Sobre o amuleto do Monte Ebal

A notícia de uma grande descoberta arqueológica em Israel está circulando por aí. Isto porque em um pequeno objeto de chumbo, um amuleto, encontrado no Monte Ebal, em Israel, aparece lá pelo final da Idade do Bronze (por volta de 1150 a.C.) uma inscrição em escrita alfabética protocanaanita e, dizem, o nome Iahweh. O que seria algo bem mais antigo do que temos até hoje.

Muitos especialistas duvidam da novidade anunciada e, prudentemente, aguardam o prometido artigo acadêmico dos autores.O amuleto do Monte Ebal

O respeitado epigrafista Christopher Rollston, escreveu, em 26 de março de 2022, em sua página Rollston Epigraphy, um texto com algumas advertências metodológicas sobre este achado. Vale a pena ler.

The Mount Ebal Lead ‘Curse’ Inscription in Late Bronze Age Hebrew: Some Methodological Caveats – Christopher Rollston – Rollston Epigraphy, 26 March 2022

Entre outras coisas, ele diz:

Aqui estão alguns dos fatos básicos.

Em 24 de março de 2022 na Lanier Theological Library (em Houston, Texas), Scott Stripling (Reitor do Seminário Bíblico em Katy, Texas, USA, e Diretor de Escavações dos Associados para Pesquisa Bíblica em Khirbet el-Maqatir e Silo, Israel) , juntamente com Pieter van der Veen (Johannes Gutenberg-University, Mainz, Alemanha) e Gershon Galil (Universidade de Haifa, Israel) realizaram uma conferência de imprensa para anunciar a descoberta e decifração putativa de uma inscrição de chumbo dobrada de 2 cm x 2 cm. Observo que a inscrição permanece dobrada, ou seja, não foi aberta.

De acordo com Stripling, Galil e van der Veen, as quarenta letras no interior deste objeto de chumbo dobrado não são discerníveis a olho nu. No entanto, por meio de imagens realizadas em Praga na Academia de Ciências da República Tcheca, eles (ou seja, van der Veen e Galil) acreditam que quarenta letras podem ser vistas, que essas letras podem ser lidas e as palavras resultantes podem ser decifradas.

Aqui está sua tradução: “Amaldiçoado, amaldiçoado, amaldiçoado – amaldiçoado pelo Deus Yhw [Yahweh], Você morrerá amaldiçoado. Amaldiçoado você certamente morrerá. Amaldiçoado por Yhw – amaldiçoado, amaldiçoado, amaldiçoado.”

Além disso, esses estudiosos afirmam que a escrita desta inscrição é “protoalfabética”. Talvez seja útil mencionar que um modo padrão de descrever a escrita alfabética neste período de tempo seria “alfabética antiga” ou “protocanaanita”, em vez de “protoalfabética”.

Stripling, Galil e van der Veen também afirmam que existem algumas letras do lado de fora desse objeto de chumbo dobrado, mas não mencionam quais letras ou palavras eles podem estar lendo do lado de fora.

Chama a atenção o fato desta inscrição não ter sido encontrada em um contexto estratificado durante as escavações no “Monte Ebal”.

Observe que Adam Zertal dirigiu as escavações no Monte Ebal na década de 1980, e ele acreditava ter encontrado neste local uma “estrutura” que ele (Zertal) acreditava ser provavelmente um altar e poderia ser conectado de alguma forma com o altar mencionado em Js 8,30-31.

Em vez disso, esse objeto de chumbo inscrito foi encontrado em 2019, como parte de um processo de peneiração de parte do material que havia sido descartado nas escavações dos anos 80.

Talvez também seja útil mencionar: a conferência de imprensa na Lanier Theological Library faz referência a alguns restos de carbono que foram encontrados durante a peneiração, mas não há referência, infelizmente, a nenhuma data de carbono (por exemplo, AMS, etc.).

Também é importante mencionar o fato de que Stripling, Galil e van der Veen ainda não terminaram de escrever o artigo acadêmico sobre essa descoberta. Eles esperam completá-lo nos próximos meses e, em seguida, enviá-lo para publicação em algum lugar.

 

Sítio arqueológico do Monte Ebal, perto de Siquém Na conclusão, após as interessantes advertências metodológicas que constituem o núcleo do texto, ele recomenda:

Em suma, eu sugeriria que devemos dar um passo atrás e deixar a poeira baixar. Parece-me que Stripling, Galil e van der Veen fizeram muitas suposições. Além disso, estou longe de estar convencido de suas leituras, especialmente porque eles não forneceram nem mesmo uma única boa imagem.

E também me parece que o melhor preditor do futuro é o passado. E no passado, vira e mexe, alegações sensacionais se transformaram em cinzas no cadinho da análise séria, filológica e epigráfica. Então, vamos esperar e ver como isso vai ficar. Mas, quanto a mim, temo ser metodologicamente cauteloso demais para abraçar as suposições sensacionais de Stripling, Galil e van der Veen.

Veja também:

Archaeologist claims to find oldest Hebrew text in Israel, including the name of God – By Amanda Borschel-Dan – The Times of Israel: 24 March 2022

Academic article on controversial 3,200-year-old ‘curse tablet’ fails to sway experts – By Melanie Lidman – The Times of Israel: 14 May 2023

Um resumo do caso, em português, pode ser lido aqui.

História de Israel na época bíblica

Este livro, com uma proposta didática, foi publicado originalmente em alemão. A primeira edição é de 2018 e a segunda edição, revisada, é de 2021.

Diz a autora no prefácio da segunda edição:

A primeira edição deste livro foi publicada em outubro de 2018 e reimpressa em março de 2019. Esta segunda edição foi completamente revisada, aumentada ePEETZ, M. O Israel Bíblico: História – Arqueologia – Geografia. São Paulo: Paulinas, 2022. atualizada para incluir a literatura mais recente (Die Erstauflage dieses Buchs ist im Oktober 2018 erschienen und wurde im März 2019 nachgedruckt. Die hier vorliegende zweite Auflage wurde durchgehend überarbeitet, ergänzt und aktualisiert sowie um die neueste Literatur erweitert).

PEETZ, M. O Israel Bíblico: História – Arqueologia – Geografia. São Paulo: Paulinas, 2022, 328 p. – ISBN 9786558081128.

Diz a autora na Introdução:

Este manual concentra-se na história de Israel na época bíblica. Trata do tempo a respeito do qual os livros bíblicos narram e expande-se ao tempo em que tais escritos surgiram – portanto, ao período de cerca de 2000 a.C. até por volta de 200 d.C. O objetivo do livro é, no âmbito destes mais de 2.200 anos, reconstruir, segundo o método histórico-crítico, a história de Israel, ou seja, entre outras coisas: não apenas recontar a descrição bíblica, mas ordená-la historicamente em comparação com outras fontes textuais e descobertas arqueológicas.

Neste livro, a história de Israel está dividida em oito épocas. Estes oito capítulos (A–H) orientam-se pelos três acontecimentos mais decisivos da história do Israel bíblico:

722 a.C. : A Assíria conquista o Reino do Norte, Israel. O reino de Israel deixa de existir
587 a.C. : A Babilônia subjuga o Reino do Sul, Judá, e destrói Jerusalém, juntamente com o templo. Começa o exílio babilônico
70 d.C.  : Os romanos destroem Jerusalém, juntamente com o templo

Contudo, em primeiro lugar, temos que perguntar: o que é a Bíblia? O que se quer dar a entender quando neste manual se fala de Israel? Em que espaço geográfico aconteceu a história do Israel bíblico e que fontes existem para traçar essa história do ponto de vista histórico-crítico?

Melanie PeetzO capítulo introdutório (1-4) esclarece estas perguntas fundamentais e, subsequentemente, oferece indicações a respeito da estrutura e da utilização deste manual (5).

Veja o Sumário do livro e leia a Introdução na amostra em pdf.

Melanie Peetz é doutora em Exegese do Antigo Testamento. Professora de Bíblia na Faculdade de Filosofia e Teologia Sankt Georgen, em Frankfurt, Alemanha.

Eles criam uma solidão e a chamam de paz: o domínio assírio na Palestina

FAUST, A. The Neo-Assyrian Empire in the Southwest: Imperial Domination and Its Consequences. Oxford: Oxford University Press, 2021, 400 p. – ISBN 9780198841630.

Usando uma abordagem de baixo para cima [a bottom-up approach], este livro utiliza as muitas informações ​​disponíveis na região da Palestina para reconstruir sua demografia e economia antesFAUST, A. The Neo-Assyrian Empire in the Southwest: Imperial Domination and Its Consequences. Oxford: Oxford University Press, 2021 das campanhas assírias e depois delas. Comparar esses dois instantâneos nos força a apreciar as transformações que a ocupação imperial trouxe em seu rastro e a repensar alguns conhecimentos aceitos sobre a natureza do controle assírio. Isto é seguido por uma análise das atividades assírias reais na região, e a realidade no sudoeste do Antigo Oriente Médio é então comparada com a de outras regiões. Essa comparação, mais uma vez, nos obriga a levar em conta as diferenças encontradas, resultando em uma melhor apreciação dos fatores que influenciaram a expansão imperial, as considerações que levaram à anexação e os métodos imperiais de controle, desafiando algumas antigas convenções sobre o desenvolvimento do império assírio. Isso leva a um exame do império assírio em comparação com outros antigos impérios do Antigo Oriente Médio, analisando a maneira como os impérios antigos controlavam províncias remotas. Rever o desenvolvimento dos antigos impérios expõe não apenas a natureza da dominação assíria, mas também uma das principais mudanças na
natureza do controle imperial na antiguidade.

 

Na introdução diz o autor:

Antes de mais nada devemos apresentar informações básicas do pesquisa acadêmica sobre os impérios em geral, sobre o império assírio e seu domínio no sudoeste do Antigo Oriente Médio e sobre as fontes de informação para este estudo (p. 1-31).

Depois disso é que ele apresenta a estrutura do livro nas p. 31-34.

O livro inclui os seguintes capítulos:

Capítulo 2 (‘Antes do Império: o Levante Sul no século VIII AEC’) estabelece as bases para a pesquisa. Para entender o impacto da dominação imperial assíria, é preciso reconstruir a realidade da região antes da chegada do império e, portanto, este capítulo descreve a florescente sociedade de meados do século VIII AEC, sua distribuição na região e a importância econômica das várias regiões.

O capítulo 3 (‘”Ai da Assíria, vara da minha ira”: a conquista assíria do sudoeste’) descreve brevemente a interação assíria com o sudoeste, desde os primeiros contatos no século IX AEC até as conquistas do último terço do século VIII AEC. No final deste século, toda a área estava, direta ou indiretamente, sob controle assírio. O norte estava dividido entre províncias assírias, enquanto o sul era composto principalmente por clientes semiautônomos.

O Capítulo 4 (‘Sob o Império: povoamento e demografia na fronteira sudoeste do Império Assírio no século VII AEC’) descreve o povoamento e a demografia no período de controle assírio. A comparação com as informações fornecidas no capítulo 2 nos permite estimar quais foram as consequências da presença imperial. A evidência mostra que as províncias do norte foram devastadas, enquanto o reino cliente prosperou e, além disso, pela primeira vez na história o sul floresceu mais do que o norte. O declínio dramático do norte é exemplificado também pelo grande número de nomes de lugares que foram esquecidos após as conquistas assírias. O capítulo termina com um apêndice sobre o significado demográfico das deportações.

O Capítulo 5 (‘Prosperidade, depressão e o Império: desenvolvimentos econômicos no sudoeste durante o século VII AEC’) reconstrói a economia da região durante o período do domínio assírio e a especialização econômica que tipificou esse período. O capítulo é acompanhado por dois apêndices, um sobre a importância das importações gregas do final do século VII para a compreensão dos padrões econômicos no período do domínio assírio, e o segundo revisando brevemente o desenvolvimento da indústria do azeite – um tópico que é proeminente em muitas discussões da economia imperial assíria – no tempo e no espaço. A evidência mostra que enquanto o sul (e Tiro) desenvolveu e participou do comércio internacional, as províncias não produziram muito excedente e não participaram de nenhum comércio significativo.

Capítulo 6 (‘Assírios no sudoeste? Administração e presença’) analisa as evidências relevantes para a presença real da administração ou indivíduos assírios na região, por exemplo, na forma de documentos administrativos assírios, edifícios assírios e muito mais. Uma vez identificadas, a natureza das evidências e sua distribuição são avaliadas para saber o quanto a administração estava envolvida no funcionamento do Levante Sul e onde ela operava. A evidência mostra que a administração era muito limitada, e os dados limitados vêm principalmente das periferias das províncias devastadas.

O Capítulo 7 (‘O Império no sudoeste: reconstruindo a atividade assíria nas províncias’) examina, à luz das informações fornecidas nos capítulos anteriores, a forma como o império operava nas províncias do sudoeste, incluindo a atividade dos governadores locais, a deportação de parte da população e a fixação de deportados estrangeiros. A evidência mostra que a maioria das províncias não tinha muita importância para as autoridades imperiais, que concentravam seus esforços nas fronteiras voltadas para os clientes florescentes.

O Capítulo 8 (‘Respostas locais ao Império: da resistência armada à integração’) é diferente dos capítulos anteriores, pois não se concentra no império e suas atividades, mas nas respostas locais ao seu domínio. Embora tais estudos tenham sido realizados em outros impérios, eles são um tanto raros em relação ao império assírio. O presente estudo de caso, no entanto, tem uma série de vantagens. Além do grande banco de dados arqueológico disponível, temos uma fonte textual única, refletindo a voz de (alguns dos) conquistados, ou seja, a Bíblia Hebraica. Notavelmente, a maioria dos textos de cenários imperiais, se é que existem, representam a visão imperial, e a Bíblia Hebraica, embora complexa como fonte histórica, fornece insights sobre as visões locais do domínio imperial. As linhas discretas de evidência nos permitem reconstruir as respostas locais ao domínio assírio em diferentes unidades políticas e por vários grupos dentro dessas unidades, desde a resistência armada, passando por formas mais sutis de resistência, até a cooperação, colaboração e até integração.

Avraham FaustO capítulo 9 (‘”Eles criam uma desolação e a chamam de paz”: reexaminando a natureza da paz imperial’) revisa o conceito de paz assíria que se tornou popular ao longo dos anos para descrever a economia próspera durante o período de controle assírio, quando não há guerras internas ou campanhas imperiais evidentes. As informações fornecidas nos capítulos anteriores, no entanto, colocam algumas dúvidas sobre a aplicabilidade do termo para o período em discussão, uma vez que as províncias do sudoeste foram devastadas, e apenas as regiões fora dos limites oficiais da Assíria prosperaram. Posteriormente, o capítulo reavalia não apenas a paz assíria, mas também o conceito geral de “paz imperial” que foi “importado” de Roma (a Pax Romana) para quase todos os contextos imperiais.

O capítulo 10 (‘Império planejado? Políticas imperiais e planejamento e a conquista do sudoeste’) usa as informações detalhadas disponíveis do sudoeste, que nem sempre se encaixam em várias generalizações sobre as políticas imperiais assírias (baseadas em estudos de outras províncias), para reavaliar essas máximas, e oferece algumas observações sobre as possíveis causas para os diferentes tratamentos e estratégias. O capítulo discute as várias considerações que podem ter influenciado o tratamento diferenciado (I) de diversas partes do império assírio (comparando diferentes províncias); e (II) de impérios em geral (por exemplo, comparando o tratamento das mesmas regiões ao longo do tempo). O capítulo conclui com uma nova análise do processo que levou à conquista da área e à anexação de sua parte norte pela Assíria, e da estratégia imperial assíria.

O capítulo final (‘Uma província longe demais? O Império assírio, sua fronteira sudoeste e a dinâmica da expansão, conquista e governo imperial’) analisa brevemente como se desenrolou o domínio imperial no sudoeste, quais foram as consequências das conquistas e o estabelecimento de províncias em grande parte da área, e os processos que ocorreram durante o século de domínio assírio. O capítulo revisa as principais conclusões do livro sobre a atividade imperial no sudoeste e as considerações que parecem ter orientado suas políticas em geral, e discute as implicações disso no estudo das estratégias imperiais em geral. Baseada nas diferenças de como os impérios neoassírio, neobabilônico e persa trataram suas províncias remotas, a última parte do capítulo discute as implicações desta pesquisa para o estudo do desenvolvimento histórico dos impérios, e da ‘revolução aquemênida’, que quebrou as limitações do tamanho dos impérios impostas pelas mentalidades imperiais anteriores.

Avraham Faust é Professor de Arqueologia na Universidade Bar-Ilan, Israel.

 

Nota sobre a frase do título

A frase do título está em um texto do Tácito, historiador romano (ca. 56 – ca.120 d.C.), que a atribui a Cálgaco. A citação diz, em latim: Auferre trucidare rapere falsis nominibus imperium, atque ubi solitudinem faciunt, pacem appellant (Agricola 30.4).

Poderia ser traduzida assim: Ao roubo, à matança, à pilhagem, eles dão o nome mentiroso de império; eles criam uma solidão e a chamam de paz.

De acordo com Tácito, Cálgaco foi um chefe da Confederação Caledônia que lutou contra o exército romano de Gnaeus Julius Agricola [sogro de Tácito] na Batalha de Mons Graupius no norte da Escócia em 83 ou 84 d.C. A única fonte histórica que o apresenta é esta obra, Agrícola, de Tácito.

Tácito escreveu um discurso que atribuiu a Cálgaco, dizendo que Cálgaco o proferiu antes da Batalha de Mons Graupius. A frase citada está neste discurso. Especialistas desconfiam, e muito, da veracidade do discurso.

Sobre isto, conferir CAMPBELL, D. B. Mons Graupius AD 83: Rome’s battle at the edge of the world. Oxford: Osprey Publishing, 2010, p. 33-35. Este autor diz:

Era adequado ao estilo oratório de Tácito retratar Cálgaco discursando para seus guerreiros reunidos antes da batalha, então ele forneceu devidamente um emocionante discurso de 70 linhas para o chefe (Tacitus, Agricola 30-32). Outros escritores clássicos seguiram a mesma tradição de inventar discursos. Embora, como biógrafo de Agrícola, Tácito fosse obrigado a fornecer informações factuais sobre seu assunto, como escritor na tradição de Cícero e Salústio, ele era igualmente obrigado a produzir uma obra literária. É digno de nota que seu amigo, o jovem Plínio, emulava conscientemente elementos do Agrícola em seu próprio Panegírico para o imperador Trajano. Assim, podemos imaginar gerações inteiras de gramáticos romanos treinando seus jovens alunos com repetidas recitações do discurso de Cálgaco.

O discurso claramente não é uma declaração típica da estratégia caledoniana. No entanto, é interessante como uma afirmação do que um romano contemporâneo pensava que as observações de um estrangeiro poderiam ser, mesmo que estejam envoltas no estereótipo do bárbaro jactancioso. Pode, de fato, ter sido a opinião do próprio Tácito sobre o comportamento do exército romano, quando ele colocou na boca de Cálgaco a seguinte acusação: Ao roubo, à matança, à pilhagem, eles dão o nome mentiroso de império; eles criam uma solidão e a chamam de paz (Agricola 30.4).

“Hoje”, Tácito imagina Cálgaco dizendo, “marcará o início da liberdade para toda a Grã-Bretanha” (Agricola 30.1). Os 40 anos anteriores de ocupação romana viram outras batalhas travadas, mas agora, finalmente, os romanos chegaram ao fim do mundo. “Somos o último povo na terra e o último povo livre”, como o historiador A. R. Birley traduz um dos epigramas maravilhosamente concisos de Tácito (Agricola 30.3: nos terrarum ac libertatis extremos). Ele faz uma distinção entre os povos que, conquistados, mais tarde se revoltam, uma vez que tiveram tempo de lamentar sua submissão a Roma. “Lutaremos, vigorosos e indomáveis, pela liberdade e não pelo arrependimento” (Agricola 31.4). O que quer que Cálgaco tenha dito na véspera da batalha, podemos ter certeza de que o plano caledoniano era defender seus lares diante do imperialismo romano.

 

Using a bottom-up approach, this book utilizes the unparalleled information available from the region to reconstruct its demography and economy before the Assyrian campaigns, and after them. Comparing these two snapshots forces us to appreciate the transformations the imperial takeover brought in its wake, and to rethink some accepted wisdom on the nature of Assyrian control. This is followed with an analysis of the actual Assyrian activities in the region, and the reality in the southwest is then compared to that in other regions. This comparison, once again, forces us to account for the differences encountered, resulting in a better appreciation of factors influencing imperial expansion, the considerations leading to annexation, and the imperial methods of control, challenging some old conventions about the development of the Assyrian empire and its rule. This leads to an examination of the Assyrian empire in comparison to other ancient Near Eastern empires, analysing the way ancient empires controlled remote provinces. Reviewing the development of ancient empires exposes not only the nature of Assyrian domination, but also one of the major changes in the nature of imperial control in antiquity, and to what we call the Achaemenid revolution.

The Structure of the Book

Following this introduction, the book includes the following chapters.

Chapter 2 (‘Before the Empire: The Southern Levant in the 8th Century BCE’) lays the foundation for the research. In order to understand the impact of Assyrian imperial domination, one must reconstruct the reality on the ground before the arrival of the empire, and therefore this chapter describes the flourishing settlement of the mid-eighth century BCE, its distribution across the landscape, and the economic significance of the various regions.

Chapter 3 (‘Ah, Assyria, the Rod of My Anger’: The Assyrian Takeover of the Southwest’) briefly outlines the Assyrian interaction with the southwest, from the first contacts in the ninth century BCE to the conquests of the last third of the eighth. By the end of this century, the entire area was, directly or indirectly, under Assyrian control. The north was divided between Assyrian provinces, whereas the south was mostly comprised of semi-autonomous clients.

Chapter 4 (‘Under the Empire: Settlement and Demography in the Southwestern Margins of the Assyrian Empire in the Seventh Century BCE’) describes the settlement and demography in the period of Assyrian control. Comparison with the information provided in Chapter 2 allows us to estimate what were the consequences of the imperial takeover. The evidence shows that the provinces in the north were devastated, whereas the client kingdom prospered and, moreover, for the first time in history the south flourished more than the north. The dramatic decline in the north is exemplified also by the large number of place names that were forgotten following the Assyrian conquests. The chapter ends with an appendix on the demographic significance of deportations.

Chapter 5 (‘Prosperity, Depression, and the Empire: Economic Developments in the Southwest during the Seventh Century BCE’) reconstructs the economy of the region during the period of Assyrian rule, and the economic specialization that typified this period. The chapter is accompanied by two appendices, one on the importance of late seventh century Greek imports for understanding economic patterns in the period of Assyrian rule, and the second briefly reviewing the development of the olive oil industry—a topic that is prominent in many discussions of Assyrian imperial economy—in time and space. The evidence shows that while the south (and Tyre) developed and participated in international trade, the provinces did not produce much surplus, and did not take part in any significant trade.

Chapter 6 (‘Assyrians in the Southwest? The Evidence for Assyrian Administration and Presence’) reviews the relevant evidence for the actual presence of Assyrian administration or individuals in the region, for example in the form of Assyrian administrative documents, Assyrian buildings, and more. Once identified, the nature of the evidence and their distribution is assessed in order to learn how much administration was involved in the running of the Southern Levant, and where it operated. The evidence shows that administration was very limited, and the limited data comes mostly from the fringes of the devastated provinces.

Chapter 7 (‘The Empire in the Southwest: Reconstructing Assyrian Activity in the Provinces’) examines, in light of the information provided in the previous chapters, the way the empire operated in the southwestern provinces, including the activity of the local governors, the deportation of some of the population, and the settling of foreign deportees. The evidence shows that most of the provinces were not of much significance for the imperial authorities, which concentrated their efforts on the frontiers facing the flourishing clients.

Chapter 8 (‘Local Responses to the Empire: From Armed Resistance to Integration’) is different from previous chapters in that it focuses not on the empire and itsCAMPBELL, D. B. Mons Graupius AD 83: Rome’s battle at the edge of the world. Oxford: Osprey Publishing, 2010 activities, but rather on the local responses to its rule. While such studies were conducted on other empires, they are somewhat rare regarding the Assyrian empire. The present case study, however, has a number of advantages. In addition to the large archaeological database available, we have a unique textual source, reflecting the voice of (some of) the conquered, i.e. the Hebrew Bible. Notably, most imperial settings texts, if they exist at all, represent the imperial view, and the Hebrew Bible, as complex as it is as a historical source, provides insights into the local views of imperial rule. The discrete lines of evidence allow us to reconstruct the local responses to Assyrian rule in different political units, and by various groups within these units, from armed resistance, through subtler forms of resistance, to cooperation, collaboration, and even integration.

Chapter 9 (‘“They Make a Desolation and They Call it Peace”: Re-Examining the Nature of the Imperial Peace’) reviews the concept of Assyrian peace that became popular over the years to describe the prospering economy during the period of Assyrian control, when no internal wars or imperial campaigns are evident. The information provided in the previous chapters, however, casts some doubt on the applicability of the term for the period under discussion, since the provinces in the southwest were devastated, and only the regions outside the official boundaries of Assyria prospered. Subsequently, the chapter re-evaluates not only the pax Assyriaca, but also the general concept of ‘imperial peace’ which was ‘imported’ from Rome (the pax Romana) into almost all imperial contexts.

Chapter 10 (‘Empire by Design? Imperial Policies and Planning and he Conquest of the Southwest’) uses the detailed information available from the southwest, which does not always fit various generalizations regarding Assyrian imperial policies (based on studies from other provinces), to reevaluate these maxims, and offers some bservations regarding the possible causes for the different treatment and strategies. The chapter discusses the various considerations that might have influenced the differentiated treatment (i) of diverse parts of the Assyrian empire (by comparing different provinces); and (ii) of empires at large (e.g. by comparing the treatment of the same regions over time). The chapter concludes with a new analysis of the process which led to the conquest of the area and the annexation of its northern part by Assyria, and of the Assyrian imperial strategy.

The final chapter (‘A Province Too Far? The Assyrian Empire, Its Southwestern Margins, and the Dynamics of Imperial Expansion, Conquest, and Rule’) briefly reviews how imperial rule in the southwest unfolded, what were the consequences of the conquests and the establishment of provinces in large parts of the area, and the processes that took place during the century of Assyrian rule. The chapter reviews the main conclusions of the book concerning the imperial activity in the southwest, and the considerations that appeared to have guided its policies in general, and discusses the implications of this on the study of imperial strategies at large. Based on the differences in the ways the Neo-Assyrian, the Neo-Babylonian, and the Persian empires treated their remote provinces, the last part of the chapter discusses the implications of this research for the study of historical development of empires, and the ‘Achaemenid revolution’, which broke the limitations on the size of empires posed by earlier imperial mindsets.

As campanhas militares de Tiglat-Pileser III na Síria e na Palestina

Reli um interessante artigo de Peter Dubovský, professor do Pontifício Instituto Bíblico, sobre as campanhas de Tiglat-Pileser III, rei da Assíria, nos territórios da Síria e da Palestina, nos anos de 734-732 a.C.: “As campanhas militares de Tiglat-Pileser III em 734-732 a.C.: o contexto histórico de Is 7, 2Rs 15-16 e 2Cr 27-28”.

Esta época e este tema muito me interessam, pois trato do assunto, no que diz respeito a Israel, em três disciplinas: Literatura Profética, ao falar dos profetas do século VIII a.C.; Literatura Deuteronomista, ao tratar do contexto da Obra Histórica Deuteronomista; e História de Israel, naturalmente, ao tratar do reino de Israel norte na segunda metade do século VIII a.C.

O que se segue abaixo é um resumo do artigo, bem simplificado, quase como se fossem notas de leitura. O artigo, em inglês, pode ser lido online aqui ou pode-se fazer o download do texto em pdf aqui.

DUBOVSKY, P. Tiglath-pileser III’s Campaigns in 734-732 B.C.: Historical Background of Isa 7; 2 Kgs 15-16 and 2 Chr 27-28. Biblica, Vol. 87, No. 2 (2006), pp. 153-170.

O artigo está dividido em três partes: a primeira reconstrói o percurso das campanhas de Tiglat-Pileser III em 734-732 a.C., a segunda investiga a logística destasPeter Dubovský campanhas militares e a terceira avalia os resultados destas campanhas.

O objetivo do artigo é, a partir das ações de Tiglat-Pileser III, avaliar as consequências políticas e religiosas para os reinos de Israel e Judá na segunda metade do século VIII a.C.

Fontes e contexto histórico

Fontes

Os documentos que temos sobre as campanhas de Tiglat-Pileser III no Levante são de dois tipos: bíblicos e assírios.

Os textos bíblicos avaliam o impacto das campanhas de Tiglat-Pileser III sobre o reino de Israel norte (2Rs 15,29-31) e sobre o reino de Judá (2Rs 15,32-16,20;Is 7,1-25;2Cr 27,1-28,27).

Os textos assírios estão em três Anais de Tiglat-Pileser III (18,23,24), três inscrições sumárias (4,9,13), um Cânon Epônimo (Cb) e várias cartas (2064, 2417, 2430, 2686, 2715, 2716, 2766, 2767).

Além dos textos assírios, há relevos de Nimrud, capital assíria, com cenas destas campanhas. E há dados arqueológicos provenientes de Israel.

Contexto histórico

Parte deste contexto histórico é descrito nos livros de História de Israel como a guerra siro-efraimita, ou seja, uma invasão de Judá por Damasco e Samaria.

É que já em 738 a.C. Israel começara a pagar tributo a Tiglat-Pileser III, quando governava, em Samaria, Menahem. Contudo, grupos antiassírios assassinaram Pecahia, filho e sucessor de Menahem, e Pecah, que subiu ao poder, associou-se a Rasin, rei de Damasco, para enfrentar a interferência assíria na região. Desta campanha deveria participar Acaz, rei de Jerusalém, que ao se recusar, teve seu território e seu governo ameaçado com uma invasão de Judá por Pecah e Rasin. Acreditando não poder se defender sozinho, Acaz chamou em seu socorro o rei assírio Tiglat-Pileser III. Assim relatam as fontes bíblicas.

Muitos autores defendem, entretanto, que a invasão de Judá por Damasco e Samaria teve como motivação primeira a ocupação de territórios judaítas na Transjordânia e não se configurava inicialmente como uma rebelião antiassíria. Do mesmo modo a motivação da Fenícia e dos filisteus seria a expansão comercial na costa mediterrânea através do controle de portos e rotas comerciais.

Porém, qualquer que tenha sido a motivação desta aliança regional, esta articulação por uma independência econômica pode ter sido vista pela Assíria como uma ameaça aos seus interesses na região, pois todos os governantes da Transjordânia ao Mediterrâneo estavam unidos em uma coalizão que controlava os portos e as maiores rotas comerciais da região.

Como dissemos, segundo os textos bíblicos, Judá vê este movimento dos vizinhos como ameaça ao seu território e pede a ajuda de Tiglat-Pileser III. Vale porém observar que tal pedido de ajuda não é mencionado nas fontes assírias.

1. Reconstrução da campanha assíria em três fases

O avanço assírio na região pode ser visto em três fases: costa, Transjordânia, região central.

1. A primeira parte da campanha assíria foi dirigida à região filisteia. Gaza era o centro da resistência. Tiglat-Pileser avançou ao longo da região costeira da Síria e da Fenícia, capturou Tiro e seu rei acabou reconhecendo a soberania assíria. Por outro lado, enquanto o exército assírio avançava em direção a Gaza, o rei da cidade a abandonou, fugindo para o Egito.

2. A segunda fase da campanha assíria levou a um primeiro ataque a Damasco e à conquista da Transjordânia. As fontes indicam que Tiglat-Pileser venceu os arameus em batalha, porém foi incapaz de capturar Damasco. Mas ele atacou e destruiu várias cidades da região de Damasco e ocupou o sul da Síria e norte da Transjordânia. Entre os inimigos vencidos deve ser contabilizada também a rainha árabe Samsi, que participava da coalizão.

3. A terceira fase da campanha levou à conquista da Galileia, de Israel e de Damasco. Esta fase está documentada tanto pelas fontes assírias quanto pelas fontes bíblicas. A população da Galileia foi deportada e um grande saque foi feito na Galileia. Em Samaria, Oseias, governante pró-assírio, substituiu o rei Pecah, que foi assassinado. Por isso, Samaria foi poupada. Finalmente, Tiglat-Pileser III atacou e conquistou Damasco, executando seu rei Rezin. Então, ele estabeleceu seu quartel-general em Damasco, onde recebeu a homenagem de seus vassalos. Inclusive de Acaz, rei de Judá.

2. A logística das campanhas de Tiglat-Pileser III

Tiglat-Pileser III (745-727 a.C.)Tudo indica que o sucesso de Tiglat-Pileser III se deve a um cuidadoso planejamento desta ofensiva.

Em primeiro lugar ele não ataca, de início, os centros de poder na região, Damasco e Samaria, mas toma primeiro a região costeira. Para um exército fortemente baseado na cavalaria e em carros de combate, esta região plana lhe permitiu um rápido avanço das tropas. Em seguida ele enfraquece Damasco, ao destruir as cercanias da capital e as plantações da região, criando, assim, uma situação de escassez de alimentos para os arameus. Nesta mesma ocasião, ele realiza um ataque surpresa contra as forças árabes da Transjordânia, submetendo a região inteira, o que incluiu também Edom, Moab e Amon. Toda esta região começou a pagar tributo para a Assíria.

Deste modo, ele criou um semicírculo formado pelos territórios de seus aliados (Gaza, Judá, Edom, Moab, Amon e Galaad), isolando a coalizão de seu maior suporte, o Egito, que ficou sem nenhuma rota para poder interferir na região. O resultado foi que os maiores centros da região, Damasco e Samaria, ficaram totalmente isolados e a coalizão se desfez.

Esta estratégia não era nova. Já fora usada por Tiglat-Pileser III antes disso em outra região, e será usada novamente por seu filho, e um de seus sucessores, Sargão II.

 

3. O resultado das campanhas de Tiglat-Pileser III

Por causa da grande instabilidade em que estava o Antigo Oriente Médio nesta época, Tiglat-Pileser III sabia que se deixasse os territórios sem ocupação após a conquista, ele teria perdido os resultados alcançados. Assim, algumas medidas foram tomadas, como:

Deportações: embora a lista detalhada de deportados esteja corrompida nos Anais de Tiglat-Pileser III, muitos pesquisadores consideram razoável o número total de 13.520 pessoas, sendo a maioria destas pessoas provenientes da Síria, de Israel e dos árabes da rainha Samsi. Dezenas de pequenas cidades na Síria e em Israel foram destruídas. Em Israel, por exemplo, a arqueologia documentou a destruição de Hasor, Dan, Tel Kinneret, Betsaida, Bet-shean, Tel Hadar, Meguido, Yoqneam, Aco, Dor e de outras localidades.

Tributos: Tiglat-Pileser III se apossou de 80 talentos de ouro e 2800 talentos de prata [um talento pesava cerca de 34 kg], além das propriedades dos reis Hiram, de Tiro, Hanunu, de Gaza, e da rainha Samsi, dos árabes. E de alguns outros milhares de proprietários das regiões conquistadas.

Reorganização administrativa: Tiglat-Pileser III incorporou à Assíria todos os territórios dos arameus, nomeando um governador assírio para a província de Damasco. Em Israel os assírios se apossaram da maior parte do país, constituindo as províncias de Dor (na costa), Meguido (Galileia) e Galaad (Transjordânia). Samaria e Jerusalém permaneceram com seus reis nativos: Oseias, em Samaria e Acaz, em Jerusalém. Mas agora eram reis vassalos da Assíria que pagavam tributos e se submetiam às ordens de Tiglat-Pileser III.

Conclusão

Assim termina Peter Dubovský seu artigo:

Esta revisão das consequências das campanhas de Tiglat-Pileser III indica que os assírios usaram vários meios para manter o território sob seu controle. A destruição das cidades, pesados tributos e pilhagem de regiões inteiras debilitaram economicamente a região. Embora os números de deportados sejam imprecisos, a deportação em massa dos habitantes locais por Tiglat-Pileser III e sua substituição por exilados de outras partes do Império enfraqueceram a resistência local. Finalmente, a reorganização administrativa fortaleceu o controle assírio e manteve a corte real em Nimrud informada regularmente sobre os desenvolvimentos mais recentes no Levante. Assim, a combinação de logística sofisticada com boa administração era um dos pré-requisitos do controle assírio bem-sucedido do Levante.

Peter Dubovský é professor de exegese do Antigo Testamento no Pontifício Instituto Bíblico, Roma. Foi nomeado Reitor do Bíblico, pelo Papa Francisco, em 11 de setembro de 2023.

Pioneiras da arqueologia

Pode parecer que, nos primeiros tempos, a arqueologia era um empreendimento exclusivamente masculino.Pioneiras da arqueologia

Mas não.

De fato, alguns dos desenvolvimentos iniciais mais significativos da disciplina foram forjados por mulheres.

Estas são apenas algumas das mulheres mais ousadas dos primeiros dias da arqueologia que estavam determinadas a impulsionar as coisas de maneiras novas e importantes.

Entre elas, Kathleen Kenyon (1906-1978), muito citada em nosso meio por seu trabalho em Jericó.

Leia:

Pioneering Women in Archaeology – By Maria Pakholok – DigVentures: 6 March, 2015

Back in the days when archaeology was a developing discipline, it was – like so many things – dominated by men. Or so you would think if you only looked at Wikipedia’s archaeology page. In fact, some of the discipline’s most significant early developments were forged by women. These are just a handful of some of the boldest, most kickass women from the early days of archaeology who were determined to push things forward in new and important ways.

Kathleen became the leading archaeologist of the Neolithic Near East of her time. Starting out as the first female president of the Oxford University Archaeological Society, Kathleen Kenyon (1906-1978) worked in the field with Mortimer Wheeler and became the leading English archaeologist of the Neolithic Near East, and it was her work at Jericho that led to it being recognized as the oldest continuously occupied settlement in history at the time.

E mais:

:: Here Are 11 Pioneering Women Archaeologists – By Mindy Weisberger – LiveScience: March 23, 2018

There are plenty women who conducted truly groundbreaking archaeological work. Some of their pioneering contributions date back more than a century, and women today continue to forge new paths in the field by challenging how scientists investigate and interpret clues from the past.

:: The Untold Stories of Archaeology’s Women – By Brenna Hassett, Suzanne Pilaar Birch, Rebecca Wragg Sykes, and Tori Herridge – Sapiens: 23 MAR 2021

Stories of pioneering women in the “digging” sciences have been skewed toward those who were White, wealthy, and networked. The TrowelBlazers project aims to reset our imagination—and our future.

Ainda:

:: Lista de mulheres arqueólogas – Wikipedia

O mito da prostituição sagrada

BIRD, Ph. A. Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah. University Park: Eisenbrauns, 2019, 512 p. – ISBN 9781575069814.

Trechos da resenha escrita por Jessie DeGrado, Excavating the Myth of Sacred Prostitution, publicada em Orientalia, Roma, vol. 90, fasc. 1, p. 133-138, 2021.BIRD, Ph. A. Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah. University Park: Eisenbrauns, 2019

A ambiciosa monografia de Phyllis Bird, Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah [Prostituta ou mulher consagrada? Um estudo sobre qedeshah na Bíblia Hebraica], é muito mais do que uma análise lexicográfica do termo hebraico qedeshah (da mesma raiz do acádico qadishtu).

A obra traça mais de dois milênios de história interpretativa para revelar como os biblistas dos séculos XIX e XX passaram a entender o termo hebraico como o exemplo prototípico da prostituta sagrada. Ao longo da monografia, Bird reforça o trabalho de estudiosos que recentemente lançaram dúvidas sobre a existência da prostituição cultual na antiguidade.

Os três primeiros capítulos traçam o desenvolvimento da ideia de prostituição sagrada, com especial atenção às suas manifestações no discurso pós-iluminista. Bird mostra como os estudiosos europeus combinaram um cânone informal de fontes do mundo clássico com a etnografia colonial para imaginar um mundo de práticas sexuais “primitivas” e ritos de fertilidade – dos quais a prostituição sagrada é apenas um exemplo.

No capítulo 4, Bird retoma as fontes clássicas que tradicionalmente têm sido usadas para justificar a existência da prostituição sagrada. Suas conclusões coincidem em grande parte com as da pesquisa de Stephanie Budin, de 2008, sobre fontes da antiguidade tardia. As duas demonstram que as fontes clássicas não são relatos em primeira mão das práticas cultuais reais, nem sequer se alinham com as noções vitorianas de prostituição sagrada utilizadas para sustentar tal ideia. Em vez disso, os exemplos clássicos consistem em contos fantasiosos, muitos dos quais dependem de Heródoto e todos foram retoricamente elaborados para retratar o “outro” como incivilizado.

O Capítulo 5 examina as evidências do Antigo Oriente Médio relevantes para a compreensão do papel social do hebraico qedeshah. Bird trata mais de sessenta referências ao nu.gig/qadishtu em textos acádicos, bem como discute evidências ugaríticas pertencentes ao funcionário cultual {qdsh}, a ser vocalizado qadishu. Esta extensa pesquisa está atenta às diferenças diacrônicas e geográficas na prática do culto, e o leitor interessado também pode encontrar a análise de Bird do nu-gig em textos sumérios do terceiro milênio entre os apêndices do volume (“Apêndice C”, 433-453).

A análise de Bird contribui para o crescente consenso acadêmico de que o acádico qadishtu era um funcionário do culto e não uma prostituta. Mais significativo, ela vai além de uma associação fácil do qadishtu com a “religião das mulheres” ou “fertilidade”; de fato, como observa Bird, nenhum dos textos que descrevem as ações rituais dos qadishtus faz qualquer menção à fertilidade ou preocupações relacionadas. Assim, enquanto cartas e contratos da antiga Babilônia mostram que os qadishtus frequentemente trabalhavam como amas-de-leite, Bird mostra que seu papel social e vida profissional mais amplos não podem ser reduzidos a preocupações de reprodução ou fertilidade.

Armada com a evidência cognata, Bird retorna no capítulo 6 para as poucas atestações bíblicas dos lexemas qedeshah e qadesh na Bíblia Hebraica. Ela argumenta que, como a qadishtu, a qedeshah serviu como oficiante de culto. Com base na atestação do lexema em Os 4,14, Bird argumenta que as qedeshot eram bem conhecidas pelo público israelita da época (ou seja, não era uma instituição estrangeira ou construção literária) e principalmente associadas a santuários locais ao ar livre em Israel e Judá durante o século VIII a.C. Bird sugere que a associação da qedeshah com locais de culto periféricos pode explicar as proibições deuteronômicas e deuteronomistas posteriores aos funcionários qedeshah e qadesh (embora ela veja o último grupo como uma construção literária posterior, criada em analogia ao substantivo feminino). Nesta análise, Bird enfrenta uma das peculiaridades do lexema hebraico qedeshah: toda vez que a palavra ocorre, ela está com o hebraico zonah (prostituta). Bird sugere que a associação de qedeshah com a prostituição resultou de uma situação social real, em que as qedeshot se voltaram para a prostituição como forma de ganhar dinheiro após a abolição dos santuários locais*.

* Nota: O vocábulo zanah é usado quase uma centena de vezes no AT. Desta raiz deriva taznût, “fornicação” (22 vezes, sendo usado só em Ez 16 e 23), zenûnîm, “prostituição” (11 vezes), zenût, “prostituição” (9 vezes) e zônâh, “prostituta”. Encontramos ainda o vocábulo qadêsh (pl. qedêshim, fem. qedêshah e seu pl. qedeshôt), derivado do verbo qadash, “santificar”, “ser santo”, para indicar homens ou mulheres ligados a santuários ou divindades.

(…)

Em um estudo que abrange mais de cinco mil anos de história, certamente haverá algo de interesse para todos os leitores. A meu ver, a maior contribuição do volume não está no tratamento das fontes antigas (por mais ricas que sejam esses capítulos), mas na escavação do mito da prostituta sagrada no pensamento pós-iluminista. A análise de Bird das construções da prostituição sagrada do século XVIII e início do século XIX revela uma constelação de interesses e preocupações relacionados que são claramente informados pelas motivações econômicas do colonialismo e uma narrativa iluminista do progresso humano.

Bird explicitamente extrai as suposições evolutivas de estudiosos como Jacques-Antoine Dulaure (1755-1835), C. Staniland Wake (1835-1910) e John Lubbock (1834-1913). Os três estudiosos realizam pesquisas etnográficas de explorações coloniais europeias na Ásia, África e Américas como um meio de desvendar a lógica por trás da prostituição sagrada na antiguidade. Os estudiosos também incorporam sua compreensão da “prostituição sagrada” em um discurso mais amplo sobre o papel da fertilidade nas sociedades e religiões antigas.

Tanto Wake quanto Lubbock fazem referência explícita à teoria da evolução de Darwin. Além disso, embora Lubbock não tenha subscrito a filosofia racial do “darwinismo social”, seu trabalho evidencia uma crença em um tipo de evolução social. Essa visão compartilha muito em comum com seu primo mais explicitamente racista. Em particular, Wake e Lubbock identificam explicitamente as comunidades na Ásia e na África Ocidental como “primitivas” e, portanto, um locus apropriado de comparação para o mundo antigo.

Bird contextualiza o trabalho do agora infame James Frazer à luz dessa história. Assim como Budin, ela ressalta que Frazer não é o ponto de partida para a compreensão do mito da prostituição sagrada na virada do século XX. Em vez disso, Frazer representa uma destilação e popularização de um discurso que já era difundido nos círculos intelectuais europeus. Como a de seus antecessores, a obra de Frazer se baseia na confluência de duas correntes de pensamento: primeiro, baseia-se em um fluido “cânone” de textos clássicos que ostensivamente fazem referência à prostituição sagrada; segundo, faz referência a fenômenos semelhantes entre os “selvagens” modernos. A análise de Bird mostra, assim, que a obra de Frazer está inserida em um discurso mais amplo sobre ritos de fertilidade entre grupos antigos e contemporâneos.

Essa observação torna o trabalho de Bird interessante para quem estuda como a história política moderna afetou nossa reconstrução do passado. Embora Bird não se envolva diretamente em estudos pós-coloniais, suas conclusões são diretamente pertinentes a esse campo.

Em sua obra agora clássica, Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, Edward Said (1978) trata muitas das mesmas questões – incluindo o impulso de usar as populações modernas da Ásia e do Oriente Médio como uma janela para o passado.

Da mesma forma, estudiosos que trabalham em estudos pós-coloniais e teoria racial crítica destacam como uma obsessão com a sexualidade dos corpos morenos permeia tanto o discurso acadêmico quanto o público.

No caso do Oriente Médio em particular, Mahmudul Hassan, Isra Ali e Mayanthi Fernando, entre outros, exploraram recentemente como as visões orientalistas do Oriente Médio codificam uma visão profundamente paradoxal de gênero e sexualidade. Por um lado, as mulheres do Oriente Médio são vistas como especialmente reprimidas, vivendo vidas enclausuradas entre outras mulheres, longe da companhia dos homens. Por trás do véu, porém, as mulheres são figuradas carnalmente, como objetos de gratificação sexual e fantasia colonial. Embora esses tipos de pressupostos tenham suas raízes na dominação colonial, eles persistem até hoje, às vezes involuntariamente reciclados pelo discurso feminista americano e europeu.

Explorar a relação entre o orientalismo e o mito da prostituição sagrada revela o significado contínuo do trabalho de Bird. Seu livro mostra como o mito da prostituição sagrada está inserido em um discurso mais amplo sobre fertilidade e a sexualidade descontrolada das mulheres do Oriente Médio – e esse pode ser o legado duradouro do trabalho.

Nos anos em que Bird levou para escrever um livro tão abrangente quanto Harlot or Holy Woman, o campo mudou significativamente. Em particular, a construção da prostituição sagrada não está mais em voga. No entanto, as duas vertentes interpretativas mais amplas que Bird identifica continuam. Os estudos da religião das mulheres ainda apresentam um foco proeminente nos corpos das mulheres e nas capacidades reprodutivas, e eles continuam a usar a etnografia de forma acrítica – recorrendo ao retrato de um “Oriente” estático e imutável que foi usado para justificar o colonialismo europeu. O trabalho de Bird, portanto, tem um papel importante a desempenhar à medida que trabalhamos para desmantelar as suposições não declaradas que continuam a dificultar o trabalho sobre gênero no antigo Oriente Médio.

 

Em texto anterior ao livro que estamos apresentado, Phyllis Bird, no capítulo Lucian’s Last Laugh: The Origins of “Sacred Prostitution” at Byblos, do livro AUGUSTIN, M.; NIEMANN, H. M. (eds.) “My Spirit at Rest in the North Country” (Zechariah 6.8): Collected Communications to the Xxth Congress of the International Organization for the Study of the Old Testament, Helsinki 2010. Frankfurt: Peter Lang, 2011, p. 203-212, diz:

Phyllis Ann Bird (nascida em 1934) O relato de Heródoto sobre o “costume” babilônico que exigia que toda mulher uma vez na vida se oferecesse a um estranho no templo de Afrodite (Milita) (História 1.199) era tão conhecido na Europa do século XVIII que Voltaire poderia usá-lo como um caso de teste para uma regra geral de credibilidade histórica.

Foi também o texto fundacional para uma ideia de “prostituição religiosa (ou sagrada)” entendida como uma característica da “religião oriental”, que se baseava em relatos de autores clássicos e patrísticos sobre as práticas religiosas e sexuais de outros, ideia que reuniu uma variedade de práticas distintas em uma variedade de terras e culturas.

O que é descrito como prostituição sagrada nesta literatura de comentário cultural é uma construção europeia, identificada por uma expressão que não tem contrapartida linguística em nenhuma das culturas onde foi identificada. É inútil, portanto, tentar verificar ou refutar sua existência através de estudos dos textos antigos.

O que me interessa neste artigo é a natureza dos relatos antigos usados ​​na construção do conceito moderno. Entre esses, o relato de Luciano de Samósata [ca. 120 – depois de 180 d.C.] sobre a prática em Biblos é fundamental – pelo menos para os estudiosos bíblicos interessados ​​no ambiente religioso do antigo Israel.

É fundamental porque é a única fonte de prostituição sagrada na Síria/Fenícia antes dos relatórios do século IV d.C. de Eusébio e Atanásio. É também o único texto que liga a prostituição sagrada ao culto de um “deus que morre e ressuscita”, que foi central para a noção de um “culto da fertilidade” agrícola que dominou a visão dos estudiosos bíblicos sobre a religião “cananeia”, seguindo Sir James George Frazer – embora Frazer não faça referência à prostituição sagrada em seu tratamento do culto de Adônis em Biblos. O relato de Luciano sobre o culto em Biblos, lido ao lado de seu relato sobre o templo em Sídon, também é significativo para a questão das origens fenícias do culto cipriota de Afrodite, onde a prostituição em homenagem à deusa parece mais claramente situada.

Phyllis Ann Bird (nascida em 1934) é uma pioneira nos estudos feministas da Bíblia. Ela é professora emérita de Interpretação do Antigo Testamento no Seminário Teológico Evangélico Garrett, Evanston, Illinois.

Jessie DeGrado é professor de Estudos do Antigo Oriente Médio na Universidade de Michigan, Ann Arbor, MI.

Existia prostituição sagrada em Israel?

Provavelmente não. Nem em Israel, nem no Antigo Oriente Médio e nem na Grécia.

Em meu texto Notas sobre a pesquisa do livro de Oseias no século XX, onde resumo dois artigos de Brad E. Kelle, se lê:

A interpretação mais duradoura das imagens de Oseias 1–3 [o casamento do profeta com a prostituta Gomer], que alcançou apoio quase unânime durante vários períodos do século XX, compreende o discurso como se referindo a um conflito religioso generalizado no Israel do século VIII a.C. entre o javismo e o baalismo, e como simbolizando a apostasia de Israel através de alguma forma de culto a Baal (…) Dado que virtualmente todas as interpretações cultuais de Oseias 1–3 ligam esses capítulos de alguma forma a um suposto baalismo ativo nos dias de Oseias, os estudos frequentemente consideram as metáforas do texto como fontes para reconstruir a história da religião israelita.

Esse estudo histórico-religioso chamou a atenção da academia e passou de um consenso relativamente estável em meados do século XX para um estado de debateFARAONE, C. A.; McCLURE, L. K. (eds.) Prostitutes and Courtesans in the Ancient World. Madison, Wisconsin: University of Wisconsin Press, 2006. fragmentado na primeira década do século XXI. As questões mais importantes dizem respeito às definições adequadas de Baal e baalismo em relação à linguagem e às imagens de Oseias.

A suposta prática da prostituição cultual formou o exemplo mais marcante de tais interpretações de fertilidade de Oseias 1–3. Estudiosos extraíram evidências para essa prática principalmente de textos proféticos e escritores clássicos como Heródoto, e sugeriram que as imagens sexuais de Oseias retratam Israel como literalmente envolvido em tais rituais para Baal.

Desde a década de 80, no entanto, estudiosos têm desafiado quase todos os aspectos das evidências literárias e arqueológicas comumente citadas para esta prática em geral, e sua relevância para o estudo de Oseias 1–3 em particular. O consenso atual parece ser que a noção de uma instituição de prostituição cultual fornecendo o contexto para textos como Oseias 2 não pode mais ser sustentada sem grande cautela.

Esses desenvolvimentos relativos à noção específica de prostituição cultual são representativos das mudanças que ocorreram nas duas últimas décadas em relação à ideia geral de um culto sexual literal de Baal como a chave para a interpretação religiosa das metáforas de Oseias. Praticamente todos os ‘ritos de fertilidade’ propostos por eruditos anteriores (prostituição cultual, defloração ritual, promiscuidade sexual em festivais baalistas etc.) estão sob suspeita, e o consenso acadêmico afastou-se significativamente do conceito geral de práticas cultuais sexualizadas como pano de fundo para uma interpretação religiosa de Oseias 1–3.

Embora a falta de evidência de um culto sexualizado de Baal nos dias de Oseias tenha levado a maioria dos estudiosos a abandonar as interpretações cultuais de fertilidade de Oseias 1–3, a leitura dominante desses capítulos continua a ver o culto generalizado e não sexual de Baal no Israel do século VIII a.C. como a chave interpretativa para as metáforas do texto. Assim, enquanto as metáforas da fornicação e do adultério podem não se referir à atividade sexual literal, elas servem como metáforas negativas descrevendo o culto de Israel a Baal.

Contudo, de acordo com as recentes mudanças no estudo da história da religião israelita, a interpretação religiosa de Oseias 1–3 tornou-se mais complexa do que a noção de um simples conflito entre o javismo e o baalismo. Algumas abordagens recentes, por exemplo, identificam o pano de fundo das metáforas de Oseias não como o abandono de Iahweh por Baal por parte de Israel, mas como a prática sincrética de misturar ou identificar Iahweh com Baal.

Resumindo, a interpretação religiosa dominante das metáforas de Oseias 1–3 toma muitas formas na pesquisa atual, incluindo um conflito entre os deuses rivais Iahweh e Baal, o culto de numerosas divindades locais (os baalim), o sincretismo de Iahweh e Baal no culto israelita, e a presença de formas “não-ortodoxas” do javismo como parte da religião “popular”. Essas várias reconstruções, em oposição às leituras literais do início do século XX, representam a principal forma atual da interpretação religiosa da linguagem e das imagens de Oseias.

 

No livro Prostitutes and Courtesans in the Ancient World. Madison, Wisconsin: University of Wisconsin Press, 2006, organizado por Christopher A. Faraone e Laura K. McClure, no capítulo Sacred Prostitution in the First Person (p. 77-92), escrito por Stephanie L. Budin, leio:

Este capítulo reconsidera as evidências da prostituição sagrada no corpus clássico. Toma como ponto de partida as mais recentes pesquisas do Antigo Oriente Médio que mostram que a prostituição sagrada nunca existiu naquela região, mas sim que esta é uma ideia fabricada com base em alegações feitas por autores clássicos e erros de tradução por estudiosos da terminologia cultual.

Em vez de ver a prostituição sagrada como uma realidade histórica, considero a sugestão do biblista Robert A. Oden Jr. em The Bible Without Theology: The Theological Tradition and Alternatives to It. Chicago: University of Illinois Press, 1999, de que era uma acusação, um motivo literário usado por uma sociedade para denegrir outra, e testo essa sugestão contra a noção de relatos em primeira mão da prostituição sagrada, segundo a qual uma sociedade relata a existência da prostituição sagrada em seu próprio tempo e cultura.

Por isso, o título do capítulo A prostituição sagrada na primeira pessoa. Se uma sociedade reivindica livremente a prostituição sagrada como uma de suas próprias instituições culturais, a hipótese do motivo literário acusatório deve ser abandonada.

No entanto, como a evidência mostrará, não há, de fato, relatos em primeira mão conhecidos de prostituição sagrada no mundo antigo. Esses exemplos aparentes do mundo clássico são interpretações errôneas de autores clássicos ou, como acontece com as evidências do Antigo Oriente Médio, traduções errôneas de certa terminologia. No final, a evidência apoia a ideia de que a prostituição sagrada nunca existiu no mundo antigo.

O que é “prostituição sagrada”?

Stephanie Lynn BudinComo se entende atualmente, a prostituição sagrada no mundo antigo era a venda do corpo de uma pessoa para fins sexuais, onde uma parte, ou a totalidade, do dinheiro recebido por essa transação era destinada a uma divindade. No Antigo Oriente Médio essa divindade é geralmente entendida como Ishtar ou Astarte e na Grécia era Afrodite.

Pelo menos três tipos distintos de prostituição sagrada são registrados nas fontes clássicas.

1. Uma delas é a venda da virgindade em homenagem a uma deusa. Nosso primeiro testemunho de tal prática está registrado em Heródoto 1.199:

A instituição mais indecorosa dos babilônios é a seguinte: todas as mulheres habitantes da região devem ir a um templo de Afrodite uma vez na vida e ter relações sexuais com um desconhecido. Muitas delas, orgulhosas por causa de sua opulência, consideram indigno misturar-se com as outras mulheres e vão até as proximidades do templo em carruagens cobertas, em cujo interior permanecem, com numerosos serviçais à sua volta. Em sua maioria as mulheres agem da maneira seguinte: ficam sentadas no recinto de Afrodite com uma coroa de corda na cabeça. Há uma multidão delas, umas chegando, outras saindo, e são estendidas cordas em todas as direções no local onde as mulheres ficam esperando os homens, para que estes possam circular e as escolham. Depois de uma mulher sentar-se naquele lugar, não voltará à sua casa antes de um estranho lhe haver lançado dinheiro nos joelhos e de ter tido relações sexuais com ele fora do templo. Lançando o dinheiro, o homem tem que dizer as seguintes palavras: “Chamo-te em nome da deusa Milita” (Milita é o nome dado pelos assírios a Afrodite). A importância em dinheiro pode ser qualquer uma, e a mulher nunca se recusa; ela não tem esse direito, pois aquele dinheiro se torna sagrado; ela segue o primeiro homem que lhe joga qualquer dinheiro, sem rejeitar nenhum. Depois de ter relações com tal homem ela volta à casa, pois terá cumprido suas obrigações sagradas para com a deusa; posteriormente, por mais dinheiro que se lhe ofereça não se consegue seduzi-la. As mulheres belas e bem proporcionadas não demoram a voltar para suas casas; as feias, porém, esperam muito tempo sem poder cumprir a obrigação imposta por essa instituição, e há algumas que ficam lá durante três e até quatro anos. Em certos lugares da ilha de Chipre existe um costume praticamente idêntico a esse. (HERÓDOTO História. Tradução do Grego, Introdução e Notas de Mário da Gama Kury. Brasília/DF: Universidade de Brasília, 1985, 1.199)

2. Um segundo tipo de prostituição sagrada envolve mulheres (e homens?) que são prostitutas profissionais e que pertencem a uma divindade ou ao santuário de uma divindade. Assim Estrabão (6.2.6) diz de Érix, na Sicília: “Habitada também é Érix, uma colina elevada, possuindo um santuário altamente honrado de Afrodite em tempos antigos repletos de hieródulas que muitos da Sicília e de outros lugares dedicaram em cumprimento de votos. Mas agora, assim como o próprio assentamento, o santuário também está despovoado, e a maioria dos corpos sagrados foi embora.”

3. Finalmente, há referências a um tipo temporário de prostituição sagrada, onde as mulheres (e homens?) ou são prostitutas por um período limitado de tempo antes de se casarem ou apenas se prostituem durante certos rituais.

Um exemplo do primeiro vem de Estrabão (14.11.16): “Os medos e armênios reverenciam muito todos os costumes sagrados dos persas, e os armênios especialmente os da [deusa] Anaïtis, dedicando templos em várias regiões e especialmente Akilisenê. Lá eles dedicam escravos e escravas. Isso não é nada notável, mas as pessoas mais ilustres dedicam até filhas solteiras, para quem é costume, tendo sido prostitutas (kataporneutheisais) por muito tempo na presença da deusa, para serem casadas, ninguém desdenhando viver com elas em casamento”.

Um exemplo deste último está registrado em Luciano (De Dea Syria 6): “[As mulheres de Biblos] raspam suas cabeças, assim como os egípcios quando Ápis morre. As mulheres que se recusam a fazê-lo pagam esta pena: por um único dia ficam oferecendo sua beleza à venda. O mercado, no entanto, está aberto apenas para estranhos e o pagamento se torna uma oferta a Afrodite”.

Teorias além da meramente econômica passaram a ser associadas ao conceito de prostituição sagrada, muitas vezes envolvendo noções de fertilidade ou casamento sagrado.

Assim escreveu J. L. McKenzie em seu estudo sobre a prostituição sagrada na Bíblia: “A prática da prostituição no Antigo Oriente Médio parece não ter sofrido nenhuma censura moral e era comum. Uma característica peculiar da cultura mesopotâmica e cananeia era a prostituição ritual. Ao templo da deusa da fertilidade (Inanna, Ishtar, Astarte) foram anexados bordéis servidos por mulheres consagradas que representavam a deusa, o princípio feminino da fertilidade” (McKENZIE, J. L. verbete Prostitution. In Dictionary of the Bible, Milwauke, 1965, 700).

No entanto, a definição mais simples de prostituição sagrada que uso aqui é a econômica, pela qual uma divindade receberia o dinheiro pago para comprar ou alugar o corpo da prostituta.

A natureza da evidência

A evidência para a prostituição sagrada pode ser dividida em duas categorias separadas: referências diretas à instituição no corpus clássico e referências implícitas no corpus do Antigo Oriente Médio.

1. As referências diretas e clássicas, como os exemplos acima, referem-se inequivocamente a mulheres que vendem seus corpos por sexo, que são “sagradas” ou que entregam o dinheiro que ganham a uma divindade. As palavras usadas para descrevê-las são hetairai (cortesãs), scorta (prostitutas) e kataporneuo (prostituir). Em suma, sua(s) ocupação(ões) são expressas claramente nos textos.

2. As referências implícitas no corpus do Antigo Oriente Médio são mais difíceis de analisar, pois as alegações da existência de prostitutas sagradas dependem da tradução de palavras que não são tão evidentes quanto o grego hetaira. As pessoas mais comumente referidas como prostitutas sagradas são os qadesh e as qedeshah da Bíblia; no corpus cuneiforme, as funcionárias identificadas como prostitutas sagradas incluem a entum, naditum, qadishtum, ishtaritum, kulmashitum, enquanto os kezertu e os funcionários masculinos assim rotulados são os kalbu, assinnu kurgarru e kulu’u. Em suma, quase todas as funcionárias de cultos femininos reconhecíveis na Mesopotâmia foram marcadas como prostitutas sagradas, incluindo aquelas sacerdotisas cujos equivalentes masculinos não foram reconhecidos como tendo uma função sexual. Ninguém, por exemplo, jamais acusou o en (senhor) de prostituição.

Mais adiante, na p. 83 e seguintes, após questionar as evidências utilizadas pelos autores para confirmar a existência da prostituição sagrada no Antigo Oriente Médio, diz a autora:

Os novos dados forçam uma reconsideração da prostituição sagrada no mundo antigo. Até os dias de hoje supunha-se que a prostituição sagrada fosse um aspecto da religião do Antigo Oriente Médio, muitas vezes associado aos cultos de Ishtar e Astarte, que se espalharam para as partes do mundo clássico que tinham estreitas afinidades com o Antigo Oriente Médio, especialmente a Fenícia. Assim, a crença geral nas prostitutas sagradas da antiga Corinto, ou da Lócrida italiana, ou da Érix siciliana. No entanto, diante do fato de que a prostituição sagrada nunca existiu no Antigo Oriente Médio, simplesmente devemos reavaliar nossas opiniões sobre sua existência no mundo clássico.

Assim, certas questões inevitáveis vêm à tona: se a prostituição sagrada não existia no Antigo Oriente Médio, ela existia no mundo clássico? Se não, sobre o que Heródoto, Estrabão e até mesmo os primeiros Padres da Igreja estavam escrevendo? E, talvez o mais importante, qual é a origem da nossa compreensão moderna da prostituição sagrada?

 

Deixo este texto, que continua, e passo a outro, mais desenvolvido, da mesma autora:

BUDIN, S. L. The Myth of Sacred Prostitution in Antiquity. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, 384 p. – ISBN 9780521880909.

Diz a autora na Introdução/Capítulo 1:

A prostituição sagrada nunca existiu no Antigo Oriente Médio ou no Mediterrâneo. Este livro apresenta as evidências que levam a essa conclusão. Também reconsidera osBUDIN, S. L. The Myth of Sacred Prostitution in Antiquity. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. vários dados literários que deram origem ao mito da prostituição sagrada e oferece novas interpretações do que eles podem realmente significar em seus contextos antigos. Espero que isso encerre um debate que está presente em vários campos da academia há cerca de três décadas.

O que é a prostituição sagrada, também conhecida como prostituição cultual? Há, como se pode imaginar de um tema que tem sido objeto de estudo há séculos e objeto de debate há décadas, várias respostas diferentes para essa pergunta.

[Depois de citar quatro definições encontradas em publicações modernas, a autora diz]: Quatro definições diferentes trouxeram à tona várias noções diferentes, embora nem sempre conflitantes, do que era a prostituição sagrada.

. Era algum tipo de ritual de defloração pré-nupcial.

. Era a prostituição de escravos para benefício econômico dos templos.

. Era a prostituição de sacerdotes e sacerdotisas permanentes ou temporários como prática cultual.

. Era um ritual de fertilidade, administrado pela organização do templo.

Pelo menos parte dessas fantasias e variações na definição vêm das diferentes fontes de prostituição sagrada na antiguidade. Como veremos nos próximos capítulos, algumas das fontes parecem se referir a uma classe profissional de prostitutas sagradas (por exemplo, as tabuinhas cuneiformes), enquanto outros parecem se referir à prostituição ocasional de mulheres que, em seu cotidiano, não são prostitutas (por exemplo, Heródoto).

(…)

O que é importante lembrar, no entanto, é que a prostituição sagrada não existia.

E o texto continua.

Stephanie Lynn Budin é uma historiadora norte-americana que trabalha com gênero, religião, sexualidade e iconografia na Grécia antiga e no Antigo Oriente Médio.

Sugiro a leitura de uma resenha da obra. Por exemplo, a escrita por Kiara Beaulieu, publicada em Past Imperfect 15 (2009), Universidade de Alberta, Canadá: DOI: https://doi.org/10.21971/P79P4H

Para compreender as características de Heródoto, recomendo a leitura de GALLO, R. Mito e história nas ‘Histórias’: a narrativa de Heródoto. Rónai – Revista de Estudos Clássicos e Tradutórios, v. 1, n. 1, p. 16–29, 2015, Juiz de Fora. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/ronai/article/view/23055.

Recomendo ainda a leitura de ANAGNOSTOU-LAOUTIDES, E.; CHARLES, M. B. Herodotus on Sacred Marriage and Sacred Prostitution at Babylon. Kernos, 31, p. 9-37, 2018. Disponível em https://journals.openedition.org/kernos/2653.

A imperialização da Assíria: uma abordagem arqueológica

DÜRING, B. S. The Imperialisation of Assyria: An Archaeological Approach. Cambridge: Cambridge University Press, 2020, 198 p. – ISBN 9781108478748.

Este estudo trata de um dos processos mais notáveis da história do Antigo Oriente Médio, que teve impactos significativos no desenvolvimento de longo prazo daDÜRING, B. S. The Imperialisation of Assyria: An Archaeological Approach. Cambridge: Cambridge University Press, 2020 Eurásia. Este desenvolvimento consiste no surgimento de formas sustentáveis de império e imperialismo.

O surgimento de impérios duráveis resultou em uma transformação total da dinâmica de poder inter-regional do mundo antigo. Essas infraestruturas imperiais acabaram por dar origem à ordem global do mundo moderno, na qual as ações de alguns governos poderosos têm repercussões em todo o globo.

Embora seja ingênuo argumentar por uma evolução direta das tradições imperiais da Assíria para o mundo moderno, argumentarei que os repertórios imperiais foram transmitidos e retrabalhados de um império para o outro, e que o imperialismo no mundo moderno tem suas raízes na passado profundo.

Os impérios se desenvolveram inicialmente em um número relativamente limitado de regiões do mundo, incluindo o Oriente Médio, China, Andes e Mesoamérica, e posteriormente se espalharam por grande parte do globo. Os primeiros impérios do mundo tomaram forma no Oriente Médio e tiveram um impacto decisivo na história subsequente da Eurásia ocidental, com a China assumindo um papel semelhante no Extremo Oriente.

O Antigo Oriente Médio deu origem a alguns dos primeiros impérios da história mundial. Os maiores estados do mundo estavam localizados na Mesopotâmia e no Egito mais de um milênio antes que um estado de tamanho similar surgisse na China, e somente na segunda metade do primeiro milênio AEC na Índia e no Mediterrâneo.

O Império Assírio foi o primeiro estado a alcançar o domínio duradouro do Antigo Oriente Médio, existindo por cerca de sete séculos [1350-612 AEC] e, eventualmente, controlando a maior parte da região.

A questão central deste estudo é: como explicar o sucesso do (Médio) Império Assírio [ca. 1350-1050 AEC]? Isso será feito ao longo de três linhas de investigação:

Em primeiro lugar, quais foram as circunstâncias e condições históricas em que o Império Assírio tomou forma e se reproduziu? Obviamente, a Assíria, como qualquer outro estado na história, foi determinada em grande medida por desenvolvimentos históricos mais amplos, por um lado, e eventos-chave, por outro, e precisamos mapear esse contexto histórico para entender o Império Assírio.

Em segundo lugar, que conjunto de tradições culturais estavam presentes na Assíria que ajudam a explicar seu sucesso como estado imperial? Como a Assíria desenvolveu seus repertórios imperiais, ou seja, as técnicas e estratégias usadas para alcançar e manter a dominação, e até que ponto esses repertórios imperiais eram particularmente assírios, ou vice-versa, vemos empréstimos de instituições e tecnologias de dominação imperial de impérios predecessores , como Mitani, e impérios contemporâneos, como o Egito do Reino Novo, os hititas e os cassitas.

Terceiro, para entender o Império Assírio, precisamos perguntar o que havia nele para as várias categorias de pessoas que faziam parte dele. No final, mesmo os estados imperiais mais poderosos podem ser desfeitos pelas ações das pessoas comuns, e a proeza imperial depende do equilíbrio da participação da população em geral. Assim, para entender a conquista imperial assíria, é essencial mapear os vários tipos de atores envolvidos e por que pessoas de diversas origens sociais e status sociais teriam optado por participar do projeto imperial assírio.

Para explorar essas questões, começarei discutindo o contexto mesopotâmico e sua história de fragmentação política, e discutirei por que essa região foi difícil de unificar em um império por um período substancial de tempo (Capítulo 1).

Em seguida, apresentarei a história inicial de Assur, como ela se tornou o núcleo do império assírio, e discutirei uma característica emergente que se tornaria um dos blocos de construção do império em tempos posteriores (Capítulo 2).

Posteriormente, discutirei as circunstâncias históricas e geográficas que tornaram possível a ascensão da Assíria (Capítulo 3).

Em seguida, discutirei o impacto variado da Assíria nos territórios conquistados e o que a heterogênea pegada arqueológica assíria nos diz sobre a natureza do imperialismo (Capítulo 4).

Em seguida, discutirei os repertórios imperiais, os recursos disponíveis para criar e manter o império e porque diversos povos optaram pelo projeto imperial assírio (Capítulo 5).

Por fim, discutirei como a Assíria se tornou o império predominante do Oriente Médio na Idade do Ferro e como essa conquista sem precedentes foi baseada no legado da Assíria Média (Capítulo 6).

O capítulo final (Conclusões) sintetizará as principais conclusões deste estudo.

Definindo Impérios

Médio Império Assírio no século XIII AECEntão, como podemos estudar impérios com base em dados arqueológicos?

Aqui argumenta-se que os impérios devem ser entendidos como estados extensos que incluem pelo menos dois estados regionais  preexistentes e que o imperialismo deve ser entendido como o processo pelo qual a política dominante (ou sociedade metropolitana) cria e mantém controle efetivo sobre as políticas dominadas (sociedades provinciais e periféricas).

Os impérios, então, não são sistemas hegemônicos de cobrança de tributos que giram em torno de ideologia, culto e vida na corte – embora esses elementos sejam frequentemente ingredientes importantes dos impérios – mas devem ser entendidos acima de tudo como o esforço mais ou menos bem-sucedido para superar desafios logísticos de distância, bem como resistência e obstrução locais, que, se não forem atendidas adequadamente, inevitavelmente levarão ao colapso imperial.

Os fatores logísticos tiveram efeitos claros: primeiro, na economia pré-moderna, o que significava que os excedentes agrícolas só podiam ser consumidos localmente; segundo, as habilidades das elites imperiais para obter e compartilhar informações sobre desenvolvimentos em regiões distantes; e, terceiro, a capacidade das elites imperiais de intervir militarmente ou de outra forma em regiões distantes dos impérios. Para superar esses problemas, impérios precisavam ser estabelecidos e consolidados no centro, nas províncias, nas periferias e além, por meio de um amplo e flexível conjunto de repertórios imperiais, dos quais as elites e as cortes são apenas um componente.

Assim, defendo que o cerne da questão é como a hegemonia imperial é alcançada e mantida nos territórios conquistados, ou seja, nas províncias e periferias. Portanto, o imperialismo é um tipo particular de relação de poder de uma política imperial sobre sociedades subalternas, e um império é uma política que é bem-sucedida em seus esforços para manter esse tipo de relação de poder ao longo de gerações.

Fonte: Estes trechos foram traduzidos da Introdução, p. 1-4 e do Capítulo 1, Um mundo fragmentado, p. 5-26.

Bleda S. Düring é Professor de Arqueologia do Antigo Oriente Médio na Universidade de Leiden, Países Baixos.

 

This study deals with one of the most remarkable developments in the history of the Ancient Near East, which had significant impacts on the long-term development of Eurasia. This development consists of he rise of sustainable forms of empire and imperialism. The emergence of durable empires resulted in a total transformation of interregional power dynamics of the ancient world. These imperial infrastructures eventually gave rise to the global order of the modern world, in which the actions of a few powerful governments have repercussions across the globe. While it would be naive to argue for a direct evolution of imperial traditions from Assyria to the modern world, I will argue that imperial repertoires were transmitted and reworked from one empire to the next, and that imperialism in the modern world has its roots in the deep past.

Empires first developed in a relatively limited number of regions of the world, including the Near East, China, the Andes, and Meso-America, and subsequently spread to a large part of the globe. The earliest empires of the world took shape in the Near East, around 2300 BCE, and these had a decisive impact on the subsequent history of western Eurasia, with China taking on a similar role in the Far East.

The Ancient Near East gave rise to some of the earliest empires in world history. The largest states of the world were located in Mesopotamia and Egypt more than a millennium before a state of similar size emerged in China, and only in the second half of the first millennium BCE do comparably large political entities emerge in other regions such as India and the Mediterranean.

The central question of this study is: how can we explain the success of the (Middle) Assyrian Empire? This will be done along three lines of inquiry. First, what were theAntigo Oriente Médio no século XIII AEC historical circumstances and conditions in which the Assyrian Empire took shape and was reproduced? Obviously, Assyria, like any other state in history, was determined to a significant extent by broader historical developments on the one hand, and key events, on the other, and we need to chart this historical context to understand the Assyrian Empire. Second, what set of cultural traditions were present in Assyria that help to explain its success as an imperial state? How did Assyria develop its imperial repertoires, that is the techniques and strategies used to achieve and maintain domination, and to what degree were these imperial repertoires particularly Assyrian, or vice versa, do we see borrowings of institution and technologies of imperial domination from predecessor empires, such as the Mittani, and contemporary empires, such as New Kingdom Egypt, the Hittites, and the Kassites. Third, to understand the Assyrian Empire we need to ask what was in it for the various categories of people who were part of it. In the end, even the most powerful imperial states can be undone through the actions of ordinary people, and imperial prowess depends on the balance of participation of the population at large. Thus, to understand the Assyrian imperial achievement, it is essential to map the various types of actors involved, and why people of diverse social backgrounds and social statuses would have opted into partaking into the Assyrian imperial project.

To explore these questions I will start by discussing the Mesopotamian context and its history of political fragmentation, and discuss why this region was difficult to unify in an empire for a substantial period of time (Chapter 1). Then I will introduce the early history of Assur, how it became the nucleus of the Assyrian empire, and will discuss an emergent distinctiveness that would become one of the building block of empire in later times (Chapter 2). Subsequently, I will discuss the historical and geographical circumstances that made the rise of Assyria possible (Chapter 3). Next, I will discuss the variegated impact of Assyria in conquered territories, and what the heterogeneous Assyrian archaeological footprint tells us about the nature of imperialism (Chapter 4). Following that, I will discuss the imperial repertoires, resources available to create and maintain the empire, and why diverse people opted into the Assyrian imperial project (Chapter 5). Lastly, I will discuss how Assyria became the predominant Near Eastern empire in the Iron Age, and how this unprecedented achievement was based on the Middle Assyrian legacy (Chapter 6); the final chapter (Conclusions) will summarise the main conclusions of this study (From Introduction, p. 1-4).

Defining Empires (p. 6)

Bleda S. DüringSo how can we study empires on the basis of archaeological data? Here, following Doyle, it is argued that empires should be understood as expansive states that include at least two pre-existing regional states and that imperialism is to be understood as the process by which the dominating polity (or metropolitan society) creates and maintains effective control over the dominated polities (provincial and peripheral societies). Empires, then, are not tribute-taking hegemonial systems that revolve around ideology, cult, and court life – although these elements are often important ingredients of empires – but are above all to be understood as the more or less successful effort to overcome logistical challenges of distance as well as local resistance and obstruction, which, if not met adequately, will inevitably lead to imperial collapse.

Logistical factors had clear effects on: first, the pre-modern economy, which meant that agricultural surpluses could only be consumed locally; second, the abilities of imperial elites to obtain and share information on developments in far-flung regions; and, third, the capabilities of imperial elites to intervene militarily or otherwise in far removed regions of empires. In order to overcome these problems, empires needed to be established and consolidated in the centre, the provinces, the peripheries and beyond through a broad and flexible set of imperial repertoires, of which elites and courts are only one component.

Thus, I argue that the crux of the matter is how imperial hegemony is achieved and maintained in conquered territories, that is, in the provinces and peripheries. Hence imperialism is a particular type of relationship of power of an imperial polity over subaltern societies, and an empire is a polity that is successful in its efforts to maintain this type of power relationship across generations.

Bleda S. Düring is Associate Professor in Near Eastern Archaeology at Universiteit Leiden. He is the author of The Prehistory of Asia Minor (2010) and co-editor, with Tesse Stek, of The Archaeology of Imperial Landscapes (Cambridge, 2018).