Religião e formação de classes na antiga Judeia 01

Quero falar de um livro e de seu conteúdo. E gostaria que meus visitantes se servissem dele.

KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo: Paulus, 1997, 184 p. – ISBN 8505006798.

Original alemão: Religion und Klassenbildung im antiken Judäa: eine religionswissenschaftliche Studie zum Verhältnis von Tradition und gesellschaftlicher Entwicklung. 2. ed., erw. Aufl. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, [1978] 1982, 186 s. ISBN 3525553667.

KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo: Paulus, 1997

 

Trabalho com partes deste texto na Literatura Pós-Exílica, no segundo semestre do Segundo Ano de Teologia. Tenho um resumo de seus pontos principais há muito tempo. Pensei em colocá-lo no blog para facilitar o seu acesso aos meus alunos. E acredito que possa servir a outras pessoas interessadas.

O livro de Hans G. Kippenberg é o resultado de uma tese de livre-docência [Habilitation] apresentada na Faculdade de Filosofia e Sociologia da Universidade Livre de Berlim [Fachbereich Philosophie und Sozialwissenschaften der Freien Universität Berlin], Alemanha, em 1975.

Li, no original alemão, a edição publicada em 1978 pela editora Vandenhoeck & Ruprecht. Fiquei entusiasmado com o livro e com o que pude aprender, na época, com ele. Agradeço ao amigo Wolfgang Gruen, de Belo Horizonte, que nos apresentou a obra em reunião do grupo dos “Biblistas Mineiros”.

Notei, porém, que muitos de meus alunos não conseguiam vencer as dificuldades da obra – um denso estudo socioantropológico, com vocabulário bastante técnico e centenas de notas de rodapé – que foi traduzida para o português em 1988, a partir da edição de 1982. Daí a ideia do resumo. Outras traduções? O livro teve tradução para o português e o japonês.

O resumo terá 11 partes, cada uma representando um dos 9 capítulos do livro, mais a Introdução e, por último, uma atualização da bibliografia citada, com eventuais traduções e links para as respectivas editoras. Se necessário, citarei, entre parênteses, palavras ou frases da obra original, em alemão.

Não ignoro que os estudos nesta área fizeram avanços consideráveis nestes últimos trinta e poucos anos, mas creio ser defensável a atualidade – pelo menos da maior parte – deste estudo. Alerto também que alguns pontos tratados pelo autor, pelo grau de complexidade, estão apenas citados e não foram explicados. Por outro lado, em outras situações, colocarei links para estudos mais amplos sobre o tema tratado. E, finalmente, anoto que há pequenos problemas com a transliteração do hebraico, que nem sempre segue as normas estabelecidos em meu curso.

 

Sobre o autor, Prof. Dr. Hans G. Kippenberg, Professor of Comparative Religious Studies (Wisdom-Professorship), School of Humanities & Social Sciences  – Jacobs University Bremen, Bremen, Alemanha:

Hans G. Kippenberg nasceu em 1939. Estudou Teologia, História das Religiões, Línguas Semíticas e Iranianas nas Universidades de Marburg (1959/60), Tübingen (1960/62), Göttingen (1962/63), Leeds (Reino Unido) (1966) e Berlin (1969-1976).

Atividade profissional

. 1964-1967: Repetent für Allgemeine Religionsgeschichte am Bremer Studienhaus der Theologischen Fakultät Göttingen.
. 1969-1977: Assistent/Assistenzprofessor für Allgemeine Religionsgeschichte im Fachbereich Philosophie und Sozialwissenschaften der Freien Universität Berlin.
. 1977-1989: Professor für Allgemeine Religionsgeschichte und Vergleichende Religionswissenschaft an der Rijksuniversiteit Groningen (Países Baixos).
. 1989-2004: Professor für Religionswissenschaft mit dem Schwerpunkt Geschichte und Theorie der Religionen an der Universität Bremen.
. 1989-2004: apl. Professor an der Rijksuniversiteit Groningen.
. 1998-2009: Fellow am Max-Weber-Kolleg der Universität Erfurt.
. 2004-heute: Weisheitsprofessor für Vergleichende Religionswissenschaft an die Jacobs University Bremen
. Professor convidado em Universidades de Wassenaar, Heidelberg, Berlim, Princeton, Bielefeld, Chicago, Israel…

. Para conhecer todas as publicações de Hans G. Kippenberg, confira o catálogo da  Deutschen Nationalbibliothek.

. Para um conhecimento maior do pensamento de Hans G. Kippenberg, pode ser lida a obra, em alemão e inglês, publicada em sua homenagem, por seus amigos e colegas, por ocasião de seus 65 anos: LUCHESI, B.; VON STUCKRAD, K. (eds.) Religion Im Kulturellen Diskurs / Religion in Cultural Discourse: Festschrift Für Hans G. Kippenberg Zu Seinem 65. Geburtstag / Essays in Honor of Hans G. Kippenberg on the Occasion of His 65th Birthday. Berlin: De Gruyter, 2004, 672 s. – ISBN  9783110177909.

Introdução
1. O objetivo da obra: relacionar o conteúdo das tradições religiosas judaicas com a vida social dos judeus.
O sentido de “tradição” usado aqui é diferente do sentido dado ao termo por Max WEBER e seguidores:

  • M. WEBER fala de “tradição” na pesquisa das relações sociais das sociedades pré-modernas
  • Aqui se fala de “tradição” como continuidade de narrações e costumes
  • Em M. WEBER: tradição x racionalidade
  • Aqui: tradição x nova criação

2. Qual é o motivo da obra?
É que os movimentos judaicos de resistência contra os gregos e contra os romanos tiveram interpretações divergentes por parte dos autores.

3. M. HENGEL (Die Zeloten, 1961) defende que o movimento zelota de resistência tem razões religiosas como dominantes. Ele defende a independência e a prioridade do religioso sobre o político-social. Ele entende a ação organizada dos zelotas como a ação de uma seita, que se inspira numa dogmática messiânica.

4. H. KREISSIG (Die sozialen zusammenhänge des judäischen Krieges, 1970) defende que, na revolta contra Roma, são os camponeses e sacerdotes das camadas mais baixas os motores principais. Ele defende que foram as contradições sociais, criadas por condições socioeconômicas, que possibilitaram o processo. E contesta a importância das tradições religiosas para a ação política: “Quaisquer possam ter sido os papéis dos partidos religiosos, tanto estimulando como freando, as grandes dissensões aconteceram entre as classes, como em todo lugar na História Universal, desde que elas existem”.

5. HENGEL e KREISSIG trabalham dentro da dicotomia Religião e Sociedade: para um são as motivações religiosas que dominam a história; para outro são as motivações sociais que contam.

6. S. K. EDDY (The King is Dead, 1961) avançou um pouco na interpretação da guerra dos Macabeus, quando recusou a dicotomia Religião/Sociedade. Ele aponta três motivos, interligados, para a resistência religiosa ao helenismo:

  • lutas tendo por meta a retomada do poder pelos nativos
  • luta pelo poder, visando o privilégio social dos revolucionários (Macabeus) e o fim da exploração econômica
  • luta pelo poder, com o objetivo de proteger a Lei e a religião

> Ele defende que a esperança dos combatentes contra o helenismo era de instauração da monarquia nativa local.
> Mas ele deixa aberta a questão: a união de religião e resistência política era ou não coincidência?

7. Várias tentativas já foram feitas no sentido de reconstituir social e cientificamente a história e a sociedade israelitas, como CAUSSE (Du groupe ethnique à la communauté religieuse, 1937) que acredita ter Israel evoluído do princípio de parentesco para o princípio de localização.

8. M. WEBER (Das antike Judentum, 1917-1919) diz que os pastores nômades, os artesãos, os comerciantes e os sacerdotes das tribos hóspedes é que fizeram aliança com as tribos guerreiras de Israel, donas da terra. O modelo weberiano é o da República Romana e suas classes sociais (patrícios, clientes e plebeus). Mas em Israel o direito de cidadania não estava ligado à posse da terra, pelo menos intrinsecamente, mas sim à ascendência… Daí que a aliança não é entre possuidores e não-possuidores de terra, mas entre israelitas sem terra contra cananeus com terra.

9. Avançou a sociologia etnológica, neste meio tempo, em três áreas: etnologia do parentesco, etnologia econômica e antropologia política. Daí o presente livro: ele interpreta a antiga literatura judaica em relação aos conceitos e métodos da etnologia (ou antropologia social). A etnologia tenta reconstruir o tipo de ordem social da Judeia antiga, comparando-o com o de outras sociedades do Antigo Oriente Médio.

> Neste processo considera-se ainda a relação do indivíduo com a sociedade e da ideia religiosa com a ordem social mais como contradição do que como unidade.

Hans G. Kippenberg nasceu em 193910. Os movimentos judaicos de resistência levantam a seguinte questão: existia uma relação intrínseca entre determinados conteúdos da tradição religiosa e as lutas de resistência, ou a relação era extrínseca ou casual?

>> A hipótese do autor é: a tradição se uniu com duas tendências antagônicas: a tendência à formação de classes e a tendência à solidariedade. Formam-se, então, dois complexos divergentes de tradição que fundamentam os conteúdos religiosos dos movimentos judaicos de resistência [Die religiöse Tradition – so die Hypothese dieser Arbeit – ist in diesem Prozeß mit den beiden antagonistischen Tendenzen von Klassenbildung und Solidarität in Verbindung greteten. In der Herausbildung dieser beiden – in ihren Inhalten und ihren sozialen Funktionen divergierenden – Traditionskomplexe ist auch die Rolle bestimmter religiöser Inhalte in den judäischen Widerstandsbewegungen begründet].

11. O conceito de “antigo”:

  • na análise marxista, representa o modo de produção baseado na escravidão e na propriedade particular
  • em nosso caso, caracteriza relações sociais nas quais os camponeses perdem o controle sobre a produção:
  • este processo começou na Judeia no séc. VIII a. C. com o plantio de novas culturas, o comércio com produtos artesanais e, mais tarde, com o uso da moeda, levando, finalmente, à fixação generalizada de valores monetários dos bens e homens
  • mas também é preciso ver que a apropriação crescente dos excedentes leva à ruptura das relações sociais tradicionais. O comércio levou o camponês à dependência da aristocracia. Daí a resistência política do campo contra a aristocracia.

 

Leia em seguida:

Capítulo 1: Solidariedade e formação de classes à luz da etnologia – Solidarität und Klassenbildung aus ethnologischer Sicht

Capítulo 2: O sistema judaico de parentesco – Das judäische Verwandtschaftssystem

Capítulo 3: Condições da economia na região montanhosa da Judeia no tempo do domínio persa – Bedingungen des Wirtschaftens im judäischen Bergland in persische Zeit

Capítulo 4: Crise agrária, revolta dos camponeses e reforma de Neemias – Agrarkrise, bäuerlicher Widerstand und die Reform Nehemias

Capítulo 5: Arrendamento estatal grego e luta dos Macabeus pela liberdade – Griechische Staatspacht und makkabäischer Freiheitskampf

Capítulo 6: Apresentação de sociedades asiáticas em etnografia helenística – Zur Interpretation asiatischer Gesellschaften in hellenistischer Ethnographie

Capítulo 7: A evolução de um domínio sem tradições na Judeia e a revolta crescente contra ele – Die Progression einer traditionsfreien Herrschaft in Judäa und des Widerstandes gegen sie

Capítulo 8: Estabelecimento da antiga relação de classes na Judeia – Die Etablierung der antiken Klassenverhältnisse in Judäa

Capítulo 9: Oposição da religião à política – Opposition der Religion gegen die Politik

Bibliografia – Literatur

Israel quer de volta a Inscrição de Siloé

Israel está reclamando da Turquia a devolução da Inscrição de Siloé, que se encontra no Museu de Istambul.

A Inscrição de Siloé, em hebraico arcaico, do século VIII a.C., tem seis linhas. Foi descoberta em 1880 e, alguns anos depois, removida para o Museu de Istambul. Confira foto, texto, tradução, explicação, bibliografia e links em K. C. Hanson Siloam Inscription e também em BiblePlaces.com Hezekiah’s Tunnel.

O que é a Inscrição de Siloé?

No século VIII a.C., quando reinava na Assíria Tiglat-Pileser III, o rei Acaz de Judá pediu sua proteção contra uma invasão de vizinhos, mas perdeu sua independência, acabando vassalo da Assíria. A esperança para Judá renasceu com o rei Ezequias, filho e sucessor de Acaz. Associado ao trono desde criança, em 728/7 a.C., ao ser coroado em 716/15 a.C. este rei começou uma reforma no país para tentar debelar a crise.

Um dos alvos da reforma teria sido a ruptura com práticas cultuais não-javistas dos agricultores. Entre outras coisas, teria abolido os lugares altos (bâmôt), quebrado as estelas (matsêbôt), cortado o poste sagrado (‘asherâh). Até mesmo do Templo de Jerusalém Ezequias teria retirado símbolos dos cultos da fertilidade, como uma serpente de bronze. É o que nos conta 2Rs 18,4, embora aqui a Obra Histórica Deuteronomista tente apresentar uma justificativa para a presença desta serpente de bronze no Templo (“que Moisés havia feito, pois os israelitas até então ofereciam-lhe incenso” – cf. Nm 21,8-9).

Entretanto, há autores, como Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman (A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa, 2003, p. 318) e Mario Liverani (Oltre la Bibbia: storia antica di Israele. 6 ed. Roma-Bari: Laterza, 2007, p. 173), que apresentam uma perspectiva um pouco diferente: a “reforma” de Ezequias não teria sido a restauração de uma estrutura desmantelada ao longo do tempo, mas uma inovação. A idolatria dos judaítas não foi um abandono de seu anterior monoteísmo, pois esta era a forma como a população de Judá tinha praticado seu culto por centenas de anos. A reforma sinaliza na direção da transformação de Iahweh de Deus nacional, convivendo com os deuses regionais, em Deus exclusivo.

A destruição de Samaria em 722 a.C. levou refugiados de Israel para Jerusalém, pois novas estruturas foram construídas, como bairros novos, ampliação de muralhas e o túnel que levava as águas da fonte Gihon para o reservatório de Siloé. Sobre este último feito testemunham 2Rs 20,20 e a Inscrição de Siloé, que celebra o encontro das duas turmas de escavadores.

O fato é que Jerusalém superou seu antigo isolamento e, ancorada na política assíria, cresceu de 5 para 60 hectares e de cerca de 1000 para algo em torno de 15 mil habitantes. E em Judá, no final do século VIII a.C., podem ser contados cerca de 300 assentamentos e uma população de uns 120 mil habitantes. A fortaleza de Laquis, na Shefelá, se desenvolveu extraordinariamente. Outros fortalezas foram construídas na mesma região. Surge portanto, só agora, uma elite judaíta e se formam as estruturas de um verdadeiro Estado. Todas estas mudanças trazem consigo o fenômeno do profetismo, bem mais antigo no reino de Israel, mas só a partir deste momento tomando forma bem definida em Jerusalém, com Isaías (Is 1-39) e Miqueias, duas vozes formidáveis em defesa do javismo.

Enquanto isso, na Assíria, Senaquerib subiu ao trono em 705 a.C. e imediatamente teve que enfrentar nova revolta na Babilônia. Todas as províncias do oeste então se levantaram. Acreditavam ter chegado o momento da libertação. O Egito prometeu ajuda, mais uma vez. A coalizão integrava Tiro, com outras cidades fenícias; Ascalon e Ekron, com algumas cidades filisteias; Moab, Edom e Amon; e Ezequias, de Judá, entrou como um dos líderes da revolta. Fortificou suas defesas e se preparou cuidadosamente para esperar a Assíria. Senaquerib não se fez de rogado e já em 701 a.C. ele começou por Tiro, vencendo-a. Logo os reis de Biblos, Arvad, Ashdod, Moab, Edom e Amon se entregaram e pagaram tributo a Senaquerib. Somente Ascalon e Ekron, juntamente com Judá, resistiram. Senaquerib tomou primeiro Ascalon. Os egípcios tentaram socorrer Ekron e foram derrotados. E foi a vez de Judá. Senaquerib tomou 46 cidades fortificadas em Judá e cercou Jerusalém.

Testemunhos arqueológicos da devastação foram encontrados em várias escavações por todo o território. Especialmente significativos são a representação assíria da tomada de Laquis encontrada no palácio de Senaquerib em Nínive – hoje está no British Museum – e a escavação, feita pelos britânicos na década de 30 e por David Ussishkin, da Universidade de Tel Aviv, na década de 70 do século XX, da poderosa fortaleza, esta que era a segunda mais importante cidade do reino e protegia a entrada de Judá.

Entretanto, por motivos ainda hoje desconhecidos, talvez uma peste, Senaquerib levantou o cerco de Jerusalém e retornou à Assíria. A cidade voltou a respirar, no último minuto, mas teve que pagar forte tributo aos assírios. Não se sabe porque Jerusalém se salvou. 2Rs 19,35-37 diz que o Anjo de Iahweh atacou o acampamento assírio. Existe uma notícia de Heródoto, História II,141, segundo a qual num confronto com os egípcios os exércitos de Senaquerib foram atacados por ratos (peste bubônica?). Talvez Senaquerib tenha partido por causa de alguma rebelião na Mesopotâmia. Ou ainda: há autores que pensam que Jerusalém nem precisou ser sitiada para ser vencida. Nos Anais de Senaquerib se diz o seguinte: “Quanto a Ezequias do país de Judá, que não se tinha submetido ao meu jugo, sitiei e conquistei 46 cidades que lhe pertenciam (…) Quanto a ele, encerrei-o em Jerusalém, sua cidade real, como um pássaro na gaiola…”. Pode-se ler sobre isto em GRABBE, L. L. (ed.) ‘Like a Bird in a Cage’: The Invasion of Sennacherib in 701 BCE. Sheffield: Sheffield Academic Press, 2003, 352 p. ISBN 0826462154.

Outra questão é se teria havido uma segunda campanha de Senaquerib na Palestina. De qualquer maneira, segundo os Anais de Senaquerib, o tributo pago por Ezequias ao rei assírio foi significativo: “Quanto a ele, Ezequias, meu esplendor terrível de soberano o confundiu e ele enviou atrás de mim, em Nínive, minha cidade senhorial, os irregulares e os soldados de elite que ele tinha como tropa auxiliar, com 30 talentos de ouro, 800 talentos de prata, antimônio escolhido, grandes blocos de cornalina, leitos de marfim, poltronas de marfim, peles de elefante, marfim, ébano, buxo, toda sorte de coisas, um pesado tesouro, e suas filhas, mulheres de seu palácio, cantores, cantoras; e despachou um mensageiro seu a cavalo para entregar o tributo e fazer ato de submissão“. Uso aqui a tradução que está em BRIEND, J. (org.) Israel e Judá: Textos do Antigo Oriente Médio. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1997, p. 76.

Informação que concorda, em termos gerais, com a de 2Rs 18,13-16: “No décimo quarto ano do rei Ezequias, Senaquerib, rei da Assíria, subiu contra todas as cidades fortificadas de Judá e apoderou-se delas. Então Ezequias, rei de Judá, mandou esta mensagem ao rei da Assíria, em Laquis: ‘Cometi um erro! Retira-te de mim e aceitarei as condições que me impuseres’. O rei da Assíria exigiu de Ezequias, rei de Judá, trezentos talentos de prata e trinta talentos de ouro, e Ezequias entregou toda a prata que se achava no Templo de Iahweh e nos tesouros do palácio real. Então Ezequias mandou retirar o revestimento dos batentes e dos umbrais das portas do santuário de Iahweh, que… rei de Judá, havia revestido de metal, e o entregou ao rei da Assíria” (tradução da Bíblia de Jerusalém, 2002).

Estas informações podem se lidas em DA SILVA, A. J. O contexto da Obra Histórica Deuteronomista. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 88, p. 11-27, 2005.

Forvm Antiqvvm

Visite o Forvm Antiqvvm, um portal com centenas de recursos para o estudo do mundo mediterrâneo antigo, de 5.000 a.C. a 1500 d.C.

Inclui uma seção sobre O Antigo Oriente Médio e os Estudos Bíblicos [Obs.: site desaparecido: 06/06/2010].

Traduções eletrônicas de textos cuneiformes acádicos

E-TACT: Electronic Translations of Akkadian Cuneiform Texts ou Traduções Eletrônicas de Textos Cuneiformes Acádicos. Uma iniciativa conjunta da International Association for Assyriology (IAA) e da Electronic Tools and Ancient Near Eastern Archives (ETANA).

Diz o site:
eTACT aims to be the definitive repository on the Web for translations of Akkadian materials. Through eTACT, scholars, students, and the general public gain convenient access to a wealth of information that otherwise can be difficult to discover (…) The idea for this site arose at the Muenster Rencontre in 2006. The conception was to offer modern and reliable translations to non-specialists interested in the history and culture of the Ancient Near East. Transliteration of normalization from Akkadian are kept to a minimal and are to be used sparingly. A site that could be accessible to non-specialists via Google, but also useful to scholars in working in the field.

Morte de Alexandre Magno: data e causa

Amanhã, dia 11 – talvez hoje, dia 10, talvez dia 13 – é aniversário da morte de Alexandre Magno, ocorrida na Babilônia em 323 a.C.

Até hoje a causa de sua morte é amplamente debatida. Alexandre morreu de alguma doença transmitida por inseto, de alguma infecção ou teria sido envenenado?

No post Death of Alexander the Great, em About.com: Ancient / Classical History, escrito por N. S. Gill, se lê:

Today [10] is the anniversary of the death of Alexander the Great in 323 B.C. What killed him is still open to debate. An article claiming Alexander the Great could have died of West Nile Virus looks at the type of evidence most historians would overlook, including the fact that there is a swamp near where Alexander died that could have been the breeding grounds for insect-borne diseases. In The Death of Alexander the Great, Paul Doherty looks very carefully at the historical evidence and then concludes that Alexander died from arsenic poisoning.

Como dito acima, há controvérsias quanto à data da morte de Alexandre. Os dias 10, 11 e 13 são defendidos por diferentes especialistas.

Veja:

Alexander died on 11 June 323 BCE, in the late afternoon; this can be deduced from the Astronomical diaries, a Babylonian source. Several scholars have argued for 13 June and 10 June, but the first of these dates is based on an inaccurate Greek source that uses a confused Egyptian calendar, and the second is based on inaccurate reading of the Astronomical diary.

Leia mais sobre Alexandre, em minha História de Israel, aqui. Vote na enquete: Na sua opinião, qual foi a causa da morte de Alexandre Magno?

Sobre o filme Alexandre, de Oliver Stone, acho que todos ouviram falar, não?

O Seminário Europeu de Metodologia Histórica

Estive fazendo um levantamento da produção do Seminário Europeu de Metodologia Histórica (European Seminar in Historical Methodology) que começou os seus debates em 1996.

Sobre a constituição do Seminário, leia os dois primeiros itens de meu artigo Pode uma ‘História de Israel’ Ser Escrita? Observando o debate atual sobre a História de Israel.

O que pude verificar – de modo incompleto, por falta de algumas informações – é o seguinte:

  • Os encontros são anuais e até agora onze foram realizados. Em diferentes locais, como Dublin (Irlanda), Lausanne (Suíça), Utrecht (Países Baixos), Berlim (Alemanha), Copenhague (Dinamarca), Groningen (Países Baixos), Dresden (Alemanha) e Budapeste (Hungria).
  • Em geral, em julho ou agosto, período de férias de verão na Europa.
  • Parece-me que a partir da fundação da Associação Europeia de Estudos Bíblicos (EABS – European Association of Biblical Studies) o Seminário passou a ser realizado como uma de suas seções.
  • E, algumas vezes, a EABS fez seus encontros junto com a Sociedade de Literatura Bíblica (SBL – Society of Biblical Literature), levando, assim, o Seminário para dentro do encontro europeu da SBL.

As obras publicadas até agora [2007], pelo que estou sabendo, mas suspeito não estar sabendo de tudo, são as seguintes:

. GRABBE, L. L. (ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, 201 p. [T. & T. Clark: 2005 – ISBN 0567043207]. Resenhas: Gary N. Knoppers, RBL; Ayrton’s Biblical Page.

. GRABBE, L. L. (ed.) Leading Captivity Captive: ‘The Exile’ as History and Ideology. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, 161 p. ISBN: 1850759073. Resenha: Ayrton’s Biblical Page.

. GRABBE, L. L. (ed.) Did Moses Speak Attic? Jewish Historiography and Scripture in the Hellenistic Period. Sheffield: Sheffield Academic Press, 2001, 352 p. ISBN 1841271551. Resenha: Erich Gruen, RBL.

. GRABBE, L. L. (ed.) ‘Like a Bird in a Cage’: The Invasion of Sennacherib in 701 BCE. Sheffield: Sheffield Academic Press, 2003, 352 p. ISBN 0826462154.

. GRABBE, L. L. (ed.) Good Kings and Bad Kings. London: T & T Clark, 2005, x + 371 p. ISBN 0826469760. Resenhas: John Engle and Eckart Otto, RBL.

. GRABBE, L. L. (ed.) Ahab Agonistes: The Rise and Fall of the Omri Dynasty. London/New York: T & T Clark, 2007, 368 p. ISBN 9780567045409.

Lost Kings of the Bible: resenha de Jim West

The Lost Kings of the Bible: Live Blogcast and Review [Obs.: blog apagado, link perdido – 22.03.2008]

Jim gostou do programa:
All in all I found the program very good, very fair, very balanced, and very nicely done… Will it change any minds? I doubt it…

Leia o texto completo. E: se não viu ainda do que se trata, consulte aqui.

Parece-me que o National Geographic reapresentará o programa no dia 13 de maio, domingo próximo. Nos Estados Unidos. Por aqui, não vi sinal…

The Lost Kings of the Bible

Claude Mariottini e Jim West estão debatendo o tema do programa que será apresentado amanhã no National Geographic, como dito aqui. E neste debate apareceu a figura de J. Alberto Soggin.

Fui aluno de J. Alberto Soggin na década de 70, no Pontifício Instituto Bíblico, em Roma. Nós o admirávamos por sua enorme cultura e capacidade de apresentar complexas discussões sobre as tradições patriarcais ou sobre os poemas do Servo de Iahweh do Dêutero-Isaías, só para citar dois dos cursos que fiz com o ilustre mestre. Sei também que em sua História de Israel ele teve a capacidade de ir se adaptando às novas descobertas, com mente bastante aberta. Coisa incomum. Na verdade, ele é um estudioso bastante incomum.

Entretanto, na opinião de Niels Peter Lemche – em The Israelites in History and Tradition, p. 141 -, Soggin, assim como outros estudiosos da História de Israel, ainda fazem apenas paráfrases mais ou menos dogmáticas da imagem do antigo Israel gerada na Alemanha a partir da grande influência de Martin Noth. Neste grupo estão, além de Soggin (1984;1993) as “Histórias de Israel” de Martin Metzger (1983), Siegfried Hermann (1973), Antonius H. J. Gunneweg (1972), Georg Fohrer (1977), Herbert Donner (1984-86), Gösta W. Ahlström (1993), R. de Vaux (1971;1973)… Este texto de Lemche é de 1998.

O texto mais recente que tenho de Soggin é exatamente sobre Davi. E está no livro Recenti Tendenze nella Ricostruzione della Storia Antica d’Israele, publicado em 2005 a partir da Conferência Internacional sobre as Tendências Recentes na Reconstrução da História do Antigo Israel realizada em Roma em 2003. Amanhã preciso ler este texto para ver sua posição mais recente sobre o “caso Davi”.

Antecipo apenas o que tenho no resumo da Conferência feito pela Associazione Orientalisti:
Prof. Soggin showed how the boundary traced by scholars between the historical and the non-historical parts of the Old Testament has shifted in recent years in the relevant literature (including his own Introduction to the History of Israel and Judah’s various editions), up to secluding the kingdom of David into the realm of legend. The foundation of the state by David cannot any longer be considered a historical fact, because the narrative on the foundation in Samuel and Kings is Deuteronomistic (transmitted half a millenium after the events); seven centuries later was composed the book of Chronicles, in which David does not committ any guilt; the quality of the sources is not reliable. This does not mean that David and Salomon never existed. It is possible that Israel and Judah were unified under two kings called David and Solomon. But we cannot use the biblical narrative on David itself as a historical source. Outside the Old Testament, mentions of David are useless to the task of the historian: in the Mesha stele the context in which David’s name appears is not clear; the Tel Dan inscription is too a contentious piece of evidence, in regard both to its genuinity and to the actual meaning of the expression BYT DWD.

Sobre a origem dos antigos Estados Israelitas

Terminei hoje, com o Primeiro Ano de Teologia do CEARP, na disciplina História de Israel, o estudo da Origem dos Antigos Estados Israelitas. Utilizo como roteiro o artigo do mesmo nome que escrevi para a revista Estudos Bíblicos n. 78, publicada pela Vozes em 2003. Trata-se do estudo dos governos de Saul, Davi, Salomão.

No editorial da Estudos Bíblicos n. 78, assinado por Telmo José Amaral de Figueiredo, se diz de meu artigo:

No olho do furacão estão hoje as teorias sobre o surgimento da monarquia em Israel. No segundo artigo desta revista, o professor Airton J. da Silva irá propor-nos as grandes questões que hoje ocupam o centro do debate sobre o nascimento e morte da monarquia israelita. Ele apresenta, com competência, o status quaestionis das pesquisas a esse respeito. O que não é pouco, pois, ao público brasileiro, é um tanto difícil acompanhar esse colóquio sempre mais intenso e cheio de surpresas. Como bem observa Airton, citando o estudioso Philip R. Davies, a maioria dos estudiosos, “embora sabendo que a estória de Israel do Gênesis a Juízes não deve ser tratada como história, prossegue, não obstante, com o resto da estória bíblica, de Saul ou Davi em diante, na pressuposição de que, a partir deste ponto, o obviamente literário tornou-se o obviamente histórico”. Por isso, uma tendência que começa a ser sempre mais seguida é, na construção da história de Israel, “dar prioridade aos dados primários [levantados pela historiografia geral e a arqueologia a respeito da época em questão], mas fazendo uso do texto bíblico como fonte secundária usada com cautela” – constata o britânico Lester L. Grabbe, citado por Airton. Analisando essas fontes primárias e outras, têm-se um quadro nada completo e acabado do surgimento da monarquia em Israel: “região rural… nenhum documento escrito… nenhum sinal de uma estrutura cultural necessária em uma monarquia… do ponto de vista demográfico, de Jerusalém para o norte, povoamento mais denso; de Jerusalém para o sul, mais escasso…”. Sabe-se que Davi e Salomão devem ter existido, porém não foram artífices de todo aquele esplendor narrado pela Bíblia, o qual se inspira mais na Jerusalém do século VII a.C., quando a teologia deuteronomista exalta a atividade do rei Josias, o qual passa a figurar como “o novo Davi e Iahweh cumprira suas promessas”, percebe Airton, citando os pesquisadores I. Finkelstein e N. Silberman. O artigo de Airton deixa entrever que há muito ainda por se descobrir desse período.

Utilizo, para este item da História de Israel, basicamente a seguinte bibliografia:

  • DA SILVA, A. J. A história de Israel na pesquisa atual. In: História de Israel e as pesquisas mais recentes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 43-87.
  • DA SILVA, A. J. A história de Israel no debate atual (artigo na Ayrton’s Biblical Page, atualizado em 2007).
  • DA SILVA, A. J. A origem dos antigos Estados israelitas. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 78, p. 18-31, 2003.
  • DAVIES, P. R. In Search of ‘Ancient Israel’. 2. ed. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1995 [T. & T. Clark: 2005].
  • DIETRICH, W. Die frühe Königszeit in Israel. 10. Jahrhundert v. Chr. Kohlhammer: Stuttgart/Berlin/Köln, 1997.
  • DONNER, H. História de Israel e dos povos vizinhos 2v. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal/Vozes, 2004.
  • FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N. A. A Bíblia não tinha razão [The Bible Unearthed, 2001]. São Paulo: A Girafa, 2003.
  • FRITZ, V.; DAVIES, P. R. (eds.) The Origins of the Ancient Israelite States. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996.
  • GEBRAN, Ph. (org.) Conceito de modo de produção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
  • GRABBE, L. L.(ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997 [T. & T. Clark: 2005 – ISBN 0-5670-4320-7].
  • LEMCHE, N. P.The Israelites in History and Tradition. Louisville, Kentucky: Westminster John Knox, 1998.
  • LIVERANI, M. Oltre la Bibbia: storia antica di Israele. 5. ed. Roma-Bari: Laterza, 2006.
  • PIXLEY, J. A história de Israel a partir dos pobres. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
  • VV.AA. Recenti tendenze nella ricostruzione della storia antica d’Israele. Roma: Accademia Nazionale dei Lincei, 2005.

Sei que deveria estar utilizando também FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N. A. David and Solomon: In Search of the Bible’s Sacred Kings and the Roots of the Western Tradition. New York: The Free Press, 2006. Mas ainda não o li.

Pois o canal National Geographic vai apresentar no próximo domingo, dia 6 de maio de 2007, nos Estados Unidos, um especial sobre os reis Davi e Salomão, com o nome de Lost Kings of the Bible.

Como consultores há gente muito competente: Ami Mazar, Roni Reich, Aren Maier, Israel Finkelstein, Ted Brock, John Monson, Deborah Cantrell, Eric Cline. Jim West diz que vai resenhar o programa. Aguardemos.

E leia o comentário de Eric Cline ao post do Jim, no qual ele antecipa: “The ‘groundbreaking’ new evidence will not be new to most biblical archaeologists but some or all of it may well be new to many viewers: Roni Reich’s discovery of the Canaanite constructions by the Gihon Spring; the Tel Dan Stele and the mention of the ‘House of David’; Aren Maier’s ‘Goliath’ sherd; John Monson’s comparison between Solomon’s Temple and the Ain Dara Temple; the names on Shoshenq’s inscription in Egypt and the comparison to the biblical account re Shishak; our own current excavations at Megiddo (with shots of my team excavating the stables) and a nice interview with Deborah Cantrell about raising and training horses; plus a brief look at the Stepped Stone Structure (though unfortunately without an appearance by Eilat Mazar or a mention of her excavations). Throughout the show, the pros and cons of various topics concerning David and Solomon and the extent of their kingdom/empire are debated by various scholars, including Ami, Roni, Israel, and myself…”

Literatura suméria online

Electronic Text Corpus of Sumerian Literature (ETCSL)

O Electronic Text Corpus of Sumerian Literature (ETCSL) é um projeto da Faculdade de Estudos Orientais da Universidade de Oxford que disponibiliza online cerca de 400 textos sumérios em transliteração e tradução para o inglês. Sobre este site, no ano passado, fiz um comentário no Observatório Bíblico aqui.