Amós deve ser lido como uma retrospectiva da queda de Israel?

Segundo alguns autores, sim: o livro de Amós deve ser lido como uma autópsia do Israel caído.

Por exemplo, Jason Radine, Professor de Estudos Bíblicos e Judaicos no Moravian College, Bethlehem, Pensilvânia, defende que o livro de Amós foi escrito em Judá logo Jason Radineapós a conquista do reino de Israel pela Assíria em 722 a.C.

O livro faz uma análise teológica da injustiça social do reino de Israel durante o reinado de Jeroboão II. O público-alvo do livro seria a população de Judá após a conquista assíria de Israel, uma combinação de refugiados israelitas e da população nativa de Judá.

E, muito mais do que um profeta de carne e osso, Amós deve ser visto como um personagem no livro.

Cito alguns trechos do artigo.

Jason Radine, The Book of Amos: A Retrospect on the Fall of Israel. TheTorah.com, April 22, 2021.

Escrito como um comentário sobre a injustiça social no reino de Israel no auge de sua riqueza e poder, o livro de Amós explica aos exilados israelitas por que eles foram punidos e alerta os judaítas para não cair na mesma armadilha.

O livro de Amos chama nossa atenção por fazer uma crítica feroz da injustiça social e da desigualdade econômica no reino de Samaria. Denuncia a hipocrisia descarada do culto formal por parte daqueles que perpetram a exploração de seus semelhantes. Os credores mercantilizaram seus tomadores de empréstimo, afogando-os em juros e, em seguida, executando dívidas até mesmo pequenas, prendendo os endividados na escravidão por dívida.

O livro começa com a afirmação de que Amós profetizou durante os reinados coincidentes do rei Ozias de Judá e de Jeroboão II de Israel. Isso teria sido por volta de 760 a.C. Este foi um ponto alto do poder de Israel, mas Amós prediz que Israel será destruído por causa de suas falhas éticas. Isso ocorre, de fato, anos depois, quando o reino de Israel sucumbiu a uma série de campanhas militares assírias entre 734 e 722 a.C., finalmente desmoronando completamente em 722 a.C. A Assíria deportou muitos israelitas, substituindo-os por pessoas de outras partes do império, e transformou Israel em província assíria.

Amós prevê tal queda por ataque militar do inimigo em vários lugares de seu livro. Prevê um colapso com baixas em massa para os exércitos israelitas. E o exílio é especificamente previsto várias vezes, sendo a classe alta exilada primeiro.

Embora todos os itens acima sejam apresentados como uma predição, parece mais provável que o livro de Amós seja uma explicação retrospectiva da queda do reino de Israel, em vez de uma predição antecipada da queda.

Este argumento é apoiado, por exemplo, pelo fato de Amós avisar os israelitas para observarem os destinos das cidades sírias de Calane e Emat como exemplos de cidades fortes que não podiam resistir às forças assírias. Os registros assírios indicam que Calane e Emat foram conquistadas pela Assíria em 738 a.C., quando os reis Ozias e Jeroboão, citados em Am 1,1, já tinham morrido. Os israelitas na época de Jeroboão II teriam visto apenas cidades prósperas ao olhar para Calane e Emat, mas observadores, algumas décadas depois, estariam cientes de que essas cidades fortes caíram nas campanhas da Assíria.

Outras evidências da redação posterior do livro podem ser vistas no modo como Amós acusa os israelitas de adorar as divindades assírias Ashimah, Sikkut e Kiyyun. Duas dessas divindades, Ashimah e Sikkut, são mencionadas em 2Reis como tendo sido veneradas por pessoas trazidas, pela Assíria, para Samaria depois que Israel foi conquistado em 722 a.C. Assim, parece claro que esses deuses só foram adorados em Israel após sua conquista pela Assíria, não antes. No entanto, Amós fala sobre eles como um problema contemporâneo, em 760 a.C.

Em conjunto, esta evidência sugere que o livro de Amós foi composto pela primeira vez após a queda do reino de Israel, não antes. Por mais convincentes que sejam as exigências éticas do livro, o objetivo do(s) autor(es) não era mudar o comportamento do suposto público do profeta no reino do norte de Israel. O livro parece ter sido composto após a queda de Israel, quando já era tarde demais para Israel mudar seu comportamento ou seu destino.

A análise das evidências aponta para a profecia bíblica como um gênero literário característico, ao invés da profecia israelita como uma prática concreta. O profeta Amós, portanto, é melhor entendido como personagem do livro de Amós. Como tal, o livro de Amós deve ser lido como uma peça de literatura político-religiosa, na qual um certo profeta Amós avisa Israel com antecedência sobre a punição, que o público sabe que já ocorreu.

O livro de Amós não é “profecia” em si, mas sim um “texto literário preditivo” – um texto escrito como profecia para explicar um desenvolvimento histórico em termos da vontade divina. O livro é, portanto, uma acusação e uma autópsia do Israel caído, parte do entendimento bíblico geral das catástrofes de Israel como sendo devidas às próprias falhas religiosas e morais dos israelitas.

O público-alvo do livro seria a população de Judá após a conquista assíria de Israel, uma combinação de refugiados israelitas e da população nativa de Judá. O livro apresenta ao componente refugiado da audiência uma perspectiva judaica sobre seu papel em sua própria queda, bem como uma indicação do que é moralmente esperado deles em Judá. Para o público de Judá, o livro declara que, embora o Israel mais rico pudesse parecer favorecido por Iahweh, Judá de fato é favorecido. Ao mesmo tempo, Judá permanece vulnerável e pode sofrer o mesmo destino de Israel se seu povo não aprender com a experiência de Israel.

As pesadas acusações do livro feitas ao reino de Israel provavelmente vêm do ressentimento com o sucesso relativo de Israel em comparação com seu vizinho do sul, Judá. Israel sempre foi mais rico do que Judá, mas sua riqueza é apresentada como sua própria ruína: Israel sofreu o destino que merecia, na visão do livro. Tal relato da catástrofe, por um lado, defende Iahweh da acusação de que não protegeu Israel, e, por outro lado, dá poder aos judaítas, afirmando que eles podem controlar seu futuro por meio de seu comportamento.

Jason Radine é Professor de Estudos Bíblicos e Judaicos no Moravian College, Bethlehem, Pensilvânia, USA. Estudou na Universidade de Michigan, USA, e na Georg-August Universität, em Göttingen, Alemanha. É autor do livro The Book of Amos in Emergent Judah. Tübingen: Mohr Siebeck, 2010.

 

Written as a commentary on the social injustice in the kingdom of Israel at a high point of its wealth and power, the book of Amos explains to exiled Israelites why they were punished and warns Judahites not to fall into the same trap.

RADINE, j. The Book of Amos in Emergent Judah. Tübingen: Mohr Siebeck, 2010The book of Amos stands out as a ferocious critique of callous social injustice and economic inequality. It castigates the brazen hypocrisy of pious worship by those who perpetrate the exploitation of their fellow human beings. Creditors commodified their borrowers, drowning them in interest and then foreclosing on even small debts, trapping the borrowers into debt slavery (…)

The book opens with a claim that Amos prophesied during the overlapping reigns of King Uzziah of Judah and King Jeroboam II of Israel (…)

This would have been in the 760s B.C.E. This was a high point of Israel’s power, but Amos predicts that Israel will be destroyed because of their ethical failings. This takes place years later when the kingdom of Israel succumbed to a series of Assyrian military campaigns in the 730s and 720s B.C.E., finally collapsing completely in 722–721 B.C.E. Assyria deported many of the Israelites, replacing them with people from elsewhere in the empire, and transformed Israel into the Assyrian province of Samerina (…)

Amos predicts such a fall by military attack in several places (…) The book predicts a collapse with mass casualties for the Israelite armies (…) Exile is specifically predicted several times, with the upper class exiled first (…)

While all of the above is presented as a prediction, it seems more likely that the book of Amos is a retrospective explanation of the fall of the kingdom of Israel rather than a prediction of the fall in advance (…)

This argument is supported from how Amos warns the Israelites to observe the fates of the Syrian cities of Calneh and Hamath as examples of strong cities that could not resist the Assyrian forces (…) Assyrian records indicate that Calneh and Hamath were conquered together by Assyria in 738 B.C.E., after the kings from Amos 1:1 had died. Israelites in the time of Jeroboam II would have seen only thriving cities when looking at Calneh and Hamath, but observers a few decades later would be aware that these strong cities fell to Assyria’s westward campaigns that eventually engulfed Israel (…)

Further evidence of the books later date can be seen from how Amos accuses Israelites of worshiping Assyrian deities Ashimah, Sikkut, and Kiyyun (…) Two of these deities, Ashimah and Sikkut, are mentioned in Kings as having been venerated by people transplanted by Assyria into Samaria after Israel was conquered (…)

Thus, it seems clear that these gods were only worshipped in Israel after its conquest by Assyria, not before. Yet Amos speaks about them as a contemporary problem.

In aggregate, this evidence suggests that the book of Amos was first composed after the kingdom of Israel’s fall, not before. However compelling the book’s ethical demands are, its author(s) goal was not to change the behavior of the prophet’s ostensible audience in the northern kingdom of Israel. The book seems to have been composed during the period after the fall of Israel, when it was already too late for Israel to change its behavior, or its fate (…)

The balance of evidence points to biblical prophecy as a distinctive literary genre, rather than to Israelite prophecy as a distinctive practice. The prophet Amos, therefore, is best understood as a character in the book of Amos (…) As such, the book of Amos should be read as piece of religio-political literature, in which a prophet Amos warns Israel in advance of the punishment that the audience knows has already occurred (…)

The book of Amos is not “prophecy” per se, but rather is a “literary-predictive text”—a text written as prophecy to explain a historical development in terms of divine will. The book is thus both an indictment and an autopsy of fallen Israel, part of the general biblical understanding of Israel’s catastrophes as being due to the Israelites’ own religious and moral failures.

The intended audience of the book would have been the people of Judah in the aftermath of the Assyrian conquest of Israel, a combination of Israelite refugees and the native Judahite population. The book presents to the refugee component of the audience a Judahite perspective on their role in their own fall, as well as an indication of what is morally expected of them in Judah. To the Judahite audience, the book declares that while wealthier Israel might have seemed favored by YHWH, Judah in fact is favored. At the same time, Judah remains vulnerable to suffering Israel’s fate if its people do not learn from Israel’s experience.

The book’s searing indictments of the kingdom of Israel probably come from resentment at Israel’s relative success compared with its southern neighbor, Judah. Israel was always wealthier than Judah, but its wealth is presented as its own undoing: Israel suffered the fate that it deserved, in the book’s view. Such an accounting of catastrophe both defended YHWH from blame for not protecting Israel, and, at the same time, empowered ancient Jews by asserting that they could control their future by their behavior.

Jason Radine is Professor of Biblical and Jewish Studies and Chair of the Department of Global Religions, Moravian College, Bethlehem, Pennsylvania. He earned his Ph.D in Near Eastern Studies at the University of Michigan in 2007 and was awarded a Post-Doctoral Humboldt Fellowship for study at the Georg-August Universität, Göttingen, Germany in 2011-2012. He is author of The Book of Amos in Emergent Judah (Tübingen: Mohr Siebeck, 2010) and various articles on the Minor Prophets.

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