Um Paulo judeu

THIESSEN, M. A Jewish Paul: The Messiah’s Herald to the Gentiles. Grand Rapids: Baker Academic, 2023, 208 p. – ISBN 9781540965714.

Qual era a relação do apóstolo Paulo com o judaísmo? Como ele via a lei judaica? Como ele entendia o evangelho da messianidade de Jesus em relação aos judeus étnicos e gentios? Essas continuam sendo questões perenes tanto para os estudiosos do Novo Testamento quanto para todos os leitores sérios da Bíblia.THIESSEN, M. A Jewish Paul: The Messiah's Herald to the Gentiles. Grand Rapids: Baker Academic, 2023, 208 p.

O respeitado estudioso do Novo Testamento Matthew Thiessen oferece uma contribuição importante para esta discussão. Um Paulo judeu: o arauto do Messias para os gentios é uma introdução acessível que situa Paulo claramente dentro do judaísmo do primeiro século, não se opondo a ele. Thiessen defende uma leitura historicamente mais plausível de Paulo. Paulo não rejeitou o judaísmo ou a lei judaica, mas acreditava que estava vivendo nos últimos dias, quando o Messias de Israel libertaria as nações do pecado e da morte. Paulo se via como um enviado às nações, desejando apresentá-las ao Messias e seu Espírito vivificante e transformador.

 

Leio na Introdução do livro:

A maioria das pessoas, talvez até mesmo uma boa porcentagem do clero cristão, provavelmente continua inconsciente do fato de que as pessoas que passam suas carreiras estudando e escrevendo sobre Paulo discordam fortemente umas das outras sobre o que ele diz. Mesmo aqueles de nós que dedicaram partes ou todas as nossas carreiras a pensar e escrever sobre Paulo lutam para dar sentido às diferentes cartas de Paulo, para pegar escritos ocasionais e fornecer um relato coerente, embora inevitavelmente incompleto, do que ele pensava. Nas últimas décadas, temos visto livros cada vez mais longos delineando o pensamento de Paulo. Para se ter uma noção dessa corrida armamentista exegética (e teológica), onde mais longo parece ser equiparado a melhor, veja estes três exemplos: em 1997, James Dunn publicou The Theology of Paul the Apostle (844 páginas), em 2009, Douglas Campbell publicou The Deliverance of God (1.248 páginas) e em 2013, N. T. Wright publicou Paul and the Faithfulness of God (1.700 páginas). Não acredito que exista um tratamento mais longo da teologia de Paulo, mas, dada essa tendência, o próximo grande livro sobre Paulo deve ter pelo menos 2.100 páginas.

Este pequeno livro não busca ser exaustivo. Não discutirei todos os versículos ou mesmo todos os temas nas cartas de Paulo. Em vez disso, procuro apresentar aos leitores uma questão particularmente espinhosa: como Paulo se relaciona com o judaísmo (ou, talvez melhor, os judaísmos) de sua época? Esta é uma questão histórica, mas para os cristãos modernos (e quaisquer judeus interessados) é uma questão histórica que tem relevância teológica e ecumênica. Paulo condena e abandona o judaísmo? Ele o vê como algo inferior ou pelo menos ultrapassado na esteira de Jesus? Se sim, como os cristãos de hoje devem pensar sobre o judaísmo e se relacionar com os judeus? Olhando para os últimos dois mil anos, sabemos que a maioria dos cristãos viu o judaísmo como inferior ou mesmo pernicioso, algo deixado para trás ou algo que morreu. Consequentemente, muitos cristãos trataram judeus individuais e comunidades judaicas com desprezo, repulsa, ódio e violência. As cartas de Paulo frequentemente serviram como suporte bíblico para o antijudaísmo cristão.

É possível que haja uma maneira diferente de ler as cartas de Paulo, uma que não denigra o judaísmo? A questão da relação de Paulo com o judaísmo dominou os estudos paulinos nas últimas décadas, resultando em (pelo menos) quatro maneiras pelas quais os acadêmicos tentaram dar sentido aos escritos de Paulo em relação ao judaísmo; essas quatro maneiras são comumente chamadas de leituras “luterana”, “nova perspectiva”, “apocalíptica” e “nova perspectiva radical” (ou “Paulo dentro do judaísmo”). Algumas dessas “escolas” podem ser mais familiares aos leitores do que outras. Mas lembre-se, familiaridade não significa necessariamente que tal leitura esteja correta.

(…)

Nas páginas seguintes, esboçarei um breve relato do pensamento de Paulo de uma forma que busca situá-lo dentro e não contra o mundo judaico que fazia parte do mais amplo mundo antigo do Mediterrâneo. Embora eu apresente meu próprio relato, ele compartilha muitas (mas não todas) coisas em comum com uma quarta corrente dos estudos paulinos que recebeu alguns nomes diferentes: a leitura Sonderweg de Paulo associada a Lloyd Gaston e John Gager, a nova perspectiva radical associada a Stanley Stowers e Pamela Eisenbaum, e a leitura Paulo dentro do judaísmo associada a William Campbell, Kathy Ehrensperger, Paula Fredriksen, Mark Nanos e Magnus Zetterholm*.

* Gaston, Paul and the Torah; Gager, Reinventing Paul; Stowers, Rereading of Romans; Eisenbaum, Paul Was Not a Christian; W. Campbell, Unity and Diversity in Christ; Ehrensperger, Searching Paul; Fredriksen, Paul; Nanos, Reading Paul within Judaism; and Zetterholm, Approaches to Paul.

Matthew Thiessen é professor de estudos religiosos na McMaster University em Hamilton, Ontário, Canadá. Veja algumas de suas publicações.

 

What was the apostle Paul’s relationship to Judaism? How did he view the Jewish law? How did he understand the gospel of Jesus’s messiahship relative to both ethnic Jews and gentiles? These remain perennial questions both to New Testament scholars and to all serious Bible readers.

Respected New Testament scholar Matthew Thiessen offers an important contribution to this discussion. A Jewish Paul is an accessible introduction that situates Paul clearly within first-century Judaism, not opposed to it. Thiessen argues for a more historically plausible reading of Paul. Paul did not reject Judaism or the Jewish law but believed he was living in the last days, when Israel’s Messiah would deliver the nations from sin and death. Paul saw himself as an envoy to the nations, desiring to introduce them to the Messiah and his life-giving, life-transforming Spirit.

 

Most people, perhaps even a good percentage of Christian clergy, likely remain unaware of the fact that people who spend their careers studying and writing on Paul disagree quite strongly with each other about what he says.5 Even those of us who have dedicated parts or all of our careers to thinking and writing about Paul struggle to make sense of Paul’s different letters, to take occasional writings and provide a coherent, if inevitably incomplete, account of what he thought. In recent decades we have seen longer and longer books outlining Paul’s thinking. To get a sense of this exegetical (and theological) arms race, where longer seems to be equated with better, take these three examples: in 1997 James Dunn published The Theology of Paul the Apostle (844 pages), in 2009 Douglas Campbell published The Deliverance of God (1,248 pages), and in 2013 N. T. Wright published Paul and the Faithfulness of God (1,700 pages). I don’t believe there exists a longer treatment of Paul’s theology, but given this trend, the next big book on Paul should be at least 2,100 pages in length.

This little book does not seek to be exhaustive. I won’t discuss every verse or even every theme in Paul’s letters. Instead, I seek to introduce readers to one particularly thorny question: How does Paul relate to the Judaism (or, perhaps better, Judaisms) of his day? This is a historical question, but for modern Christians (and any interested Jews) it is a historical question that has theological and ecumenical relevance. Does Paul condemn and abandon Judaism? Does he view it as something inferior or at least outdated in the wake of Jesus? If so, how should Christians today think about Judaism and relate to Jews? Looking back over the last two thousand years, we know that most Christians have viewed Judaism as inferior or even pernicious, something left behind or something that has died.6 Consequently, many Christians have treated individual Jews and Jewish communities with contempt, revulsion, hatred, and violence. Paul’s letters have frequently served as scriptural support for Christian anti-Judaism.

Matthew ThiessenIs it possible that there is a different way to read Paul’s letters, one that does not denigrate Judaism? The question of Paul’s relationship to Judaism has dominated Pauline scholarship over the last several decades, resulting in (at least) four ways that academics have tried to make sense of Paul’s writings as they relate to Judaism; these four ways are commonly called the “Lutheran,” “new perspective,” “apocalyptic,” and “radical new perspective” (or “Paul within Judaism”) readings. Some of these “schools” may be more familiar to readers than others. But remember, familiarity doesn’t necessarily mean that such a reading is correct.

(…)

In the following pages, I will sketch a brief account of Paul’s thinking in a way that seeks to situate him within and not against the Jewish world that was part of the larger ancient Mediterranean world. While I present my own account, it is one that shares many (but not all) things in common with a fourth stream of Pauline scholarship that has gone by a few different names: the Sonderweg reading of Paul associated with Lloyd Gaston and John Gager, the radical new perspective associated with Stanley Stowers and Pamela Eisenbaum, and the Paul within Judaism reading associated with William Campbell, Kathy Ehrensperger, Paula Fredriksen, Mark Nanos, and Magnus Zetterholm* (From Introduction).

* Gaston, Paul and the Torah; Gager, Reinventing Paul; Stowers, Rereading of Romans; Eisenbaum, Paul Was Not a Christian; W. Campbell, Unity and Diversity in Christ; Ehrensperger, Searching Paul; Fredriksen, Paul; Nanos, Reading Paul within Judaism; and Zetterholm, Approaches to Paul.

Matthew Thiessen (PhD, Duke University) is associate professor of religious studies at McMaster University in Hamilton, Ontario. He is the author of numerous books, including Paul and the Gentile Problem, Jesus and the Forces of Death, and Contesting Conversion: Genealogy, Circumcision, and Identity in Ancient Judaism and Christianity.