Homenagem a Philip Davies

BURNS, D.; ROGERSON, J. W. (eds.) Far From Minimal: Celebrating the Work and Influence of Philip R. Davies. London: Bloomsbury T & T Clark, 2014, 576 p. – ISBN 9780567114358.

BURNS, D.; ROGERSON, J. W. (eds.) Far From Minimal: Celebrating the Work and Influence of Philip R. Davies. London: Bloomsbury T & T Clark, 2014Esta é uma obra que homenageia Philip R. Davies por ocasião de seus 60 anos de vida. Os autores se propõem refletir sobre a influência de Philip R. Davies nos estudos bíblicos nos últimos 30 anos.

Diz a editora:

Marking the 60th birthday of Professor Philip R. Davies, Dr. Duncan Burns and John W. Rogerson, his former student and colleague, respectively, aim to do him justice. They have comprised articles from their peers to reflect on the impact Professor Davies has made in three particular areas of study: Hebrew Bible, Qumran, and Paleastinian Archaeology; New Testament and Early Judaism; and Biblical Interpretation. The breadth of this volume aims to reflect the scope, interest, and influence of Professor Davies from the last 30 years.

A mídia como poder criador de realidade

Já que em nosso meio se propõe, neste momento, a produção de um livro sobre o mundo dos Blogs de Estudos Bíblicos, os Biblioblogs, a reflexão da Professora Marilena Chauí sobre a crise aérea brasileira e a atitude da mídia nesta circunstância pode ser proveitosa.

Isto porque Marilena Chauí explicita, em determinado ponto de seu texto, o papel do especialista que se apresenta através dos recursos virtuais da mídia eletrônica como o único agente competente para criar a realidade a ser vivida pela sociedade. O ato de criação que as religiões atribuíam ao deuses e as filosofias à natureza, passa a ser agora uma atribuição dos meios de informação e comunicação. Na minha opinião, isto tem muito a ver conosco, como biblistas, e com a produção de nossos biblioblogs.

O texto A invenção da crise, da Prof. Marilena Chauí, está no blog Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim. É composto de uma introdução e de respostas a três perguntas feitas à filósofa pelo jornalista.

Marilena Chauí cursou Filosofia na USP (Universidade de São Paulo), onde também fez o Mestrado. Doutorou-se na França e defendeu sua tese de Livre Docência na USP, onde é Professora Titular do Departamento de Filosofia. Especialista em História da Filosofia Moderna e Filosofia Política, é autora de importantes obras sobre Merleau-Ponty e Espinosa e tem produzido estimulantes reflexões sobre ideologia e cultura.

Agradeço ao amigo e colega Telmo Figueiredo pela indicação do texto.

Paulo Henrique Amorim:
No fim de Simulacro e Poder* a sra. diz: “… essa ideologia opera com a figura do especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa figura, mas não cessam de instituí-la como sujeito da comunicação …Ideologicamente … o poder da comunicação de massa não é igual ou semelhante ao da antiga ideologia burguesa, que realizava uma inculcação de valores e ideias. Dizendo-nos o que devemos pensar, sentir, falar e fazer, (a comunicação de massa) afirma que nada sabemos e seu poder se realiza como intimidação social e cultural… O que torna possível essa intimidação e a eficácia da operação dos especialistas … é … a presença cotidiana … em todas as esferas da nossa existência … essa capacidade é a competência suprema, a forma máxima de poder: o de criar realidade. Esse poder é ainda maior (igualando-se ao divino) quando, graças a instrumentos técnico-científicos, essa realidade é virtual ou a virtualidade é real…” Qual a relação entre esse trecho de Simulacro e Poder e o que se passa hoje?

Marilena Chauí:
Antes de me referir à questão do virtual, gostaria de enfatizar a figura do especialista competente, isto é, daquele que é supostamente portador de um saber que os demais não possuem e que lhe dá o direito e o poder de mandar, comandar, impor suas idéias e valores e dirigir as consciências e ações dos demais. Como vivemos na chamada “sociedade do conhecimento”, isto é, uma sociedade na qual a ciência e a técnica se tornaram forças produtivas do capital e na qual a posse de conhecimentos ou de informações determina a quantidade e extensão de poder, o especialista tem um poder de intimidação social porque aparece como aquele que possui o conhecimento verdadeiro, enquanto os demais são ignorantes e incompetentes. Do ponto de vista da democracia, essa situação exige o trabalho incessante dos movimentos sociais e populares para afirmar sua competência social e política, reivindicar e defender direitos que assegurem sua validade como cidadãos e como seres humanos, que não podem ser invalidados pela ideologia da competência tecnocientífica. E é essa suposta competência que aparece com toda força na produção do virtual.

Em Simulacro e Poder eu me refiro ao virtual produzido pelos novos meios tecnológicos de informação e comunicação, que substituem o espaço e o tempo reais – isto é, da percepção, da vivência individual e coletiva, da geografia e da história – por um espaço e um tempo reduzidos a um única dimensão; o espaço virtual só possui a dimensão do “aqui” (não há o distante e o próximo, o invisível, a diferença) e o tempo virtual só possui a dimensão do “agora” (não há o antes e o depois, o passado e o futuro, o escoamento e o fluxo temporais). Ora, as experiências de espaço e tempo são determinantes de noções como identidade e alteridade, subjetividade e objetividade, causalidade, necessidade, liberdade, finalidade, acaso, contingência, desejo, virtude, vício etc. Isso significa que as categorias de que dispomos para pensar o mundo deixam de ser operantes quando passamos para o plano do virtual e este substitui a realidade por algo outro, ou uma “realidade” outra, produzida exclusivamente por meios tecnológicos. Como se trata da produção de uma “realidade”, trata-se de um ato de criação, que outrora as religiões atribuíam ao divino e a filosofia atribuía à natureza. Os meios de informação e comunicação julgam ter tomado o lugar dos deuses e da natureza e por isso são onipotentes – ou melhor, acreditam-se onipotentes. Penso que a mídia absorve esse aspecto metafísico das novas tecnologias, o transforma em ideologia e se coloca a si mesma como poder criador de realidade: o mundo é o que está na tela da televisão, do computador ou do celular.

* CHAUÍ, M. Simulacro e Poder: Uma Análise da Mídia. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006, 144 p. ISBN 8576430274.