Sobre o Colóquio “A Bíblia e suas Traduções”

Como noticiado neste blog, em 23 de julho passado, no post UFMG: The Bible and its Translations, foi realizado nos dias 22 a 24 de agosto na Faculdade de Letras da UFMG, Belo Horizonte, MG, o I Colóquio Internacional “A Bíblia e suas Traduções”.

Dois colegas do grupo “Biblistas Mineiros” estiveram presentes: Johan Konings, que apresentou um trabalho, e Telmo Figueiredo, que enviou-me por e-mail alguns detalhes do evento e os resumos dos trabalhos. Diz Telmo que um livro com todas as Conferências e Comunicações será publicado pela Editora da UFMG possivelmente até o final deste ano [Obs.: saiu em 2009, veja no final do post]. E complementa com uma boa notícia: Algo importante a ser observado é que os estudos literários sobre a Bíblia entraram, para valer, no gosto de várias Faculdades de Letras do país e que núcleos de estudos judaicos e bíblicos têm sido formados em várias Universidades, o que é um grande avanço em nosso país.

Dos 27 resumos dos trabalhos apresentados, escolhi sete, meio ao acaso, a modo de exemplo do que lá foi debatido.

:: A tradução bíblica na perspectiva dos estudos da religião
> Tradução, tradição e o presente eterno do texto sagrado – Prof. Dr. Steven Engler, Mount Royal College, Canadá – PUC/SP, Brasil
No caso de textos sagrados, a idéia do texto único e original ganha uma grande força normativa. Neste contexto, a tradução interlingual se torna parte da transmissão de uma tradição religiosa. Esta apresentação coloca insights retirados dos debates sobre “a invenção da tradição” e das teorias antropológicas e sociológicas da dádiva, salientando as funções sociais de duas idéias: a transmissão pura do original dentro de uma comunidade e a transmissão fora destes limites sociais. Uma das funções da “ideologia da dádiva pura” (Jonathan Parry) é de legitimar o presente contingente (no sentido temporal) através do presente puro (no sentido econômico) do texto sagrado.

:: A Bíblia e os seus tradutores
> Tradução e Ideologia – Prof. Lysias Oliveira Santos, Seminário Teológico de São Paulo da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
Nesta comunicação, espera-se, apresentar uma versão resumida de uma pesquisa sobre as motivações externas que podem interferir no ato tradutivo da Bíblia. Essa pesquisa abrange um levantamento no campo da teoria da tradução e, especificamente, da tradução da Bíblia. Sendo assim, propõe-se um método e uma tentativa de sua aplicação em algumas situações em que as motivações externas parecem ser fatores de influência direta no resultado da tradução.

:: A Bíblia e a criação do mundo
> As múltiplas faces de Eva na poesia hebraica – Profª. Drª. Nancy Rozenchan, USP
Utilizando quatro poemas da literatura hebraica contemporânea, a presente comunicação se propõe contrapor a eles três correntes que resumem as muitas transformações que a figura prototípica de Eva experimentou em sua rota tanto na literatura judaica como fora dela: de ser intimamente associada ao mal, de ser identificada com desejos carnais, e, por ter sido ela que teve tratos com a serpente, de ser dona de um poder demoníaco fatal. Serão abordados poemas (em tradução) de Iaacov Fihman, que indica a essência ambivalente da personagem Eva; de T. Carmi, que se centra sobre o poder e a força positiva do conhecimento feminino, de Ionatan Ratosh, além de ressaltar relações básicas homem/mulher, expressando um movimento constante entre domínio e ser dominado; além do uso metafórico do relato bíblico, de Dan Paguis, um dos mais impressionantes de que se tem conhecimento na poesia hebraica.

:: A Bíblia, o cinema, as artes
> Escândalos e blasfêmias: o sagrado e o profano na obra de Pasolini – Prof. Dr. Luiz Nazario, UFMG
Embora Pasolini não acreditasse na divindade de Cristo, acreditava na força poderosa que chamava de Sagrado e dizia que seria um louco se deixasse essa dimensão exclusivamente aos padres, como se o Sagrado fosse um monopólio da Igreja. Evidentemente, a tradição cristã nas igrejas e catedrais, na arte sacra e na hagiografia contava muito para Pasolini, e sua obra é testemunha disso. Mas, para ele, o Sagrado não era, necessariamente, o que a Igreja definia como tal. Para Pasolini, o Sagrado era uma força poderosa que existia dentro de todo ser humano; a mesma força que Freud chamou de Eros, em eterna luta contra Tânatos; a própria energia vital que cada um, ao longo da existência, dirige singularmente a objetos diversos: os religiosos a Deus, os burgueses ao dinheiro, os militantes ao poder. Pasolini dirigia essa energia ao sexo dos jovens e rapazes do povo.

:: A Bíblia e suas metáforas
> Destraduzindo a Bíblia: a realização utópica de Haroldo de Campos do signo Bíblico – Prof. Dr. Enrique Mandelbaum, USP
Haroldo de Campos, em suas traduções da Bíblia, realiza um intenso diálogo hermenêutico-ecumênico e suscita uma fantástica cenografia espiritual para enuclear o signo bíblico. Desse modo, ele traz, à cena, uma leitura que implica e reúne a história das leituras bíblicas.

> O Apocalipse como obra aberta – Prof. Bruno Loureiro Fernandes, UNI-BH
O Apocalipse foi utilizado em narrativas ficcionais (O Nome da Rosa, O Pêndulo de Foucault, A Misteriosa Chama da Rainha Loana); e em trabalhos teóricos (Apocalípticos e integrados), pelo escritor e pesquisador italiano Umberto Eco. Sua visão do texto do Evangelho Segundo São João parece enfatizar seu caráter poético, bem como inserir a narrativa bíblica no conceito de “obra aberta”, por ele desenvolvido em obra homônima. O objetivo desta comunicação é, sobretudo, refletir sobre os textos literários do autor à luz de sua teoria.

:: Desafios da Tradução: Bíblia Hebraica e Cristã
> O problema da tradução da Bíblia no Brasil hoje – Prof. Dr. Johan Konings, FAJE, Belo Horizonte
O panorama atual das traduções no Brasil; o texto: questões documentais, sócio-histórico-culturais, lingüísticas; tradução e exegese; a comunidade interpretadora e a alteridade do texto; tradução para a leitura fiel em nosso meio; traduções formais, traduções dinâmicas e paráfrases; traduções eruditas e traduções pastorais.

GOHN, C.; NASCIMENTO, L. (orgs.) A Bíblia e suas traduções. São Paulo: Humanitas, 2009, 300 p. – ISBN 9788577321087

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1 comentário em “Sobre o Colóquio “A Bíblia e suas Traduções””

  1. Creio que futuramente, sabe lá quando, a Bíblia e o Alcorão ganharão estudo no plano ao qual pertencem, e que até hoje, cientificamente, não receberam estudo competente. Exige cientistas bastante especiais. Naturalmente há hoje aplicação de ciências convencionais, com malabarismos exegéticos, mas sempre de ponta triangular de domínio inaplicável. Ciências sociais, as mais aplicadas, são do domínio dos “Istos”, mas o foco triangular de estudo próprio às escrituras semíticas é o do domínio do “Eu”, da interioridade.

    Esse conflito de domínio hermenêutico é até engraçadamente ilustrado numa passagem em 1 Coríntios, 5:9-13:

    “Eu vos escrevi em minha carta que não tivésseis relações com devassos. Não me referia, de modo geral, aos devassos deste mundo ou aos avarentos ou aos ladrões ou aos devassos, pois então teríeis que sair deste mundo. Não; escrevi-vos que não vos associeis com alguém que traga o nome de irmão e, não obstante, seja devasso ou avarento ou idólatra, ou injurioso ou beberrão ou ladrão. Com tal homem não deveis nem tomar refeição. Acaso compete a mim julgar os que estão de fora? Não são os de dentro que vós tendes de julgar? Os de fora, Deus os julgará. Afastai o mau do meio de vós.”

    Paulo delineia aqui a diferença dos mundos: o mundo da interioridade e do exterior. As advertências escritas de Paulo se referiam ao “homem” da interioridade, que deveria ser “probo”, “homem” de paz. Mas os discípulos, pequenos de entendimento, só associavam a advertência paulina ao mundo exterior, fazendo implicações com “homo sapiens”.

    Paulo sempre postulou o amor entre os “homo sapiens”, e isso é até pressuposto do afastar o mau do “meio” (não meio social/cultural/religioso, mas do “interior”). Não fez distinção alguma, reconhecendo autoridade de apostolado entre homens e mulheres. Nos humanos da interioridade, distinguiu homens e mulheres, pois o mundo é outro, é “teologúmeno”. E que não é exclusividade de Paulo, diga-se.

    Os teólogos convencionais não chegam a um consenso porque não percebem essas distinções. E a história registra também, até hoje, aberrações dogmáticas, “vozes de salvação”, impondo diferenças e dores absurdas.

    Espero que a humanidade, com o avanço que está ocorrendo em muitas áreas, sobretudo na Psicologia do Desenvolvimento, possa um dia dar a dimensão devida aos exploradores semíticos da antiguidade no campo da consciência profunda, e à sua mensagem.

    Flávio T. Santos

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