Dois temas fortes na mídia desta semana: vida e morte

Dois temas que nos acompanharam todos os dias desta última semana de agosto de 2013: o programa Mais Médicos – este é o tema da vida; e o iminente ataque norte-americano à Síria – aí campeia a morte.

Sobre os dois temas, dois textos imperdíveis foram publicados:

:: a carta do médico David Oliveira de Souza, do Sírio-Libanês, aos médicos cubanos, publicada pela Folha de S. Paulo em 31/08/2013.

:: o  editorial do jornal norte-americano National Catholic Reporter, publicado em inglês em 29/08/2013, traduzido para o português e publicado por Notícias: IHU On-Line em 31/08/2103.

Do primeiro texto, três trechos:
Bem-vindos, médicos cubanos. Vocês serão muito importantes para o Brasil. A falta de médicos em áreas remotas e periféricas tem deixado nossa população em situação difícil. Não se preocupem com a hostilidade de parte de nossos colegas. Ela será amplamente compensada pela acolhida calorosa nas comunidades das quais vocês vieram cuidar. A sua chegada responde a um imperativo humanitário que não pode esperar.

Caros colegas de Cuba, é correto que nós médicos brasileiros lutemos por carreira de Estado, melhor estrutura de trabalho e mais financiamento para a saúde. É compreensível que muitos optemos por viver em grandes centros urbanos, e não em áreas rurais sem os mesmos atrativos. É aceitável que parte de nós não deseje transitar nas periferias inseguras e sem saneamento. O que não é justo é tentar impedir que vocês e outros colegas brasileiros que podem e desejam cuidar dessas pessoas façam isso. Essa postura nos diminui como corporação, causa vergonha e enfraquece nossas bandeiras junto à sociedade.

O mais recente argumento contra sua vinda ao nosso país é o fato de que estariam sendo explorados. Falou-se até em trabalho escravo. A Organização Pan-americana de Saúde (Opas) com um século de experiência, seria cúmplice, já que assinou termo de cooperação com o governo brasileiro. Seus rostos sorridentes nos aeroportos negam com veemência essas hipóteses. Em nome de nosso povo e de boa parte de nossos médicos, só me resta dizer com convicção: Um abraço fraterno e muchas gracias.

Do segundo, destaco:
Tal medida extrema como uma intervenção militar nunca acaba tão bem executada quanto foi planejada. Os efeitos de tal intervenção sempre respingam sobre círculos muito mais amplos do que os previstos pelos planejadores militares (…) Nas circunstâncias atuais, as possibilidades são simplesmente apavorantes em termos de consequências letais, indesejadas e permanentemente inesperadas.

Sabemos dessas possibilidades porque, no Oriente Médio, os EUA tem estado nesse negócio de intervenção militar há muito tempo, começando com a malfadada invasão do Iraque de 1991. Depois vieram 10 opressivos anos de sanções impostas pelos EUA lá – cujos efeitos foram piores do que a guerra – e a segunda fase de combate da Guerra do Iraque enquanto se tentava ter algum sucesso com a invasão ao Afeganistão. Décadas depois, contra centenas de milhares de mortos, muitos deles mulheres e crianças, e uma crescente população de soldados feridos física e mentalmente, o que sabemos com certeza é que o poder militar mais incrível que o mundo já conheceu está severamente limitado na sua capacidade de resolver os problemas do século XXI. Não é preciso clamar por inclinações pacifistas para entender a falência da ideia de ataque militar. O Iraque e o Afeganistão são lições primárias. Em ambos os casos, instalamos não a democracia, mas sim o caos. Inflamamos velhas inimizades e, no caso do Iraque, destruímos o último Estado árabe secular daquela região, expulsamos sua classe média, destruímos sua infraestrutura e deixamos um experimento aberto para os mais talentosos na arte da corrupção. No Afeganistão, as armas que fornecemos para que as forças rebeldes lutassem contra os russos voltaram a assombrar os EUA.

Mas e o alto campo da moral? E o fato de que todo mundo acredita que o uso de armas químicas é um passo longe demais que requer uma resposta punitiva? Talvez fosse bom notar, perturbador como é, que nós sabíamos que o Iraque usou armas químicas, incluindo os gases mostarda e sarin, para obter uma vantagem em sua guerra de oito anos contra o Irã. Ele também usou armas químicas – e, mais uma vez, nós sabíamos disso – contra os curdos. E, no fim, qual é a diferença moral entre saber que crianças foram atacadas com gás e saber que 10 anos de sanções, conforme relatado pela ONU, foram diretamente responsáveis pela morte de mais de 500 mil crianças iraquianas com menos de cinco anos? Elas morreram – fluxos intermináveis de crianças nos leitos de hospital – por causa de água contaminada e outras doenças que, de outra forma, são fácil e rapidamente curadas, porque elas não podiam obter o medicamento. E elas não podiam obtê-lo porque nós, os EUA, não permitiríamos que eles entrassem. A secretária de Estado norte-americana da época, Madeleine Albright, em uma resposta lamentável a um entrevistador que perguntou se 500 mil crianças era um preço que valia a pena para os objetivos das sanções, respondeu: “Eu acho que essa é uma escolha muito difícil, mas o preço – nós pensamos que o preço vale a pena”. Há uma realidade triste e inevitável com relação à guerra, seja ela travada com armamentos ou com o poder das sanções, que começa a exceder as categorias morais.

Se estamos cansados da guerra, e a maioria das pesquisas mostram que nós estamos, não é porque existe um isolamento cada vez maior do tipo que encolhe alianças ou responsabilidades internacionais, mas sim porque o pragmático em nós diz que não existe um bom fim em tudo isso. O uso da força militar não funciona para resolver problemas. Nenhuma lição será ensinada ou aprendida.

Os textos:
Military intervention in Syria won’t solve anything –  By NCR Editorial Staff: National Catholic Reporter –  Aug. 29, 2013
”Intervenção militar na Síria não vai resolver nada” – Notícias: IHU On-Line 31/08/2013
David Oliveira de Souza: Carta aos médicos cubanos – Folha de S. Paulo: 31/08/2013 – 03h00