Política e moralismo

Quando as dimensões concretas da sociedade não são levadas em conta, as questões políticas sofrem uma redução de seu conteúdo, perdendo sua autonomia. São consideradas de maneira abstrata, conduzidas ao espaço da ética, restritivamente, e resolvidas no moralismo.

 

Choque de Ética? Aliança com Garotinho desmonta discurso de Alckmin

O PSDB também sabe dar tiro no próprio pé. Ou, como disse o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, um “tiro na cabeça”. Assim está sendo considerada, até mesmo por aliados, a decisão do candidato tucano à Presidência da República, Geraldo Alckmin, de aceitar o apoio do ex-governador do Rio, Anthony Garotinho, e de sua mulher, a atual governadora Rosinha Matheus, nesse segundo turno. A aliança com o casal Garotinho _ atingido por diversas denúncias de desvio de dinheiro público e outras práticas políticas condenáveis _ joga por terra a tentativa do PSDB de construir um discurso “pela ética” na disputa presidencial. Outro efeito bombástico dessa aliança é sacramentar o racha no PMDB do Rio, já que o candidato do partido ao Governo, Sérgio Cabral Filho, fechou acordo com o PT e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O tiro no pé de Alckmin começou a sangrar com mais intensidade na manhã dessa quarta-feira (4), depois que a adversária de Cabral Filho no segundo turno, Denise Frossard (PPS), declarou publicamente que, em caso de confirmação da aliança com Garotinho, prefere “retirar o apoio” ao tucano: “Eu rejeito o apoio do Geraldo Alckmin e não autorizo que ele utilize minha imagem em sua campanha. Depois que o vi sentado ao lado do casal Garotinho e aceitando o apoio deles, cheguei à conclusão de que Alckmin não gosta do Rio”, disse a candidata em entrevista à rádio CBN. Frossard voltou a qualificar os governos de Garotinho e Rosinha como “desastrosos” do ponto de vista ético: “O [Mário] Covas deve estar se revirando no túmulo com essa aliança fechada pelo Alckmin”.

Ao anunciar o rompimento com a candidatura do PSDB à Presidência, Denise Frossard confirmou uma tendência que já havia sido desenhada na véspera por César Maia, que é o principal avalista de sua candidatura ao Governo do Rio. Principal liderança do PFL da Região Sudeste, César não escondeu a perplexidade com o gesto político de Alckmin. Em entrevista publicada pelo jornal O Globo nessa quarta-feira, o prefeito do Rio diz que os eleitores podem ver em Alckmin “uma Dona Flor” e que nem ele nem Frossard “querem ser um dos dois maridos de Dona Flor” frente ao eleitorado fluminense.

“Do ponto de vista político, no Rio, a aliança com Garotinho é um tiro na cabeça. Parece que Alckmin não entendeu a eleição no Rio. É uma boa justificativa para o eleitor da Heloísa Helena, que não consegue digerir o Garotinho, votar no Lula”, disse César. O pefelista também garantiu que não vai subir em palanques com o tucano: “Agora vou ter cuidado. Se eu estiver junto com o Alckmin e o meu eleitor perceber o Garotinho dentro da campanha do Alckmin, esse beijo da morte pode pegar em mim. O Rio é o meu espaço político. Nesse momento, essa proximidade pode ser virótica. Preciso tomar muito cuidado. Tomar banho de sal, como dizia o [Leonel] Brizola”.

O recado de César à direção do PSDB foi claro. Sua consequência imediata foi a intervenção do presidente nacional tucano, Tasso Jereissati, na reunião da Executiva estadual do partido que caminhava para aprovar o apoio a Cabral Filho no segundo turno. Esse apoio seria possível devido à hostilidade com que César passou a tratar o ex-pupilo Eduardo Paes e parte da direção estadual do PSDB depois que estes bancaram candidatura própria em vez de apoiar Frossard no primeiro turno. Esse afastamento aproximava os tucanos fluminenses de Cabral Filho, mas um telefonema de Tasso mudou os rumos da reunião como que por milagre: “A prioridade é eleger Geraldo Alckmin”, disse Paes ao fim do encontro, resumindo a orientação passada por Tasso.

Alckmin sem palanque

O tiro no pé de Geraldo Alckmin pode sangrar ainda mais, pois, com a debandada de César Maia e Denise Frossard de sua candidatura, é provável que ele fique sem um palanque forte no Rio durante toda a campanha do segundo turno. A situação deve divertir Lula, pois há duas semanas atrás todos os grandes jornais fluminenses apostavam que Alckmin poderia ter os dois palanques no Rio. Agora, com o acordo firmado entre Cabral Filho e Lula e a nova posição de Frossard, periga acontecer o contrário. O próprio Garotinho tenta minimizar esse problema: “Faremos palanques nossos para o Alckmin. Palanques do Garotinho e da Rosinha”, disse.

Apesar das inúmeras pressões, Alckmin parece disposto a não voltar atrás na aliança com Garotinho. Resta saber o que isso significará em termos de votos. Ex-prefeito de Piraí e vice na chapa de Cabral Filho, Luiz Fernando Pezão, que também coordena a campanha do PMDB no interior, nos dá uma pista: “O Alckmin vai perder mais do que ganhar no interior do Estado. Todos os prefeitos que apoiam o Sérgio já estão fechados com o Lula. O candidato a governador é o Sérgio, não é o Garotinho”, resume.

Fonte: Maurício Thuswohl – Carta Maior: 04/10/2006

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