Homenagem a Benjamim

No dia 23 de junho de 2005 faleceu, em Belo Horizonte, o meu amigo e colega biblista Benjamim Carreira de Oliveira. Hoje, oito meses após sua morte, quero prestar-lhe minha homenagem. E vou fazê-lo citando um texto muito bonito escrito por Léssio Lima Cardoso na revista Diretrizes, da Diocese de Caratinga, MG, n. 767, de agosto de 2005 e reproduzido no GS58 de novembro de 2005, nas páginas 65-67. O GS58 – Grupo Sacerdotal de 1958 – é uma publicação dirigida por Mons. Raul Motta de Oliveira, também de Caratinga. Mas vamos ao artigo.

Faleceu, em Belo Horizonte, dia 23 de junho, Pe. Benjamim Carreira de Oliveira. Dos professores do Seminário Diocesano de Caratinga que permanecem na ativa, parece-nos que, mais antigos que ele, somente Mons. Raul e Mons. Levy. Vinha à Diocese todo final de semestre para agradáveis aulas de Sagrada Escritura. Pe. Benjamim nasceu em Caeté, MG [em 11/05/1940], tinha 65 anos e estava há pelo menos 30 em Belo Horizonte, Bairro Floresta, Paróquia Nossa Senhora das Dores, sem capelas, mas com 25 mil habitantes e muitos colégios. Lecionava também na PUC-MG. “Traduziu dois livros de ‘A Bíblia de Jerusalém’. Passeava pela Bíblia toda com facilidade”, relatou a Diretrizes seu amigo, Dom Emanuel Messias de Oliveira, Bispo de Guanhães. Os dois se conheceram estudantes no início da década de 1970, em Roma. Pe. Benjamim terminou o curso bíblico em 1974. Já no Brasil, se uniram a Airton José da Silva e criaram a tradição de, a partir de 1977, reservar parte do mês de janeiro para estudar ou preparar aulas na “Casa do Padre”, na Serra da Piedade, região próxima à capital mineira. “Estudávamos cada um na sua parte de uma mesa enorme. Interrompíamos para comentários, perguntas, casos, novidades. Fazíamos caminhadas com conversas descontraídas. Saía muita piada. O Beijo (Pe. Benjamim) tinha sempre uma nova”, conta Dom Emanuel com a familiaridade que só uma longa convivência permite (…). Ao falar, Dom Emanuel ainda usa os verbos no presente como se não assimilasse por inteiro a perda. A proximidade entre os três biblistas era tamanha que Pe. Benjamim confiou-lhes as chaves da casa paroquial. “Nem avisava que estava indo. Ia direto para o meu quarto. Tinha também a chave do quarto do Beijo para ver TV e pesquisar em sua biblioteca (…). Ele lia uns quatro livros de uma vez”. Conhecia História, Língua Portuguesa, Literatura, Música, artes em geral. Gostava de astronomia, tinha um telescópio pelo qual dava para ver bem, por exemplo, as montanhas e crateras da Lua. Falava e escrevia em espanhol, italiano e francês; lia em inglês. Visitou a Palestina pelo menos duas vezes. “Foi um intelectual desperdiçado, porque não gostava de escrever”, lamenta o bispo. Pe. Benjamim se considerava numa espécie de prorrogação. “Qualquer hora estou indo”, dizia desde que teve de instalar uma válvula no coração (…) Nunca imaginava que ia passar 33 dias numa UTI. Antes de ser operado, recebeu a Unção dos Enfermos. Disse estar tranqüilo, realizado. Nunca mais se comunicou. “Falei ao ouvido dele: ‘É Dom Emanuel. Estou rezando por você’. Não fez sinal. Houve uma vez uma lágrima. Tentou outra vez abrir a boca, mas não saiu som”. Depois de duas operações, um rim parou, fez hemodiálise, o pulmão foi a 70% de secreção, fez três punções para retirar a água da pleura, fez traqueostomia, depois tiveram que tirar água do corpo, muito inchado. Dom Emanuel fez a encomendação do corpo. “A gente percebia uma piedade peculiar no altar. Pregações bíblicas, atualizadas, pé no chão. Muito simples, andou muito tempo de fusca, mesmo numa paróquia de muitos recursos. Despojado no guarda-roupa. Investia em livros. Praticamente um irmão meu”.

Até aqui o artigo.

Quero dizer que conheci Benjamim na viagem para Roma em setembro de 1970, quando, durante 14 dias, atravessamos o Atlântico e parte do Mediterrâneo no navio Augustus, rumo à Itália, onde íamos estudar. Ele ia para o Pontifício Instituto Bíblico fazer o Mestrado. Eu, com 19 anos de idade, ia para a Pontifícia Universidade Gregoriana fazer a graduação em Teologia e, em seguida, o Mestrado em Bíblia. Emanuel (hoje, o Dom), já fora meu colega, um ano adiantado, em Mariana. Estava na Teologia da Gregoriana, em Roma, desde 1969 e, iria, também, em seguida, para o Mestrado no Bíblico. Emanuel nos esperava no porto de Nápolis, com enorme alegria. De lá nos dirigimos a Roma, para o Colégio Pio Brasileiro, onde iríamos morar. Benjamim ficou quatro anos, Emanuel e eu ficamos seis anos. Dos três, fui o último a retornar ao Brasil no final de 1976.

Fiquei dias na casa do Benjamim, na Floresta, em Belo Horizonte. Foi ele que nos levou até o Asilo São Luiz – apesar do nome, um orfanato – das Irmãs Auxiliares de N. S. da Piedade, pertinho de Caeté, onde, como se disse, desde 1977, passamos a nos encontrar para estudar Bíblia nas férias. Primeiro em janeiro. Depois em janeiro e julho. Irmã Genoveva cuidava da gente.

Foi com Benjamim – e Ivo Storniolo, que também estava cursando o Bíblico – que aprendi a gostar da Bíblia. E foi Benjamim quem me apresentou às músicas de Chico Buarque e ao violão. O violão anda encostado, mas nunca mais deixei de ouvir Chico.

Na manhã em que Benjamim se foi, ao ser avisado por telefone, liguei para o Emanuel. Ele me disse: “Perdemos um irmão”. Concordei. Palavras tristes, palavras certas.