O discurso competente: dissimulador da dominação

Já dizia o filósofo francês Gaston Bachelard (1884-1962) que o conhecimento científico é sempre a reforma de uma ilusão e que, também por isso, não criamos com ideias ensinadas. Ora, o ser humano é um despertador de mundos…

Pois é. A ideia de Kevin Wilson de lançar um livro sobre os Blogs de Estudos Bíblicos acabou tangenciando duas questões interessantes:
:: o predomínio dos norte-americanos na área – veja a proposta monocórdica inicial de Kevin Wilson quanto à nacionalidade dos nomes sugeridos
:: a determinação da competência para analisar o ato de blogar sobre estudos bíblicos – veja os comentários destes dois posts de Kevin Wilson, aqui e aqui (incluindo um salto epistemológico indevido ao equiparar as ciências médicas com as ciências humanas).

Sobre este último ponto gostaria de lembrar, mais uma vez, Marilena Chauí e o que ela diz sobre a competência do discurso, em seu livro Cultura e democracia: O discurso competente e outras falas. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2006, 367 p. ISBN 9788524911903

Marilena Chauí nos lembra que a sociedade capitalista possui enorme habilidade para transformar discursos instituintes e históricos em discursos instituídos e competentes.

O mecanismo funciona da seguinte maneira: um discurso que era histórico torna-se instituído e competente, podendo ser ouvido e aceito como autorizado porque perde os laços com o lugar e o tempo de sua origem. É o discurso que funciona segundo a restrição seguinte: “Não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância”.

E isto acontece porque a divisão capitalista do trabalho burocratiza as sociedades contemporâneas e transforma os discursos por ela autorizados em discursos dissimuladores de suas relações de dominação.

Este discurso competente e autorizado – o discurso do “doutor”, aqui, do Ph.D. – pressupõe a incompetência e a não-autoridade dos leitores, que não são considerados como sujeitos sociais e políticos. Mas são considerados como sujeitos individuais e pessoas privadas, revalidando, aparentemente, dessa maneira, a sua competência social usurpada.