Ministro italiano defendeu uma cruzada cristã contra o islã e renunciou

O número 313 da Revista Internacional de Teologia Concilium, quinto fascículo de 2005, traz como título Islã e Iluminismo: novas questões. E tratar deste tema neste momento é extremamente oportuno, pois o conflito gerado pelas charges publicadas pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten continua, embora a revista tenha sido finalizada antes disso e nem fale do assunto. Todo o número está muito marcado pelos conflitos ocorridos na Holanda a partir de 2002.

Mas veja uma das notícias de hoje, 18 de fevereiro de 2006, na Folha Online: Ministro que usou camiseta estampada com charge renuncia na Itália.

O ministro italiano das Reformas, Roberto Calderoli, anunciou sua renúncia neste sábado depois de ter sido responsabilizado pela invasão do consulado italiano em Benghazi (Líbia), ontem, devido a suas provocações contra o islã (…) A renúncia acontece um dia após um violento ataque ao Consulado da Itália em Benghazi, na Líbia, que deixou 11 mortos e suscitou críticas a Calderoli, considerado responsável pela agressão por suas declarações antiislâmicas. Boa parte do mundo político italiano e da imprensa local aponta a decisão do ministro de vestir uma camiseta estampada com uma das polêmicas charges do profeta Muhammad como pretexto para o protesto. Calderoli disse que seu objetivo com a atitude foi “reivindicar a liberdade de expressão”. Famoso por declarações racistas e xenófobas, Calderoli mostrou a camiseta na quarta-feira (15) durante uma entrevista na televisão pública italiana “RAI” e foi criticado pelos partidos governistas e da oposição (…) Em entrevista concedida semana passada ao jornal “La Repubblica”, o ministro defendeu uma “cruzada cristã” contra o islã e acusou os muçulmanos de manterem “um ódio louco”.

Pois a revista Concilium, em seu editorial, assinado por Erik Borgman e Pim Valkenberg, diz o seguinte:

Existe uma pretensa defesa religiosa dos valores cristãos contra o Islã, representada pelo presidente George Bush. Mas o novo fenômeno é a polêmica contra o islã e a forma como ele está atualmente sendo julgado em termos de Iluminismo liberal, e esta polêmica está deixando muito a desejar.

Na primeira parte do fascículo, Concilium se pergunta o que aconteceu com a maneira de o Ocidente abordar o islã e os muçulmanos e por quê.

Contrapor uma modernidade ocidental livre, pacífica e secularizada a um retrógado islã tirânico, violento e religioso é uma grave deturpação da realidade. Isso não apenas mascara a violência da modernidade ocidental e suas perturbadoras conseqüências em âmbito mundial, mas também marginaliza a pluralidade e as intensas discussões que ocorrem no interior do islã.

A segunda parte do fascículo apresenta novas manifestações geralmente não conhecidas que existem no seio da tradição islâmica, como as interpretações femininas e feministas do Alcorão, explicam os editores.

Enquanto revista, Concilium dedica-se à idéia de que as tradições religiosas são importantes, porque podem apresentar visões fecundas e libertadoras sobre a condição humana e o mundo, sobre o que pode significar a libertação e como alcançá-la. Um ponto importante deste fascículo é mostrar o islã como uma tradição religiosa importante neste sentido, deixando claro que os teólogos cristãos deveriam intensificar o diálogo com ele, não obstante o atual clima e sem negar os vários problemas com que [nos] deparamos.

A terceira parte traz importante texto de Hans Küng, que publicou, recentemente, elogiado livro sobre o islã, e Pim Valkenberg analisa em que sentido os conceitos de judaísmo, cristianismo e islã enquanto “religiões abraâmicas” ainda têm futuro. Entre outros artigos nesta terceira parte, Concilium traz um documentário no qual Theodore Gabriel faz um confronto entre a maneira como o islã e os muçulmanos são apresentados na mídia e a maneira como os muçulmanos se compreendem a si mesmos…