Os acontecimentos desta segunda, 17.06.2013, mudaram a conjuntura. Nos próximos meses, as multidões serão, ao que tudo indica, atores centrais na cena política. Mas ainda não está claro para onde este vulcão popular direcionará suas energias. As manifestações, que levaram para as ruas cerca de 250 mil pessoas, aconteceram em 11 capitais e no Distrito Federal – Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Maceió, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Vitória – e, ao menos, 16 cidades do interior do país.
Em 11 capitais [e no Distrito Federal], milhares foram às ruas. Os 20 centavos que motivaram a mobilização original em São Paulo, no dia 6 de junho, tornaram-se ainda mais irrisórios diante da abrangência e da intensidade do que se vê, 12 dias depois. O que está em jogo é muito mais do que caraminguás. As ruas requisitam uma nova agenda política para o Brasil. Não significa desqualificar conquistas e avanços preciosos dos últimos anos. Mas a história apertou o passo.
No capitalismo globalizado não temos mais o ‘privilégio’ do sofrimento exclusivamente local. A ordem neoliberal tornou-se uma usina de desordem Urbi et Orbi. Líderes não lideram. Mercados mandam. Governantes obedecem. A soberania nacional tornou-se intrinsecamente subversiva e disfuncional. Ao mesmo tempo e com igual intensidade. Os instrumentos convencionais de escrutínio coletivo não respondem aos estímulos. As urnas decidem; o dinheiro desautoriza. A mídia abjura. Os fundamentos do sistema perderam a aderência da sociedade.
Como um trem fora dos trilhos, o que seria o fim da História forma hoje um comboio desgovernado, que marcha ora na inércia, ora fora dos trilhos. Mas não cai. E não cairá por si. A liderança do processo brasileiro está em aberto. Mais que isso. A ausência de uma plataforma capaz de dar unidade e coerência a aspirações fragmentadas e avulsas pode asfixiar o que as ruas tentam dizer. Vem da Espanha reluzente de protestos na Praça do Sol um alerta desconcertante.
Madri e Barcelona consagraram-se como o epicentro da indignação global. Desde 15 de maio de 2011, quando o ‘Democracia Já’ convocou uma manifestação na Praça do Sol, até os protestos em 92 países, em 15 de outubro de 2011, passaram-se fulminantes cinco meses de ascensão linear das ruas. A passeata original deu lugar a um acampamento formado por um mar de indignados. A ocupação na Praça do Sol resistiria por 79 dias. O termo ‘indignado’ globalizou-se.
Em outubro de 2011, o sentimento nascido na Praça do Sol tornou-se o novo idioma político global, compartilhado por um milhar de cidades em todos os continentes. Mas nem por isso imune às sombras. No momento em que as praças rugiam a insatisfação de milhares de vozes, o voto popular consagrava nas urnas o Partido Popular, de Aznar. A cepa herdeira do franquismo obteve uma vitória esmagadora nas eleições espanholas de 20 de novembro de 2011. A votação recebida pelo conservadorismo, que hoje esfola e sangra o povo espanhol, estendendo o desemprego a 52% de sua juventude, garantiu-lhe, ainda, maioria folgada no Parlamento.
O paradoxo do ‘sol e da escuridão’ não pode ser esquecido, nem minimizado pelo frescor da indignação que ecoa agora de uma dezena de capitais do país. Hoje, ninguém é de ninguém. Em política, como dizem, com razão, suas ‘raposas’, não existe vácuo. Na Espanha, a vitória eleitoral do ultra-conservadorismo, em 2011, só foi possível porque a abstenção, sobretudo jovem, atingiu proporções epidêmicas no berço mundial dos indignados. A exemplo do que ocorreu na Espanha, nos EUA e, mais recentemente, na Itália, em algum momento os indignados brasileiros serão chamados a refletir – talvez precocemente – sobre as escolhas do poder. O poder de Estado. Os compromissos que a luta pelo poder impõe. A impossibilidade de ignorá-la; e, sobretudo, a escolha da melhor estratégia para pautar o seu exercício, a cada movimento da história.
Estes são apenas trechos do texto de Saul Leblon: Saturação e projeto, no Blog das Frases, publicado na Carta Maior em 18/06/2013 – 4h27, depois de “uma noite daquelas”.
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A população é ouvida agora porque chamou mesmo a atenção. Isso é positivo. Espero que essa manifestação dê bons frutos para a nação! Chega de letargia!