Paulo dentro do judaísmo

BIRD, M. et alii (eds.) Paul Within Judaism: Perspectives on Paul and Jewish Identity. Tübingen: Mohr Siebeck, 2023, 371 p. – ISBN ‎ 9783161623257. Disponível online.

O volume Paul Within Judaism [Paulo dentro do judaísmo] é baseado em um simpósio acadêmico online organizado pelo Ridley College em Melbourne, Austrália,
graciosamente patrocinado pelo Australian College of Theology, realizado de 21 a 24 de setembro de 2021.BIRD, M. et alii (eds.) Paul Within Judaism: Perspectives on Paul and Jewish Identity. Tübingen: Mohr Siebeck, 2023, 371 p.

O tema foi escolhido por causa do fascínio ocidental pelo apóstolo Paulo e por causa do persistente desafio que é explorar Paulo em relação à sua herança judaica e sua crença no Messias. Em certo sentido, a tensão a ser explorada ou explicada é como Paulo é tanto “Paulo, o judeu/judeu seguidor de Jesus” quanto, simultaneamente, o “São Paulo” da fé e do testemunho da Igreja. Este é o assunto que continua a mover os acadêmicos em sua articulação tanto da história antiga quanto dos compromissos teológicos contemporâneos e que também pesa nos relacionamentos inter-religiosos.

Os colaboradores deste volume não são monolíticos e representam uma pluralidade de perspectivas e diversidade de abordagens sobre Paulo e sua relação com o judaísmo antigo. A esperança dos editores é de que este volume dê continuidade à conversa sobre Paulo e sua condição de judeu.

 

Our volume Paul within Judaism is based on an on-line scholarly symposium organized by Ridley College in Melbourne, Australia, graciously sponsored by the Australian College of Theology, held during 21–24 September 2021. The topic of exploration was chosen because of the western fascination with the apostle Paul and the persistent challenge of exploring Paul in relation to both his Jewish heritage and his Messiah-believing commitments. In a sense, the tension to be explored or explained is how is Paul both “Paul the Jewish/Judean follower of Jesus” and simultaneously “St. Paul” of the church’s faith and witness. This is the subject which continues to excite and energize scholars in their articulation of both ancient history as well as contemporary theological commitments and informing inter-faith relationships. The contributors to this volume are not monolithic and they represent a plurality of perspectives and diversity of approaches to Paul vis-à-vis ancient Judaism. It is the hope of the editors that this volume will continue the conversation about Paul and his Jewishness, not despite his being a Messiah-believer, but precisely as part of it.

Michael Bird, born 1974; 2005 PhD; Academic Dean and Lecturer in New Testament at Ridley College, Melbourne, Australia (Australian College of Theology).

Ruben Bühner, born 1990; 2020 Dr. theol.; PostDoc and Lecturer at the Department of New Testament Studies at the University of Zurich, Switzerland.

Jörg Frey, born 1962; 1996 Dr. theol.; 1998 Habilitation; Professor of New Testament Studies at the University of Zurich, Switzerland.

Brian Rosner, born 1959; 1991 PhD; Principal and Lecturer in New Testament at Ridley College, Melbourne, Australia (Australian College of Theology).

 

O que significa Paulo dentro do judaísmo?

O seguinte texto explica:

Já se passaram quase quarenta anos [Nota: este texto é de 2016; em 2024 já são quase cinquenta anos] desde que a publicação de Paul and Palestinian Judaism (1977) de E.P. Sanders iniciou uma revolução nos estudos paulinos.

Até aquele ponto, os intérpretes protestantes liam Paulo como uma crítica ao judaísmo por sua justificação pelas obras da Lei, denunciando seu legalismo inerente, em Romanos e Gálatas, e defendendo a justificação somente pela fé. Nessa visão, as pessoas desfrutam da salvação apenas como um presente que podem receber e que não pode ser conquistado. O evangelho paulino brilhou intensamente em contraste com o pano de fundo sombrio do judaísmo com sua obrigação assumida de ganhar a salvação pelo acúmulo de mérito por meio de boas obras.

Argumentando contra isso, Sanders alegou que o judaísmo do primeiro século não era uma religião de justificação pelas obras, mas de graça. Os judeus desfrutavam da salvação em virtude da eleição e sua observância da Lei simplesmente mantinha seu relacionamento de aliança com Deus.

Embora a discussão subsequente de Sanders sobre Paulo tenha deixado muito a desejar, outros intérpretes, principalmente James Dunn e N. T. Wright, basearam-se em sua compreensão revisada do judaísmo para liderar uma reconsideração de Paulo que durou mais de três décadas.

De acordo com sua “Nova Perspectiva“, Paulo não rejeitou o judaísmo por causa de sua justificação pelas obras, mas sim por seu etnocentrismo. Os judeus limitaram o escopo da salvação aos judeus étnicos e Paulo se opõe a isso com o evangelho da salvação pela graça por meio de fé independente das “obras da Lei”. Eles observam que em Romanos e Gálatas “obras da Lei” indicam atos em observância aos mandamentos da Lei mosaica que apontam para a sua identidade como judeu. Quando Paulo afirma que uma pessoa não é justificada por “obras da Lei” (Rm 3,28; Gl 2,16), portanto, ele está argumentando que a identidade étnica de alguém não é relevante no que diz respeito à justificação diante de Deus.

O presente volume (NANOS, M. D.; ZETTERHOLM, M. (eds.), Paul Within Judaism: Restoring the First-Century Context to the Apostle. Minneapolis: Fortress Press, 2015) representa uma perspectiva ainda mais nova, que sustenta que a “nova perspectiva” não vai longe o suficiente, uma vez que tanto a perspectiva “nova” quanto a “tradicional” erroneamente imaginam que Paulo, de alguma forma, se opõe, dispensa ou abandona o judaísmo.

O que une os autores do livro é a convicção de que “Paulo deve ser interpretado dentro do judaísmo” (p. 1). O que as perspectivas “nova” e “tradicional” erram é que ambas consideram Paulo como o fundador de um novo movimento chamado “cristianismo”. Mesmo que esse termo não seja usado, os intérpretes frequentemente falam de Paulo fundando um “novo movimento religioso” que é “construído sobre a convicção de que há algo fundamentalmente, essencialmente ‘errado’ com, e dentro, do judaísmo” (p. 5).

NANOS, M. D.; ZETTERHOLM, M. (eds.), Paul Within Judaism: Restoring the First-Century Context to the Apostle. Minneapolis: Fortress Press, 2015De acordo com essa perspectiva “radical” ou “Paulo dentro do judaísmo” (…), “a escrita e a construção da comunidade do apóstolo Paulo ocorreram dentro do judaísmo tardio do Segundo Templo, dentro do qual ele permaneceu um representante após sua mudança de convicção sobre Jesus ser o Messias (Cristo).” Portanto, “as ‘assembleias’ que ele fundou, e para as quais ele escreveu” suas cartas, “também estavam desenvolvendo sua (sub)cultura com base em suas convicções sobre o significado de Jesus para os não judeus, bem como para os judeus dentro do judaísmo” (p. 9). Imaginar que Paulo deixou o judaísmo para fundar um novo movimento religioso – o cristianismo – é fazer história ruim. Nossos colaboradores “estão comprometidos em propor e buscar responder a perguntas pré-cristãs e certamente pré-agostinianas / protestantes sobre as preocupações de Paulo e aquelas de seu público e contemporâneos, sejam amigos ou inimigos” (p. 9). O resultado é um Paulo que não se afasta nem rejeita o judaísmo, mas cria um movimento de reforma dentro dele.

Aqueles que subscrevem esse ângulo de abordagem sustentam que a erudição do Novo Testamento é amplamente dominada por preocupações dogmáticas cristãs e é insuficientemente histórica ao realizar suas atividades, moldada como é pela divisão entre judaísmo e cristianismo. “As ideias binárias de que o cristianismo substituiu o judaísmo e que a graça cristã substituiu o legalismo judaico, por exemplo, parecem ser aspectos essenciais da maioria das teologias cristãs” (p. 34).

A tentativa aqui é retornar a uma concepção de Paulo antes do desenvolvimento do “cristianismo”. Durante a primeira geração cristã, antes da missão de Paulo, a “identidade religiosa normal dentro desse movimento era uma identidade judaica” (p. 50). Embora houvesse a expectativa de que os gentios fossem incluídos no movimento, havia desacordo sobre como isso ocorreria. “Como todos os judeus dentro do movimento continuavam a viver como judeus, enquanto reconhecia Jesus como o Messias, os conflitos refletidos nas cartas de Paulo não eram sobre a observância da Torá judaica para os judeus” (p. 50). Eles eram sobre como incluir as nações na fé de Israel.

Essencial para essa perspectiva é a noção de que as cartas de Paulo são direcionadas a seguidores não judeus de Jesus, incluindo — e especialmente — suas cartas aos crentes romanos e gálatas. Suas declarações proibindo a circuncisão e a vida sob a Lei mosaica, portanto, são mal compreendidas quando são “universalizadas” para se referir também aos judeus que vieram (ou que virão) a crer em Jesus. Paulo diz pouco ou nada sobre os crentes judeus relacionados à Lei mosaica, pois era sua suposição que eles continuariam em fiel observância da Lei como seguidores de Jesus. Já que o próprio Paulo permaneceu um judeu observante — e até mesmo essa noção deve ser esclarecida, como Karin Hedner Zetterholm busca fazer — não devemos pensar nele como um defensor de algo chamado “cristianismo”. Podemos falar mais fielmente de “judaísmo apostólico” (p. 67), já que Paulo pensou sobre “o significado de Jesus para os não judeus, bem como para os judeus dentro do judaísmo” (p. 9).

Vários dos colaboradores defendem que o apostolado de Paulo aos gentios deve ser entendido em continuidade com as concepções proféticas da restauração das nações. No último dia, Israel seria restaurado por Deus e seria novamente uma luz para as nações, adorando o Deus de Israel junto com os gentios. Embora os autores reconheçam a diversidade de visões no judaísmo do Segundo Templo sobre como isso funcionaria, eles afirmam que o relacionamento de Paulo com os seguidores judeus de Jesus teria sido entendido dentro dessa visão mais ampla.

As implicações disso são que os seguidores não judeus de Jesus adorariam o Deus de Israel em Cristo e permaneceriam não israelitas, enquanto os seguidores judeus deMichael Bird, nascido em 1974 Jesus, como Paulo, teriam permanecido observantes da lei. E alguns dos autores concordariam com a afirmação adicional de que, em vez de serem chamados de “cristãos”, o público de Paulo “pertence a um grupo especial dentro do judaísmo, composto por judeus e não judeus, em vez de constituir um povo inteiramente novo, o que veio a ser chamado pelos Padres da Igreja de ‘terceira raça'” (p. 148).

Este novo ângulo de abordagem de Paulo pode ser visto em continuidade com abordagens da Nova Perspectiva, na medida em que insiste em uma análise verdadeiramente histórica e objetiva da situação do primeiro século (continua).

Fonte: Paul Within Judaism. By Timothy Gombis, Reformation21 – February 23, 2016.

 

Claro que isto gera controvérsias. Em outra página leio:

O movimento “Paulo dentro do Judaísmo”, também conhecido como a Nova Perspectiva Radical sobre Paulo (não confundir com a Nova Perspectiva mais moderada), é uma visão do apóstolo Paulo que ganhou alguma proeminência através dos escritos de estudiosos judeus do Novo Testamento como Mark Nanos e Paula Fredricksen, bem como de estudiosos protestantes mais liberais como Matthew Theissen e Candida Moss. Algumas ideias unificadoras que emergem são as seguintes:

1. Não devemos chamar Paulo de cristão, pois ele não se chamava assim e permaneceu um judeu leal
2. Paulo teria esperado que os judeus mantivessem a Torá
3. Paulo, pelo que podemos saber, escreveu exclusivamente para gentios. Portanto, é um erro pensar que suas exortações se aplicam aos judeus.

Mais aqui.

Outras leituras possíveis:

Apóstolo judeu, não apóstata judeu: (mal) lendo o apóstolo Paulo – IHU 30 Junho 2023

Paulo: três vias de salvação. Artigo de Roberto Mela – IHU 19 Fevereiro 2022

Para Paulo há três caminhos para a salvação – Observatório Bíblico – 22.09.2020