No capítulo 4 de seu livro, nas páginas 117-177, Catherine L. McDowell trabalha “O significado de Ṣelem e Dəmût em Gênesis 1, 26–27 e o conceito de ‘imagem’ em Gênesis 2,5–3,24”.
Aqui transcrevo algumas anotações de leitura deste capítulo, onde a autora trata do significado de imagem (ṣelem) e semelhança (dəmût) em Gn 1,26-27.
Gn 1,26-27:
1,26 וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים נַעֲשֶׂה אָדָם בְּצַלְמֵנוּ כִּדְמוּתֵנוּ וְיִרְדּוּ בִדְגַת הַיָּם וּבְעֹוף הַשָּׁמַיִם וּבַבְּהֵמָה וּבְכָל־הָאָרֶץ וּבְכָל־הָרֶמֶשׂ הָרֹמֵשׂ עַל־הָאָרֶץ׃
1,27 וַיִּבְרָא אֱלֹהִים אֶת־הָאָדָם בְּצַלְמֹו בְּצֶלֶם אֱלֹהִים בָּרָא אֹתֹו זָכָר וּנְקֵבָה בָּרָא אֹתָם׃
Ṣelem
Na Bíblia Hebraica, o termo ṣelem aparece 17 vezes e geralmente se refere a uma estátua, figura ou réplica (Gn 1,26.27 (2×); 5,3; 9,6; Nm 33,52; 1Sm 6,5 (2×).11; 2Rs 11,18; 2Cr 23,17; Sl 39,7; 73,20; Ez 7,20; 16,17; 23,14; Am 5,26).
Especificamente, em 1Sm 6,5.11 designa modelos dourados de furúnculos e ratos. No Sl 39,7 denota uma imagem humana fugaz, enquanto no Sl 73,20 descreve a forma física dos inimigos do salmista. Ezequiel aplica o termo a representações da realeza babilônica esculpidas em relevo de pedra e decoradas com tinta vermelha. Cinco vezes, ṣelem denota imagens fundidas, imagens antropomórficas de metal e imagens de Baal, Sikkuth e Kiyyun. Em Gn 5,3, porém, ṣelem se refere a um ser humano, Set, que foi criado à imagem (ṣelem) e semelhança (dəmût) de seu pai, Adão.
Os cognatos (= palavras que têm etimologicamente a mesma origem) aramaicos, ṣəlēm, ṣelem e ṣalm’ aparecem 17 vezes no livro de Daniel. Em todos os casos, com exceção de ṣəlēm em Dn 3,19, o termo denota uma estátua antropomórfica.
Concluímos, portanto, que dentro da Bíblia tanto o hebraico ṣelem quanto o aramaico ṣəlēm, ṣelem e ṣalmʾ normalmente se referem a um objeto concreto feito de metal, pedra pintada ou carne humana, que é uma representação, semelhança ou cópia de um original.
Ṣalmu
O cognato acádico ṣalmu é melhor traduzido como “imagem”, que pode assumir a forma de uma estátua, relevo, desenho, constelação, estatueta, forma corporal, estatura ou semelhança.
Os verbos usados em conjunto com ṣalmu demonstram que pode ser um objeto tridimensional que é feito ou fabricado (banû, epēšu), erigido (kunnu [D], zaqāpu), ou montado (šuzuzzu [Š]), ou um objeto bidimensional que é desenhado (esēqu, eṣēru) ou inscrito (šaṭāru). Também pode se referir a sacerdotes ou reis que são descritos como a imagem de um deus.
Em suma, seu alcance semântico é semelhante aos seus cognatos hebraico e aramaico. Refere-se a imagens na forma de estátuas tridimensionais, relevos esculpidos, imagens desenhadas ou pintadas e seres humanos selecionados, especificamente sacerdotes ou reis.
No entanto, ṣalmu não se limita à representação. Nos textos de lavagem da boca e abertura da boca, a estátua divina é referida durante todo o ritual como alam/ṣalmu, mesmo depois de ter sido trazida à vida. Isso sugere que quando aplicado a uma estátua divina, ṣalmu pode se referir a uma manifestação divina, ou seja, uma teofania.
Dəmût
O substantivo dəmût, derivado do verbo dmh, “ser semelhante, ser parecido”, aparece 25 vezes na Bíblia Hebraica. Expressa semelhança ou correspondência de um item com outro, seja semelhança literal, como a de um modelo de altar ao seu original, como em 2Rs 16,10, ou semelhança metafórica, como no Sl 58,5, onde a fala dos ímpios é comparada ao veneno de uma serpente.
Na LXX é traduzida com mais frequência por homoíōma, “semelhança, forma, aparência”, ou homoíōsis, “semelhança”. No entanto, em Gn 5 dəmût é traduzido com eikōn (5,1) “imagem, semelhança” e idéa, “aparência, forma” (5,3).
Quase dois terços de suas aparições estão concentradas no livro de Ezequiel, onde o profeta usa dəmût para descrever o conteúdo de suas visões (…). Ele usa o termo para relacionar o desconhecido com o familiar, para colocar em palavras o que desafia a descrição. Ele não viu um humano, mas algo como um humano. Ele não viu um trono, mas algo parecido com um trono. O que Ezequiel observou correspondia e se assemelhava a coisas que lhe eram familiares, mas os próprios referentes eram estranhos. Assim, dəmût refere-se a correspondência e semelhança, mas não parece indicar uma cópia ou fac-símile, como ṣelem. Em suma, enquanto os intervalos semânticos de dəmût e ṣelem se sobrepõem, especialmente na área de representação, esses termos nem sempre são sinônimos.
Dəmût e ṣelem em Gn 5,1-3
No entanto, Gn 5,3 pode ser um exemplo onde os termos são, mais ou menos, intercambiáveis. Aqui, dəmût e ṣelem expressam a correspondência entre filhos e pais, especificamente a correspondência da humanidade com Deus e a semelhança de Set com seu pai Adão, mas não sugerem cópia exata, fac-símile ou réplica. Set é de alguma forma semelhante a seu pai, mas não é Adão, assim como Adão e Eva se assemelham a Deus, mas não são Deus. Nenhuma explicação do que constitui a semelhança é dada. Pelo contrário, parece que o filho se assemelha ao pai e, por analogia, os humanos correspondem a Deus, simplesmente porque foram criados por seu pai.
Conclui-se que dəmût e ṣelem em Gn 5,1-3 são, ao que parece, aproximadamente sinônimos. Ambos os termos referem-se a correspondência, similaridade e semelhança. O que Gn 5,3 sugere ainda é que nos humanos, essas qualidades, sejam quais forem, são transmitidas biologicamente por meios reprodutivos.
História da interpretação de ṣelem e dəmût em Gn 1,26–27
Apesar do considerável interesse em ṣelem e dəmût em Gn 1,26-27 e da vasta literatura publicada sobre esses versículos, a maioria das interpretações geralmente se enquadra em uma das quatro categorias principais, a saber, imagem e semelhança referem-se à:
1. Semelhança espiritual com Deus – por exemplo: Fílon de Alexandria; Padres da Igreja, entre eles Santo Agostinho; Lutero; exegetas alemães dos séculos XIX e XX
2. Semelhança física da humanidade com a forma corpórea de Deus – forte na teologia rabínica e presente em exegetas alemães como H. Gunkel e B. Duhm
3. Capacidade única da humanidade de se relacionar com Deus – Karl Barth, T. C. Vriezen, C. Westermann
4. Status da humanidade como representante real de Deus na terra – J. Hehn, G. von Rad, H. Wildberger, W. H. Schmidt
Resumo e avaliação
Cada uma dessas interpretações tem seus méritos.
Certamente, a capacidade da humanidade de pensar e raciocinar em Gn 2,5-3,24 os distingue dos animais, como Fílon, Lutero e outros afirmaram, assim como o relacionamento divino-humano único retratado em Gn 2,5-3,24, como Barth, Vriezen e Westermann concluíram.
Além disso, a noção de que os humanos se assemelham a Deus em sua forma corpórea enfatiza corretamente que ṣelem e dəmût em Gn 1,26-27 devem ser entendidos à luz de Gn 5,1-3. No entanto, essa teoria interpreta os termos de forma muito restrita, pois limita a correspondência à semelhança física e não inclui semelhança funcional, que ṣelem e dəmût implicam.
A comparação de Gn 1,26-27 com a ideologia real mesopotâmica e egípcia foi certamente um avanço interpretativo, e agora é amplamente aceito que ṣelem e dəmût em Gn 1,26-27 se referem ao status real da humanidade.
Em cada caso, no entanto, as habilidades intelectuais da humanidade, seu relacionamento único com Deus e até mesmo seu status como administradores divinamente designados sobre a criação parecem ser o resultado de serem criados à imagem de Deus, e não uma definição do que significa ser feito bəṣelem ‘ĕlōhîm.
Assim, apesar dos méritos de cada interpretação, ṣelem e dəmût no contexto de Gn 1,26-27 permanecem amplamente indefinidos. A pergunta desconcertante sobre o que o autor pretendia comunicar sobre a humanidade e a relação divino-humana ao descrever a humanidade como feita à imagem e de acordo com a semelhança de Deus não foi respondida completa ou satisfatoriamente.
Parece, no entanto, como outros argumentaram, que ṣelem e dəmût em Gn 1,26-27 devem ser entendidos à luz desses mesmos termos em Gn 5,1-3, onde descrevem a relação pai-filho entre Adão e Set.
Que a humanidade é, em algum nível, descrita como o “filho real” de Deus parece muito mais próximo do sentido de ṣelem e dəmût em Gn 1,26-27. Como Vriezen e outros sugeriram, e como Gn 5,1-3 indica, ṣelem e dəmût não são apenas termos reais, mas podem ser usados para indicar um relacionamento filial.
Interpretação de ṣelem e dəmût em Gn 1,26–27
A evidência cumulativa de Gn 5,1–3; 9,5–6; 1,11–27, dos vários textos que identificam Iahweh como o pai de Israel e o rei israelita, e dos exemplos extrabíblicos seletivos de Tukulti Ninurta, Enuma Elish e a “Instrução dirigida ao rei Merikare” demonstram que a terminologia de imagem e semelhança era de fato usada no antigo Oriente Médio para definir a relação entre um deus e sua descendência como sendo de filiação. Além disso, o hino do épico Tukulti Ninurta e a “Instrução dirigida ao rei Merikare” mostram que os termos podem ser usados como duplos sentidos nos quais a relação entre deus e rei (no caso de Tukulti Ninurta), ou deus-criador e humanidade (no caso de Merikare), foi enquadrado como imagem/estátua e filho/criança.
Sugiro, portanto, que é assim que esses termos funcionam em Gn 1. Ou seja, a natureza do relacionamento divino-humano como é apresentado em Gn 1 tem três componentes principais que estão intimamente relacionados entre si: parentesco, realeza e culto.
Em algum nível os humanos parecem ser membros da espécie divina, o que implica “relacionamento biológico”, metaforicamente falando, com Deus e, especificamente, filiação. Gn 1 usa os termos ṣelem e dəmût para expressar esse relacionamento íntimo e filial, semelhante ao modo como são usados em Gn 5,1-3, onde Adão gera um filho, Set, “à sua semelhança e conforme sua imagem”. Mas claramente, ʿāḏām não é um ser divino, como indicado pelas preposições bə e kə em Gn 1,26-27.
Um resultado de ser o “filho” de Elohim é que a humanidade também é rei governando a mando de Deus como seu representante. Em Gn 1 isso é expresso mais claramente pelo mandato de Deus ao primeiro casal humano em Gn 1,28 para encher (mlʾ) a terra e subjugar (kbš) e governar (rdh) a criação. Também está implícito no fato de que ser criado à imagem de Deus traz consigo a responsabilidade de representar Deus e seus padrões no âmbito da lei e da justiça, como em Gn 9,6.
Não podemos ignorar, no entanto, que ṣelem também pode designar uma estátua de culto. Dado o contexto de Gn 1,1–2, – a criação do macrotemplo de Deus (o mundo), que inclui a criação da humanidade – ṣelem em Gn 1,26–27 pode ter sido concebido com um duplo sentido referindo-se tanto à filiação e à humanidade quanto uma “estatueta” real de Deus destinada a manifestar sua presença no mundo. Se assim for, Gn 1 democratiza a designação real-divina de ṣelem para toda a āḏām (humanidade).
Imagem e semelhança conforme Gn 1,26 não seria parecido com o caráter?
Há um sem-número de interpretações. Confira, por exemplo, The Imago Dei (Gen 1:26-27): a history of interpretation from Philo to the present.
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