Mês da Bíblia 2011: Êxodo, segundo Pixley

PIXLEY, G. V., Êxodo. São Paulo: Paulus, 1987, 252 p. – ISBN 8505006224 – Original disponível online: Éxodo, una lectura evangélica y popular. México, 1983

Por Mateus Morais e Silva

O presente texto tem como objetivo apresentar interpretações relevantes a partir da proposta da CNBB para o Mês da Bíblia de 2011. A obra Éxodo, una lectura evangélica y popular, de George V. Pixley, traduzida do espanhol para o português por J. Rezende Costa é o embasamento deste trabalho.

É necessário salientar que não se trata de esgotar as interpretações ou comentários exegéticos sobre os textos bíblicos abordados. Mas de auxiliar na compreensão de tais textos, que no decorrer da história contribuíram de alguma forma para o reconhecimento e/ou descobrimento de um Deus que não oprime, mas que liberta das mãos dos opressores.

De acordo com Pixley, a exegese liberal – predominante nos séculos XIX e metade do XX – muito cooperou para valorizar o Antigo Testamento. Tal contribuição foi sendo aprimorada nos grandes centros de estudos, sobretudo dos países desenvolvidos, vindo ao encontro de uma maneira já “popularizada” de ler a Bíblia nos países menos desenvolvidos. Alguns avanços foram possíveis graças à aproximação dos trabalhadores e camponeses com a Sagrada Escritura.

É indispensável para o povo cristão saber como se lê o livro do Êxodo, pois ele apresenta a libertação do povo do Deus, sendo este o ponto de partida para a compreensão do que mais tarde será um evento determinante e salvífico, o anuncio do Reino, a Boa Nova.

São de suma importância algumas informações sobre o Livro do Êxodo: é o segundo dos cinco livros atribuídos a Moisés e possui quarenta capítulos. A palavra Êxodo significa “saída” e vem da Septuaginta (LXX), a mais antiga tradução grega do Antigo Testamento hebraico.

Êxodo conta a história da saída de toda uma nação – Israel – do Egito para começar uma vida nova. Não há em toda a história humana uma coisa mais espetacular do que a saída de Israel do Egito, uma revelação de Deus mais solene do que a do Monte de Sinai, uma construção (estrutura) mais significante do que o Tabernáculo e nem uma figura humana maior do que Moisés no Antigo Testamento.

O personagem principal deste livro é Moisés. Ele foi chamado para a importante missão de libertar o povo do Egito e conduzi-lo para a Terra Prometida. Mas também Deus é personagem principal, pois é Ele mesmo quem caminha com o povo e com ele faz história. Em Ex 3,13-14 Deus revela seu verdadeiro Nome, e diz que é o mesmo Deus da Promessa feita aos Patriarcas.

Pixley procura explicar os textos do Êxodo como um todo literário. Assim sendo, vale ressaltar que é fundamental o reconhecimento de que o Pentateuco não é obra de apenas um autor. Três grandes tradições, em três épocas diferentes, estão misturadas nos livros do Pentateuco. Em primeiro lugar a Javista (J), aquela que sempre chamava Deus de Javé, em seguida a Eloísta (E), que se refere a Deus usando o termo Elohim, e, por fim, a tradição Sacerdotal (P, do alemão “Priester” = Sacerdote).

A tradição Sacerdotal (P) é muito particular e por isso se distingue das outras. Quando se fala do Sinai, por exemplo, existe uma complexidade literária tão grande que é difícil perceber onde estão as tradições Javista ou Eloísta, enquanto que a tradição Sacerdotal pode ser facilmente reconhecida. Tomadas em conjunto, porém, estas três dimensões ajudam a esclarecer o texto.

No decorrer da história os relatos foram sendo modificados para responder aos interesses do povo em seus diferentes momentos. Nos textos sobre o Êxodo, quatro momentos podem ser vistos, cada um em seu próprio contexto. Vamos falar, assim, de quatro níveis do relato.

O primeiro nível corresponde ao grupo que viveu a experiência da libertação do Egito. Explica Pixley: “Este nível do texto está tão encoberto por níveis posteriores, que já não se pode identificá-lo no texto atual, mas é de certa importância não perdê-lo totalmente de vista, justamente por ser o primeiro relato do êxodo. Neste comentário proponho a hipótese de que o grupo que experimentou o êxodo foi um grupo heterogêneo de camponeses no Egito, acompanhado por um grupo de imigrantes das regiões orientais” (p. 10).

o segundo nível possui marcas de reprodução das tribos de Israel na terra de Canaã. Havia nas cidades os senhores, os quais cobravam pesados impostos, assim sendo, os camponeses contrários a estes senhores provocaram uma série de levantes contra a exorbitante cobrança dos tributos. As tribos que diretamente viviam sob esta condição se refugiavam pelas montanhas e começavam, então, a formar alianças para garantir a própria segurança. Uma aliança dessas tribos rebeldes ficou conhecida como Israel.

Mas quando chegamos ao terceiro nível, o êxodo é apresentado como uma luta entre dois povos, Israel, liderado por Moisés, e o Egito, liderado pelo Faraó. Isto é resultado da instituição da monarquia israelita, que necessita de uma produção ideológica que sustente o novo consenso nacional e que não deve ser nem revolucionária e nem antimonárquica. “Como parte deste esforço se reproduziu o relato indispensável do êxodo, para fazer dele uma luta de libertação nacional e não mais mera luta de classes” (p. 11). Neste nível, Pixley situa as tradição Javista (J), mas também situa a tradição mais crítica e de linha profética conhecida como Eloísta (E).

O quarto nível, enfim, exibe com destaque a libertação como um ato de Iahweh, “para demonstrar sua indiscutível divindade, e do Sinai o momento em que Iahweh revela a seu povo o culto que lhe devia prestar. Este é o período da vida judaica sob o império persa no século V a.C.” (p. 12). Podemos identificar este nível com o relato Sacerdotal (P), quando a história do êxodo torna-se a história da fundação da comunidade religiosa daqueles que obedecem, com exclusividade, a Iahweh e seus preceitos.

Ora, fazendo uma inversão e olhados na ordem em que aparecem no texto atual, de cima para baixo, os quatro níveis da reprodução do relato do Êxodo são:
4) Iahweh x ídolos: história da fundação da comunidade religiosa (P)
3) Israel x Egito : libertação nacional – luta pela identidade nacional (J e E)
2) Israel x Canaã: luta contra a monarquia que sustenta as cidades cananeias – fase oral dos relatos
1) Moisés x Faraó: camponeses e imigrantes se levantam contra o Faraó – o nível da experiência do êxodo encoberto pelos textos atuais

Apresento, enfim, algumas características que permeiam o itinerário de todo o texto do Livro do Êxodo.

A falta de água (Ex 15, 22-27), era o grande desafio e perigo maior enfrentado no deserto. O povo, frente a tal dificuldade, murmura contra Moisés. Iahweh indica a Moisés como tornar a água de Mara (amarga) em água potável.

Também a falta de alimentos era uma forma de ameaça para o povo (Ex 16, 1-36). No Egito o alimento estava garantido, mas no deserto Israel se encontrava em situação difícil e daqui resulta o perigo da fome. Moisés apresentava Iahweh àquele povo como o libertador, porém não o viam assim, devido ao modo de vida que tinham no deserto. Iahweh vem ao encontro do povo para resolver a sua grande aflição.

Ao faltar água novamente, parece haver um confronto com Moisés, mas, na verdade, o povo duvida que a ação de Iahweh aconteça na história. Contudo, quando o profeta se depara com a lamentação do povo, recorre a Iahweh e reconhece a intervenção divina que o fizera sair de uma situação de morte para poder viver.

E as atribulações e provações se multiplicam, como, por exemplo, um ataque dos amalecitas, inimigos que atacavam Israel vindos de fora do país…

Mês da Bíblia 2011: Êxodo, segundo a Vida Pastoral

VV.AA. Animação Bíblica da Pastoral: passo a passo a travessia se faz. Vida Pastoral, São Paulo, n. 280, setembro-outubro de 2011, 64 p.

Por Edson Carlos Braz

A revista Vida Pastoral de setembro-outubro de 2011 – ano 52 – n. 280, traz 4 textos sobre Ex 15,22-18,27. Pelo menos durante os meses de setembro/outubro, pode-se fazer o download deste número da Vida Pastoral, que está disponível na Internet, no site da Paulus/Paulinos, em formato pdf.

Os textos foram escritos pela Equipe do Centro Bíblico Verbo, destacando-se os nomes de Maria Antônia Marques e Shigeyuki Nakanose.

Observo aqui que os artigos são versões um pouco mais resumidas de 4 dos 6 textos que foram publicados pelo mesmo Centro Bíblico Verbo no livro A caminhada no deserto: entendendo o livro do Êxodo 15,22-18,27. São Paulo: Paulus, 2011, 112 p., aqui apresentado pelo estudante do Primeiro Ano de Teologia do CEARP, Wesley Gonçalves de Oliveira.

Os quatro artigos são:

  • A caminhada no deserto: Introdução à leitura de Êxodo 15,22-18,27 – Equipe do Centro Bíblico Verbo
  • Não acumular… memória que deve permanecer viva! Uma leitura de Êxodo 16,1-3.12-21 [os episódios do maná e das codornizes] – Maria Antônia Marques
  • Deus está em guerras? Uma leitura de Êxodo 17,8-16 [combate contra Amalec] – Shigeyuki Nakanose
  • Mulher, homem e família. Uma leitura de Êxodo 18,1-12 [chegada do sogro Jetro, da mulher Séfora e dos filhos de Moisés] – Maria Antônia Marques e Shigeyuki Nakanose

O estudo começa fazendo uma introdução de como foi a caminhada do povo, que acabara de ser liberto do Egito e estava procurando a terra prometida. Também trata do significado do nome do livro e do período em que foi escrito, especificando o seu contexto econômico, político e religioso, enfatizando a maneira em que o mesmo fora escrito, tendo havido muito tempo de transmissão oral até a época bem mais recente da escrita. O artigo está dividido em três etapas: 1. o contexto das narrativas da travessia no deserto; 2. como entender o livro do êxodo e 3. chaves de leitura para os textos de Ex 15-18.

Como parte do Pentateuco ou Torá (Lei), o Livro do Êxodo conta o começo da história de Israel, falando sobre o povo escolhido que anseia em chegar à terra prometida. Os acontecimentos do Êxodo são fundamentais para a reflexão teológica de Israel, pois fala de um povo que está a caminho e essa caminhada deve ser sempre recordada.

Entretanto, essa história da saída do Egito foi transmitida de forma oral e só muitos séculos depois veio a ser escrita. Por isso, as narrativas expressam, muitas vezes, conflitos posteriores do povo israelita. Se as narrativas remontam a uma memória do século XIII a.C., a forma final, escrita, como a temos hoje, pode ser situada no pós-exílio, no final do século V a.C., por volta do ano 400, em pleno regime teocrático sob o controle dos sacerdotes do Templo de Jerusalém, que, por sua vez, obedeciam aos interesses geopolíticos do Império Persa. Marcas deste período nos textos são, por exemplo, as instituições oficiais e a teologia monoteísta do Deus único.

Maria Antônia Marques faz, no segundo artigo, uma leitura de Êxodo 16,1-3.12-21, onde está o relato do maná, que em hebraico é “man hû”, que, é, afinal, uma pergunta: “O que é isso?” Trata-se da secreção produzida por insetos que se alimentam de tamargueiras e é composta de uma substância açucarada que se solidificada no ar seco e frio da noite, mas que derrete sob o calor do sol. É possível encontrá-la na região central do Sinai, nos meses de maio e junho.

No mês de setembro as codornizes retornam de sua migração na Europa, impelidas pelo vento oeste, e são facilmente abatidas, e em grande quantidade, na costa do deserto. A autora nos alerta que “é possível que esse capítulo reúna memórias de diferentes grupos que deixaram o Egito separadamente (cf. Ex 7,8;11,1), seguindo por diferentes caminhos(Ex 13,17). Em sua fuga, o povo foi se ajeitando como era possível, alimentando-se com o que encontrava no deserto. Depois de muitos anos, o povo revê a sua trajetória e relê esses fatos como providência especial de Deus” (p. 26).

Na última parte deste artigo, Maria Antônia Marques explica o significado do milagre na Bíblia, que não é visto como algo que viola as leis da natureza (desconhecidas na época), mas como um prodígio, uma maravilha, fato extraordinário que revela a ação de Deus.

Há ainda dois outros artigos. Mas, para terminar, quero lembrar que quando fazemos um estudo de textos bíblicos é preciso nos situarmos no tempo, na história e saber entender o ambiente em que foi escrito e a maneira pela qual foi transmitida a mensagem antes da mesma ser escrita.

O Êxodo, livro da saída, quer mostrar a busca do povo por uma terra justa onde as pessoas não fossem oprimidas e vivessem dignamente, na solidariedade e respeito mútuo. E essa busca também está presente na sociedade hodierna, onde há pessoas exploradas e vítimas de preconceito, mas vivendo em busca de um norte para sua realização. Ao fazer memória é sempre preciso ter em mente as perdas e conquistas, para prosseguir continuamente.

Pesquisa bíblica e sensacionalismo não combinam

The Bible Project… etc… etc… Um projeto sério, mas do jeito que vem relatado, ora, é de doer!

Pesquisa bíblica, especialmente a árida crítica textual, e sensacionalismo midiático não combinam, como querem alguns jornalistas espertalhões que apostam no susto dos leitores…

Leiam:

Duzentos anos para reescrever a Bíblia, traduzido do italiano – Corriere della Sera, 26/08/2011: Duecento anni per riscrivere la Bibbia – e publicado hoje por IHU On-Line.

E Moisés disse: que o Altíssimo disperse o gênero humano “segundo o número dos filhos de Deus”. Disse precisamente isso no Deuteronômio. O número dos filhos de Deus. Ou seja, muitas divindades, não uma só. Um elemento de politeísmo. É isso que nos parecem contar hoje os Pergaminhos do Mar Morto, os manuscritos mais antigos da Bíblia. Mas não foi isso que nos transmitiram os massoretas, os escribas que, no final do primeiro milênio, releram, rediscutiram, corrigiram o Antigo Testamento. Entende-se: o politeísmo era um conceito incompatível, inaceitável, insustentável no canto de Moisés. E, então, zás: em vez de interpretar, de dar uma leitura teológica a essa passagem, melhor cortar, apagar com um pouco de monoteísmo. E recopiar de outro modo: “Segundo o número dos filhos de Israel”, 70 como as nações do mundo, tornou-se a versão que chegou até nos. Um retoquezinho: “E muitos mais foram feitos”, diz o biblista Rafael Zer, da Hebrew University de Jerusalém. “Para os crentes, a fonte da Bíblia é a profecia. E a sua sacralidade permanece intacta. Mas nós, estudiosos, não podemos ignorar uma coisa: que essas palavras foram confiadas aos seres humanos, ainda que por iniciativa e com o acordo de Deus. E, de passagem em passagem, houve erros e se multiplicaram…”.

E Mosè disse: l’Altissimo disperse il genere umano «secondo il numero dei figli di Dio». Disse proprio così, nel Deuteronomio. Il numero dei figli di Dio. Ovvero tante divinità, non una sola. Un elemento di politeismo. Questo sembrano raccontarci oggi i Rotoli del Mar Morto, i più antichi manoscritti della Bibbia. Ma questo non ci tramandarono i masoreti, gli scribi che verso la fine del primo Millennio rilessero, ridiscussero, corressero il Vecchio Testamento. Si capisce: il politeismo era un concetto incompatibile, inaccettabile, insostenibile nel canto di Mosè. E allora, zac: invece d’interpretare, di dare una lettura teologica a quel passaggio, meglio tagliare, sbianchettare con un po’ di monoteismo. E ricopiare in un altro modo: «Secondo il numero dei figli d’Israele», settanta come le nazioni del mondo, diventò la versione giunta fino a noi. Un ritocchino: «Come ne sono stati fatti parecchi – dice il biblista Rafael Zer della Hebrew University di Gerusalemme -. Per i credenti, la fonte della Bibbia è la profezia. E la sua sacralità rimane intatta. Ma noi studiosi non possiamo ignorare una cosa: che quelle parole sono state affidate agli esseri umani, sia pure su iniziativa e con l’accordo di Dio. E di passaggio in passaggio, gli errori ci sono stati e si sono moltiplicati…».

E por aí vai.

Ora, crítica textual da Bíblia é feita desde o século XVI, para dizer o mínimo…

Os estudiosos não estão penosamente corrigindo cabeludos erros e textos deliberadamente adulterados para “reescrever o Antigo Testamento”. Estão é fazendo crítica textual da Bíblia Hebraica que é, como dizemos em Minas Gerais, um “trem dificidimaissô”…

A reação crítica de biblistas ao sensacionalismo da mídia, no dia 12 passado, quando a notícia saiu em inglês pela AP, pode ser vista, por exemplo, em

Yet another journalist has hyped textual criticism in order to shock readers… (Evangelical Textual Criticism)

The fact is, the Hebrew University Bible project has been around for decades! They aren’t ‘seeking to correct mistakes’, they’re doing Hebrew Bible textual criticism of the sort that’s been carried out since the dawn of textual criticism in the 16th century (and before, to be fair). MSNBC’s sensationalizing headline, misleading at best and just simply ignorant dilettantism at worst, is absurd… (Zwinglius Redivivus)

Mês da Bíblia 2011: Êxodo, segundo Estudos Bíblicos

SCHWANTES, M. et al. A memória popular do êxodo. 2. ed. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 16, 1996, 84 p.

Por Victor Mariano Rodrigues

Os biblistas Milton Schwantes, Hans Alfred Trein, Ana Flora Anderson, Gilberto Gorgulho, Carlos Arthur Dreher, Sandro Gallazzi e José Comblin, em um conjunto de sete artigos, apresentam o êxodo a partir de sua origem e desenvolvimento na memória popular. Este número da revista Estudos Bíblicos traz também duas recensões escritas por Ludovico Garmus sobre os livros de J. Severino Croatto, Êxodo: uma hermenêutica da liberdade e George V. Pixley, Êxodo. Apesar da “idade” deste número, que teve sua primeira edição publicada em 1988, os artigos trabalham muito bem temas que permanecem atuais. Estes estudos podem ser úteis para a compreensão global do êxodo e, portanto, para o Mês da Bíblia deste ano.

Antes do desenvolvimento e aprofundamento da memória popular no decorrer da história do povo de Israel, o êxodo é apresentado como revelação de Deus para a libertação de todos. O êxodo, memorial da libertação, apresenta Javé, o Deus que liberta o seu povo da escravidão e assegura um novo modelo igualitário. O êxodo é o centro da interpretação da lei e dos profetas e nos ajuda a compreender o êxodo de Jesus em sua missão e em sua prática libertadora.

No primeiro artigo, Milton Schwantes aborda o êxodo como evento exemplar que ilumina toda a história da Bíblia, pois apresenta o Deus libertador. Neste sentido a Bíblia é testemunha de Deus que escuta o clamor do seu povo. O êxodo é um verdadeiro memorial que perdura por toda a Bíblia. Mesmo em o Novo Testamento não se pode esquecer que a crucificação e ressurreição de Jesus ocorrem no contexto da Páscoa. A Páscoa era a festa de ação de graças a Deus daquele povo libertado. Da mesma forma toda a humanidade celebra a nova Páscoa em memória de Jesus libertador. Nas palavras do autor: “O êxodo é um paradigma. Faz as vezes de; é um exemplo. Assemelha-se a uma lâmpada. Ilumina toda a história bíblica. Aparece como sua vela principal” (p. 9).

Importante ressaltar que o êxodo, em nossos dias, acontece constantemente, principalmente para os povos latino-americanos. O êxodo rural, onde acontece uma violenta expulsão de pequenos proprietários, lavradores e sem-terra, o operário que é jogado de um emprego para o outro, migrantes oprimidos, famílias são empurradas de uma periferia à outra. E o autor coloca a questão: Ir para onde? Onde está a terra que mana leite e mel?

No segundo artigo Hans Alfred Trein trata da situação histórica dos hebreus no Egito e no Antigo Testamento. Hebreus: a que está se referindo este nome no Antigo Testamento? A palavra hebreus aparece pela primeira vez como qualificativo das parteiras que recebem ordem do faraó para que deixem viver somente as meninas (Ex 1,15ss). Hebreus podem ser denominados também como filhos de Israel, ou é uma designação para escravos por tempo limitado. Nos outros livros da Bíblia hebreus aparece com outra função, tanto para se referir ao povo escravo como para falar dos israelitas ou filhos de Israel. O que é nítido no Antigo Testamento é que os hebreus têm uma vida parecida com a do povo oprimido dos nossos dias.

No terceiro artigo, a origem social dos textos de Ex 1-15 é uma importante questão levantada por Milton Schwantes: “A pergunta pela origem é (…) a pergunta pelos setores sociais e as lutas populares que geraram e criaram os textos” (p. 31). A questão não é, entretanto, descobrir a intenção dos autores destes textos – em geral apelidados de javista, eloísta e sacerdotal na chamada ‘teoria das fontes do Pentateuco’, hoje em profunda crise -, mas localizar os portadores da memória do êxodo. O êxodo libertador foi preservado e transmitido pelos camponeses e lavradores no âmbito da chamada “guerra santa”, uma prática de luta contra os inimigos no meio clânico-tribal, na qual. todos unidos, viam a divindade como seu guia e protetor.

A origem destes textos está na memória face às experiências dos setores populares e dos camponeses na tentativa de se libertar de qualquer tipo de opressão. “As experiências da ‘guerra santa’ foram locais bastante privilegiados para a rememorização dos episódios ocorridos aos hebreus no Egito. A autodefesa contra invasores prepotentes trazia à memória a estupenda derrota do Faraó. Por ocasião da recepção na aldeia, as mulheres cantavam a memória do êxodo, quando Javé precipitara no mar ‘o cavalo e o o seu cavaleiro'” (p. 36).

Ana Flora Anderson e Gilberto Gorgulho mostram, no quarto artigo, que, na luta pela libertação, como está narrado em Ex 1-15, as mulheres tiveram importante papel. Arqueólogos e antropólogos sugerem que foi na época da libertação dos escravos do Egito que as mulheres mudaram de posição social. Na transição da Idade do Bronze para a Idade do Ferro foi necessário uma mudança do papel da mulher que teve sua participação no cultivo da terra e sua participação nas lutas dos camponeses e dos pastores. “Este período foi decisivo para a condição das mulheres no novo modelo social procurado pelas tribos libertadas. A nova condição das mulheres relaciona-se com o cultivo da terra, assolada por pragas, doenças endêmicas, fome e violência (…) O papel das mulheres concentrou-se na defesa da casa, geração e criação de filhos, trabalho da terra e participação nas lutas de defesa” (p. 40-41).

Nas lutas camponesas destacam-se algumas mulheres que lutaram pela libertação do seu povo contra a opressão e as doenças que ameaçavam a sobrevivência. Como figuras inspiradoras desta luta aparecem, no relato do êxodo, Miriam, as parteiras, a mãe de Moisés, Séfora…

A revista traz ainda os artigos de Carlos Arthur Dreher, Sandro Gallazzi e José Comblin. Que tratam das tradições do êxodo e do Sinai (Dreher), de Ex 3 e o profetismo camponês (Gallazzi) e, finalmente, do êxodo na teologia paulina (Comblin).

Como diz Milton Schwantes no editorial, os artigos deste número de Estudos Bíblicos “são uma ajuda para descobrir a riqueza inesgotável do êxodo como o foco principal e inspirador de uma teologia que queira ser um discernimento de fé a partir da prática histórica da libertação dos pobres e dos oprimidos” (p. 7).

Resenhas na RBL – 27.08.2011

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

J. A. van den Berg
Biblical Argument in Manichaean Missionary Practice: The Case of Adimantus and Augustine
Reviewed by Jason BeDuhn

Gordon Campbell
Bible: The Story of the King James Version 1611-2011
Reviewed by Mark Elliott

John J. Collins and Daniel C. Harlow, eds.
The Eerdmans Dictionary of Early Judaism
Reviewed by Siam Bhayro

Michael R. Cosby
Apostle on the Edge: An Inductive Approach to Paul
Reviewed by James M. Howard

Jeffrey A. Gibbs
Matthew 11:2-20:34
Reviewed by Warren Carter

James W. Hardin
Lahav II: Households and the Use of Domestic Space at Iron II Tell Halif: An Archaeology of Destruction
Reviewed by Raz Kletter

Robert W. Jenson
Canon and Creed
Reviewed by Lee Martin McDonald

Scot McKnight
The Letter of James
Reviewed by Alicia J. Batten

Lawrence H. Schiffman
Qumran and Jerusalem: Studies in the Dead Sea Scrolls and the History of Judaism
Reviewed by Matthew A. Collins

David F. Watson
Honor among Christians: The Cultural Key to the Messianic Secret
Reviewed by Adam Winn

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Resenhas na RBL – 18.08.2011

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

Cheryl B. Anderson
Ancient Laws and Contemporary Controversies: The Need for Inclusive Biblical Interpretation
Reviewed by William R. G. Loader

Joshua Blau
Phonology and Morphology of Biblical Hebrew: An Introduction
Reviewed by Jeremy M. Hutton

J. Harold Ellens
The Son of Man in the Gospel of John
Reviewed by Cornelis Bennema

Shelly Matthews
Perfect Martyr: The Stoning of Stephen and the Construction of Christian Identity
Reviewed by Robert Brawley
Reviewed by Richard I. Pervo

Allan J. McNicol, David B. Peabody, J. Samuel Subramanian, eds.
Resourcing New Testament Studies: Literary, Historical, and Theological Essays in Honor of David L. Dungan
Reviewed by M. Eugene Boring

Daniel C. Snell
Religions of the Ancient Near East
Reviewed by Gert T. M. Prinsloo

Robert B. Stewart, ed.
The Reliability of the New Testament: Bart Ehrman and Daniel Wallace in Dialogue
Reviewed by Tony Costa
Reviewed by Michael R. Licona

Bruce K. Waltke and James M. Houston, with Erika Moore
The Psalms as Christian Worship: A Historical Commentary
Reviewed by Eduan Naudé

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Mês da Bíblia 2011: Êxodo, segundo Balancin e Ivo

BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. Como ler o livro do Êxodo: o caminho para a liberdade. 9. ed. São Paulo: Paulus, 1997, 64 p. – ISBN 8534901953

Por Bruno Luiz Ferreira da Silva

INTRODUÇÃO: CAMINHO PARA A LIBERDADE

A coleção “Como ler a Bíblia”, da editora Paulus, dentre os vários livros publicados, contém um referente ao livro do Êxodo, escrito por Euclides M. Balancin e Ivo Storniolo, dois grandes nomes na área bíblica. Ele pretende ser um guia de leitura simples e ousado. É simples porque busca ser uma lanterna que nos ajuda a enxergar caminhos adequados para ler os livros bíblicos. Mas, ao mesmo tempo, é ousado, pois nos estimula a ler o texto com os pés no chão concreto da existência, jamais perdendo de vista os anseios e a busca de liberdade que até hoje são desejos profundos do coração humano.

Este pequeno esboço pretende lançar luzes sobre alguns pontos interessantes acerca do livro do Êxodo, posto em destaque, este ano, pela Comissão Bíblica da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), no Mês da Bíblia. Além do mais, este livreto é de uma leitura simples, compreensível a todos, sem deixar de ser rica e profunda, sendo muito útil para nos dar bases para estudos posteriores mais profundos.

SEM LIBERDADE NÃO HÁ POVO: “Povo calado é povo dominado”

Por que a questão da liberdade é tão importante, seja nos dias do antigo exílio dos hebreus, como também nos tantos “exílios” cotidianos que vivemos? Será que verdadeiramente podemos alcançar tal liberdade ou ela é mera utopia do ser humano?

Ao pensar tais questionamentos precisamos nos atentar para a definição que o livro nos coloca sobre o que é ser povo plenamente livre. Partimos da seguinte pergunta: “Por que a liberdade é fundamental para um grupo humano realmente se tornar povo?” E desaguamos na seguinte resposta: “Povo é um conjunto de pessoas capaz de autodeterminar seu comportamento político, econômico e cultural. Sem liberdade, um grupo humano não é capaz de organizar suas relações econômicas para a distribuição dos bens; nem de criar suas formas de relacionamento político para organizar a participação livre no arranjo social e nas decisões que implicam o futuro do grupo; nem de expressar os seus valores, formando a sua cultura e costumes próprios; nem de formar a sua cosmovisão, expressando seja a sua interioridade seja a sua visão de mundo” (p. 13-14). O livro do Êxodo, portanto, não é apenas o relato de um fato passado. Nele encontramos o modelo inspirador de como um grupo humano lutou para conquistar sua autonomia, encontrar seu espaço e se tornar povo plenamente livre. Ele continua aberto para todos os tempos e lugares onde outros grupos escravizados sob o peso de tantos “faraós contemporâneos” sintam o mesmo anseio de liberdade. Reler o livro do Êxodo é olharmos para um álbum de família, para percebermos quão duras foram as penas sobre as quais nossos antepassados construíram sua história de fé. É redescobrir o berço da nossa fé. É descobrir que esta fé nasceu de um acontecimento histórico, no qual Deus e o povo se uniram para a conquista da liberdade em todos os sentidos; mas, para tal conquista é preciso que os oprimidos acordem de sua situação escravista e lutem contra seu opressor.

OPRIMIDO VERSUS OPRESSOR

Você já foi a um circo? E mais, a um circo que tivesse em suas apresentações números com elefantes? Se a resposta for positiva, você já teve a curiosidade de ver como eles são mantidos presos nos momentos em que não se apresentam?

Com tantas perguntas sobre circo, você já deve estar se questionando o que isso tem a ver com a Bíblia e, de maneira particular, com o Êxodo. Pois bem, o elefante de circo, desde pequeno, é preso por uma das patas traseiras com uma corrente muito fina, de modo que, quando pequeno, mesmo que tentasse, não teria a capacidade de se libertar de tal situação física e, com o passar do tempo, mesmo tendo crescido, foi condicionado a pensar que não poderia se libertar de tal prisão. Não é assim com o povo de Deus de outrora como também muitas vezes acontece com o povo de Deus atual? O livro do Êxodo exige do leitor uma tomada de posição. Não há como ficar neutro ou imparcial, devido ao fato deste livro tratar de um conflito de interesses opostos: um grupo humano despertado de seu conformismo quer sua liberdade (hebreus), mas, por outro lado, a estrutura social estabelecida em que vive (Egito) não lhe dá outra escolha ou perspectiva de vida que não seja a de viver sob o jugo massacrante do poder ideológico, político e econômico, exercido pelo Faraó (hoje este faraó pode ser traduzido como as nações desenvolvidas que, para sustentar seu nível de vida, exploram e oprimem outras, reduzindo-as a condições de subdesenvolvimento). É interessante como o “dono do circo” (os poderosos) nunca quer perder suas fontes de lucro (seus elefantes), por isso, nunca permite que eles pensem, sonhem ou mesmo olhem para um horizonte que seja de dias melhores. A melhor forma de abafar algum tipo de revolta é não permitir que o povo tenha tempo para pensar: sobrecarregavam o povo com muitas ocupações (cf. Ex 1,8–5,9). Para esclarecer melhor, o livro nos questiona: “De onde nasce a opressão?” E nos responde: “Da defesa de interesses particulares em acumular riquezas e poder, que é uma forma de diminuir e tirar a vida e a liberdade de outros” (p. 19). O livro nos coloca situações a que este povo chegava, ao ponto de arranjar brigas entre si (cf. Ex 2,11-12), e é bom lembrar que um reino dividido nunca se mantém de pé. Para que a libertação aconteça é necessário que todos caminhem para o mesmo rumo, motivados pelo mesmo ideal: “Uma terra onde corre leite e mel” (cf. Ex 3,8), ou seja, um lugar onde todos poderão participar livremente, onde poderão repartir os seus bens e suas vidas; mas, para que isso aconteça, não basta sonhar; é preciso lutar para concretizar tal sonho. Para encerrarmos este momento é interessante pensarmos a célebre frase de Marx, dita muito tempo depois da escravidão dos hebreus, mas se valendo de um ponto comum, libertar os oprimidos, devolver-lhes a condição de enxergar suas vidas e lutar por rumos novos, onde a história de todo um povo fosse diferente. Marx dizia: “Proletários de todo mundo, uni-vos. Sua luta contra a burguesia começa com sua própria existência.”

O CAMINHO PARA A LIBERDADE

Não existe caminho pronto, pois o caminho se faz caminhando. É comum ouvirmos tal expressão motivacional. Na lutas diárias, não podemos ser meros espectadores, mas devemos ser os protagonistas de toda a mudança de mentalidade e da sociedade. Isso também serviu de força para os hebreus. Ser livre não é um processo tão fácil. A maior dificuldade do oprimido é novamente aprender a escolher o melhor por si mesmo (como isso não é muito fácil, vez ou outra, preferiam voltar atrás, para se acomodarem na escravidão, a enfrentar as dificuldades); administrar a própria vida novamente pode causar estranhamento e certa insegurança. A partir disso, podemos compreender quão grande foi a participação de Deus na vida do seu povo, lembrado em Moisés que, guiado por Deus, sempre conduz o povo a caminhos novos, rumo à terra prometida. No livro do Êxodo, conseguimos perceber claramente a manifestação da Providência de Deus, que quer salvar e libertar o seu povo de todas as situações que degradam a dignidade do ser humano, maior obra da criação de Deus. Tal “geografia sentimental” (termo usado no “Criança Esperança” deste ano de 2011, para expressar mistura de sentimentos) pode ser vista de maneira clara quando o povo sai da terra da opressão para entrar no deserto, lugar de dificuldades e tentação de voltar atrás. Este é um povo liberto, mas que ainda precisa aprender a viver de maneira plena sua liberdade, sem que eles mesmos construam novos modos de opressão para suas vidas.

CONCLUSÃO: RESTAM ESPERANÇAS

Milton Schwantes nos coloca a vida numa perspectiva muito bonita de ser compreendida, como aquela que é alimentada pela esperança. Ele diz: “Restam-nos esperanças. Nosso futuro é uma espécie de resto santo. É o que ainda nos alimenta. As esperanças como que viraram alimento”. Tal perspectiva abre-nos margem para enxergarmos melhor o significado do fato de que Deus conduziu aquele povo oprimido para uma terra onde as pessoas fossem capazes de alicerçar suas vidas. Nada foi dado a eles sem esforço. Tudo foi conquistado; Deus nunca abandonou seu povo, caminhava sempre junto dele. E, por fim, Deus dá a seu povo as suas leis, que, ao contrário das leis faraônicas, buscavam promover a vida e a liberdade sadia do povo. “É um conjunto de normas de vida que está centralizado no mandamento: ‘Não mate.’ Todas as outras normas decorrem desta, apresentando o ideal de a todo custo de produzir, manter e fazer crescer a vida e, ao mesmo tempo, combater todas as formas de morte ou diminuição da vida plena para todos” (p. 56).

Este é um livro cuja leitura é válida; ressoa sempre muito atual. São lutas de um passado distante que fortalecem e edificam as lutas presentes.

Mês da Bíblia 2011: Êxodo, segundo o SAB

SAB Aproximai-vos da presença do Senhor (Ex 16,9): Mês da Bíblia 2011. São Paulo: Paulinas, 2011, 56 p.

Por Thiago José Barbosa de Oliveira Santos

O Serviço de Animação Bíblica (SAB) das Paulinas nos presenteia com o subsídio sobre o Êxodo, que neste ano de 2011 foi escolhido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para o Mês da Bíblia, propondo uma ligação entre o Livro do Êxodo e o estudo de Iniciação Cristã. Por isso, o SAB indica o estudo dos textos escolhidos do livro do Êxodo simultaneamente a passagens que tratam da mesma temática em o Novo Testamento, a fim de refletir sobre alguns assuntos de iniciação cristã, como os sacramentos ou a vivência em comunidade. O tema do Mês da Bíblia deste ano é a “Travessia: passo a passo, o caminho se faz”. O lema é “Aproximai-vos do Senhor Ex 16,9”, Os textos bíblicos escolhidos estão em Ex 15,22-18,27.

Este subsídio está dividido em quatro encontros e uma celebração final e tem como objetivo propor uma reflexão em grupos, tanto nas pastorais como por pessoas interessadas em acompanhar as atividades do Mês da Bíblia, podendo assim se aprofundar e vivenciá-lo. Além desse estudo, o subsídio do SAB traz também um mapa, elencando possíveis trajetórias do Êxodo.

O Livro do Êxodo nos indica, a cada momento, a ação libertadora de Deus em favor do seu povo e a certeza de sua presença constante. Estudá-lo é retornar às nossas origens, é reafirmar em nosso interior a fé num Deus que escuta o clamor do seu povo. A escolha dessas passagens está estrategicamente localizada. Nestes capítulos nos defrontamos com as dificuldades, as crises e as dúvidas do povo na longa marcha pelo deserto.

Um dos enigmas que enfrentamos é a respeito de quem redigiu esse texto. Há um consenso entre os estudiosos da área de que esses capítulos são frutos de uma longa história de redação, contando com a participação de vários redatores em contextos diferentes. É preciso chamar a atenção também para a grande ajuda da tradição judaica no processo de transmissão dos textos, pois os responsáveis por ela foram extremamente fiéis ao copiar os textos sagrados, passando-os de geração em geração sem alterar nada. Em suma, é fundamental conhecer o livro do Êxodo para entender toda a Bíblia. Encontramos nele o sentido do processo inicial da salvação, isto é, seu dinamismo e a confirmação da caminhada de fé, percorrendo etapa por etapa.

Como já mencionado, o subsídio está dividido em quatro encontros. No primeiro e segundo encontros nos deparamos com várias narrativas relacionadas à falta de água e de comida, motivo de desespero, bem como do deserto, lugar de solidão e vazio. O povo libertado do jugo do faraó inicia uma longa e sofrida caminhada, lembrando-nos que todo processo de libertação exige sacrifícios e também a superação das dificuldades que surgem no decorrer do caminho em direção à total libertação.

O texto narra as murmurações do povo pela falta de água e de comida. A murmuração provinha do não assumir a condição de povo livre. A saída de uma situação de opressão para a libertação representa sair rumo ao deserto, onde nunca se sabe o que realmente vai acontecer. Podemos encontrar lugar de descanso ou águas amargas; podemos enfrentar decepções e desilusões. Mas, ao mesmo tempo, aprendemos com as amarguras a buscar a Deus, a ouvir sua voz e obedecer os seus ensinamentos, a fim de nos encontrarmos com Ele. Por outro lado, com as águas doces que matam nossa sede e o alimento providencial, aprendemos os ensinamentos de Deus, a sua voz a nos dizer o que é certo ou errado.

No terceiro encontro é retomada a problemática da falta de água e a crise do povo, que não enxerga a saída do Egito como liberdade, mas sim como o caminho para a morte. Neste contexto estão a murmuração e a revolta do povo diante dos desafios do deserto.

Dessa experiência surge a oração de intercessão de Moisés. Intercessão esta que jorra das profundezas de sua intimidade com Deus e, ao mesmo tempo, se enraíza na vida do povo. Por outro lado, nos indica que a liberdade não depende do líder e nem do povo, mas totalmente do amor, da misericórdia e da fidelidade de Deus para com seu povo, sendo Moisés apenas um instrumento em sua mão.

O povo coloca Deus à prova com sua murmuração, porém, é justamente nesse momento que Deus lhe revela e concede a prova do seu amor incondicional: Ele pede a Moisés para bater na rocha a fim de fazer jorrar dela água para saciar a sede do povo. Esses elementos são retomados por Paulo em 1Cor 10,1-13. Nesse trecho, Paulo afirma que Cristo Jesus é a rocha que os acompanhava e da qual brotou água para saciar sua sede e, ao mesmo tempo, prefigura na travessia do mar o batismo cristão.

O quarto encontro aponta para o perigo da centralização do poder em Moisés, que é visto, sobretudo, como juiz do povo. Jetro, o sogro de Moisés, o leva a refletir sobre a necessidade de distribuir as tarefas na comunidade e reconsiderar o poder e a autoridade como um serviço em prol da comunidade. A narrativa da escolha de colaboradores, que partiu do sogro de Moisés, serve de exemplo para todos nós, pois de alguma forma exercemos influência na família, na sociedade, na Igreja, na política, na comunidade… É um apelo para sairmos do comodismo, de nossos interesses egoístas e dar lugar e vez aos outros. Em termos mais concretos significa abrir mão do poder, por menor que ele seja, em vista do bem das pessoas e da comunidade.

A celebração de encerramento louva a Deus por suas maravilhas em favor de seu povo.

Mês da Bíblia 2011: Êxodo, segundo Valmor da Silva

DA SILVA, V. Deus ouve o clamor do povo: teologia do êxodo. São Paulo: Paulinas, [2004] 2010, 113 p. – ISBN 8535614435

Por Severino Germano da Silva

Há vários anos a Igreja dedica o mês de setembro para refletir sobre a Palavra Deus, já que este mês é dedicado à Bíblia. Este ano refletiremos o livro do Êxodo, mais especificamente os capítulos que se referem à travessia do mar dos juncos e a marcha no deserto.

Para nos ajudar na compreensão de tão importante texto e o que significa para nossa fé este episodio, nos apoiaremos na reflexão feita por Valmor da Silva no seu livro, de 11 capítulos, “Deus ouve o clamor do povo: Teologia do êxodo”, publicado pelas Paulinas.

Valmor da Silva nasceu em Santa Catarina na cidade de Laurentino, no dia 13 de novembro de 1951. Cursou Filosofia e Teologia em Ponta Grossa, PR, fez mestrado em exegese bíblica em Roma, e doutorou-se em Ciências da Religião na Universidade Metodista em São Paulo. Atualmente é Professor de Ciências da Religião na Universidade Católica de Goiás, em Goiânia, GO.

Valmor inicia seu livro nos explicando que, para compreendermos o que se passou a mais de três mil anos atrás, quando o povo de Deus saiu da terra do Egito, é preciso entender quem era este povo.

O autor começa definindo que êxodo é: saída, passagem, libertação, fuga, mudança de uma situação para outra. No caso do êxodo do Egito, é a saída de um grupo de escravos da opressão faraônica em direção à terra prometida.

Este evento se tornou modelo para vários momentos da história. E ficou na lembrança de tal modo que passou de geração em geração e se tornou profissão de fé daquela nação, conforme vemos em Dt 26,5-9.

A história de José do Egito, como nós a conhecemos, é a ponte que liga o Gênesis ao Êxodo. Contando a história de José, o autor bíblico quer fazer uma crítica ao modelo agrário imposto pelos faraós, ou seja, na política faraônica havia uma grande concentração de riqueza, justamente o oposto da forma tribal na qual viviam os israelitas. Este sistema imposto pelo Egito é chamado pelos estudiosos de modo de produção asiático.

Se faz necessário conhecer o Egito nesse período, que corresponde ao século XIII a.E.C. O Egito era governado neste período por um regime de dinastias e o Faraó da época era Ramsés II que fazia parte da XIX dinastia. A saída dos hebreus deste país pode ter acontecido neste período. Mas pode ter acontecido no período do sucessor de Ramsés II, Merneptá. Isso porque um documento chamado “estela de Merneptá”, gravado em pedra por volta de 1219 a.E.C. menciona um grupo chamado “Israel” presente em Canaã.

A forma de dominação dos egípcios em Canaã era a de cidades-Estados, ou seja, o território era dividido entre vários grupos e as famílias ricas que governavam estas cidades tinham autonomia, usando seu chefe o título de rei. Este sistema era frágil e sem muita segurança, o que facilitava a entrada de estrangeiros e povos marginalizados. Surge aí um novo grupo social, denominado hapiru. Os hapirus eram pessoas que viviam nas montanhas e perturbavam a paz nas cidades, saqueando-as e influenciando outras pessoas. Não constituíam um povo, mas, pelas lutas e atribulações que sofriam, faziam da sua vida uma luta revolucionária. Muitos historiadores asseguram que o termo bíblico hebreu tem sua raiz nos hapirus.

Mas uma pergunta intriga os estudiosos: o que foi o êxodo? Sabe-se que o evento aconteceu por volta do século XIII a.E.C. mas o que se questiona é como isso aconteceu. Com o surgimento de muitas guerras os reinos ficaram enfraquecidos e com o Egito não foi diferente. Com as quedas da vários reinos, surge um novo sistema político, recuperando a união tribal, a partir dos laços de sangue, ou seja, a família era a base desse novo sistema. A união desses vários grupos deu origem a um Estado, mas não governado por um rei. É provável que nessa época tenham surgido vários movimentos deste tipo, sendo o mais importante o de Moisés. “Os demais grupos assumiram a mesma história e comemoraram juntos como uma tradição tribal” (p. 24).

Como aconteceu a passagem do mar? O livro do Êxodo trás umas nuances interessantes. Primeiro diz que foi uma marcha popular dos filhos de Israel, mas não foi uma passagem milagrosa. Depois diz que pode ter sido uma perseguição por parte dos egípcios, ou ainda uma intervenção miraculosa por parte de Deus. Também não se descarta a possibilidade de ter havido um desentendimento no comando do exército do Faraó. Não é possível saber ao certo a história do êxodo, pois a narrativa bíblica não tem intenção de contar uma história, mas de transmitir um testemunho de fé.

Naturalmente a história de cada grupo contribuiu para que a liberdade acontecesse. Dentre eles se destaca o grupo de Moisés, que de acordo com a Bíblia, fugiu, ou foi expulso, ou ainda teve a permissão para sua saída do Egito. Isto talvez reflita experiências vividas por diferentes grupos em processo de libertação. O grupo do Sinai foi o que viveu a experiência do êxodo do deserto, que mais tarde se juntou ao grupo de Moisés. Há também o grupo abraâmico, assim chamado porque associado à Abraão. Possivelmente eram vários grupos seminômades, possuíam divindades familiares, nomeadas na Bíblia como o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó ou, ainda, o Deus dos pais. E havia os hapirus, que podem ser identificados com os camponeses oprimidos e revoltados das cidades-Estados de Canaã e de outros lugares… “Enfim, muitos êxodos estão na origem histórica de Israel. Vários grupos viveram a libertação. Muitas experiências animaram sua vida” (p. 29).

Mas, ainda no Egito, os hebreus, de acordo com a Bíblia, foram fecundos e se multiplicaram, tornando-se cada vez mais numerosos e poderosos. Em Ex 1,8-14 percebe-se um quadro com cores bastantes carregadas, para mostrar a opressão dos hebreus no Egito. Esse período pode ser o de Ramsés II, que não conheceu José, “mas não há nenhum traço, no texto bíblico, de sua identidade” (p. 32). Por medo de perder o poder, em virtude de o povo israelita ser numeroso e poderoso, constitui-se assim o trabalho escravo. Na verdade, um recrutamento forçado para trabalhos pesados que provocavam uma situação humilhante e um controle piramidal da população, típico da disciplina organizacional egípcia. Mas, diz o texto bíblico, uma situação interessante acontecia: quanto mais o povo era oprimido, mais crescia e se multiplicava, fato que fez o Faraó tomar medidas drásticas, como a matança de crianças do sexo masculino (Ex 1,15-22).

É digno de nota que as mulheres tiveram um papel fundamental dentro do processo de libertação: primeiro as parteiras, uma mãe astuciosa, uma irmã cúmplice, depois a filha do Faraó, que, com suas servas, apanharam o menino no Nilo. Mais tarde, no processo de libertação, a mulher de Moisés, Séfora. “O fato realça, sobretudo, a articulação das mulheres em todo o processo revolucionário da saída do Egito. Que Moisés, que nada! O êxodo é resultado da articulação de mulheres” (p. 35).

Entretanto, para compreendermos o êxodo precisamos olhar o grito de angústia e desespero dos oprimidos pelo sistema faraônico por três ângulos diferentes, pois este é um grito a três vozes:
. Primeiro, o Sacerdotal, escrito pelo sacerdotes no tempo do exilio da Babilônia, que quer recordar a presença de um Deus que se lembra da aliança, resgatando e libertando em vista do clamor dos pobres
. Segundo, o olhar Javista: para ele Deus conhece a aflição do povo e age para o libertar. Nesse caso, a opressão egípcia é trazida à memória para permitir uma crítica ao sistema salomônico, época deste escrito
. E terceiro, o olhar Eloísta, que tem como ponto de partida a missão de Moisés de libertar o povo da escravidão. Nota-se aqui uma evidente ligação com as narrativas de vocação profética.

A missão de Moisés, trilha caminhos de certo modo tortuosos, pois o líder tenta se livrar da missão com várias objeções:
. Primeiro não quer aceitar o chamado, fingindo humildade, respondendo ao Senhor: “Quem sou eu?” (Ex 3,11). Ora, quem poderia estar mais preparado do que Moisés, ele que morava com o Faraó até bem pouco tempo?
. Segundo, simulando falta de conhecimento, ele vai perguntar pelo nome de Deus (Ex 3,13). Tendo passado algum tempo pastoreando ovelhas na região, certamente já tinha ouvido falar do Deus daquela região…
. Outra objeção é o pretexto da falta de fé do povo que não acreditaria nele (Ex 4,1).
. Ainda outra objeção é dizer que não sabe falar direito (Ex 4,10).
. Mais uma objeção: o reconhecimento da falta de coragem (Ex 4,13)

Podemos dizer que é como nos sentimos quando estamos diante de uma grande missão. Às vezes nos colocamos como frágeis para justificar o nosso medo.

De acordo com o livro do Êxodo, foram várias as tentativas para tirar o povo do Egito: reuniu os anciãos, contou com a solidariedade, usou astúcia e conhecimento, dividiu as tarefas, fez articulação com as famílias, enfrentou o Faraó e por fim fez o que era mais importante, manteve sempre o diálogo com Deus.

O processo de libertação passa por muitos caminhos, desde a apresentação de Moisés e Aarão diante do Faraó, e a sua negativa quanto à saída do povo, até as chamadas “dez pragas” – na verdade apenas a morte dos primogênitos é chamada de “praga’, todas as outras são chamadas de “prodígios” ou “sinais”. E são prodígios porque têm a função de forçar a saída dos hebreus do Egito, que como citado acima, tem três diferentes versões. Os prodígios estão ligados a fenômenos naturais. Assim como as águas do Nilo com cor avermelhada, como se fosse de sangue, todas os outros sinais e prodígios estão ligados a fenômenos naturais.

As três tradições que relatam a saída dos hebreus são cercadas de símbolismos: “originalmente, deviam circular dois relatos, um Javista-Eloísta, de sete pragas, e outro Sacerdotal, de dez” (p. 65). Ora, sete indica totalidade e o número dez significa a realização plena da obra de Deus, refletida nas dez palavras ou dez mandamentos. Mas as “pragas do Egito” são um paradigma: valem como referência ou espelho, onde acontecimentos semelhantes na história do povo se refletem.

Outro símbolo é o número dos que saíram do Egito: “cerca de seiscentos mil homens” (Ex 12,37), número exagerado! Somadas as mulheres e crianças, vamos para milhões… Mas “mil”, na língua hebraica, pode simbolizar “chefe” ou “cabeça”. “Cálculos mais recentes, com base nas condições de vida e na densidade populacional da época, derrubam essa estatística para 50 ou 150 pessoas” (p. 66).

A partir de Ex, 15,22, terminadas as tradições da saída do Egito, começa a caminhada do povo no deserto, também chamada de tradição do deserto e do Sinai. Isto porque todos os acontecimentos giram em torno do Monte Sinai. Mas o interessante é que no processo de libertação do Egito não se faz menção nenhuma ao Sinai. O que fica claro é que o Deus do êxodo é um Deus que caminha com seu povo, enquanto o Deus do Sinai é mais distante. Pode se concluir que o texto foi composto por duas tradições diferentes no começo, e que foram agrupadas posteriormente.

Dada a importância dos acontecimentos do Êxodo, toda a Bíblia recorre a ele para nos situarmos dentro da história da salvação. No livro do Deuteronômio encontra-se o que os autores chamam de credo histórico, que está contextualizado na festa das primícias, no ambiente familiar, que relembra a páscoa dos hebreus, quando da sua saída do Egito (Dt 26,5-9; cf. também Dt 6,20-23). Também os profetas, os Salmos e a tradição sapiencial voltam ao Êxodo para admoestar e ensinar às pessoas de sua época.

O Novo Testamento, a exemplo do Antigo, também volta ao Êxodo para ensinar e anunciar a Boa Nova. Isto fica claro, por exemplo, no Evangelho de Mateus, que apresenta Jesus como o novo Moisés. Mas há mais: na Primeira Carta aos Coríntios, no Evangelho de João, em Hebreus, no Apocalipse…

Finalmente, Valmor, no capítulo 11, nos lembra que a comunidade cristã muitas vezes aplicou o tema do êxodo a diferentes situações de sua vivência, sendo a mais intensa a desenvolvida na América Latina pela Teologia da Libertação.

Podemos concluir que o livro do Êxodo nos ensina que a marcha no deserto, a travessia do mar dos juncos, os prodígios e sinais são para nós a presença de um Deus que jamais abandona o seu povo.