Piadas sem graça

Conservadores europeus e muçulmanos fundamentalistas insuflam um conflito artificial e perigoso

CartaCapital: 15 de fevereiro de 2006 – Ano XII – Número 380

Por Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa

… O improvável e involuntário pretexto foi o jornalista e escritor dinamarquês Kaare Bluitgen, conhecido e ousado defensor dos povos oprimidos, da integração cultural e do socialismo (…) Em 2005, Bluitgen escreveu um livro infantil chamado O Alcorão e a Vida do Profeta Maomé. Se os novos dinamarqueses aprendem sobre os heróis da Dinamarca, explicou o autor, é justo que os de velha cepa aprendam algo sobre os heróis muçulmanos. Soube-se que a editora teve certa dificuldade para encontrar um ilustrador: três recusaram a proposta por recear represálias de fanáticos muçulmanos (…) [O caso foi resolvido quando] um autor anônimo criou uma série de ilustrações respeitosas (…) Em artigo de 17 de setembro, o jornal dinamarquês Politiken, social-liberal, comentou o caso e discutiu a autocensura a que se estariam submetendo comediantes, tradutores e artistas por receio do fundamentalismo islâmico. O livro de Bluitgen, porém, foi publicado sem causar protestos na Dinamarca ou em qualquer outra parte do mundo. O caso bem poderia ter terminado aí. Entra então o rival Jyllands-Posten. Com tiragem de 158 mil exemplares, pode ser pequeno pelos padrões de outras nações, mas é o maior do país. Abertamente fascista nos anos 30, hoje é neoliberal. Em 2001, sua campanha por restrições à imigração e aos direitos dos imigrantes foi decisiva para derrubar os social-democratas e abrir o caminho aos conservadores. Alguns de seus repórteres e comentaristas políticos se tornaram assessores do novo governo. Dizendo não admitir que os muçulmanos ditassem restrições à imprensa, o editor do Jyllands-Posten convidou 40 cartunistas a publicar caricaturas do Profeta. Doze responderam e seus trabalhos foram publicados na edição de 30 de setembro (…) Se o objetivo era provocar, acertou na mosca (cont.)