administrator in Canada and England, is a research fellow at the University of Victoria), mostra como a Bíblia foi “destronada”, chegando ao século XIX em posição bem diferente de tempos anteriores: agora é a Bíblia que precisa do suporte da ciência e não a ciência que precisa do suporte da Bíblia (“In this new era, it was the Bible that required the support of science, not science that required the support of the Bible“).

O início da resenha nas palavras da autora:

What Have They Done to the Bible? is an engagingly written, accessible introduction to the history of Western Christian biblical interpretation from 1450 to 1889. It tells the story of the “dethronement of the Bible,” or the movement from an approach to biblical study in which the Bible (or its traditional interpretations) is the source of all knowledge to an approach in which even the Bible can be judged and evaluated on the basis of science and history. In this narrative, eighteenth century developments are central, and this book argues that it was in the eighteenth century that both the scientific approach to the Bible and pietistic and theological responses to it took their modern shape. The book covers a wide range of modern thinkers and exegetes, with a special focus on eighteenth century writers. It treats Protestant and Catholic exegetes for the most part together, presenting their similarities as more important than their differences.

E, pelo visto, este é um livro que merece ser lido!

Livro coordenado por Boccaccini tem nova resenha na Review of Biblical Literature

Foi publicada na Review of Biblical Literature, no dia 29/04/2006, mais uma resenha do livro que comentei no Observatório Bíblico no dia 25 de janeiro com o post Enoch and Qumran Origins: 47 pesquisadores debatem o tema.

BOCCACCINI, Gabriele (ed.) Enoch and Qumran Origins: New Light on a Forgotten Connection. Grand Rapids: Eerdmans, 2005, xviii + 472 p.

Desta vez quem faz a resenha é James E. Harding, University of Otago, Dunedin, Aotearoa/New Zealand. Certamente é algo que lerei com calma e comentarei mais detalhadamente, pois achei o livro muito interessante, embora o tenha visto apenas de longe. Aliás, todo o trabalho coordenado por Gabriele Boccaccini é fascinante. Já li outros textos dele.

James E. Harding, termina assim sua resenha:

I would commend most highly this important and exciting volume to all scholars and students of Second Temple Jewish literature and early Christianity. It should provide a stimulus to future research on several critical issues. The book is essential reading for scholars and research students working on any aspect of Second Temple Judaism and the Jewish framework for the origins of Christianity. The general readability of the papers the volume contains, combined with the fact that it offers an insight into the current state of play in several key areas of research, suggest that the volume as a whole, or one or more of its constituent parts, would make an interesting basis for a graduate seminar.

Duas resenhas de um livro sobre o futuro da arqueologia bíblica

Na Review of Biblical Literature, Diana Edelman, da Universidade de Sheffield, Reino Unido, e Thomas L. Thompson, da Universidade de Copenhague, Dinamarca, estão resenhando o livro editado por

James K. HOFFMEIER e Alan MILLARD (ed.) The Future of Biblical Archaeology: Reassessing Methodologies and Assumptions. Grand Rapids: Eerdmans, 2004, xviii + 403 p.
Diz a editora:

Biblical archaeology has long been a discipline in crisis. Biblical minimalists, who believe that the Bible contains little of actual historical fact, today are challenging those who accept the historicity of Scripture. In this volume Jewish and evangelical Christian archaeologists, historians, and biblical scholars confront the minimalist critique and offer positive alternatives. Bringing a needed scientific approach to biblical archaeology, the contributors construct a new paradigm that reads the Bible critically but sympathetically. Their work covers the full range of subjects relevant to understanding the context of the Bible, including proper approaches to scriptural interpretation, recent archaeological evidence, and new studies of Near Eastern texts and inscriptions.

 

Este volume contém as palestras de um simpósio realizado na Trinity International University, de 12 a 14 de agosto de 2001. São 19 “papers” organizados em 4 partes.

O objetivo do simpósio foi debater a crise da “arqueologia bíblica”. São duas resenhas que merecem leitura.

Observe que a resenha de Diana Edelman é de 16.04.2005, enquanto que a de Thomas L. Thompson foi publicada em 22.04.2006.

Biblical Peoples and Ethnicity, por Ann Killebrew: há novidades neste estudo?

KILLEBREW, A. E. Biblical Peoples and Ethnicity: An Archaeological Study of Egyptians, Canaanites, Philistines, and Early Israel 1300-1100 B.C.E. Atlanta/Leiden: Society of Biblical Literature/Brill, 2005, xx + 362 p.



A apresentação do livro Povos Bíblicos e Etnicidade: Um estudo arqueológico de egípcios, cananeus, filisteus e do Israel primitivo entre 1300 e 1100 a.C. no site da editora Brill, diz o seguinte:

Ancient Israel did not emerge within a vacuum but rather came to exist alongside various peoples, including Canaanites, Egyptians, and Philistines. Indeed, Israel’s very proximity to these groups has made it difficult – until now – to distinguish the archaeological traces of early Israel and other contemporary groups. Through an analysis of the results from recent excavations in light of relevant historical and later biblical texts, this book proposes that it is possible to identify these peoples and trace culturally or ethnically defined boundaries in the archaeological record. Features of late second-millennium B.C.E. culture are critically examined in their historical and biblical contexts in order to define the complex social boundaries of the early Iron Age and reconstruct the diverse material world of these four peoples. Of particular value to scholars, archaeologists, and historians, this volume will also be a standard reference and resource for tudents and other readers interested in the emergence of early Israel.


Entretanto, duas resenhas publicadas pela Review of Biblical Literature no dia 8 de abril de 2006, escritas por Diana Edelman e Gerald Klingbeil, mostram que o livro de Killebrew, uma arqueóloga bem preparada, não trata, de fato, do caráter ou da qualidade étnica dos povos mencionados…

Mas faz uma síntese histórica bastante didática e… problemática! Pois, como diz Diana Edelman, da Universidade de Sheffield, Reino Unido, em sua resenha, o livro

does not elaborate on points enough to allow the reader to assess the strengths and weaknesses of given theories or textual and archaeological source material independently without going and reading all the original discussions, with the exception of the pottery sections.


Acrescentando que

There is no new contribution visible in this book. Killebrew seems to be unaware that her proposed “mixed multitude” theory for the origin of Israel was already suggested in 1986 by Max Miller in his history co-written with John Hayes, which is cited in the bibliography. The title of the volume suggests that the main focus of the investigation will be on ethnicity, yet this is not the case. The book reads more like a history than a study of ancient ethnicity…


Além disso, sustenta Edelman que

Killebrew has misunderstood the minimalist discussion concerning ancient Israel, incorrectly stating that some deny the existence of a historical Israel. She misses that they are addressing instead the fact that the Israel portrayed in the biblical texts is a literary creation and idealization that provides minimal reliable information about the actual Israel. It is interesting to note that she uses the term “biblical Israel” to designate the historical Israel, not seeing any distinction between the two, and accepts the view of Joshua-Judges as an origin story designed to create ethnic cohesion, yet also thinks such a story only was put into written form in the eighth–seventh century B.C.E. Her position on the amount of older, reliable source material is not developed, although she seems to think that some stories reflect events in the Late Bronze and Iron I period. Yet here again her criteria for dating the exodus tradition to the era of Ramesses II is weak…

Resenha de Croatto sobre o livro dos Biblistas Mineiros

Acho que andei meio distraído, mas só hoje é que li a resenha feita por J. Severino Croatto, o saudoso exegeta argentino, sobre o livro publicado pelos Biblistas Mineiros em 2003, História de Israel e as pesquisas mais recentes… Resenha bastante positiva, elogiosa até, em muitos aspectos.

Sobre o livro diz Croatto:

“Este livro, tendo como enfoque a problemática do histórico em seus diferentes sentidos, oferece um panorama tanto expositivo, quanto crítico do que os livros bíblicos ‘dizem’ e do que a ciência bíblica investiga”.

Sobre o meu capítulo, leio:

“Um ensaio sumamente útil para o leitor é o de Airton José da Silva (cap. 3) sobre ‘A história de Israel na pesquisa atual’ (p. 43-87). Os pontos essenciais da problemática histórica: patriarcas, história javista, diferença entre Canaã e Israel, existência de um império davídico-salomônico ou do exílio babilônico, assim como a questão do ‘Israel’ das origens, são tratados de forma muito sintética, mas clara. É excelente a referência aos mais recentes autores que estão discutindo estes assuntos, e valiosa a bibliografia utilizada, que, aliás, inclui dados informativos. Realmente, uma síntese inteligente do tema, tal como está sendo debatido nos círculos acadêmicos”.

A resenha foi publicada, em português e espanhol, no site do Frei Jacir, organizador do livro, mas infelizmente não está mais lá. Visite o site de Jacir de Freitas Faria, Bíblia e Apócrifos.