A imprensa brasileira e suas tramas golpistas

No blog O biscoito fino e a massa, de Idelber Avelar, Professor no Departamento de Espanhol e Português da Tulane University, New Orleans, LA, USA, leia o post de 16 de outubro de 2006 sobre o papel da imprensa brasileira neste segundo turno das eleições.

A explícita campanha eleitoral da mídia brasileira

Que duas das últimas quatro capas da revista Veja demonstrem claramente que ela está empenhadíssima na campanha de Alckmin não deve surpreender. A Veja há tempos perdeu qualquer respeitabilidade como veículo de comunicação com pretensões à isenção: matérias insultantes, moleques caluniadores assinando colunas, versões fantasiosas dos fatos e grosseira parcialidade na cobertura são o prato de toda semana nessa que é ainda, tristemente, a mais vendida revista semanal brasileira.

Mas do maior jornal brasileiro costumávamos esperar um pouco mais. Sim, é fato sabido que a Folha de São Paulo foi parte integrante do golpismo anti-Jango de 1961 a 1964; também é abundantemente sabido que esse jornal emprestava suas C-14 para recolher torturados durante a ditadura militar; é igualmente de conhecimento público que o Sr. Frias apoiava de forma explícita a mais sinistra opção para a sucessão de Ernesto Geisel, o general linha-dura e delirantemente fascista Sílvio Frota, comandante do Exército; é também sabido que durante os oito anos de FHC a Folha, com raríssimas exceções, abriu mão completamente do papel investigativo da imprensa ante as suspeitas privatizações realizadas pelo tucanato. Tudo isso é fartamente sabido.

Se o seu suplemento literário já há tempos perde de goleada do “Prosa e Verso”, do Globo, na cobertura política acostumamo-nos a esperar um mínimo de decência e imparcialidade da Folha. Nesta campanha eleitoral, no entanto, ante a vantagem de Lula e a perspectiva de outra derrota eleitoral dos seus queridos tucanos, a Folha resolveu arregaçar as mangas e entrar na campanha de cabeça. Já não fazem qualquer questão de escondê-lo. A deturpação, parcialidade e manipulação de manchetes estão chegando às raias do que seria de se esperar da Veja.

No caso do dossiê anti-Serra que foi decisivo para a realização do segundo turno, a imprensa brasileira simplesmente omitiu que conseguiu as tão desejadas fotos do dinheiro através de uma mentira de um delegado (“tomem, mas vou mentir aos superiores dizendo que foi vazado da minha escrivaninha; tem que sair no Jornal Nacional, viu?”). Não há defesa de sigilo de fonte que justifique a omissão de que a foto havia sido conseguida através de procedimento criminoso. Josias de Souza, com a desonestidade própria aos que se dedicam a servir os poderosos, acha normal a omissão das circunstâncias em que se conseguiu a foto, normal o esquecimento de qualquer pergunta sobre o conteúdo do dossiê, normal a omissão do fato de que a campanha tucana havia chegado ao local antes da PF. Há que se reconhecer um mérito naquele blog: o blogueiro leva uma surra diária dos seus leitores e continua lá, fazendo sua campanha, incólume. Enquanto isso, lembremos: Soninha continua proibida de falar de política em seu blog. folha-14.jpg

As manchetes da Folha nesta última semana parecem saídas do Pravda. Depois da declaração do coordenador da campanha de Lula, Marco Aurélio Garcia, de que fiizemos alguns reajustes importantes que vão nos dar hoje uma situação mais equilibrada. Não precisaremos dar os pinotes que foram necessários para, entre outras coisas, atender à necessidade do nosso funcionalismo público, a Folha estampou na capa do dia 14: PT vai dar reajuste menor a servidor se vencer a eleição. Esqueceram-se de dizer, claro, que os reajustes dados no governo Lula foram infinitamente superiores aos dos oito anos de FHC. Ante a declaração de campanha do presidente Lula, de que querem privatizar o que resta neste país. Como eles nunca trabalharam, querem vender o que têm, o jornal, no dia 13, escolhia como manchete: Lula insiste em dizer que Alckmin vai privatizar Petrobras, BB e Caixa.

Prestem especial atenção aos verbos e substantivos que não são de responsabilidade do entrevistado ou da fonte, mas de escolha do jornal: ante a notícia de que a votação de Lula foi de 93% na cidade de Manaquiri (AM), onde 75% das famílias recebem o Bolsa-Família, a Folha estampou, no dia 08, a manchete: Medo é cabo eleitoral de Lula no Amazonas. Não, leitor, você não está delirando. A manchete foi essa mesma. Na discussão sobre a dimensão privatista do programa de Alckmin – sobre o qual, diga-se de passagem, ele ainda não disse nada – a Folha, no mesmo dia 08, estampou a incrivelmente cretina manchete: PT ressuscita chavões de oposição para atacar tucano. “Ressuscita chavões?” Desde quando chavão em política é exclusividade de alguém? E desde quando um jornal relata a versão de sua fonte com esses termos grosseiros? O outro lado da mesma notícia? Sim, o outro lado aparece, claro, na manchete Alckmin nega que fará privatizações e reprova petistas. Note-se o óbvio: a versão de Alckmin é dada com palavras dele. A versão do PT é caracterizada na manchete como “ressureição de chavões”, numa grotesca paráfrase que poderia ter sido tirada de um panfleto do . . . do . . . próprio Alckmin! É a “imparcialidade” do jornal.

Será que é preciso ter um doutorado em retórica para perceber o que está em jogo aqui? Acredito que não. Acho, inclusive, que o grosso do povão já o percebeu. O sentimento anti-imprensa no Brasil está chegando a níveis comparáveis aos tempos do bordão o povo não é bobo / abaixo a Rede Globo, com que os pobres profissionais da organização eram saudados nos comícios das diretas em 1984, depois que o “jornalista” Roberto Marinho publicou sua carta de louvor à ditadura.

É urgente uma CPI da mídia no Brasil. Quando e se ela acontecer, a última coisa que vou querer ouvir é algum jornalista reclamando, “ai, meu Deus, é censura!”

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