Israel quer de volta a Inscrição de Siloé

Israel está reclamando da Turquia a devolução da Inscrição de Siloé, que se encontra no Museu de Istambul.

A Inscrição de Siloé, em hebraico arcaico, do século VIII a.C., tem seis linhas. Foi descoberta em 1880 e, alguns anos depois, removida para o Museu de Istambul. Confira foto, texto, tradução, explicação, bibliografia e links em K. C. Hanson Siloam Inscription e também em BiblePlaces.com Hezekiah’s Tunnel.

O que é a Inscrição de Siloé?

No século VIII a.C., quando reinava na Assíria Tiglat-Pileser III, o rei Acaz de Judá pediu sua proteção contra uma invasão de vizinhos, mas perdeu sua independência, acabando vassalo da Assíria. A esperança para Judá renasceu com o rei Ezequias, filho e sucessor de Acaz. Associado ao trono desde criança, em 728/7 a.C., ao ser coroado em 716/15 a.C. este rei começou uma reforma no país para tentar debelar a crise.

Um dos alvos da reforma teria sido a ruptura com práticas cultuais não-javistas dos agricultores. Entre outras coisas, teria abolido os lugares altos (bâmôt), quebrado as estelas (matsêbôt), cortado o poste sagrado (‘asherâh). Até mesmo do Templo de Jerusalém Ezequias teria retirado símbolos dos cultos da fertilidade, como uma serpente de bronze. É o que nos conta 2Rs 18,4, embora aqui a Obra Histórica Deuteronomista tente apresentar uma justificativa para a presença desta serpente de bronze no Templo (“que Moisés havia feito, pois os israelitas até então ofereciam-lhe incenso” – cf. Nm 21,8-9).

Entretanto, há autores, como Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman (A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa, 2003, p. 318) e Mario Liverani (Oltre la Bibbia: storia antica di Israele. 6 ed. Roma-Bari: Laterza, 2007, p. 173), que apresentam uma perspectiva um pouco diferente: a “reforma” de Ezequias não teria sido a restauração de uma estrutura desmantelada ao longo do tempo, mas uma inovação. A idolatria dos judaítas não foi um abandono de seu anterior monoteísmo, pois esta era a forma como a população de Judá tinha praticado seu culto por centenas de anos. A reforma sinaliza na direção da transformação de Iahweh de Deus nacional, convivendo com os deuses regionais, em Deus exclusivo.

A destruição de Samaria em 722 a.C. levou refugiados de Israel para Jerusalém, pois novas estruturas foram construídas, como bairros novos, ampliação de muralhas e o túnel que levava as águas da fonte Gihon para o reservatório de Siloé. Sobre este último feito testemunham 2Rs 20,20 e a Inscrição de Siloé, que celebra o encontro das duas turmas de escavadores.

O fato é que Jerusalém superou seu antigo isolamento e, ancorada na política assíria, cresceu de 5 para 60 hectares e de cerca de 1000 para algo em torno de 15 mil habitantes. E em Judá, no final do século VIII a.C., podem ser contados cerca de 300 assentamentos e uma população de uns 120 mil habitantes. A fortaleza de Laquis, na Shefelá, se desenvolveu extraordinariamente. Outros fortalezas foram construídas na mesma região. Surge portanto, só agora, uma elite judaíta e se formam as estruturas de um verdadeiro Estado. Todas estas mudanças trazem consigo o fenômeno do profetismo, bem mais antigo no reino de Israel, mas só a partir deste momento tomando forma bem definida em Jerusalém, com Isaías (Is 1-39) e Miqueias, duas vozes formidáveis em defesa do javismo.

Enquanto isso, na Assíria, Senaquerib subiu ao trono em 705 a.C. e imediatamente teve que enfrentar nova revolta na Babilônia. Todas as províncias do oeste então se levantaram. Acreditavam ter chegado o momento da libertação. O Egito prometeu ajuda, mais uma vez. A coalizão integrava Tiro, com outras cidades fenícias; Ascalon e Ekron, com algumas cidades filisteias; Moab, Edom e Amon; e Ezequias, de Judá, entrou como um dos líderes da revolta. Fortificou suas defesas e se preparou cuidadosamente para esperar a Assíria. Senaquerib não se fez de rogado e já em 701 a.C. ele começou por Tiro, vencendo-a. Logo os reis de Biblos, Arvad, Ashdod, Moab, Edom e Amon se entregaram e pagaram tributo a Senaquerib. Somente Ascalon e Ekron, juntamente com Judá, resistiram. Senaquerib tomou primeiro Ascalon. Os egípcios tentaram socorrer Ekron e foram derrotados. E foi a vez de Judá. Senaquerib tomou 46 cidades fortificadas em Judá e cercou Jerusalém.

Testemunhos arqueológicos da devastação foram encontrados em várias escavações por todo o território. Especialmente significativos são a representação assíria da tomada de Laquis encontrada no palácio de Senaquerib em Nínive – hoje está no British Museum – e a escavação, feita pelos britânicos na década de 30 e por David Ussishkin, da Universidade de Tel Aviv, na década de 70 do século XX, da poderosa fortaleza, esta que era a segunda mais importante cidade do reino e protegia a entrada de Judá.

Entretanto, por motivos ainda hoje desconhecidos, talvez uma peste, Senaquerib levantou o cerco de Jerusalém e retornou à Assíria. A cidade voltou a respirar, no último minuto, mas teve que pagar forte tributo aos assírios. Não se sabe porque Jerusalém se salvou. 2Rs 19,35-37 diz que o Anjo de Iahweh atacou o acampamento assírio. Existe uma notícia de Heródoto, História II,141, segundo a qual num confronto com os egípcios os exércitos de Senaquerib foram atacados por ratos (peste bubônica?). Talvez Senaquerib tenha partido por causa de alguma rebelião na Mesopotâmia. Ou ainda: há autores que pensam que Jerusalém nem precisou ser sitiada para ser vencida. Nos Anais de Senaquerib se diz o seguinte: “Quanto a Ezequias do país de Judá, que não se tinha submetido ao meu jugo, sitiei e conquistei 46 cidades que lhe pertenciam (…) Quanto a ele, encerrei-o em Jerusalém, sua cidade real, como um pássaro na gaiola…”. Pode-se ler sobre isto em GRABBE, L. L. (ed.) ‘Like a Bird in a Cage’: The Invasion of Sennacherib in 701 BCE. Sheffield: Sheffield Academic Press, 2003, 352 p. ISBN 0826462154.

Outra questão é se teria havido uma segunda campanha de Senaquerib na Palestina. De qualquer maneira, segundo os Anais de Senaquerib, o tributo pago por Ezequias ao rei assírio foi significativo: “Quanto a ele, Ezequias, meu esplendor terrível de soberano o confundiu e ele enviou atrás de mim, em Nínive, minha cidade senhorial, os irregulares e os soldados de elite que ele tinha como tropa auxiliar, com 30 talentos de ouro, 800 talentos de prata, antimônio escolhido, grandes blocos de cornalina, leitos de marfim, poltronas de marfim, peles de elefante, marfim, ébano, buxo, toda sorte de coisas, um pesado tesouro, e suas filhas, mulheres de seu palácio, cantores, cantoras; e despachou um mensageiro seu a cavalo para entregar o tributo e fazer ato de submissão“. Uso aqui a tradução que está em BRIEND, J. (org.) Israel e Judá: Textos do Antigo Oriente Médio. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1997, p. 76.

Informação que concorda, em termos gerais, com a de 2Rs 18,13-16: “No décimo quarto ano do rei Ezequias, Senaquerib, rei da Assíria, subiu contra todas as cidades fortificadas de Judá e apoderou-se delas. Então Ezequias, rei de Judá, mandou esta mensagem ao rei da Assíria, em Laquis: ‘Cometi um erro! Retira-te de mim e aceitarei as condições que me impuseres’. O rei da Assíria exigiu de Ezequias, rei de Judá, trezentos talentos de prata e trinta talentos de ouro, e Ezequias entregou toda a prata que se achava no Templo de Iahweh e nos tesouros do palácio real. Então Ezequias mandou retirar o revestimento dos batentes e dos umbrais das portas do santuário de Iahweh, que… rei de Judá, havia revestido de metal, e o entregou ao rei da Assíria” (tradução da Bíblia de Jerusalém, 2002).

Estas informações podem se lidas em DA SILVA, A. J. O contexto da Obra Histórica Deuteronomista. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 88, p. 11-27, 2005.

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